Guilherme Fiuza, Revista ÉPOCA
Dilma Rousseff pediu a sua assessoria um pente-fino nos contratos da construtora Delta com o governo federal. A presidente da República quer saber se há irregularidade em alguma dessas obras. O Brasil assiste embevecido a mais uma cartada moralizadora da gerente. Mas o ideal seria ela pedir a sua assessoria, antes do pente-fino, uns óculos de grau. Se Dilma não enxergou o que a Delta andou fazendo com seu governo, está correndo perigo: pode tropeçar a qualquer momento num desses sacos de dinheiro que atravessam seu caminho, rumo às obras superfaturadas do PAC.
Como todos sabem, até porque Lula cansou de avisar, Dilma é a mãe do PAC. Por uma dessas coincidências da vida, a Delta é a empreiteira campeã do PAC. Segundo a Controladoria-Geral da União (CGU), as irregularidades nas obras tocadas pela Delta vêm desde 2007. A mãe do PAC teve pelo menos cinco anos para enxergar com quem seu filho estava se metendo. E a Delta era a principal companhia do menino, andando com ele Brasil afora num variado roteiro de traquinagens. Mas as mães de hoje em dia são muito ocupadas, não têm tempo para as crianças.
Felizmente, sempre tem uma babá, uma vizinha, uma amiga atenta para abrir os olhos dessas mães distraídas. Dilma teve essa sorte, em setembro de 2010. A CGU, que vive controlando a vida alheia – uma espécie de bisbilhoteira do bem –, deu o serviço completo: contou a Dilma e Lula (a mãe e o padrasto) que o PAC vinha sendo desencaminhado pela Delta. Superfaturamento, fraudes em licitações, pagamento de propinas e variadas modalidades de desvio de dinheiro público – inclusive com criminosa adulteração de materiais em obras de infraestrutura – estavam entre as molecagens da empreiteira com o filho prodígio da então candidata a presidente.
De posse do relatório da CGU, expondo a farra da Delta nas obras do PAC, o que fez Dilma Rousseff? Eleita presidente, assinou mais 31 contratos com a Delta.
Talvez seja bom explicar de novo, para os leitores distraídos como a mãe do PAC: depois da comunicação à administração federal sobre as irregularidades da Delta, a empreiteira recebeu quase R$ 1 bilhão do governo Dilma. Agora, a presidente anuncia publicamente que passará um pente-fino nesses contratos, e a plateia aplaude a faxina. Não só aplaude, como dá novo recorde de aprovação a esse mesmo governo Dilma (64% no Datafolha), destacando o quesito moralização. Infelizmente, pente-fino não pega conto do vigário. A presidente corre o risco de tropeçar de repente num saco de dinheiro que atravessa o governo rumo ao PAC.
Mas o show tem de continuar. E, já que o público está gostando, a presidente se espalha no picadeiro. Depois da farra da Delta, que teve seu filé-mignon no famigerado Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Dilma diz que quer saber se a faxina no órgão favoreceu Carlinhos Cachoeira. Tradução: depois de ter de demitir apadrinhados de seus aliados porque a imprensa revelou suas negociatas, Dilma quer ver se ainda dá para convencer a plateia de que o escândalo foi plantado pelo bicheiro. É claro que dá: se Lula repete por aí que o mensalão não existiu (e não foi internado por causa disso), por que não buzinar a versão de que o caso Dnit foi uma criação de Cachoeira?
Pelo que revelam as escutas telefônicas da Polícia Federal, o bicheiro operava com a Delta na corrupção de agentes públicos. Dilma e o PT são candidatos a vítimas desse esquema – daí Lula ter forçado a CPI do Cachoeira. O problema na montagem dessa literatura é que a Delta, mesmo depois da revelação do esquema e da prisão do bicheiro, continua recebendo dinheiro do governo Dilma – R$ 133 milhões só em 2012, e através do Dnit...
A atribulada mãe do PAC não notou a Delta, não percebeu Cachoeira, engordou o milionário esquema deles no Dnit durante anos por pura distração – e agora vai moralizar tudo isso com seu pente-fino mágico. Na próxima rodada das pesquisas de opinião, o vigilante povo brasileiro saberá reconhecer mais essa faxina da mulher destemida, dando-lhe novo recorde de aprovação.
Nesse ritmo, a CPI do Cachoeira acabará concluindo que até o escândalo do mensalão foi provocado pelo bicheiro (essa tese já existe). E Dilma conquistará para o PT o monopólio da inocência.
Idéias de um livre pensador sem medo da polêmica ou da patrulha dos "politicamente corretos".
segunda-feira, abril 30, 2012
Meu Brasil brasileiro
MARCO ANTONIO, VILLA - HISTORIADOR; É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFSCAR) - O Estado de S.Paulo
O Brasil é um país, no mínimo, estranho. Em 1992, depois de grande mobilização nacional e de uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) acompanhada diariamente pela população, o então presidente Fernando Collor de Mello teve o seu mandato cassado. Foi o primeiro presidente da República que teve aprovado um processo de impeachment no País. De acordo com os congressistas, o presidente foi deposto por ter cometidos crimes de responsabilidade. Collor foi acusado de ter articulado com o seu antigo tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, um grande esquema de corrupção que teria arrecado mais de US$ 1 bilhão. Acabou absolvido pelo Supremo Tribunal Federal por falta de provas. Passados 20 anos, o mesmo Fernando Collor, agora como senador por Alagoas, foi indicado por seu partido, o PTB, para compor a CPMI que se propõe a investigar as ações de Carlinhos Cachoeira. Deixou a posição de caça e passou a ser um dos caçadores.
Quem mudou: Collor ou o Brasil? Provavelmente nenhum dos dois. Algo está profundamente errado quando um país não consegue, depois de duas décadas, enfrentar a corrupção. Hoje, diferentemente de 1992, as denúncias de corrupção são muito mais graves. Estão nas entranhas do Estado, em todos os níveis, e em todos os Poderes. Não se trata - o que já era grave - simplesmente de um esquema de corrupção organizado por um grupo marginal do poder, recém-chegado ao primeiro plano da política nacional.
Ao longo dos anos a corrupção foi sendo aperfeiçoada. Até adquiriu status de algo natural, quase que indispensável para governar. Como cabe tudo na definição de presidencialismo de coalizão, não deve causar admiração considerar que a corrupção é indispensável para a governabilidade, garante estabilidade, permite até que o País possa crescer - poderia dizer algum analista de ocasião, da turma das Polianas que infestam o Brasil.
Parodiando Karl Marx, corruptos de todo o Brasil, uni-vos! Essa poderia ser a consigna de algum partido já existente ou a ser fundado. Afinal, a nossa democracia está em crise, mas não é por falta de partidos. É uma constatação óbvia de que o Brasil não tem memória. O jornalista Ivan Lessa escreveu que a cada 15 anos o Brasil esquecia o que tinha acontecido nos últimos 15. Lessa é um otimista incorrigível. O esquecimento é muito - mas muito - mais rápido. É a cada 15 dias. Caso contrário não seria possível imaginar que Fernando Collor estivesse no Senado, presidisse comissões e até indicasse diretores de empresas estatais, como no caso da BR Distribuidora. E mais: que fosse indicado como membro permanente de uma CPMI que visa a apurar atos de corrupção. Indo por esse caminho, não vai causar nenhuma estranheza se o Congresso Nacional revogar o impeachment de 1992 e até fizer uma sessão de desagravo ao ex-presidente. Como estamos no Brasil, é bom não duvidar dessa possibilidade.
Em 1992 muitos imaginavam que o Brasil poderia ser passado a limpo. Ocorreram inúmeros atos públicos, passeatas; manifestos foram redigidos exigindo ética na política. Até surgiu uma "geração de caras-pintadas". Parecia - só parecia - que, após a promulgação da Constituição de 1988 e a primeira eleição direta presidencial - depois de 29 anos -, a tríade estava completa com a queda do presidente acusado de sérios desvios antirrepublicanos. O novo Brasil estaria nascendo e a corrupção, vista como intrínseca à política brasileira, seria considerada algo do passado.
Não é necessário fazer nenhum balanço exaustivo para constatar o óbvio. A derrota - de goleada - dos valores éticos e morais republicanos foi acachapante. Nos últimos 20 anos tivemos inúmeras CPIs. Ficamos indignados ouvindo depoimentos em Brasília com confissões públicas de corrupção. Um publicitário, Duda Mendonça, chegou mesmo a confessar - sem que lhe tivesse sido perguntado - na CPMI do Mensalão que havia recebido numa conta no exterior o pagamento pelos serviços prestados à campanha do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. A bombástica revelação foi recebida por alguns até com naturalidade. O que configurava um crime de responsabilidade, de acordo com a Constituição, além de outros delitos, não gerou, por consequência, nenhum efeito. E, vale recordar, com a concordância bovina - para lembrar Nelson Rodrigues - da oposição.
A aceitação de que política é assim mesmo foi levando à desmoralização da democracia e de seus fundamentos. Hoje vivemos um simulacro de democracia. Ninguém quer falar que o rei está nu. Democracia virou simplesmente sinônimo de realização de eleições, despolitizadas, desinteressadas e com um considerável índice de abstenção (mesmo com o voto obrigatório). Aqui, até as eleições acabaram possibilitando expandir a corrupção.
Na política tradicional, a bandeira da ética é empunhada de forma oportunista, de um grupo contra o outro. Na próxima CPI os papéis podem estar invertidos, sem nenhum problema. É um querendo "pegar" o outro. E muitas vezes o feitiço pode virar contra o feiticeiro.
E as condenações? Quem está cumprindo pena? Quem teve os bens, obtidos ilegalmente, confiscados? Nada. O que vale é o espetáculo, e não o resultado.
O Brasil conseguiu um verdadeiro milagre: descolou a política da economia. O País continua caminhando, com velocidade reduzida, por causa da má gestão política. Mas vai avançando. E por iniciativa dos simples cidadãos que desenvolvem seus negócios e constroem dignamente sua vida. Depois, muito depois, vão chegar o Estado e sua burocracia. Aparentemente para ajudar, mas, como de hábito, para tirar "alguma casquinha", para dizer o mínimo. E a vida segue.
Não vai causar admiração se, em 2032, Demóstenes Torres for indicado pelo seu partido para fazer parte de uma CPI para apurar denúncias de corrupção. É o meu Brasil brasileiro, terra de samba e pandeiro.
A palavra feia
Luiz Felipe Pondé, Folha de SP
Anos atrás, tive o prazer de conhecer o filósofo alemão Peter Sloterdijk. Encontrei com ele algumas vezes em sua casa em Karlsruhe, Alemanha.
Partilhamos o gosto pelo charuto cubano, pelo vinho branco em grandes quantidades, pelo frango que sua esposa faz, pela visão trágica de mundo, pela heresia cristã pessimista conhecida por gnosticismo e pela pré-história. E também por usar palavras feias na filosofia e no debate público.
Cheguei a entrevistá-lo para esta Folha duas vezes. Em uma delas, em 1999, a pauta era a acusação que outro filósofo alemão, Jürgen Habermas, fazia a ele de retomar a palavra "eugenia" em solo alemão.
Eugenia quer dizer criar jovens belos, bons e perfeitos. Esta controvérsia chegou até nós e ficou conhecida com o título do livro causador dela, "Regras para o Parque Humano", publicado entre nós pela editora Estação Liberdade. "Parque Humano" aqui significa parque num sentido quase zoológico.
Nesta peça filosófica, Sloterdijk dizia que o projeto eugênico ocidental é filho de Platão ("A República", por exemplo), e que se ele não deu certo nas engenharias político-sociais utópicas modernas, nem na educação formal propriamente, estava dando certo na biotecnologia e nas tecnologias de otimização da saúde.
Alguém duvida que academias de ginástica, consultoras em nutrição, espiritualidades narcísicas ao portador (como a Nova Era e sua salada de budismo, decoração de interiores e física quântica), cirurgias e tratamentos estéticos, checkups anuais, ambulatórios de qualidade de vida, pré-natal genético e interrupção aconselhada da gravidez de fetos indesejáveis sejam eugenia?
E a primeira causa do impulso eugênico é o fato de que a vida é um escândalo de sofrimento, miséria física e mental.
Mas, a reação a Sloterdijk na época não foi propriamente uma negação de seus postulados (difíceis de serem negados), mas sim uma reação pautada pela covardia filosófica e política diante da palavra feia que ele falava.
Esta palavra feia era sua recusa em negar nossa natureza eugênica e a opção contemporânea pós-nazismo por realizar a eugenia no silêncio de uma razão cínica que nega suas motivações morais: tornar a vida perfeita sem dizer que está fazendo isso.
Ao tentar por "na conta do nazismo" a fala de Sloterdijk, Habermas e seus discípulos fugiam do debate, negando a fuga da agonia humana diante do sofrimento via nossa decisão (silenciosa) de tornar a vida perfeita a qualquer custo, mesmo que esta decisão venha empacotada em conceitos baratos como "qualidade de vida", "felicidade interna bruta" ou "direito a autoestima".
Mas, engana-se quem pensar que Sloterdijk está querendo "aliviar" a intenção eugênica ao remetê-la a miséria estrutural da vida. Sloterdijk é um filósofo trágico, e por isso ele parte da aporia (impasse) da condição humana para pensar sua história, sua moral, sua política.
Sua intenção é trazer à luz aquilo que não se quer trazer à luz, ou seja, que nossa cultura e nossa ciência são eugênicas apesar de dizer que não são. A palavra feia aqui é um grito contra o cinismo dos que negam a intenção eugênica.
Mesmo que alguns intelectuais de esquerda tentem afirmar que o projeto político utópico revive nas mãos dos árabes e suas eleições islamitas, ou da crise do Euro, ou de desocupados que ocupam os espaços públicos dos que têm o que fazer, intelectuais estes que se apropriam de modo quase oportunista das constantes crises que acometem o mundo, sejam elas capitalistas, sejam elas de qualquer outra natureza, a verdadeira "esquerda" hoje é a afirmação do direito humano a ser mestre do seu destino através das ciências biotecnológicas e seu inegável impacto sobre as condições imediatas da vida cotidiana: longevidade, cirurgias transformadoras do corpo "original", vacinas, antibióticos, psicofármacos, contraceptivos, Viagras, terapias genéticas preventivas.
Diante do cinismo, Sloterdijk me disse uma vez que nos restava o "terrorismo pedagógico": dizer palavras feias que as pessoas não querem ouvir em seu sono dogmático.
sábado, abril 28, 2012
Decadência moral ou saudosismo idealizado?
Rodrigo Constantino
Em artigo na Folha hoje, a senadora Kátia Abreu culpa o crescente ateísmo pela crise que assola os Estados Unidos e a Europa. Segundo a senadora, a crise não é do capitalismo em si (o que concordo), mas sim de um capitalismo mais hedonista, materialista e ateu (o que discordo). Ao retirar Deus da história, diz ela, os valores morais se perderam e tudo entrou em decadência. Sem Deus, tudo é permitido!
Não creio que os dados empíricos corroboram com tal visão. A crise não seleciona de acordo com a fé. Ataca países de todos os tipos. Por outro lado, os países asiáticos seguem em melhor situação, e tampouco creio que seja por causa da fé em Deus (muito menos por causa do cristianismo). Não consta também que os muçulmanos, repletos de fé religiosa (até demais), naveguem em um mar de prosperidade.
Também questiono se há de fato este hedonismo todo nesse mundo moderno e mais laico, quando vejo tanta gente abraçando novas formas de fé na "imortalidade", postergando os prazeres do momento em nome de uma vida (qual vida?) sempre mais longa. As cruzadas anti-tabagistas e contra o açúcar e fritura ilustram bem isso. Tem muita gente com medo de viver o presente!
Mas o que eu gostaria de questionar aqui é se há mesmo uma decadência moral em curso, para começo de conversa. Sim, eu não posso negar que vejo certos valores em declínio, valores estes que eu respeito e admiro. Só que nem tudo é decadência moral. Os hábitos e costumes mudam, e muitas vezes temos dificuldade de adaptação. Quando tais mudanças ocorrem em ritmo muito acelerado, esta aceitação fica ainda mais difícil. Portanto, eu já colocaria em xeque a principal premissa da senadora (e de muitos conservadores): há mesmo este declínio moral ou estamos diante de novidades que incomodam, mas que não necessariamente vão tornar o mundo um lugar pior?
Nesse meu artigo, falo mais dessa questão dos "saudosistas". Acho que devemos tomar muito cuidado com este julgamento precipitado de que tudo vai de mal a pior com o mundo moderno. Creio que o cético David Hume, que não pode ser acusado de ingênuo e esperançoso, colocou o dedo na ferida quando disse: "O hábito de culpar o presente e admirar o passado está profundamente arraigado na natureza humana". Em seu novo livro "Civilization: The West and the Rest", Niall Ferguson arrisca uma boa explicação para este fenômeno tão comum, principalmente entre pessoas com mais idade. Ele afirma que a idéia de que estamos "fritos", que o declínio é inevitável, que as coisas só podem piorar, está altamente conectada à noção de mortalidade que temos. Como vamos degenerar enquanto indivíduos, então, de forma instintiva, nós sentimos que as civilizações em que vivemos devem seguir o mesmo destino.
Longe de mim apresentar um quadro muito esperançoso e otimista, ignorando os enormes riscos existentes e até mesmo os aspectos que considero degenerados de fato em nosso mundo atual. Mas eu iria com menos fervor neste diagnóstico e prognóstico. O crescimento da riqueza mundial pode representar simplesmente a ascensão de uma classe média, e comparar seus gostos (sempre medíocres por definição) com as preferências aristocráticas do passado é uma injustiça (Michel Teló x Mozart, por exemplo).
Não acho, portanto, que exista esse declínio moral todo e que ele se deve ao ateísmo. Até porque, como dizia Humboldt, "A moralidade humana, até mesmo a mais elevada e substancial, não é de modo algum dependente da religião, ou necessariamente vinculada a ela". Eu concordo, e vejo isso no dia a dia. Pessoas com profunda fé espiritual que não são ícones de moralidade, e ateus ou agnósticos que se mostram pessoas rigorosamente corretas. O capitalismo depende mesmo da fé religiosa? Eu penso que não.
Por fim, e para ilustrar com um bom exemplo o alerta de Hume, segue uma constatação feita pelo jesuíta espanhol Baltasar Gracián, em "A Arte da Prudência". Detalhe: o livro foi escrito em 1647!
Muitos valores vieram a parecer antiquados: falar a verdade, manter a palavra. Os bons parecem pertencer aos velhos bons tempos, embora sejam sempre queridos. Se é que ainda há alguns, são raros, e nunca são imitados. Que triste época essa, quando a virtude é rara e a maldade está no cotidiano.
Será que o mundo fica cada vez pior mesmo, ou será que são nossos olhos, nosso saudosismo de um passado idealizado, nossa insegurança diante das novidades, que criam esta imagem sombria do presente e futuro? Deixo com o leitor a resposta.
Em artigo na Folha hoje, a senadora Kátia Abreu culpa o crescente ateísmo pela crise que assola os Estados Unidos e a Europa. Segundo a senadora, a crise não é do capitalismo em si (o que concordo), mas sim de um capitalismo mais hedonista, materialista e ateu (o que discordo). Ao retirar Deus da história, diz ela, os valores morais se perderam e tudo entrou em decadência. Sem Deus, tudo é permitido!
Não creio que os dados empíricos corroboram com tal visão. A crise não seleciona de acordo com a fé. Ataca países de todos os tipos. Por outro lado, os países asiáticos seguem em melhor situação, e tampouco creio que seja por causa da fé em Deus (muito menos por causa do cristianismo). Não consta também que os muçulmanos, repletos de fé religiosa (até demais), naveguem em um mar de prosperidade.
Também questiono se há de fato este hedonismo todo nesse mundo moderno e mais laico, quando vejo tanta gente abraçando novas formas de fé na "imortalidade", postergando os prazeres do momento em nome de uma vida (qual vida?) sempre mais longa. As cruzadas anti-tabagistas e contra o açúcar e fritura ilustram bem isso. Tem muita gente com medo de viver o presente!
Mas o que eu gostaria de questionar aqui é se há mesmo uma decadência moral em curso, para começo de conversa. Sim, eu não posso negar que vejo certos valores em declínio, valores estes que eu respeito e admiro. Só que nem tudo é decadência moral. Os hábitos e costumes mudam, e muitas vezes temos dificuldade de adaptação. Quando tais mudanças ocorrem em ritmo muito acelerado, esta aceitação fica ainda mais difícil. Portanto, eu já colocaria em xeque a principal premissa da senadora (e de muitos conservadores): há mesmo este declínio moral ou estamos diante de novidades que incomodam, mas que não necessariamente vão tornar o mundo um lugar pior?
Nesse meu artigo, falo mais dessa questão dos "saudosistas". Acho que devemos tomar muito cuidado com este julgamento precipitado de que tudo vai de mal a pior com o mundo moderno. Creio que o cético David Hume, que não pode ser acusado de ingênuo e esperançoso, colocou o dedo na ferida quando disse: "O hábito de culpar o presente e admirar o passado está profundamente arraigado na natureza humana". Em seu novo livro "Civilization: The West and the Rest", Niall Ferguson arrisca uma boa explicação para este fenômeno tão comum, principalmente entre pessoas com mais idade. Ele afirma que a idéia de que estamos "fritos", que o declínio é inevitável, que as coisas só podem piorar, está altamente conectada à noção de mortalidade que temos. Como vamos degenerar enquanto indivíduos, então, de forma instintiva, nós sentimos que as civilizações em que vivemos devem seguir o mesmo destino.
Longe de mim apresentar um quadro muito esperançoso e otimista, ignorando os enormes riscos existentes e até mesmo os aspectos que considero degenerados de fato em nosso mundo atual. Mas eu iria com menos fervor neste diagnóstico e prognóstico. O crescimento da riqueza mundial pode representar simplesmente a ascensão de uma classe média, e comparar seus gostos (sempre medíocres por definição) com as preferências aristocráticas do passado é uma injustiça (Michel Teló x Mozart, por exemplo).
Não acho, portanto, que exista esse declínio moral todo e que ele se deve ao ateísmo. Até porque, como dizia Humboldt, "A moralidade humana, até mesmo a mais elevada e substancial, não é de modo algum dependente da religião, ou necessariamente vinculada a ela". Eu concordo, e vejo isso no dia a dia. Pessoas com profunda fé espiritual que não são ícones de moralidade, e ateus ou agnósticos que se mostram pessoas rigorosamente corretas. O capitalismo depende mesmo da fé religiosa? Eu penso que não.
Por fim, e para ilustrar com um bom exemplo o alerta de Hume, segue uma constatação feita pelo jesuíta espanhol Baltasar Gracián, em "A Arte da Prudência". Detalhe: o livro foi escrito em 1647!
Muitos valores vieram a parecer antiquados: falar a verdade, manter a palavra. Os bons parecem pertencer aos velhos bons tempos, embora sejam sempre queridos. Se é que ainda há alguns, são raros, e nunca são imitados. Que triste época essa, quando a virtude é rara e a maldade está no cotidiano.
Será que o mundo fica cada vez pior mesmo, ou será que são nossos olhos, nosso saudosismo de um passado idealizado, nossa insegurança diante das novidades, que criam esta imagem sombria do presente e futuro? Deixo com o leitor a resposta.
Mordaça na CPI
Guilherme Fiuza, O Globo
Na CPI do Cachoeira, os parlamentares precisam estar alertas para impedir as manipulações da mídia, que vaza informações e induz resultados.
Quem disse isso foi o senador Fernando Collor de Mello. Não foi um cochicho, um recado cifrado ou uma ameaça em off. Collor soltou seu brado contra a imprensa de viva voz, da tribuna do Senado, para quem quisesse ouvir. Os senadores ouviram calados, e o resto dos brasileiros, também.
O ex-presidente da República está muito bem colocado. É membro da CPI que pode ser a maior de todas. Está onde está graças aos ex-inimigos Lula e Sarney, num afinado trio de ex-presidentes regido pela "presidenta".
Collor disse que aceitou o convite para a CPI como uma missão.
Começou a cumpri-la com êxito, usando sua habilidade para serviços insalubres com uma desinibição que seus companheiros palacianos não têm.
O Brasil engole qualquer coisa. Fernando Collor de Mello é o ex-chefe do lendário PC Farias, que extorquiu meio mundo em nome do patrão. A imprensa — cuidado com ela! — descobriu que PC pagava contas pessoais de Collor. Ele teve que abandonar o palácio pela porta dos fundos. No aniversário de 20 anos da CPI do PC, Collor aparece para ensinar como deve funcionar a CPI do Cachoeira.
Ameaçador, avisa que não permitirá a destruição de reputações por jornalistas, ou melhor, "rabiscadores".
Se o Brasil, ou pelo menos o Senado Federal, tivesse um pingo de autoestima, ou quem sabe um resto de vergonha na cara, alguma voz teria surgido para mandar o chefe do PC engolir o que disse.
Não é a primeira vez que Collor canta de galo no Congresso como se estivesse no quintal da Casa da Dinda.
Quando o filho mais esperto de Sarney, Fernando, conseguiu censurar "O Estado de S. Paulo", o senador Pedro Simon reagiu. Foi à tribuna dizer que a investigação da família Sarney por tráfico de influência, no caso Agaciel, não podia ser abafada.
Quem se encrespou em defesa da honra dos Sarney, ameaçada pelos rabiscadores intrometidos? Ele mesmo, o guardião das reputações ilibadas. Colérico, olhos vidrados e dentes trincados, Collor partiu para a intimidação contra Simon, chegando a proibi-lo de voltar a pronunciar o seu nome.
Simon recuou, obedeceu. (Depois disse que se lembrou do assassinato cometido pelo pai de Collor no Senado e temeu a repetição do crime.) O fato é que a censura ao "Estadão" vai completar três anos. E o presidente expelido continua mandando os outros calarem a boca, como se estivesse dando ordens ao PC.
Não é difícil entender por que, na CPI do Cachoeira, a confraria presidencial Dilma-Lula-Sarney-Collor escalou o pitbull da turma para rosnar contra a imprensa. Em 2011, depois que os rabiscadores revelaram a farra dos superfaturamentos nos Transportes, o governo popular escapou por pouco da CPI do Dnit. Foi salvo pela tal frente nacional contra a corrupção — esse movimento despistado que protesta nos feriados contra tudo isso que aí está. Os senadores (Pedro Simon à frente) que poderiam conectar as ruas com o pedido da CPI preferiram aderir ao clube da indignação genérica. A oportunidade passou, e Dilma ainda virou musa das vassouras cenográficas.
Com a CPI do Cachoeira, o esquema do Dnit volta ao centro das atenções.
E aí não vão mais adiantar faxinas cosméticas para acalmar as manchetes.
Surfando nas fraudes do Dnit, a construtora Delta, flagrada em con luio com Cachoeira, tornou-se a campeã das obras do PAC — mesmo após o governo Dilma ser informado das irregularidades envolvendo a empreiteira.
A bomba está no colo dos companheiros.
A CPI foi fomentada por Lula para explodir os oposicionistas Marconi Perillo, governador de Goiás, e Demóstenes Torres, o senador que prostituiu a ética. Eram os prepostos mais visíveis do bicheiro, até o pavio passar pelo governador petista do Distrito Federal e ir parar no seio do PAC, já botando a mãe no meio. Desta vez, o instituto do "eu não sabia" pode não dar conta de esconder todos os rabos. Aí o jeito será tentar intimidar a imprensa. Ouçam o guardião Fernando Collor de Mello: "Não é admissível, num país de livre acesso às informações e num governo que se preza pela transparência pública, aceitar que alguns confrades, sob o argumento muitas vezes falacioso do sigilo da fonte, se utilizem de informantes com os mais rasteiros métodos, visando ao furo de reportagem, mas, sobretudo, propiciar a obtenção de lucros, lucros e mais lucros a si próprios, aos veículos que lhes dão guarida e aos respectivos chefes que os alugam." Explicação aos rabiscadores que não entenderam a mensagem: se alguém encontrar na CPI um cheque como aquele do fantasma do PC que pagou o Fiat Elba de Collor, não mostre a ninguém. Não se meta em negócios privados.
Esse Brasil catatônico merece tomar lição de Collor sobre métodos rasteiros. Chega de intermediários, Cachoeira para presidente.
Na CPI do Cachoeira, os parlamentares precisam estar alertas para impedir as manipulações da mídia, que vaza informações e induz resultados.
Quem disse isso foi o senador Fernando Collor de Mello. Não foi um cochicho, um recado cifrado ou uma ameaça em off. Collor soltou seu brado contra a imprensa de viva voz, da tribuna do Senado, para quem quisesse ouvir. Os senadores ouviram calados, e o resto dos brasileiros, também.
O ex-presidente da República está muito bem colocado. É membro da CPI que pode ser a maior de todas. Está onde está graças aos ex-inimigos Lula e Sarney, num afinado trio de ex-presidentes regido pela "presidenta".
Collor disse que aceitou o convite para a CPI como uma missão.
Começou a cumpri-la com êxito, usando sua habilidade para serviços insalubres com uma desinibição que seus companheiros palacianos não têm.
O Brasil engole qualquer coisa. Fernando Collor de Mello é o ex-chefe do lendário PC Farias, que extorquiu meio mundo em nome do patrão. A imprensa — cuidado com ela! — descobriu que PC pagava contas pessoais de Collor. Ele teve que abandonar o palácio pela porta dos fundos. No aniversário de 20 anos da CPI do PC, Collor aparece para ensinar como deve funcionar a CPI do Cachoeira.
Ameaçador, avisa que não permitirá a destruição de reputações por jornalistas, ou melhor, "rabiscadores".
Se o Brasil, ou pelo menos o Senado Federal, tivesse um pingo de autoestima, ou quem sabe um resto de vergonha na cara, alguma voz teria surgido para mandar o chefe do PC engolir o que disse.
Não é a primeira vez que Collor canta de galo no Congresso como se estivesse no quintal da Casa da Dinda.
Quando o filho mais esperto de Sarney, Fernando, conseguiu censurar "O Estado de S. Paulo", o senador Pedro Simon reagiu. Foi à tribuna dizer que a investigação da família Sarney por tráfico de influência, no caso Agaciel, não podia ser abafada.
Quem se encrespou em defesa da honra dos Sarney, ameaçada pelos rabiscadores intrometidos? Ele mesmo, o guardião das reputações ilibadas. Colérico, olhos vidrados e dentes trincados, Collor partiu para a intimidação contra Simon, chegando a proibi-lo de voltar a pronunciar o seu nome.
Simon recuou, obedeceu. (Depois disse que se lembrou do assassinato cometido pelo pai de Collor no Senado e temeu a repetição do crime.) O fato é que a censura ao "Estadão" vai completar três anos. E o presidente expelido continua mandando os outros calarem a boca, como se estivesse dando ordens ao PC.
Não é difícil entender por que, na CPI do Cachoeira, a confraria presidencial Dilma-Lula-Sarney-Collor escalou o pitbull da turma para rosnar contra a imprensa. Em 2011, depois que os rabiscadores revelaram a farra dos superfaturamentos nos Transportes, o governo popular escapou por pouco da CPI do Dnit. Foi salvo pela tal frente nacional contra a corrupção — esse movimento despistado que protesta nos feriados contra tudo isso que aí está. Os senadores (Pedro Simon à frente) que poderiam conectar as ruas com o pedido da CPI preferiram aderir ao clube da indignação genérica. A oportunidade passou, e Dilma ainda virou musa das vassouras cenográficas.
Com a CPI do Cachoeira, o esquema do Dnit volta ao centro das atenções.
E aí não vão mais adiantar faxinas cosméticas para acalmar as manchetes.
Surfando nas fraudes do Dnit, a construtora Delta, flagrada em con luio com Cachoeira, tornou-se a campeã das obras do PAC — mesmo após o governo Dilma ser informado das irregularidades envolvendo a empreiteira.
A bomba está no colo dos companheiros.
A CPI foi fomentada por Lula para explodir os oposicionistas Marconi Perillo, governador de Goiás, e Demóstenes Torres, o senador que prostituiu a ética. Eram os prepostos mais visíveis do bicheiro, até o pavio passar pelo governador petista do Distrito Federal e ir parar no seio do PAC, já botando a mãe no meio. Desta vez, o instituto do "eu não sabia" pode não dar conta de esconder todos os rabos. Aí o jeito será tentar intimidar a imprensa. Ouçam o guardião Fernando Collor de Mello: "Não é admissível, num país de livre acesso às informações e num governo que se preza pela transparência pública, aceitar que alguns confrades, sob o argumento muitas vezes falacioso do sigilo da fonte, se utilizem de informantes com os mais rasteiros métodos, visando ao furo de reportagem, mas, sobretudo, propiciar a obtenção de lucros, lucros e mais lucros a si próprios, aos veículos que lhes dão guarida e aos respectivos chefes que os alugam." Explicação aos rabiscadores que não entenderam a mensagem: se alguém encontrar na CPI um cheque como aquele do fantasma do PC que pagou o Fiat Elba de Collor, não mostre a ninguém. Não se meta em negócios privados.
Esse Brasil catatônico merece tomar lição de Collor sobre métodos rasteiros. Chega de intermediários, Cachoeira para presidente.
sexta-feira, abril 27, 2012
Ainda o caso do aborto
Rodrigo Constantino
Como já disse várias vezes, considero o tema do aborto um dos mais cabeludos de todos. A maior convicção que tenho é que devemos rejeitar ambos os extremos, quais sejam: os que alegam ser o feto um "parasita" no corpo da mãe e que, portanto, seu direito de propriedade é total (ela poderia retirar o feto já em fase adiantada da gestação); e os que assumem que no segundo da concepção já temos uma vida humana e, portanto, tomar a pílula do dia seguinte seria assassinato tal como uma mãe que estrangula seu bebê. Parecem posturas bem bizarras. Para quem tiver mais interesse em meus argumentos, gravei um vídeo sobre o assunto.
Mas o que eu queria focar agora é no grau de atraso do debate e das leis no Brasil, e também aproveitar para mostrar como nossa direita mais religiosa e fanática pode ser reacionária. Esta direita adota a segunda postura citada acima. Para eles, o feto no milésimo de segundo após a concepção já é um ser humano, e até a pílula do dia seguinte seria então crime hediondo, análogo a dar um tiro na nuca do bebezinho. Os membros desta direita acusam qualquer um que aceita a legalização do aborto, ainda que só para casos de estupro ou anencefalia, de "nazistas". Segundo eles ainda, uma pessoa não pode se dizer defensora das liberdades se tolera tais casos de aborto, pois estaria delegando ao estado o poder de dizer quem é ou não um ser humano.
Vamos, então, fazer uma rápida busca pela Wikipedia mesmo, para verificar um pouco da história do aborto. Aos que repetem tanto a questão dos tais valores "judaico-cristãos" e se sustentam na visão da Igreja Católica como bastião sobre o assunto, alguns trechos são bem interessantes. Por exemplo:
Os hebreus penalizavam somente os abortos causados por violência. Os antigos hebreus acreditavam que o feto não tinha existência humana antes do seu nascimento, e que o aborto em qualquer época da gravidez era completamente permissível, se se fazia em favor da vida e da saúde da grávida.
Aristóteles defendia que o feto se convertia em “humano” aos 40 dias da sua concepção se fosse masculino, e aos 90 se fosse feminino. Aristóteles recomendava o aborto para limitar o tamanho da família e na sua obra “Política” reservava esse direito à mãe.
Nem Santo Agostinho nem São Tomás de Aquino consideravam homicídio o aborto com início de termo (o segundo com base cm que o embrião não parece humano). Este ponto de vista foi adoptado pela Igreja no Concílio de Viena, em 1312, e nunca foi repudiado. A primeira colectânea de direito canónico, em vigor durante muito tempo (segundo o principal historiador da doutrina da Igreja sobre o aborto, John Connery, S. J.), defendia que o aborto só era homicídio depois de o feto já estar "formado" — mais ou menos no fim do 1." trimestre.
O Código Penal francês de 1791, em plena Revolução Francesa, determinava que todos os cúmplices de aborto fossem flagelados e condenados a 20 anos de prisão. O Código Penal francês de 1810, promulgado por Napoleão Bonaparte, previa a pena de morte para o aborto e o infanticídio. Depois, a pena de morte foi substituída pela prisão perpétua.
O que podemos notar de interessante é que tanto os hebreus, como os gregos e os dois principais nomes da Igreja Católica medieval, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, tinham uma visão do aborto bem mais moderada que a dos atuais conservadores radicais. É verdade que eles todos não contavam ainda com a ajuda da ciência microscópica, e que a Igreja determinou a excomunhão pela prática do aborto em 1869. É o avanço da ciência mudando as crenças religiosas. Por outro lado, é curioso notar que os revolucionários franceses e depois Napoleão Bonaparte, que se arrogavam o monopólio racionalista, condenaram com veemência o aborto em todos os casos.
Como fica claro acima, a imensa maioria dos países ditos civilizados, desenvolvidos e com maior liberdade individual aceita o aborto em diversos casos. E em muitos casos há décadas! Isso apenas ilustra como o debate em nosso país é atrasado em vários aspectos, especialmente quando a religião se mete em demasia na vida dos outros. Ninguém vai virar ditadura comunista só porque aceitou que a mulher possa decidir manter ou não sua gestação, especialmente em casos delicados.
Como já disse várias vezes, considero o tema do aborto um dos mais cabeludos de todos. A maior convicção que tenho é que devemos rejeitar ambos os extremos, quais sejam: os que alegam ser o feto um "parasita" no corpo da mãe e que, portanto, seu direito de propriedade é total (ela poderia retirar o feto já em fase adiantada da gestação); e os que assumem que no segundo da concepção já temos uma vida humana e, portanto, tomar a pílula do dia seguinte seria assassinato tal como uma mãe que estrangula seu bebê. Parecem posturas bem bizarras. Para quem tiver mais interesse em meus argumentos, gravei um vídeo sobre o assunto.
Mas o que eu queria focar agora é no grau de atraso do debate e das leis no Brasil, e também aproveitar para mostrar como nossa direita mais religiosa e fanática pode ser reacionária. Esta direita adota a segunda postura citada acima. Para eles, o feto no milésimo de segundo após a concepção já é um ser humano, e até a pílula do dia seguinte seria então crime hediondo, análogo a dar um tiro na nuca do bebezinho. Os membros desta direita acusam qualquer um que aceita a legalização do aborto, ainda que só para casos de estupro ou anencefalia, de "nazistas". Segundo eles ainda, uma pessoa não pode se dizer defensora das liberdades se tolera tais casos de aborto, pois estaria delegando ao estado o poder de dizer quem é ou não um ser humano.
Vamos, então, fazer uma rápida busca pela Wikipedia mesmo, para verificar um pouco da história do aborto. Aos que repetem tanto a questão dos tais valores "judaico-cristãos" e se sustentam na visão da Igreja Católica como bastião sobre o assunto, alguns trechos são bem interessantes. Por exemplo:
Os hebreus penalizavam somente os abortos causados por violência. Os antigos hebreus acreditavam que o feto não tinha existência humana antes do seu nascimento, e que o aborto em qualquer época da gravidez era completamente permissível, se se fazia em favor da vida e da saúde da grávida.
Aristóteles defendia que o feto se convertia em “humano” aos 40 dias da sua concepção se fosse masculino, e aos 90 se fosse feminino. Aristóteles recomendava o aborto para limitar o tamanho da família e na sua obra “Política” reservava esse direito à mãe.
Nem Santo Agostinho nem São Tomás de Aquino consideravam homicídio o aborto com início de termo (o segundo com base cm que o embrião não parece humano). Este ponto de vista foi adoptado pela Igreja no Concílio de Viena, em 1312, e nunca foi repudiado. A primeira colectânea de direito canónico, em vigor durante muito tempo (segundo o principal historiador da doutrina da Igreja sobre o aborto, John Connery, S. J.), defendia que o aborto só era homicídio depois de o feto já estar "formado" — mais ou menos no fim do 1." trimestre.
O Código Penal francês de 1791, em plena Revolução Francesa, determinava que todos os cúmplices de aborto fossem flagelados e condenados a 20 anos de prisão. O Código Penal francês de 1810, promulgado por Napoleão Bonaparte, previa a pena de morte para o aborto e o infanticídio. Depois, a pena de morte foi substituída pela prisão perpétua.
O que podemos notar de interessante é que tanto os hebreus, como os gregos e os dois principais nomes da Igreja Católica medieval, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, tinham uma visão do aborto bem mais moderada que a dos atuais conservadores radicais. É verdade que eles todos não contavam ainda com a ajuda da ciência microscópica, e que a Igreja determinou a excomunhão pela prática do aborto em 1869. É o avanço da ciência mudando as crenças religiosas. Por outro lado, é curioso notar que os revolucionários franceses e depois Napoleão Bonaparte, que se arrogavam o monopólio racionalista, condenaram com veemência o aborto em todos os casos.
A direita atual fica do lado dos jacobinos, e não de Aristóteles, Santo Agostinho ou Tomás de Aquino. No mínimo irônico, especialmente quando os liberais que aceitam a legalização do aborto com ressalvas são acusados por esta mesma direita de "jacobinos" (ou marxistas), de fazer o jogo da esquerda em prol da revolução cultural que irá destruir os valores da liberdade.
Falando nisso, resta então verificar um pouco as legislações sobre aborto nos diferentes países. Será que esta direita está certa em sua paranóia, e que a legalização parcial do aborto é o começo do fim das liberdades, pela total relativização da vida "humana"? Será que permitir o aborto em certos casos leva ao nazismo? Vejamos:
O aborto não é restringido pela lei canadense. Desde 1969 que a lei permite a prática de aborto em situações de risco à saúde, e, a partir de 1973, a interrupção voluntária da gravidez deixou de ser ilegal.
O aborto é legal, desde os anos 70, na esmagadora maioria dos estados [americanos], só não é legal no Dakota do Sul. É também legal quando a mulher invoca factores socioeconómicos.
Alemanha: O aborto é permitido até às doze semanas a pedido da mulher após aconselhamento médico, ou em consequência de violação ou outro crime sexual. É também permitido após as doze semanas por razões médicas que possui, segundo a lei alemã, uma definição lata, incluindo saúde mental e condições sociais adversas.
Áustria: O aborto é permitido até as doze semanas a pedido da mulher (lei de 1975). Permitida após as doze semanas em caso de perigo de vida, risco de malformação do feto, mulher menor de 14 anos.
Bélgica: O aborto é permitido até as doze semanas quando a gravidez coloca em risco a mulher, razões sociais ou económicas. Permitida após as doze semanas em caso de sério risco para a saúde.
Itália: O aborto é permitido até aos noventa dias (entre as doze e treze semanas) por razões sociais (incluindo as condições familiares e/ou as circunstâncias em que se realizou a concepção), médicas ou económicas: de facto, a pedido da mulher. Permitida em qualquer momento em caso de risco de morte ou saúde física ou mental da mulher, risco de malformação do feto, violação ou crime sexual.
O aborto na França é permitido até as doze semanas a pedido da mulher caso não tenha razões para ser mãe; razões sociais ou económias. É exigido o aconselhamento da mulher. Permitida após as 12 semanas em caso de risco de morte ou saúde física da mulher, risco de malformação do feto. É necessária a certificação de dois médicos da situação.
O aborto na Espanha é permitido até a 14ª semana de gestação e, até a 22ª, desde que a gestação possa comprometer a vida ou a saúde da gestante ou constatada malformação no feto, se certificada por dois médicos. Após esse período, o aborto fica condicionado, a partir de laudos de um painel de médicos, à anomalia fetal que signifique risco à vida ou quando o feto sofrer de doença grave e incurável.
O aborto na França é permitido até as doze semanas a pedido da mulher caso não tenha razões para ser mãe; razões sociais ou económias. É exigido o aconselhamento da mulher. Permitida após as 12 semanas em caso de risco de morte ou saúde física da mulher, risco de malformação do feto. É necessária a certificação de dois médicos da situação.
O aborto na Espanha é permitido até a 14ª semana de gestação e, até a 22ª, desde que a gestação possa comprometer a vida ou a saúde da gestante ou constatada malformação no feto, se certificada por dois médicos. Após esse período, o aborto fica condicionado, a partir de laudos de um painel de médicos, à anomalia fetal que signifique risco à vida ou quando o feto sofrer de doença grave e incurável.
O aborto é permitido em Portugal até às dez semanas de gestação a pedido da grávida.
O aborto é legal na Inglaterra, Escócia e País de Gales desde 1967.
Austrália: O aborto é permitido, desde 1977, até as vinte semanas de gravidez, e depois das vinte semanas, se prejudicar a saúde da mulher. A regulamentação requer que o aborto após as doze semanas de gestação têm que ser realizadas em “instituições licenciadas”, que são normalmente hospitais.
Catolicismo e Liberdade
Rodrigo Constantino
"A moralidade humana, até mesmo a mais elevada e substancial, não é de modo algum dependente da religião, ou necessariamente vinculada a ela." (Humboldt)
Pergunto: de onde é que veio esta idéia maluca de que o catolicismo é um bom obstáculo ao esquerdismo revolucionário? Pelo que consta, Reino Unido, Holanda, Austrália, Nova Zelândia e Canadá são países bem mais prósperos e LIVRES do que Venezuela, Brasil, Argentina e Bolívia. Na Holanda, há ampla tolerância às liberdades individuais, o consumo de maconha é liberado, a eutanásia alivia a dor e o sofrimento de 3 mil pessoas por ano (e há mais demanda), e o aborto é legalizado (como ocorre em vários países desenvolvidos). Mas, segundo esta direita radical, isso tudo é parte da agenda de tomada de poder da esquerda. Quem se diz liberal e defende a legalização das drogas ou do aborto, por exemplo, não passa de um inocente útil dos marxistas, segundo esses "conservadores" medievais. Eles se colocam, em suma, como os únicos capazes de enfrentar o PT, pela via religiosa e moral. Nada mais falso.
Ora bolas, se é justamente nos países com maior presença católica e sem tais liberdades que a esquerda tem deitado e rolado, como acusar os liberais de massa de manobra dos marxistas? Como fica claro, quando os fatos contradizem a teoria dogmática, pior para os fatos!
Enquanto isso, eu pretendo seguir meu combate em defesa das liberdades individuais em um estado laico, sem ser intimidado pela patrulha tanto dos petralhas como dos conservadores fanáticos.
Comunista burguês
Rodrigo Constantino
Mas eis o que eu queria destacar aqui: o personagem de Tonico Pereira, o "Mendonça" da Grande Família. Um comunista revolucionário de carteirinha, o Doutor é um engenheiro fracassado que vive bêbado no trabalho, e que aceita participar da trama por motivos ideológicos, citando Lênin: O que é assaltar um banco quando comparado ao ato de fundar um banco?
Durante suas conversas com o resto do bando, o Doutor deixa claro que sua fatia milionária seria distribuída em prol da causa social. Qual não é a "surpresa" quando, nas cenas finais, ele aparece em Paris, com terno e gravata, degustando um vinho caro como um perfeito burguês?
Nota dez pelo realismo da coisa, pois todos que leram George Orwell sabem que os porcos comunistas almejam o poder apenas para usurpá-lo e desfrutar do luxo capitalista feito parasitas oportunistas. Não foi assim com a chegada da ala comunista do PT no poder?
Carta aberta a Aécio Neves
Ney Carvalho, Folha de SP
Foi com prazer que li o seu artigo "Coragem", publicado nesta Folha no dia 23 de abril. Ele traz merecidos elogios à privatização das telecomunicações no governo FHC.
Percebo que o senhor, assim como os seus colegas tucanos, animou-se ao ver os adversários petistas aderirem a métodos de gestão que antes combatiam.
Entretanto, o senhor e os outros tucanos devem à opinião pública uma descida do largo muro ideológico em que se abrigam. Vocês são, afinal, a favor de maior privatização na economia brasileira ou não?
Se as "restrições ideológicas à privatização são, hoje, página virada na história do país", por que os governadores tucanos resistem em privatizar as empresas estatais de Minas Gerais, São Paulo e Paraná?
Veja que coincidência: seus companheiros Antônio Anastasia, Geraldo Alckmin e Beto Richa controlam as maiores companhias estatais estaduais de capital aberto do país.
Minas tem a Cemig (energia elétrica) e a Copasa (saneamento), duas megacompanhias. Alckmin comanda as análogas Cesp e a Sabesp, ambas com patrimônio líquido de cerca de R$ 10 bilhões. Nos mesmos setores, Richa tem a Copel e a Sanepar.
Essas seis empresas são negócios maduros, consolidados, adultos, que não mais demandam a proteção de ventre, os cuidados maternos.
Onde está "a coragem para fazer o que precisa ser feito", alegada pelo senhor no seu texto?
Tais empresas já têm ações negociadas em Bolsa. Mas existem profundas incompatibilidades na existência de companhias ao mesmo tempo estatais e com capital aberto.
Empresas privadas têm como objetivo maximizar os lucros de seus acionistas. O alvo maior de companhias públicas é exercer metas governamentais. Isso cria incongruências. Há exemplos bem atuais disso.
A Petrobras é um. Importa derivados a preços mais caros do que os revende no país. Outro exemplo: bancos públicos usados para forçar a baixa dos "spreads". Essas atitudes obedecem a políticas de governo, não ao interesse dos acionistas.
Mas não se preocupe, senador. O saneamento dos lares não ficaria à mercê de ganhos exagerados. Uma sólida regulação cuidaria do tema.
Não esqueça também que a busca do lucro e a competição são as molas da eficiência, como se verifica no setor de telecomunicações, tão bem enfatizada pelo senhor.
Senador, está mais do que na hora de o PSDB oferecer ao Brasil um segundo salto de modernização da economia, tanto quanto fez com as privatizações dos anos 1990.
E veja o senhor que, naquela época, por causa da fraqueza do mercado de ações brasileiro, não foi possível dispersar o capital das empresas privatizadas. O mesmo não se pode dizer dos dias de hoje. A Bolsa está pujante como, o senhor me perdoe a citação, "nunca antes na história deste país".
Os sucessos alcançados nos 1990 com a siderurgia, os bancos estaduais, a Vale e as telecomunicações podem ser multiplicados, alterando visceralmente a feição do saneamento básico no país pela criação de megaempresas nacionais de capital aberto, competitivas e não monopolistas.
Basta que o senhor e os seus colegas governadores do PSDB transformem as poderosas estatais que comandam em autênticas "corporations", vendendo-as ao público investidor. O controle pode ser difuso, como é o da Embraer.
Por sua influência e posição, senador, o senhor deveria liderar naturalmente tal processo.
NEY CARVALHO, 71, historiador, é autor de "A Guerra das Privatizações" (Editora de Cultura) e de "O Encilhamento: Anatomia de uma Bolha Brasileira" (CNB/Bovespa)
Concorrência pra que?
Rodrigo Constantino
O Supremo e as cotas
Rodrigo
Constantino, para o Instituto Liberal
Passou
a ser constitucional a reserva de vagas em vestibulares para negros e pardos
após a decisão do Supremo Tribunal Federal ontem. Uma decisão que deve ser
lamentada por dois motivos: 1) ela representa um perigoso ativismo judicial que
usurpa poderes legislativos do Congresso; 2) o regime de cotas cria um
apartheid em um país miscigenado como o Brasil.
Sobre
o primeiro ponto, é preciso lembrar que a função precípua da Suprema Corte é a
de guardiã da Constituição. Não cabe ao STF alterar
a nossa Carta Magna, e sim verificar se as leis estão de acordo ou não com
ela. Até a última vez que verifiquei, nossa Constituição de 1988 deixava claro,
ao menos no papel, a igualdade perante as leis. Não é preciso tanta reflexão
assim para compreender que, ao privilegiar um aluno por conta de sua cor de
pele, o regime de cotas está claramente ferindo esta igualdade.
Alguns
ministros chegaram a mencionar esta obviedade, só que elogiando esta usurpação
do poder legislativo. Celebrar o ativismo judicial é um enorme risco para a
liberdade, para o império das leis. Hoje, alguns podem aplaudir a mudança
imposta pelo seleto grupo de ministros, rasgando a Lei maior da nação. Mas nada
garante que amanhã esses mesmos ministros ou outros não irão ferir novamente a
Constituição em algo que gera desaprovação destas mesmas pessoas. É o convite
ao arbítrio. Para alterar a Constituição, existe o devido processo legal que
passa pelo Congresso, e isso não deve ser ignorado.
Sobre
o segundo ponto, não entra em minha cabeça que a melhor forma de se combater o
racismo é segregar o país em raças. O governo não consegue oferecer boa educação
básica, e tenta então arrombar a porta dos fundos das universidades com o
regime de cotas. Mas nenhum ministro levantou a principal questão: é legítimo
prejudicar o aluno pobre branco para conceder a vaga ao aluno pobre negro? O índio
que foi arrastado pelos seguranças durante seu protesto ontem ilustra o risco
das cotas: quando se privilegia uma “raça”, outros se sentem preteridos, com
razão.
Esta
segregação racial é abjeta, especialmente em um país predominantemente pardo. O
ministro Luiz Fux chegou a declarar: “Viva a nação afrodescendente”. Eu pensava
que vivia na nação de todos os brasileiros, mas descobri que existem mais de
uma nação aqui, e que uma delas é composta por “afrodescendentes”. Somos ou não
todos brasileiros sob as mesmas leis? A decisão do STF foi por unanimidade.
Resta citar Nelson Rodrigues: “Toda unanimidade é burra”.
quinta-feira, abril 26, 2012
A direita tacanha e o astrólogo embusteiro
Meu novo vídeo separa o joio do trigo dentro da tal direita. Faço questão de marcar as diferenças entre uma direita tacanha e retrógrada, cujo ícone no Brasil é o "filósofo" Olavo de Carvalho, e os liberais ou mesmo conservadores de boa estirpe.
Para quem tiver curiosidade sobre o "debate do Orkut", seguem os meus textos em resposta às mentiras de Olavo:
Resposta a Olavo
A Vaidade de Olavo
O Desespero de Olavo
A Desonestidade de Olavo
O Prego do Olavo
Uma vez embusteiro...
Para quem tiver curiosidade sobre o "debate do Orkut", seguem os meus textos em resposta às mentiras de Olavo:
Resposta a Olavo
A Vaidade de Olavo
O Desespero de Olavo
A Desonestidade de Olavo
O Prego do Olavo
Uma vez embusteiro...
Um único mundo
Palestra com slides onde sustento a tese de que o Brasil não passa de uma cigarra que ganhou na loteria chinesa. Para compreender os rumos de nossa economia hoje, é muito mais importante saber o que vai acontecer com o crescimento chinês e com a taxa de juros nos países desenvolvidos. Não dá para olhar a árvore e ignorar a floresta.
À espera do maná eterno
Da Ata do Copom divulgada hoje:
33. O Copom entende que ocorreram mudanças estruturais significativas na economia brasileira, as quais determinaram recuo nas taxas de juros em geral, e, em particular, na taxa neutra. Apoiam essa visão, entre outros fatores, a redução dos prêmios de risco, consequência direta do cumprimento da meta de inflação pelo oitavo ano consecutivo, da estabilidade macroeconômica e de avanços institucionais. Além disso, o processo de redução dos juros foi favorecido por mudanças na estrutura dos mercados financeiros e de capitais, pelo aprofundamento do mercado de crédito bem como pela geração de superávits primários consistentes com a manutenção de tendência decrescente para a relação entre dívida pública e PIB. Para o Comitê, todas essas transformações caracterizam-se por um elevado grau de perenidade – embora, em virtude dos próprios ciclos econômicos, reversões pontuais e temporárias possam ocorrer – e contribuem para que a economia brasileira hoje apresente sólidos indicadores de solvência e de liquidez.
34. O Copom também pondera que têm contribuído para a redução das taxas de juros domésticas, inclusive da taxa neutra, o aumento na oferta de poupança externa e a redução no seu custo de captação, as quais, na avaliação do Comitê, em grande parte, são desenvolvimentos de caráter permanente. (meus grifos)
Cabe aqui perguntar: que mudanças estruturais são essas? Este governo tem permitido taxas de inflação sistematicamente acima do centro da meta, que já é elevado. Não fez uma única reforma estrutural. A economia não teve nenhum ganho de produtividade. Em suma, o BC aposta em um maná eterno, um presente dos gringos que não tem prazo de validade. Falta poupança doméstica para financiar investimentos? Não tem problema! O custo de capital nos países desenvolvidos será negativo em termos reais para sempre, e isso fará com que os investidores estrangeiros estejam dispostos a chamar urubu de meu louro até onde a vista alcança. Para alguns, isso é uma aposta ousada do nosso BC. Para outros, eu incluído no grupo, isso é uma tremenda irresponsabilidade, análogo a um adolescente brincando de riscar fósforos em um paiol cheio de pólvora. O tempo dirá quem está certo. Até lá, apertem os cintos porque toda cautela é pouca.
33. O Copom entende que ocorreram mudanças estruturais significativas na economia brasileira, as quais determinaram recuo nas taxas de juros em geral, e, em particular, na taxa neutra. Apoiam essa visão, entre outros fatores, a redução dos prêmios de risco, consequência direta do cumprimento da meta de inflação pelo oitavo ano consecutivo, da estabilidade macroeconômica e de avanços institucionais. Além disso, o processo de redução dos juros foi favorecido por mudanças na estrutura dos mercados financeiros e de capitais, pelo aprofundamento do mercado de crédito bem como pela geração de superávits primários consistentes com a manutenção de tendência decrescente para a relação entre dívida pública e PIB. Para o Comitê, todas essas transformações caracterizam-se por um elevado grau de perenidade – embora, em virtude dos próprios ciclos econômicos, reversões pontuais e temporárias possam ocorrer – e contribuem para que a economia brasileira hoje apresente sólidos indicadores de solvência e de liquidez.
34. O Copom também pondera que têm contribuído para a redução das taxas de juros domésticas, inclusive da taxa neutra, o aumento na oferta de poupança externa e a redução no seu custo de captação, as quais, na avaliação do Comitê, em grande parte, são desenvolvimentos de caráter permanente. (meus grifos)
Cabe aqui perguntar: que mudanças estruturais são essas? Este governo tem permitido taxas de inflação sistematicamente acima do centro da meta, que já é elevado. Não fez uma única reforma estrutural. A economia não teve nenhum ganho de produtividade. Em suma, o BC aposta em um maná eterno, um presente dos gringos que não tem prazo de validade. Falta poupança doméstica para financiar investimentos? Não tem problema! O custo de capital nos países desenvolvidos será negativo em termos reais para sempre, e isso fará com que os investidores estrangeiros estejam dispostos a chamar urubu de meu louro até onde a vista alcança. Para alguns, isso é uma aposta ousada do nosso BC. Para outros, eu incluído no grupo, isso é uma tremenda irresponsabilidade, análogo a um adolescente brincando de riscar fósforos em um paiol cheio de pólvora. O tempo dirá quem está certo. Até lá, apertem os cintos porque toda cautela é pouca.
Why Women Make Less Than Men
By KAY HYMOWITZ, WSJ
First, the Atlantic magazine announced "the end of men." Then a Time cover story in March proclaimed that women are becoming "the richer sex." Now a Pew Research Center report tells us that young women have become more likely than young men to say that a high-paying career is very important to them. Are we really in the midst of what Pew calls a "gender reversal?"
One stubborn fact of the labor market argues against the idea. That is the gender-hours gap, close cousin of the gender-wage gap. Most people have heard that full-time working American women earn only 77 cents for every dollar earned by men. Yet these numbers don't take into account the actual number of hours worked. And it turns out that women work fewer hours than men.
The Labor Department defines full-time as 35 hours a week or more, and the "or more" is far more likely to refer to male workers than to female ones. According to the department, almost 55% of workers logging more than 35 hours a week are men. In 2007, 25% of men working full-time jobs had workweeks of 41 or more hours, compared with 14% of female full-time workers. In other words, the famous gender-wage gap is to a considerable degree a gender-hours gap.
The main reason that women spend less time at work than men—and that women are unlikely to be the richer sex—is obvious: children. Today, childless 20-something women do earn more than their male peers. But most are likely to cut back their hours after they have kids, giving men the hours, and income, advantage.
One study by the American Association for University Women looked at women who graduated from college in 1992-93 and found that 23% of those who had become mothers were out of the workforce in 2003; another 17% were working part-time. Fewer than 2% of fathers fell into those categories. Another study, of M.B.A. graduates from Chicago's Booth School, discovered that only half of women with children were working full-time 10 years after graduation, compared with 95% of men.
Women, in fact, make up two-thirds of America's part-time workforce. A just-released report from the New York Federal Reserve has even found that "opting-out" by midcareer college-educated wives, especially those with wealthy husbands, has been increasing over the past 20 years.
Activists tend to offer two solutions for this state of affairs. First is that fathers should take equal responsibility for child care. After all, while men have tripled the number of hours they're in charge of the kids since 1970, women still put in more hours on the domestic front. But even if we could put a magic potion in the nation's water supply and turn 50% of men into Mr. Mom, that still leaves the growing number of women with no father in the house. Over 40% of American children are now born to unmarried women. A significant number—though not a majority—are living with their child's father at birth. But in the next few years when those couples break up, which is what studies show they tend to do, guess who will be left minding the kids?
Which brings us to the second proposed solution for the hours gap: generous family-leave and child-care policies. Sweden and Iceland are frequently held up as models in this regard, and they do have some of the most extensive paternity and maternity leave and publicly funded child care in the world.
Yet even they also have a persistent hours and wage gap. In both countries, mothers still take more time off than fathers after the baby arrives. When they do go back to work, they're on the job for fewer hours. Iceland's income gap is a yawning 38%—that is, the average women earns only 62 cents to a man's dollar. Even Sweden's 15% gap—though lower than our 23% one—is far from full parity.
All over the developed world women make up the large majority of the part-time workforce, and surveys suggest they want it that way. According to the Netherlands Institute for Social Research, in 2008 only 4% of the 70% of Dutch women who worked part-time wished they had a full-time job. A British Household Panel Survey interviewing 3,800 couples discovered that among British women, the happiest were those working part-time.
A 2007 Pew Research survey came up with similar results for American women: Among working mothers with minor children, 60% said they would prefer to work part-time, while only 21% wanted to be in the office full-time (and 19% said they'd like to give up their job altogether). How about working fathers? Only 12% would choose part-time and 70% wanted to be full-time.
Some counter that the hours gap would shrink if employers offered more family-friendly policies, such as flexible hours and easier on-off ramps for moving in and out of the workforce. We don't know if there is a way to design workplaces so that women would work more or men would work less or both. What we do know is that no one, anywhere, has yet figured out how to do it. Which means that for the foreseeable future, at least when it comes to income, women will remain the second sex.
Ms. Hymowitz is a fellow at the Manhattan Institute and the author, most recently, of "Manning Up: How the Rise of Women Has Turned Men Into Boys," just published in paperback by Basic Books.
First, the Atlantic magazine announced "the end of men." Then a Time cover story in March proclaimed that women are becoming "the richer sex." Now a Pew Research Center report tells us that young women have become more likely than young men to say that a high-paying career is very important to them. Are we really in the midst of what Pew calls a "gender reversal?"
One stubborn fact of the labor market argues against the idea. That is the gender-hours gap, close cousin of the gender-wage gap. Most people have heard that full-time working American women earn only 77 cents for every dollar earned by men. Yet these numbers don't take into account the actual number of hours worked. And it turns out that women work fewer hours than men.
The Labor Department defines full-time as 35 hours a week or more, and the "or more" is far more likely to refer to male workers than to female ones. According to the department, almost 55% of workers logging more than 35 hours a week are men. In 2007, 25% of men working full-time jobs had workweeks of 41 or more hours, compared with 14% of female full-time workers. In other words, the famous gender-wage gap is to a considerable degree a gender-hours gap.
The main reason that women spend less time at work than men—and that women are unlikely to be the richer sex—is obvious: children. Today, childless 20-something women do earn more than their male peers. But most are likely to cut back their hours after they have kids, giving men the hours, and income, advantage.
One study by the American Association for University Women looked at women who graduated from college in 1992-93 and found that 23% of those who had become mothers were out of the workforce in 2003; another 17% were working part-time. Fewer than 2% of fathers fell into those categories. Another study, of M.B.A. graduates from Chicago's Booth School, discovered that only half of women with children were working full-time 10 years after graduation, compared with 95% of men.
Women, in fact, make up two-thirds of America's part-time workforce. A just-released report from the New York Federal Reserve has even found that "opting-out" by midcareer college-educated wives, especially those with wealthy husbands, has been increasing over the past 20 years.
Activists tend to offer two solutions for this state of affairs. First is that fathers should take equal responsibility for child care. After all, while men have tripled the number of hours they're in charge of the kids since 1970, women still put in more hours on the domestic front. But even if we could put a magic potion in the nation's water supply and turn 50% of men into Mr. Mom, that still leaves the growing number of women with no father in the house. Over 40% of American children are now born to unmarried women. A significant number—though not a majority—are living with their child's father at birth. But in the next few years when those couples break up, which is what studies show they tend to do, guess who will be left minding the kids?
Which brings us to the second proposed solution for the hours gap: generous family-leave and child-care policies. Sweden and Iceland are frequently held up as models in this regard, and they do have some of the most extensive paternity and maternity leave and publicly funded child care in the world.
Yet even they also have a persistent hours and wage gap. In both countries, mothers still take more time off than fathers after the baby arrives. When they do go back to work, they're on the job for fewer hours. Iceland's income gap is a yawning 38%—that is, the average women earns only 62 cents to a man's dollar. Even Sweden's 15% gap—though lower than our 23% one—is far from full parity.
All over the developed world women make up the large majority of the part-time workforce, and surveys suggest they want it that way. According to the Netherlands Institute for Social Research, in 2008 only 4% of the 70% of Dutch women who worked part-time wished they had a full-time job. A British Household Panel Survey interviewing 3,800 couples discovered that among British women, the happiest were those working part-time.
A 2007 Pew Research survey came up with similar results for American women: Among working mothers with minor children, 60% said they would prefer to work part-time, while only 21% wanted to be in the office full-time (and 19% said they'd like to give up their job altogether). How about working fathers? Only 12% would choose part-time and 70% wanted to be full-time.
Some counter that the hours gap would shrink if employers offered more family-friendly policies, such as flexible hours and easier on-off ramps for moving in and out of the workforce. We don't know if there is a way to design workplaces so that women would work more or men would work less or both. What we do know is that no one, anywhere, has yet figured out how to do it. Which means that for the foreseeable future, at least when it comes to income, women will remain the second sex.
Ms. Hymowitz is a fellow at the Manhattan Institute and the author, most recently, of "Manning Up: How the Rise of Women Has Turned Men Into Boys," just published in paperback by Basic Books.
quarta-feira, abril 25, 2012
Europe's Phony Growth Debate
Editorial do WSJ
Growth or austerity? That's the choice facing Europe these days—or so the Keynesian consensus keeps saying. According to this view, which has dominated world economic councils since the 2008 crisis began, "growth" is mainly a function of government spending.
Spend more and you're for growth, even if a country raises taxes to pay for the spending. But dare to cut spending as the Germans suggest, and you're for austerity and thus opposed to growth.
This is a nonsense debate that misconstrues the real sources of economic prosperity and helps explain Europe's current mess. The real debate ought to be over which policies best produce growth.
In the 1980s, the world learned (or so we thought) that the way out of the malaise of the 1970s were reforms that encourage private investment and risk-taking, labor mobility and flexibility, an end to price controls, tax rates that encouraged capital formation, and what the World Bank now broadly calls "the ease of doing business." Amid this crisis, Europe has tried everything except these policies.
If Reagan or Margaret Thatcher are too déclassé for Europeans to invoke, how about Germany? Throughout the 1990s and the first years of the last decade, Germany was Europe's hobbled giant, with consistently subpar growth rates and unemployment that in 2005 hit 11.3%, nearly at the top of the OECD chart.
Then-Chancellor Gerhard Schröder, a Social Democrat, surprised the world, to say nothing of his own voters, by pushing through the labor-market reforms that paved the way for the current relative prosperity. The changes cut welfare benefits and gave employers more flexibility in reaching agreement with their employees on working time and pay.
The Schröder government, and later the coalition under Angela Merkel, also cut federal corporate income taxes to 15% from 45% in 1998. Include state taxes, and the effective corporate rate today is close to 30%, down from 50% or more in the 1990s. These reforms made Germany more competitive, attracted investment and jobs, and paved the way for the country's economic resurgence and an unemployment rate currently at 5.7%.
Mrs. Merkel's government did the world an additional favor in 2009, amid the financial crisis, by rejecting calls from the International Monetary Fund, then British Prime Minister Gordon Brown, President Obama, Treasury Secretary Tim Geithner and the same dominant Keynesian consensus to join the global spending party.
"They've already pumped endless amounts of money into the economy," said German Finance Minister Wolfgang Schäuble in 2010 about U.S. policy. "The results are dismal." (See our March 12, 2009 editorial, "Old Europe Is Right on Stimulus.")
Germany's resurgence might have been even stronger if Mrs. Merkel and her coalition partners hadn't reneged on their tax-cutting campaign promises and raised VAT and other taxes in a bid to stay close to budget balance. Still, Europe is lucky that its largest economy remains strong and creditworthy.
Yet now Mrs. Merkel is widely berated for avoiding the policy errors that led to the debt crisis and for having the nerve to encourage other countries to emulate the reforms that worked in Germany. The Keynesians will never forgive the Germans for being right.
Another European spending spree is unsustainable in any case. As the nearby chart shows, debt levels have climbed dramatically across the developed world since the crisis began in 2008, and that debt and the current dreary recovery (or double-dip recessions) are all there is to show for the great Keynesian spending blowout.
Now bond yields are ticking back up in the euro zone's periphery economies, European stock indexes are stumbling, and much of the Continent is in recession. Adam Smith's bond vigilantes are telling European governments that without reforms that reduce spending and encourage more growth in the private economy, their countries are increasingly risky bets. As the smarter Germans understand, the bond markets may be the only lobby for genuine pro-growth reform that exists in most of Europe.
Other than an inflation that will create new problems and bring its own crisis, economic growth is the only way out of Europe's debt morass. But it has to be private growth driven by reforms in taxes, labor markets, regulation, pensions and more.
Europe's voters have already swept several governments from office, and they seem ready to sweep out more. But what really needs to be swept away is the dominant and debilitating consensus that government spending can conjure prosperity.
Growth or austerity? That's the choice facing Europe these days—or so the Keynesian consensus keeps saying. According to this view, which has dominated world economic councils since the 2008 crisis began, "growth" is mainly a function of government spending.
Spend more and you're for growth, even if a country raises taxes to pay for the spending. But dare to cut spending as the Germans suggest, and you're for austerity and thus opposed to growth.
This is a nonsense debate that misconstrues the real sources of economic prosperity and helps explain Europe's current mess. The real debate ought to be over which policies best produce growth.
In the 1980s, the world learned (or so we thought) that the way out of the malaise of the 1970s were reforms that encourage private investment and risk-taking, labor mobility and flexibility, an end to price controls, tax rates that encouraged capital formation, and what the World Bank now broadly calls "the ease of doing business." Amid this crisis, Europe has tried everything except these policies.
If Reagan or Margaret Thatcher are too déclassé for Europeans to invoke, how about Germany? Throughout the 1990s and the first years of the last decade, Germany was Europe's hobbled giant, with consistently subpar growth rates and unemployment that in 2005 hit 11.3%, nearly at the top of the OECD chart.
Then-Chancellor Gerhard Schröder, a Social Democrat, surprised the world, to say nothing of his own voters, by pushing through the labor-market reforms that paved the way for the current relative prosperity. The changes cut welfare benefits and gave employers more flexibility in reaching agreement with their employees on working time and pay.
The Schröder government, and later the coalition under Angela Merkel, also cut federal corporate income taxes to 15% from 45% in 1998. Include state taxes, and the effective corporate rate today is close to 30%, down from 50% or more in the 1990s. These reforms made Germany more competitive, attracted investment and jobs, and paved the way for the country's economic resurgence and an unemployment rate currently at 5.7%.
Mrs. Merkel's government did the world an additional favor in 2009, amid the financial crisis, by rejecting calls from the International Monetary Fund, then British Prime Minister Gordon Brown, President Obama, Treasury Secretary Tim Geithner and the same dominant Keynesian consensus to join the global spending party.
"They've already pumped endless amounts of money into the economy," said German Finance Minister Wolfgang Schäuble in 2010 about U.S. policy. "The results are dismal." (See our March 12, 2009 editorial, "Old Europe Is Right on Stimulus.")
Germany's resurgence might have been even stronger if Mrs. Merkel and her coalition partners hadn't reneged on their tax-cutting campaign promises and raised VAT and other taxes in a bid to stay close to budget balance. Still, Europe is lucky that its largest economy remains strong and creditworthy.
Yet now Mrs. Merkel is widely berated for avoiding the policy errors that led to the debt crisis and for having the nerve to encourage other countries to emulate the reforms that worked in Germany. The Keynesians will never forgive the Germans for being right.
Another European spending spree is unsustainable in any case. As the nearby chart shows, debt levels have climbed dramatically across the developed world since the crisis began in 2008, and that debt and the current dreary recovery (or double-dip recessions) are all there is to show for the great Keynesian spending blowout.
Now bond yields are ticking back up in the euro zone's periphery economies, European stock indexes are stumbling, and much of the Continent is in recession. Adam Smith's bond vigilantes are telling European governments that without reforms that reduce spending and encourage more growth in the private economy, their countries are increasingly risky bets. As the smarter Germans understand, the bond markets may be the only lobby for genuine pro-growth reform that exists in most of Europe.
Other than an inflation that will create new problems and bring its own crisis, economic growth is the only way out of Europe's debt morass. But it has to be private growth driven by reforms in taxes, labor markets, regulation, pensions and more.
Europe's voters have already swept several governments from office, and they seem ready to sweep out more. But what really needs to be swept away is the dominant and debilitating consensus that government spending can conjure prosperity.
terça-feira, abril 24, 2012
As fraturas da vida
Dr. José Nazar *
Felicidade, isso não existe! As religiões, as neuroses, as drogas, os bens materiais em excesso, tudo isso são artifícios para que você possa continuar vivendo às custas do esquecimento de uma dor, que é própria de sua vida. Desde que nasce, o ser humano é marcado por uma fratura, aquela que é sua marca originária e que ditará sua maneira particular na vida.
Isso lhe causa horror e, por isso, você se defende alimentando-se de amargas ilusões.
Qual é o seu grande medo? Você não quer saber que a morte é real! Por isso mesmo, você se arma, se engana, constrói roupagens para se proteger do medo que esse encontro poderia lhe causar. Isso dificulta sua relação com o desejo.
A realidade é traumática demais. Você utiliza, como proteção, toda sorte de fantasias. Frente ao vazio da existência, você responde a partir de suas fraturas internas, suas crenças excessivas, seus sintomas, suas angústias, suas feridas internas.
Por mais que corra de si mesmo, se refugiando no casulo de seu espelho narcísico, você será marcado por uma divisão na alma, no mais íntimo de seu ser.
A única saída para o humano é tentar se reconciliar com as perdas operadas na vida e procurar aproximar-se de seu desejo, reduzindo danos.
Diante da miséria que o habita, você se reconstrói a partir de um mito individual, para poder se suportar um pouco mais. Suas ilusões são mecanismos para você continuar se enganando frente a espelhos viciados de um amor narcísico. Você foge de quê?
O ser humano é feito de fraturas, de altos e baixos, alegrias e tristezas, sucessos e fracassos. Desde que nasce, ele já carrega uma nuvem de sentimentos alternantes, numa verdadeira bi-polaridade. Isso tem a ver com a historicidade familiar de cada um, seus traumas que determinam lembranças agradáveis e ou desagradáveis.
Você tem como saída possível refletir sobre si mesmo, para tornar sua vida menos pior. Pode ser que seja bem sucedido e viva melhor, pode acontecer que você sucumba às suas próprias emoções desconhecidas, e isso leva ao pior!
No aqui e agora ou num futuro próximo, você vai se defrontar com a mordida do lobo. Ninguém escapa da mordida do lobo, que são as fraturas da vida! Isso é certo e seguro. Todo e qualquer ser humano carrega, no mais íntimo de seu ser, uma perda, que é vivida como uma mordida, um arranchamento das garantias e certezas. Somos doentes por natureza, o que permite fazer história. O problema é saber se a fratura é interna ou externa, encoberta ou a céu aberto. Eis a questão! A escolha desse título é intencional, porta um duplo sentido. Por um lado diz que todo ser humano é fraturado e, por outro, aponta para a seguinte questão: a vida encontra sua possibilidade a partir de um corte na carne do sujeito, que o traumatiza. No entanto, estas mesmas fraturas lhe dão vida. Mas, o que é que fratura? São os ditos dos pais, suas boas ou más palavras, isto é, tanto as ditas quanto as silenciadas.
É isso que a psicanálise veio demonstrar: o ser humano é descentrado dele mesmo, o sexo é traumático e, por isso, gera fraturas que não permitem a você estar em paz consigo mesmo e com seus semelhantes. A felicidade não existe... o que há são alguns momentos de alegrias.
O sujeito humano não quer aquilo que deseja. Essa é sua depressão fundamental, a fratura não lhe permite estar em paz, nem consigo nem com o outro!
* José Nazar é psiquiatra e psicanalista (Escola Lacaniana de Psicanálise).
Felicidade, isso não existe! As religiões, as neuroses, as drogas, os bens materiais em excesso, tudo isso são artifícios para que você possa continuar vivendo às custas do esquecimento de uma dor, que é própria de sua vida. Desde que nasce, o ser humano é marcado por uma fratura, aquela que é sua marca originária e que ditará sua maneira particular na vida.
Isso lhe causa horror e, por isso, você se defende alimentando-se de amargas ilusões.
Qual é o seu grande medo? Você não quer saber que a morte é real! Por isso mesmo, você se arma, se engana, constrói roupagens para se proteger do medo que esse encontro poderia lhe causar. Isso dificulta sua relação com o desejo.
A realidade é traumática demais. Você utiliza, como proteção, toda sorte de fantasias. Frente ao vazio da existência, você responde a partir de suas fraturas internas, suas crenças excessivas, seus sintomas, suas angústias, suas feridas internas.
Por mais que corra de si mesmo, se refugiando no casulo de seu espelho narcísico, você será marcado por uma divisão na alma, no mais íntimo de seu ser.
A única saída para o humano é tentar se reconciliar com as perdas operadas na vida e procurar aproximar-se de seu desejo, reduzindo danos.
Diante da miséria que o habita, você se reconstrói a partir de um mito individual, para poder se suportar um pouco mais. Suas ilusões são mecanismos para você continuar se enganando frente a espelhos viciados de um amor narcísico. Você foge de quê?
O ser humano é feito de fraturas, de altos e baixos, alegrias e tristezas, sucessos e fracassos. Desde que nasce, ele já carrega uma nuvem de sentimentos alternantes, numa verdadeira bi-polaridade. Isso tem a ver com a historicidade familiar de cada um, seus traumas que determinam lembranças agradáveis e ou desagradáveis.
Você tem como saída possível refletir sobre si mesmo, para tornar sua vida menos pior. Pode ser que seja bem sucedido e viva melhor, pode acontecer que você sucumba às suas próprias emoções desconhecidas, e isso leva ao pior!
No aqui e agora ou num futuro próximo, você vai se defrontar com a mordida do lobo. Ninguém escapa da mordida do lobo, que são as fraturas da vida! Isso é certo e seguro. Todo e qualquer ser humano carrega, no mais íntimo de seu ser, uma perda, que é vivida como uma mordida, um arranchamento das garantias e certezas. Somos doentes por natureza, o que permite fazer história. O problema é saber se a fratura é interna ou externa, encoberta ou a céu aberto. Eis a questão! A escolha desse título é intencional, porta um duplo sentido. Por um lado diz que todo ser humano é fraturado e, por outro, aponta para a seguinte questão: a vida encontra sua possibilidade a partir de um corte na carne do sujeito, que o traumatiza. No entanto, estas mesmas fraturas lhe dão vida. Mas, o que é que fratura? São os ditos dos pais, suas boas ou más palavras, isto é, tanto as ditas quanto as silenciadas.
É isso que a psicanálise veio demonstrar: o ser humano é descentrado dele mesmo, o sexo é traumático e, por isso, gera fraturas que não permitem a você estar em paz consigo mesmo e com seus semelhantes. A felicidade não existe... o que há são alguns momentos de alegrias.
O sujeito humano não quer aquilo que deseja. Essa é sua depressão fundamental, a fratura não lhe permite estar em paz, nem consigo nem com o outro!
* José Nazar é psiquiatra e psicanalista (Escola Lacaniana de Psicanálise).
Um conflito de visões
Rodrigo Constantino*
“Cada
homem, onde quer que vá, é englobado por uma nuvem reconfortante de convicções,
que se move com ele como moscas num dia de verão.” (Bertrand Russell)
Eu adoro debater. Participo de
infindáveis debates em diversas redes sociais, e também face a face. Acredito
no poder das ideias e sei que elas podem mudar as pessoas, pois vi este
resultado inúmeras vezes, e algumas diante do espelho. Mas sempre me
impressionou a resistência que muitos oferecem nos debates, quando confrontados
por ideias diferentes daquelas previamente defendidas. Como ouriços, estas
pessoas se fecham em suas crenças prévias, sem deixar espaço para o
questionamento.
Quando isso acontece, o debate
vira conversa de surdos, cada um tentando impor sua visão de mundo.
Infelizmente, esse talvez seja o padrão dos debates, não a exceção. E creio que
Thomas Sowell, em seu melhor livro, conseguiu oferecer boas explicações para
este espantoso fenômeno: estamos diante de um conflito de visões. A questão
fundamental que se apresenta aqui é: quais são as premissas por trás de cada
visão ideológica diferente? Dependendo destas premissas básicas – sobre o
homem, sobre a sociedade –, então pode ocorrer um conflito irreconciliável de
visões de mundo.
Sowell deposita enorme importância
a estas premissas e sua consequente visão de mundo. Conforme ele diz, os
conflitos de interesse podem dominar o curto prazo, mas os conflitos de visões
dominam a história. Não é possível ignorar uma visão de mundo para lidar com a
realidade. Todos possuem uma, ainda que repitam o contrário, alegando serem
pessoas “práticas”. A visão de mundo é como um mapa que nos guia em um mundo
complexo. Não podemos dispensá-la. Podemos, no máximo, nos evadir de reflexões
mais profundas sobre ela. Mas, neste caso, estaremos seguindo cegamente a visão
de outro, ou de outros, pincelada de forma aleatória e formando verdadeira
colcha de retalhos.
Esta visão normalmente não é
produto do raciocínio, mas sim um ato cognitivo pré-analítico. Ela é algo que
sentimos antes de termos construído qualquer raciocínio sistemático que possa
ser chamado de teoria. Não é o resultado da dedução lógica de hipóteses
testadas contra suas evidências. Por isso, é tão complicado alterar uma visão
de mundo: ela está enraizada em nossa personalidade desde muito cedo.
Toda visão será simplista,
justamente porque ela serve para facilitar a compreensão de um mundo complexo.
Mas isso não quer dizer que sejam ruins; elas oferecem um sentido básico de
como o mundo funciona. Qualquer teoria é calcada sobre pilares que dependem
desta visão de mundo que temos. Apesar de subjetivas, as visões e suas
respectivas teorias possuem implicações claras, e fatos podem testar e medir
sua validade objetiva. Um homem primitivo pode ter uma visão de que possui
poderes místicos e que a reza altera o curso da natureza, mas sabemos que sua
paralisia diante de um vulcão em erupção não vai evitar que a lava o mate se
ele não começar a correr e fugir. É a visão de mundo que vai pautar nossa
agenda tanto de pensamento como de ação.
Falando mais especificamente das
visões sociais e políticas, elas diferem basicamente em suas concepções sobre a
natureza dos homens. Para Sowell, esta divisão pode ser resumida entre a visão
“limitada” e a “ilimitada”. Na visão limitada, o homem é visto não como uma tabula
rasa, mas como um ser que possui limitações desde sempre. Adam Smith, por
exemplo, não olhava a natureza humana como algo a ser alterado. Sua preocupação
era como chegar aos melhores meios para produzir benefícios sociais desejados,
dentro destas limitações humanas.
Um dos pontos-chave da visão
limitada, conforme explica Sowell, é que ela lida com trade-offs em vez de “soluções”. Já na visão ilimitada, a natureza
humana é vista como infinitamente plástica, e isso possibilita a noção de
“solução”. Uma solução ocorre quando não é mais necessário fazer uma escolha
entre duas alternativas imperfeitas, em que qualquer uma delas produza efeito
negativo. Há uma resposta final e absoluta. As guerras, a pobreza e os crimes,
todos estes males são vistos, na versão ilimitada, como coisas que podem ser
extirpadas do mundo. Já pela visão limitada, tais desgraças são vistas como
parte dos efeitos das paixões humanas, que podem ser, no máximo, minimizadas. A
visão ilimitada desfruta de uma esperança utópica enquanto a limitada adota
postura bem mais cética.
A Revolução Francesa é o exemplo
típico da visão ilimitada. Finalmente, as injustiças seriam debeladas e o
paraíso terrestre poderia se tornar realidade. Igualdade, liberdade e
fraternidade, todos viveriam em paz e felizes. Faltou combinar com a natureza
humana, e o resultado prático foi Robespierre, a guilhotina e o terror. Já a
Revolução Americana, ainda que com a influência de pensadores da vertente
ilimitada, como Thomas Paine e Thomas Jefferson, também contou com a importante
participação de pensadores mais céticos. A Constituição americana é prova
disso, elaborada com total preocupação aos pesos e contrapesos que limitariam a
capacidade de estrago causada pelo governo. Ninguém com tanto poder merece
confiança cega.
A visão limitada parte da premissa
de que nossa natureza é relativamente imutável ao longo do tempo. Claro que
costumes se aprimoram e o conceito de moral evolui. Mas o mal sempre estará
presente nos homens, segundo esta visão. E isso justifica a desconfiança com
relação a todo tipo de “engenharia social”. A visão ilimitada enxerga o homem
como um ser com potencial praticamente infinito, e que basta oferecer as
condições “certas” para que todos pratiquem o bem. Na outra versão, o ser
humano é visto como uma criatura tragicamente limitada, com impulsos egoístas e
perigosos. Rousseau e seu “homem bom”, corrompido pela sociedade, representam o
ícone da visão ilimitada; Hobbes e seu pessimismo, com o “lobo do homem”, seria
o exemplo alternativo.
Sobre o conhecimento, a visão
limitada assume que qualquer indivíduo será incapaz de tomar decisões sociais e
políticas por conta própria, pois ele possui minúscula parcela do conhecimento
necessário. A ideia de um “déspota esclarecido” desperta calafrios aos adeptos
desta visão. O conhecimento vem muito da experiência, do processo de tentativa
e erro, aprendizagem gradual e darwinista que vai eliminando aquelas ideias que
não funcionam. Hayek foi quem melhor resumiu esta visão limitada do
conhecimento humano, com seu argumento sobre o conhecimento disperso e
fragmentado na sociedade. Por outro lado, a versão ilimitada deposita fé
infinita na capacidade da razão humana. Seus adeptos estão dispostos a ignorar
séculos de experiência e partir do zero para desenhar a sociedade perfeita e
justa.
Dependendo da visão adotada, as
medidas pregadas em diferentes áreas serão diametralmente opostas. Vejamos o
caso do crime. Na visão limitada, há a noção de que seres humanos sempre terão
um lado sombrio e violento, e que o mecanismo de incentivos pode mitigar seus
efeitos. Por isso, defende-se, nesta visão, o uso de punição exemplar para
crimes, especialmente os mais graves. Já na visão ilimitada, a culpa recai
quase sempre sobre a “sociedade”, e se as condições sociais forem melhoradas,
então o crime poderá desaparecer. Esta visão costuma defender uma “reeducação”
para os criminosos, mesmo os mais bárbaros.
A postura com relação às crianças
também será radicalmente distinta. Na visão limitada, cada nova geração é como
uma invasão de pequenos bárbaros que precisam ser civilizados antes que seja
tarde demais. O livro O Senhor das Moscas,
de William Golding, captura bem esta imagem nada romantizada das crianças.
Sozinhas em uma ilha após um acidente, elas criam todo tipo de situação absurda
que costumamos ver nas sociedades de adultos. Intrigas, grupos formados para
concentrar poder, inveja, violência e atos claramente irracionais são parte do
dia a dia das crianças na ilha. Já a visão rousseauniana ilimitada vai enxergar
as crianças como seres “puros”, totalmente voltados para o bem, e qualquer
forma de educação mais rigorosa será vista como um absurdo. Alguns vão chegar a
ponto de defender leis que proíbam até palmadas.
Para Sowell, há ainda as visões
“híbridas”, aquelas que misturam a versão limitada com a ilimitada, dependendo
do assunto em questão.
Muito daquilo que chamamos de “incoerência” no posicionamento
dos outros se deve ao fato de que uma pessoa pode manter uma visão limitada em
um tema específico, e uma visão ilimitada em outro assunto. Estas visões
híbridas são mais difíceis de serem classificadas ou encaixadas em rótulos
tradicionais, tais como direita e esquerda.
Cada visão dessas irá produzir
conclusões que são consequências lógicas de suas premissas. Seguro delas, seu
defensor tentará “vencer” os debates, muitas vezes com base em emoções. Não há saída
fácil para o embate entre dois tipos tão diferentes de visão de mundo. O que
podemos fazer, talvez, é seguir o conselho de Ayn Rand: checar sempre as
premissas, e verificar se elas fazem mesmo sentido. Além disso, torna-se
crucial manter a mente sempre aberta, e aceitar o debate civilizado, em que o
grande objetivo é se aproximar da verdade, e não derrotar o “oponente”. Não
adianta fugir da questão em si, fingir que tanto faz qual visão de mundo nós
temos, pois dependendo de qual seja ela, os resultados práticos daquilo que
pensamos e fazemos será totalmente diferente. Para o bem ou para o mal.
* Texto inédito do livro LIBERAL COM ORGULHO (Ed. Lacre, 2011)
Um anarquista frustrado
Rodrigo Constantino, para a revista Banco de Ideias - Instituto Liberal
Um dos grandes nomes do
liberalismo brasileiro foi, sem dúvida, Og Francisco Leme. Além de fundador do
Instituto Liberal, Og Leme foi o responsável pela iniciação de muitos
economistas e empresários na doutrina liberal. É, portanto, com grande regozijo
que celebro a iniciativa do IL, com o apoio financeiro de Salim Mattar, de
lançar um livro de crônicas deste arguto pensador liberal.
Og Leme se dizia um anarquista
frustrado. Defensor ferrenho das liberdades individuais, ele compreendia que
estas, para sobreviverem, teriam que ser limitadas de alguma forma. Ele gostava
de citar Edmund Burke, lembrando que até mesmo a liberdade, para ser usufruída,
precisa de limites. Mas Og Leme não fugia da mais delicada questão para os
liberais: como delegar poder ao governo sem que ele mesmo se transforme na
maior ameaça às liberdades?
A democracia, para Og Leme, era
vista como o melhor meio de organização para decisões coletivas. Mas isso não a
colocava automaticamente em concordância com o liberalismo. Democracia demanda
igualdade, e liberalismo demanda liberdade. Quando ambos convivem em harmonia,
temos a liberal-democracia. Isso não quer dizer que a democracia não precise de
claros limites. O excesso de politização das decisões era exatamente o grande
risco que Og Leme via para a liberdade.
A grande maioria das decisões
deve ser deixada sob o controle do mercado, ou seja, trocas voluntárias entre
indivíduos. Og Leme sempre levantou a bandeira do princípio de subsidiariedade,
ou seja, tudo aquilo que pode ser feito pelo indivíduo e sua família, assim
deve ser feito, para somente depois subir às esferas municipal, estadual e,
finalmente, federal. Poucas tarefas caberiam ao governo federal pela ótica
liberal. Og Leme defendia o Estado Mínimo, por saber que a prosperidade depende
da liberdade.
As mais importantes instituições
deste modelo liberal seriam o Estado de Direito e a economia de mercado. Og
Leme não abria mão da defesa da isonomia, ou seja, a igualdade de todos perante
as leis. O liberal condena todo tipo de privilégio, assim como a “Justiça
alternativa”, que delega enorme poder arbitrário ao governo. Na economia, o
mais importante é respeitar a propriedade privada e a liberdade, permitindo
assim que a “mão invisível” realize o “milagre” da prosperidade.
A vida em sociedade é
extremamente desejável, basicamente por três motivos: 1) somente na
coletividade ocorre a humanização do animal homem; 2) a divisão de trabalho
gera grande progresso material; 3) o estoque de conhecimento é acumulativo e
todos se beneficiam disso. A questão é atribuir os papéis adequados ao governo
para preservar tais vantagens. Segundo Og Leme, garantir o Império das leis e a
propriedade privada é o principal objetivo do governo.
Ele aceitava também a intervenção
estatal nas áreas de educação e saúde, desde que limitada ao financiamento, e
não à gerência. Alguma intervenção em monopólios naturais também era tolerável
para ele, que nunca deixava de alertar, todavia, que as “falhas de mercado” costumam
ser agravadas pelas “falhas de governo” com o excesso de regulação. Mais que
isso ele condenava, frisando, porém, que o liberalismo é um processo, sempre
aberto a mudanças e aperfeiçoamento.
Enquanto a “terceira via” ganhava
força como solução após o fim do comunismo, Og Leme atacava este caminho,
repetindo que ela costuma levar ao “terceiro mundo”. Ele via a
social-democracia como uma forma de socialismo diet, assim como a nova tendência “verde”. O estado beneficente
estaria fadado ao fracasso. Para Og Leme, este era o ideal liberal: “um setor
público tão pequeno quanto possível e descentralizado ao máximo”.
Og Leme foi um grande liberal,
que lutou a boa luta, e deve ser lido por todos que valorizam a liberdade.