Idéias de um livre pensador sem medo da polêmica ou da patrulha dos "politicamente corretos".
sexta-feira, março 31, 2006
Tensão Protecionista
Rodrigo Constantino
“Those who would give up essential liberty to purchase a little temporary safety deserve neither liberty nor safety.” (Benjamin Franklin)
Com a escalada do déficit comercial americano, aumenta a tentação de uso populista do protecionismo por parte dos políticos. O déficit de quase US$ 800 bilhões em 2005, superior a 6% do PIB, assusta, e oportunistas logo aproveitam tal medo para a exploração política do fato. Como a China tem sido o principal responsável pelo aumento do déficit, respondendo por mais de um quarto do total, é o alvo predileto como bode expiatório. Em um relacionamento político já delicado, esta tensão a mais se faz totalmente desnecessária, além de ser péssima solução econômica.
O Congresso americano vem trabalhando em projetos que criariam barreiras comerciais com a China. Na tentativa de pressionar a China a valorizar sua moeda, o que não resolveria o problema do déficit americano, alguns senadores propuseram uma tarifa de 27,5% para as importações chinesas. Caso aprovada, tal tarifa representaria um custo adicional de cerca de US$ 60 bilhões para os consumidores americanos, que importaram mais de US$ 240 bilhões da China em 2005. Tais importações são, muitas vezes, complementares aos negócios americanos, além de segurar a inflação. É falsa a acusação de que os Estados Unidos estão exportando empregos para a China. O desemprego americano está em patamares bastante baixos, menor que 5%. Os produtos importados da China, mais baratos, acabam possibilitando uma alocação mais eficiente dos recursos nos Estados Unidos, de acordo com suas vantagens comparativas. O maior grau de integração dos países na globalização favorece os consumidores. O custo adicional, caso imposto pelo governo americano, seria um tiro no próprio pé dos consumidores americanos, e poderia jogar o país em uma forte recessão.
Para piorar a situação, o governo americano tem tentado influenciar a atividade de fusões e aquisições no país. Impediu a compra da Unocal pela petrolífera chinesa, alegando defesa do “interesse nacional”, sendo que a empresa possui apenas 1% de fatia de mercado. Barrou ainda a aquisição de portos americanos por Dubai, sendo que o controle de segurança ainda poderia ser exercido pelo governo americano. Justo em um momento onde o país tanto necessita de investimentos externos, para compensar o déficit comercial, o governo vem criando impeditivos para a transferência de controle acionário para estrangeiros. Uma péssima política, claramente demagógica.
A frase do “founding father” americano usada na epígrafe acima diz tudo. O protecionismo é sempre uma medida maléfica, que aparenta a conquista de uma segurança momentânea, mas sacrifica o futuro da nação. Trata-se de uma falsa segurança, que favorece apenas alguns poderosos empresários locais, prejudicando todos os consumidores. Algo como nossa fracassada “reserva de mercado”, que permitiu a criação das oligarquias locais. Se o fechamento das fronteiras para a competição global fosse algo benéfico, tanto a Coréia do Norte como Cuba seriam verdadeiros paraísos prósperos. Claro que são justamente o contrário disso. Para o bem da “terra da liberdade”, assim como do resto do mundo todo, espero que a lógica econômica prevaleça nos Estados Unidos, e que os populistas sejam derrotados. O mundo não precisa de mais barreiras comerciais, e sim menos. Os Estados Unidos precisam liderar, dando o bom exemplo.
quinta-feira, março 30, 2006
Astronauta Milionário
Rodrigo Constantino
Deve ser fantástico fazer uma viagem espacial. Recentemente, tivemos alguns casos de milionários que pagaram caro por tal sonho. Direito deles decidir o destino do dinheiro que ganharam. Mas quando o governo de um país repleto de pobres, como é o caso do Brasil, gasta milhões para mandar um astronauta em uma viagem cuja missão pertence à Rússia, sequer com intercâmbio tecnológico, devemos questionar a lógica dessa atitude.
O que o país ganha com isso, para justificar um gasto tão elevado por parte do governo? Será que o tolo orgulho nacionalista, cuja mentalidade coletivista costuma ocultar um sentimento de inferioridade em nível individual, justifica tirar os parcos recursos do povo sofrido para bancar o sonho de um astronauta e o capricho de um governo que sofre de megalomania? Será que por se tratar de ano eleitoral devemos suspeitar desta custosa aventura? São perguntas que ficam suspensas no ar, assim como “nosso” felizardo astronauta, que realiza um sonho milionário com o suor alheio. O governo mandou, literalmente, nosso dinheiro para o espaço!
segunda-feira, março 27, 2006
O Gênio Burguês
Rodrigo Constantino
Em 1791, aos 35 anos apenas, morria um artista com talento suficiente para justificar o rótulo de “gênio”. A vida de Wolfgang Amadeus Mozart ilustra a situação de grupos burgueses numa economia dominada pela aristocracia de corte. Como diz Norbert Elias em sua biografia do músico, “Mozart lutou com uma coragem espantosa para se libertar dos aristocratas, seus patronos e senhores”. Um músico daquele tempo não tinha muita escolha, a não ser se submeter a um posto inferior nas cortes. Tal sina não conseguiria prender aquele que escreveu A Flauta Mágica.
Havia nitidamente um ressentimento por parte de Mozart com a sociedade de corte, fruto da humilhação imposta pela nobreza, que sempre o tratava como inferior. Por mais que freqüentasse os círculos aristocráticos, ele não cumpria seus rituais, tampouco bajulava os nobres. Seu pai, Leopold, era um serviçal do príncipe-arcebispo de Salzburgo, cargo obtido com muito esforço. Bom músico, mas não excepcional, sonhou através do filho um futuro mais promissor para a família. Deixou claro o objetivo principal do jovem artista, que era fazer dinheiro. Foi bastante exigente com Mozart, assim como controlador. Aos 3 anos, Mozart já aprendia a tocar, e com 5 estava compondo. O talento era impressionante, e aos 6 anos, o menino já fazia sucesso até mesmo com reis e rainhas. Para as ambições pessoais do criador de Don Giovanni, isso não era suficiente.
A decisão de Mozart de largar o emprego estável porém degradante, aos seus olhos, em Salzburgo, significava o abandono de um patrono, tendo que ganhar a vida como um “artista autônomo”, vendendo sua obra no mercado livre. Era algo bastante ousado e inusitado na época, cuja estrutura social ainda não oferecia lugar para músicos ilustres e independentes. O risco assumido por Mozart era extraordinário. Ele antecipou as atitudes de um tipo posterior de artista, com confiança acima de tudo na inspiração individual.
Tal rompimento com a corte não poderia deixar de causar profundo impacto no jovem artista, com 25 anos então. E este impacto seria claramente sentido em suas obras também, como é de se esperar. Sua capacidade de transformar fantasias e emoções em obras materiais era ímpar, exigindo profundo conhecimento técnico ao mesmo tempo que uma criatividade peculiar, combinação bastante rara. E após o arriscado passo de independência, essa genialidade floresceu com mais força ainda.
O gosto nas artes era ditado pelo consenso dos poderosos, e a música não existia primariamente para expressar ou evocar sentimentos das pessoas individualmente. A sua função precípua era agradar aos senhores da classe dominante. Tais amarras cortavam as asas do sonhador Mozart, cuja personalidade era fortemente marcada por sentimentos agressivos em relação aos aristocratas. O tratamento recebido do arcebispo de Salzburgo, que o encarava como um serviçal qualquer, era mortal para o espírito criador de Mozart. Ciente de seu próprio valor, passou a ser insuportável para Mozart permanecer em Salzburgo. Ele chegou a escrever para seu pai: “Não é Salzburgo, mas o príncipe e sua presunçosa nobreza que a cada dia se tornam mais intoleráveis para mim”.
Foi assim que o “gênio burguês” desafiou a música artesanal da corte e toda a concepção da profissão de músico daquele tempo. Um individualista contra uma prisão aristocrática. Um homem à frente do seu tempo, com um forte anseio por liberdade. E com as mudanças radicais que tal tipo de mentalidade iria produzir na frente, a nobreza ociosa seria profundamente ameaçada pelos conceitos de trabalho e individualismo da burguesia. Com o advento do capitalismo, essa aristocracia daria praticamente seu suspiro final. E atualmente, qualquer um pode se dar ao luxo de comprar, por cerca de dez reais, um CD de Mozart, tendo acesso às sinfonias e óperas deste grande compositor. É a massificação daquilo que antes era uma regalia de poucos nobres, que ainda por cima dominavam as formas de composição dos artistas.
Agora, é evidente que com a maior liberdade vem a maior diversidade, assim como a massificação não garante a qualidade das obras. Tem para todos os gostos! Portanto, assim como qualquer indivíduo hoje, por mais humilde que seja, pode se dar ao luxo de escutar uma bela sinfonia de Mozart, graças ao progresso capitalista, esse mesmo sujeito pode preferir escutar a Tati Quebra-Barraco. Mas quem sou eu para querer impor minhas preferências particulares?! Afinal, gosto não se discute. Se lamenta...
sexta-feira, março 24, 2006
Agora é Alckmin!
Rodrigo Constantino
A política é a arte do possível. Sei que tal pragmatismo do realpolitik incomoda pessoas mais idealistas, nas quais me incluo. Essas pessoas, cansadas da pouca vergonha desses partidos existentes, enojadas com os políticos de forma geral, inclinam-se ao voto nulo, como única forma de protesto. Não deixo de ser simpático a tal idéia, mas considero um equívoco essa opção nas próximas eleições. Tentarei explicar melhor o porquê disso a seguir.
A premissa por trás da escolha do voto nulo é que todos são farinha do mesmo saco, tendo pouca diferença entre o PT e o PSDB. De fato, alguma ponta de verdade há nisso. Mas toda generalização leva a erros e injustiças. O PSDB é um partido que abriga corruptos, sem dúvida. E a mentalidade é por demais estatizante, longe do ideal liberal. Mas nem por isso devemos crucificar Alckmin de cara, colocando-o no mesmo barco furado que Lula. A diferença entre ambos é gritante.
Alckmin não é o candidato dos sonhos dos liberais. Está mais para uma postura social-democrata, ícone de países como os escandinavos. Mas mostrou-se bem preparado durante seu governo em São Paulo, e vem apresentando um discurso no caminho certo, de redução do Estado. O termo “choque de capitalismo”, por ele usado, é justo o que o país necessita. Não será fácil aprovar as reformas no Congresso. Alckmin presidente não é sinônimo de milagre brasileiro, e quem assim sonha irá quebrar a cara. Mas é um homem sério, testado, com idéias infinitamente mais racionais e razoáveis que as de Lula. Alckmin pode não conseguir transformar em realidade aquilo que prega, mas ao menos sabe o que quer, e vai trabalhar para isso. Em sua gestão como governador, de fato reduziu impostos estaduais, com ótimos resultados. Já Lula mostrou-se um péssimo presidente, que deu muita sorte ao pegar um vento super favorável de fora. O que funcionou foi aquilo que ele não ousou mexer, enquanto as novidades foram todas caóticas. Alckmin pode não ser o ideal dos liberais, mas está longe de ser um Lula.
Com isso em mente, creio que todos aqueles que não querem espelhar-se nos fracassos mundiais devem votar no Alckmin. Quem tem asco de um Chávez, amigo de Lula, tem que votar no Alckmin. Quem sente repulsa pela turma do Foro de SP, tem que votar no Alckmin. Quem fica revoltado com os abusos do MST, tem que votar no Alckmin. Quem defende a social-democracia, no estilo escandinavo, tem que votar no Alckmin. E por fim, os liberais, ainda sem opção enquanto o Partido Federalista não surge, têm que votar no Alckmin também. Devemos jogar com as fichas na mesa, aceitando a realidade. Acho que a luta pelo Liberalismo de fato tem que continuar. Alckmin está longe de representar o ponto de chegada. Mas ele é, sem dúvida, o melhor caminho possível hoje para essa desejada transição. A alternativa, o presidente Lula, representa mais passos para trás, rumo ao caminho da servidão. E isso ninguém agüenta mais!
Não sou um “alckmista” por convicção. Mas sou um “alckmista” por extrema necessidade. E acredito que Alckmin tem potencial para fazer um governo razoável, o que já é extraordinário perto da gestão sofrível de Lula. Não resta dúvida: agora é Alckmin!
A política é a arte do possível. Sei que tal pragmatismo do realpolitik incomoda pessoas mais idealistas, nas quais me incluo. Essas pessoas, cansadas da pouca vergonha desses partidos existentes, enojadas com os políticos de forma geral, inclinam-se ao voto nulo, como única forma de protesto. Não deixo de ser simpático a tal idéia, mas considero um equívoco essa opção nas próximas eleições. Tentarei explicar melhor o porquê disso a seguir.
A premissa por trás da escolha do voto nulo é que todos são farinha do mesmo saco, tendo pouca diferença entre o PT e o PSDB. De fato, alguma ponta de verdade há nisso. Mas toda generalização leva a erros e injustiças. O PSDB é um partido que abriga corruptos, sem dúvida. E a mentalidade é por demais estatizante, longe do ideal liberal. Mas nem por isso devemos crucificar Alckmin de cara, colocando-o no mesmo barco furado que Lula. A diferença entre ambos é gritante.
Alckmin não é o candidato dos sonhos dos liberais. Está mais para uma postura social-democrata, ícone de países como os escandinavos. Mas mostrou-se bem preparado durante seu governo em São Paulo, e vem apresentando um discurso no caminho certo, de redução do Estado. O termo “choque de capitalismo”, por ele usado, é justo o que o país necessita. Não será fácil aprovar as reformas no Congresso. Alckmin presidente não é sinônimo de milagre brasileiro, e quem assim sonha irá quebrar a cara. Mas é um homem sério, testado, com idéias infinitamente mais racionais e razoáveis que as de Lula. Alckmin pode não conseguir transformar em realidade aquilo que prega, mas ao menos sabe o que quer, e vai trabalhar para isso. Em sua gestão como governador, de fato reduziu impostos estaduais, com ótimos resultados. Já Lula mostrou-se um péssimo presidente, que deu muita sorte ao pegar um vento super favorável de fora. O que funcionou foi aquilo que ele não ousou mexer, enquanto as novidades foram todas caóticas. Alckmin pode não ser o ideal dos liberais, mas está longe de ser um Lula.
Com isso em mente, creio que todos aqueles que não querem espelhar-se nos fracassos mundiais devem votar no Alckmin. Quem tem asco de um Chávez, amigo de Lula, tem que votar no Alckmin. Quem sente repulsa pela turma do Foro de SP, tem que votar no Alckmin. Quem fica revoltado com os abusos do MST, tem que votar no Alckmin. Quem defende a social-democracia, no estilo escandinavo, tem que votar no Alckmin. E por fim, os liberais, ainda sem opção enquanto o Partido Federalista não surge, têm que votar no Alckmin também. Devemos jogar com as fichas na mesa, aceitando a realidade. Acho que a luta pelo Liberalismo de fato tem que continuar. Alckmin está longe de representar o ponto de chegada. Mas ele é, sem dúvida, o melhor caminho possível hoje para essa desejada transição. A alternativa, o presidente Lula, representa mais passos para trás, rumo ao caminho da servidão. E isso ninguém agüenta mais!
Não sou um “alckmista” por convicção. Mas sou um “alckmista” por extrema necessidade. E acredito que Alckmin tem potencial para fazer um governo razoável, o que já é extraordinário perto da gestão sofrível de Lula. Não resta dúvida: agora é Alckmin!
quinta-feira, março 23, 2006
McLanche Infeliz
Rodrigo Constantino
Pressionado pelo Ministério Público Federal, o McDonald's concordou em passar a vender o brinquedo que acompanha o McLanche Feliz sem a necessidade da compra do sanduíche. A ação do MP ocorreu após o recebimento de reclamações de “pais que se sentiam obrigados a comprar o lanche quando seus filhos queriam apenas o brinquedo”, segundo notícia da Folha Online. Mais uma demonstração de que o Estado se mete onde não deve, algo típico de países socialistas.
Ora, pais que se sentem obrigados a satisfazer as vontades dos filhos já mostram algo de muito estranho. Achei que bastava dizer “não” para os fedelhos. Ao menos é assim que tento educar minha filha, impondo limites. Além disso, o McDonald’s não é uma loja de brinquedos, e os utiliza justamente como forma de promoção, para aumentar as suas vendas. Várias empresas utilizam tal estratégia de marketing. Brinde vendido não é mais brinde! Mas ao que parece, estamos num país onde cada mínimo detalhe do negócio deve ser aprovado pelos burocratas.
A reportagem explica a razão por trás da medida: “A preocupação da Procuradoria é evitar que principalmente o público infantil seja estimulado ao consumo por meio desse tipo de promoção”. Agora sim, tudo faz sentido! Consumo é mesmo coisa de Lúcifer, e o ideal seria que ninguém consumisse nada. Complicado seria gerar empregos e sustentar os burocratas que “pensam” assim sem o pecaminoso consumo.
Diante da completa falta do que fazer desses burocratas, e do grau assustador de ingerência estatal nos negócios, restou-me apenas uma dúvida cruel: o que vai ser do Kinder Ovo?
O Médico e o Monstro
Rodrigo Constantino
O médico era um homem sereno, tranqüilo, que gozava de razoável reputação. Vivia, entretanto, um outro ser dentro dele, dividindo o mesmo corpo. Este era medonho, deixando um rastro de pavor e repulsa por onde passava. O médico descobriu a poção mágica do poder, que poderia separar ambos, dando vida a um novo indivíduo, formado unicamente pelas características ruins da dupla personalidade. A impunidade, já que o monstro poderia virar médico a qualquer momento, era um convite ao crime. Desde então, ficara cada vez mais difícil controlar a fera.
O médico ainda resistia, e tornou-se até mesmo um respeitado ministro. Era uma voz de bom senso no meio de uma verborragia populista dos demais membros do governo. Mas o monstro estava lá, vivo, com seu passado de militante esquerdista, com suas ambições desenfreadas pelo poder. Dr. Jeckyl tentava ocultar, mas o passado de Mr. Hyde, que inclui formação de quadrilha e recebimento de propina mensal, ao que tudo indica, viria lhe assombrar. Até mesmo um simples caseiro iria entregar o lado mentiroso do médico, ainda que tudo tenha sido feito para calá-lo e desqualificá-lo, com métodos que remetem à ditadura.
Tal como na obra de Stevenson, o lado mal sempre vence a disputa com o bem nesses casos de personalidade dupla. O médico não tem forças para dominar o monstro. Este é mais forte, mais determinado, e acaba destruindo ambos no final.
terça-feira, março 21, 2006
O Ósculo do Batráquio
Rodrigo Constantino
No mundo da fantasia, conta-se que o príncipe fora transformado em sapo, através do feitiço da bruxa, e que somente o beijo da bela princesa traria o príncipe novamente à sua forma original. O povo brasileiro parece afeito a contos fantasiosos, e acreditou nesta possível mudança. O sapo, barbudo e tudo, iria transformar-se no grande príncipe, a salvar o reino podre. A metamorfose, no entanto, foi kafkiana.
Sapos parecem mesmo imprevisíveis. Há cerca de 70 anos, foram introduzidos sapos venenosos na Austrália, na tentativa de controlar a população de besouros, verdadeira praga local. Ocorre que o cururu, da beira do rio, espalhou-se pelo continente, deixando um rastro de devastação. Várias espécies foram depredadas, e o anfíbio desenvolveu pernas mais longas, adaptando-se. Não é à toa que os animais existem há milhões de anos. Esperavam que o batráquio, tido como lento, fosse apenas caçar alguns besouros. Não contavam com sua astúcia. Aliás, lembro que o sapo em questão, da espécie bufo marinus, é bastante comum no Brasil. Seu nome origina-se do tupi-guarani. Um deles, ao que consta, foi tão longe que chegou a presidente!
Os “intelectuais” brasileiros, que ainda sonham com a utopia pregada pelo outro barbudo, ajudaram a criar o mito do “bom revolucionário”. Com o auxílio do trapaceiro que criou a falsa roupa do imperador, essa elite vendeu a idéia de que o sapo faria até milagres, como a multiplicação de pães. Diante dos implacáveis fatos que contrariaram tal imagem redentora, restou o silêncio desses “intelectuais”. Os irascíveis no proselitismo mostram-se pusilânimes diante da dura realidade. Não têm coragem nem mesmo de assumir a criação da criatura, agora fora de controle. Aquele que iria combater o sistema acabou abraçando-o, e dando aulas de corrupção que fizeram os antecessores parecerem inexperientes ladrões de galinha. O sapo mostrou-se não apenas “um deles”, mas o pior deles! O “mensalão”, apenas a ponta do iceberg, que o diga...
Mas como eu ia dizendo, o povo brasileiro parece gostar mesmo de uma fantasia. Ainda não parece ter abandonado a idéia do “salvador da pátria”, que irá resgatar as vítimas do perverso sistema e colocar o país na trajetória do progresso. Ainda não entenderam que tal visão paternalista e centralizadora é o grande problema. Não atinaram ainda que deveriam lutar para a drástica redução do tamanho do Estado, e não para colocar um “santo clarividente” sob a espada de Dâmocles. O modelo está errado. O poder corrompe. “O poder absoluto corrompe absolutamente”. Há que se reduzir o poder, independente da pessoa que chega ao trono. Mas o desespero, aliado à ignorância, faz muitos votarem naqueles que pregam mais e mais governo, como se o Estado fosse uma verdadeira panacéia. Nada mais falso.
As eleições avizinham-se. Teremos mais uma oportunidade para que os eleitores possam demonstrar algum bom senso. A racionalidade precisa dominar emoções instintivas. Os “intelectuais”, os mesmos que criaram o Frankenstein em forma de sapo, tentarão novamente nos vender lebre por gato, ignorando que o apedeuta já fora testado e desmascarado. Vão romper o silêncio na hora oportuna. O rei está nu, mas isso não irá abalar os pérfidos. Somente a razão pode blindar o povo contra tamanha safadeza. Veremos se o povo valoriza a lógica, ou se ainda está sujeito aos encantos dos contos de fadas. Quem quiser beijar o sapo, na esperança de vê-lo virar príncipe, que o faça. Vivemos em uma democracia, ainda que falha. Mas acho melhor lembrar que pode tratar-se de um cururu venenoso...
As Reformas da Islândia
Rodrigo Constantino
“The more the state 'plans' the more difficult planning becomes for the individual.” (Hayek)
Em palestra no Instituto Liberal, o professor Hannes Gissurarson detalhou as profundas reformas vividas pela Islândia desde 1991, quando os liberais chegaram ao governo. Gissurarson é membro do Banco Central da Islândia, e foi vice-presidente da Mont Pèlerin, fundada por Hayek e outros notórios liberais. As sábias palavras do professor, assim como as ações práticas do governo que tomou parte, deveriam ser amplamente divulgadas em nosso país, que tanto necessita destas mesmas reformas.
O professor iniciou sua palestra falando sobre as lições de Hayek. Na essência, as lições tratam da ignorância no nível individual e da eficiência do mecanismo de transmissão de informação pelo livre mercado. O conhecimento encontra-se disseminado entre milhões de indivíduos, e as trocas voluntárias representam a melhor forma de maximizá-lo. Hayek, um grande economista com prêmio Nobel, mas que permanece um ilustre desconhecido no Brasil, exerceu forte influência nas idéias que reformaram profundamente a Islândia recentemente, tornando-a um dos países mais ricos da Europa, em termos per capita.
Os cinco pilares atacados pelo governo foram a liberalização dos mercados, a contenção da inflação, as privatizações, o direito de propriedade privada e a redução dos impostos. Os indivíduos passaram a gozar de ampla liberdade na alocação dos recursos, incluindo transferências monetárias em moedas estrangeiras. A idéia é competir inclusive com Luxemburgo pela atração de investimentos estrangeiros. A emissão de moeda cessou, já que a inflação é um fenômeno primordialmente monetário, causado pela irresponsabilidade estatal. As empresas estatais foram privatizadas, tornando-se mais eficientes. Os recursos foram utilizados para o abatimento da dívida pública, praticamente inexistente hoje. Soluções através da definição dos direitos de propriedade privada, como no setor de pesca, o mais relevante do país, mostraram-se bastante eficazes. No caso, o governo distribuiu cotas para as empresas de pesca, que passaram a ter liberdade de negociação destas, incentivando que as mais eficientes ocupassem o lugar das mais ineficientes. É o direito de propriedade que garante os incentivos adequados para uma eficiente exploração dos recursos, como lembra o professor ao citar o caso dos elefantes africanos sob risco de extinção, justamente pela ausência da figura de um dono. Os impostos corporativos foram drasticamente reduzidos, de 50% para 18%, sendo que a arrecadação total aumentou, pela maior atividade econômica, efeito já abordado por Laffer. Os impostos sobre propriedade foram simplesmente abolidos. Por fim, o sistema previdenciário foi reformado, acabando-se com o modelo de benefício definido, que deu lugar às contas individuais.
Em resumo, o governo adotou o caminho liberal. O resultado não tardou a aparecer. A renda per capita, desde então, já subiu mais de 30%, chegando hoje aos US$ 35 mil. O professor reconhece que ainda faltam mais reformas liberais, como a venda da estatal de energia e maior redução dos impostos, assim como o fim das barreiras no setor agrícola. No seu entendimento, não era possível fazer tudo de uma só vez, e os liberais tiveram que definir prioridades, dentro do complexo jogo político. Mas a trajetória liberal foi traçada, e as reformas adotadas já surtiram profundo efeito positivo. A população, de cerca de 300 mil habitantes apenas, é pequena, mas vários outros países pequenos não conseguiram os resultados da Islândia. Além disso, Gissurarson lembra que parte do sucesso americano vem justamente da característica de ser formado, na verdade, por mais de 50 “pequenas nações” razoavelmente independentes. O tamanho limitado força uma abertura comercial, que tanto beneficia a economia. Se for o caso então, que transformemos o Brasil em 600 pequenas Islândias! Não dá é para manter a escusa do tamanho para não adotar as comprovadas reformas liberais.
No término da palestra, Gissurarson disse que o caminho seguido pelos liberais na Islândia não foi livre de oposição. Intelectuais de esquerda se mostraram contrários às reformas, acusando os liberais de insensibilidade perante os pobres. Parece que a retórica sensacionalista é mesmo fenômeno mundial. Como resposta, o professor explica apenas que os liberais preferem combater o problema da miséria garantindo as oportunidades para que os pobres saiam da pobreza, em vez de incentivar sua permanência lá, através do assistencialismo. E foi, de fato, o que aconteceu na Islândia. Muitos que antes sequer tinham condições de pagar impostos, hoje pagam, pois aumentaram a renda. Assim que se combate a miséria: acabando com ela, não com os ricos! É o que demonstra o caso da Islândia.
sexta-feira, março 17, 2006
As Sete Lições
Rodrigo Constantino
Em fins de 1958, Ludwig von Mises, um dos maiores expoentes do Liberalismo, proferiu uma série de conferências na Argentina. Felizmente, sua esposa decidiu transformar as transcrições das palestras em livro, e assim nasceu As Seis Lições. Trata-se de um pequeno livro em tamanho, mas profundo na mensagem. O mundo teria muito a ganhar se as idéias bastante embasadas de Mises fossem mais conhecidas. Tentarei aqui, muito resumidamente, abordar as lições.
Capitalismo: A origem desse sistema foi voltada para a produção em massa, visando a atender o excesso populacional proveniente do campo. Desde o seu começo, portanto, as empresas têm como alvo a satisfação das demandas das massas, e seu sucesso é totalmente dependente da preferência dos consumidores. Há mobilidade social, pois ganha quem melhor satisfaz as demandas. Assim, o desenvolvimento do capitalismo consiste em que cada homem tem o direito de servir melhor ou mais barato o seu cliente. O salto na qualidade de vida e na sua própria duração foi espetacular após o advento do capitalismo, e a população inglesa dobrou entre 1760 e 1830. No capitalismo, através do livre mercado, quem manda é o consumidor.
Socialismo: O mercado não é um lugar, mas um processo, onde os indivíduos exercem livremente suas escolhas. Num sistema desprovido de mercado, em que o governo determina tudo, qualquer liberdade é ilusória na prática. Se o governo for o dono das máquinas impressoras, não pode haver liberdade de imprensa (vide Cuba). A visão do governo como uma autoridade paternal, um guardião de todos, é típica do socialismo. Se couber ao governo o direito de determinar o que o corpo humano deve consumir, o próximo passo seria naturalmente o controle das idéias. A partir do momento em que se admite o poder de controle estatal sobre o consumo de álcool do cidadão, como negá-lo o controle sobre os livros ou idéias, já que a mente não é menos importante que o corpo? O planejamento central é o caminho para o socialismo, onde até uma liberdade fundamental como a escolha da carreira é solapada. O homem vive como num exército, acatando ordens. Marx chegou a falar em “exércitos industriais”, e Lênin usou a metáfora do exército para a organização de tudo. A centralização socialista ignora que o conhecimento acumulado pela humanidade não pode ser detido por um homem só, nem mesmo por um “sábio” grupo. Isso sem falar do fato de que os homens são diferentes. No socialismo, quem manda não é mais o consumidor, mas o Comitê Central. Cabe ao povo obedecer-lhe.
Intervencionismo: Todas as medidas de intervencionismo governamental têm por objetivo restringir a supremacia do consumidor. O governo tenta arrogar a si mesmo um poder que pertence aos consumidores. Um caso claro é a tentativa de controle de preços, que gera longas filas com prateleiras vazias, por contrariar as leis de mercado. Um passo seguinte costuma ser o racionamento, com decisões arbitrárias que geram privilégios aos bem conectados. Com o tempo, o governo vai ampliando mais e mais seus tentáculos intervencionistas. Na Alemanha de Hitler, por exemplo, não havia iniciativa privada de facto, pois tudo era rigorosamente controlado pelo governo. Os salários eram decretados, todo o sistema econômico era regulado nos mínimos detalhes. O próprio intervencionismo na economia possibilita a formação de cartéis, e paradoxalmente, o governo se oferece depois como o único capaz de reverter a situação, através de mais intervenção. A intervenção na economia costuma ser o caminho da servidão.
Inflação: O fenômeno inflacionário é basicamente monetário, dependente da quantidade de dinheiro existente. Como qualquer produto, quanto maior a oferta, menor seu preço. O modo como os recursos são obtidos pelo governo é que dá lugar ao que chamamos de inflação. A emissão de moeda é, de longe, a principal causa da inflação. Há uma falsa dicotomia entre inflação e crescimento ou desemprego, e o “remédio” da inflação para conter o desemprego sempre se mostra, no mínimo, inócuo no longo prazo. Em última instância, a inflação se encerra com o colapso do meio circulante, como na Alemanha em 1923. O único método que permite a situação de “pleno emprego” é a preservação de um mercado de trabalho livre de empecilhos. A inflação é uma política, e sua melhor cura é a limitação dos gastos públicos.
Investimento Externo: Para que países menos desenvolvidos iniciassem um processo de desenvolvimento, o investimento estrangeiro sempre constituiu-se num fator preponderante. As estradas de ferro de inúmeros países, assim como companhias de gás, foram construídas com o capital britânico. Esses investimentos representam um auxílio ao baixo nível de poupança doméstica. A hostilidade com os investimentos estrangeiros cria uma barreira ao desenvolvimento.
Política e Idéias: Todos os países acabam dominados por grupos de interesses, disputando pela via política mais e mais privilégios, em detrimento do restante. Poucos são os que se dedicam realmente na defesa de um modelo benéfico no âmbito geral. Para isso ser alterado, o campo das idéias é crucial. Mises lembra que as idéias intervencionistas, socialistas e inflacionistas, foram paridas por escritores e professores. Marx e Engels eram “burgueses”, no sentido que os próprios socialistas utilizam o termo. Portanto, suas idéias devem ser combatidas com idéias. Como o próprio Mises diz, “idéias, e somente idéias, podem iluminar a escuridão”.
Por fim, alterei o título do artigo para sete, e não seis lições. A última delas eu me arrogo a pretensão de dar. É bastante simples: ler o livro de Mises!
terça-feira, março 14, 2006
E o Interesse dos Consumidores?
Rodrigo Constantino
Em artigo publicado em O Globo, “Falta Defender o Interesse Nacional”, o presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp, Rubens Barbosa, faz um apelo para a intervenção estatal na possível aquisição de uma empresa brasileira por outra chinesa. O governo não deveria permitir, na opinião dele, que a Tritec Motors fosse vendida para a chinesa Lifan Group. Tudo em nome do “interesse nacional”. Rubens cita os exemplos dos Estados Unidos na recente questão do porto, ou os casos da França e demais países europeus, que utilizam o Estado para a “proteção” de certos setores. Mas será que a intervenção estatal é mesmo do interesse nacional nessas fusões e aquisições?
Em primeiro lugar, como definir o interesse nacional? A nação é composta por milhões de indivíduos, cada um com interesses distintos. Claramente, do ponto de vista dos consumidores, o que importa é um bom serviço prestado, um produto decente, variedade de opções e preço acessível. E tais coisas são mais facilmente ofertadas através do livre mercado, com empresas competindo pela satisfação do cliente. A nacionalidade dos acionistas das empresas não é de muita importância para os consumidores. Não importa quem controla a rede de supermercados, contanto que tenham vários produtos bons na prateleira, serviço eficiente e bons preços.
Na verdade, a escusa do “interesse nacional” sempre serviu para a manutenção de privilégios das oligarquias locais. O governo, pela força da lei, impede novas empresas de competirem no mercado, favorecendo alguns empresários nacionais poderosos em detrimento dos consumidores. Não tem sido diferente nos casos citados. A venda da petrolífera Unocal para uma empresa chinesa não ameaça em absolutamente nada a segurança nacional americana. A empresa tem cerca de 1% do mercado apenas. A siderúrgica Arcelor, que atua em diversos países, não irá colocar em xeque os interesses nacionais desses países se for controlada pela indiana Mittal. Nada justifica a intervenção estatal nessas fusões e aquisições. Os consumidores perdem, em nome de um nacionalismo tolo.
Países como os Estados Unidos e vários da Europa têm muito a nos ensinar. Democracias estabelecidas, império da lei, liberdade de mercado com burocracia menor e razoável abertura comercial. Infelizmente, os brasileiros gostam de imitar apenas as coisas erradas que vem de fora. Uma pena. Os consumidores sofrem, em nome do suposto interesse nacional.
Em artigo publicado em O Globo, “Falta Defender o Interesse Nacional”, o presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp, Rubens Barbosa, faz um apelo para a intervenção estatal na possível aquisição de uma empresa brasileira por outra chinesa. O governo não deveria permitir, na opinião dele, que a Tritec Motors fosse vendida para a chinesa Lifan Group. Tudo em nome do “interesse nacional”. Rubens cita os exemplos dos Estados Unidos na recente questão do porto, ou os casos da França e demais países europeus, que utilizam o Estado para a “proteção” de certos setores. Mas será que a intervenção estatal é mesmo do interesse nacional nessas fusões e aquisições?
Em primeiro lugar, como definir o interesse nacional? A nação é composta por milhões de indivíduos, cada um com interesses distintos. Claramente, do ponto de vista dos consumidores, o que importa é um bom serviço prestado, um produto decente, variedade de opções e preço acessível. E tais coisas são mais facilmente ofertadas através do livre mercado, com empresas competindo pela satisfação do cliente. A nacionalidade dos acionistas das empresas não é de muita importância para os consumidores. Não importa quem controla a rede de supermercados, contanto que tenham vários produtos bons na prateleira, serviço eficiente e bons preços.
Na verdade, a escusa do “interesse nacional” sempre serviu para a manutenção de privilégios das oligarquias locais. O governo, pela força da lei, impede novas empresas de competirem no mercado, favorecendo alguns empresários nacionais poderosos em detrimento dos consumidores. Não tem sido diferente nos casos citados. A venda da petrolífera Unocal para uma empresa chinesa não ameaça em absolutamente nada a segurança nacional americana. A empresa tem cerca de 1% do mercado apenas. A siderúrgica Arcelor, que atua em diversos países, não irá colocar em xeque os interesses nacionais desses países se for controlada pela indiana Mittal. Nada justifica a intervenção estatal nessas fusões e aquisições. Os consumidores perdem, em nome de um nacionalismo tolo.
Países como os Estados Unidos e vários da Europa têm muito a nos ensinar. Democracias estabelecidas, império da lei, liberdade de mercado com burocracia menor e razoável abertura comercial. Infelizmente, os brasileiros gostam de imitar apenas as coisas erradas que vem de fora. Uma pena. Os consumidores sofrem, em nome do suposto interesse nacional.
sábado, março 11, 2006
Golaço!
Rodrigo Constantino
“Pretender que a empresa tenha uma 'função social' outra que produzir melhor e mais barato o que os consumidores desejam é não só um paradoxo: é uma farsa.” (Donald Stewart Jr)
Quase simultaneamente, saiu tanto a lista nova dos bilionários da Forbes quanto o resultado de 2005 da Gol. A família Constantino, acionista majoritária da empresa e infelizmente sem grau de parentesco comigo, emplacou quatro membros de uma só vez entre o time dos indivíduos com mais de um bilhão de dólares de patrimônio. Por outro lado, a Gol apresentou lucro acima dos R$ 400 milhões, um crescimento espetacular vis-à-vis o ano anterior.
A Gol representa um caso clássico do sucesso do empreendedorismo. Mesmo com as barreiras de um país muito pouco liberal, exemplificado pela forte concentração de poder no DAC, órgão estatal que cuida do setor o qual a Gol atua, a empresa foi capaz de sair do nada e chegar a quase 30% de fatia de mercado em poucos anos. Realizou tal feito por ser mais eficiente na prestação de serviço, e criar valor para os consumidores. Foram cerca de 13 milhões de pessoas transportadas pela Gol em 2005. As tarifas são menores, e isso permite economia por parte dos clientes. Tem promoção de até R$ 50 por passagem, permitindo que gente que nunca voou possa fazê-lo. Há uma criação de riqueza no processo, graças à iniciativa do empreendedor.
Alguns, normalmente vítimas da visão marxista, dirão que há exploração do capitalista, que se apropria da “mais-valia”. Mas isso é uma enorme falácia, fruto de uma mentalidade ex post facto, que ignora toda a dinâmica do processo. Ora, não havia Gol há poucos anos atrás. Qualquer empresa poderia se aventurar no setor, conforme certas exigências. A Varig, ineficiente como uma estatal, vinha deixando espaços a serem ocupados. Constantino vislumbrou tal oportunidade, e se articulou para organizar o empreendimento, que necessita de capital, capacidade administrativa, coragem, conhecimento etc. O resultado foi uma nova empresa agradando mais os consumidores, criando valor para eles através de preços menores. A retribuição para o sujeito que tornou isso tudo capaz foi o ticket de entrada no rol dos bilionários da Forbes. Nada mais justo. Não há exploração alguma.
Outros reclamam da concentração de renda. Mas isso parte da premissa absurda de riqueza estática, como se bastasse decidir como esta será dividida. Falso. A riqueza é constantemente criada. E se for criada através do livre mercado, com trocas voluntárias, é justo que aquele que possibilitou sua criação receba boa parte dos seus frutos. Será que o bilhão de Constantino é muito se comparado ao valor criado para os consumidores por sua empresa? Tirar seu bilhão e distribuir criaria apenas mais um miserável, e não teríamos a Gol ou novas empresas essenciais para os consumidores. Riqueza nova não seria mais criada, e o mundo seria todo igualmente miserável. Basta entender que riqueza não é algo finito e estático para se admirar tais empreendedores. Concentração em si não é um mal. Quantos são como o Pelé no futebol? Ou como Einstein na física? Indivíduos ilustres sempre beneficiaram as massas.
Pensar diferente é ser invejoso, ou não entender nada sobre o funcionamento dos mercados. Inveja é um sentimento mesquinho e terrível, que não leva a nada. Ignorância tem cura, através do conhecimento. Portanto, não há motivo algum para alguém honesto intelectualmente condenar o bilhão de Constantino. Ele é merecido. Não foi tirado à força de ninguém, como ocorre com os impostos. Foi fruto de um golaço!
sexta-feira, março 10, 2006
Filhos do Brasil
Rodrigo Constantino
“Development itself is a far more powerful contraceptive than cash for condoms.” (William Easterly)
Uma proposta apresentada com freqüência para a solução da miséria brasileira é o controle da natalidade. Tal sugestão independe do espectro político, abrangendo desde a esquerda até a direita. O raciocínio parte da observação de que as famílias mais ricas costumam possuir menos filhos, e portanto o excesso de prole seria a causa da miséria dos mais pobres. Temo que possa haver aqui uma confusão entre correlação e causalidade, e que estamos diante de um paralogismo, ou argumento não conclusivo.
A lógica dos defensores das medidas de controle de natalidade assume que basta distribuir preservativos que os pobres terão menos filhos. Mas há um questionamento intrigante sobre esse ponto: camisinhas já são amplamente divulgadas e vendidas a preços baixos. Se o livre mercado faz com que a Coca-Cola ou a cerveja cheguem até as massas, por que não levaria também os preservativos? Não faz sentido, e de fato, o preço dos preservativos é bastante acessível. Será que o alto preço de ter um filho não desejado não justificaria o uso de camisinhas? O problema, então, deve estar em outro lugar.
Os indivíduos reagem a incentivos. Partindo dessa sólida premissa, creio que fica mais fácil navegar pela questão da elevada taxa de natalidade entre os mais pobres. O Nobel de Chicago, Gary Becker, foi um pioneiro em considerar os incentivos individuais na questão familiar. Por mais frio que possa parecer, o ponto é que o custo de oportunidade do tempo para o rico vale mais que para o pobre. Claro, ele recebe um salário maior. Logo, abdicar disso para ter muitos filhos pode ser uma decisão ruim, e ele acaba optando por qualidade, em vez de quantidade. A causalidade parece ser inversa: quanto mais renda, menos filhos. Precisamos aumentar a renda então, não reduzir na marra os nascimentos de bebês. Aumentando o incentivo a se investir em pessoas, os pais irão naturalmente reduzir a quantidade de filhos.
Podemos observar o caso chinês, que faz tempo conta com um autoritário programa de controle de natalidade. Sem sequer entrar no mérito da questão do Estado interferir no foro mais íntimo que existe, que é a decisão sobre quantos filhos os pais querem ter, o fato é que os programas cruéis da China jamais surtiram bons efeitos, e o povo continua miserável. As coisas começam a esboçar uma melhora agora, mas não pelo planejamento familiar, e sim pela maior abertura econômica, que vem gerando emprego e renda. Se o choque de abertura perdurar, naturalmente os chineses terão menos filhos, e investirão mais neles. Mas será algo voluntário, e não como súditos do Estado.
Há algo de malthusiano nas previsões catastróficas de que uma alta taxa de natalidade levará ao aumento da miséria. Isso ignora por completo os ganhos de produtividade, e assume uma riqueza estática, tendo apenas que ser mais e mais dividida. Mas tal crença não encontra respaldo algum na experiência empírica. Os Estados Unidos apresentaram acelerado crescimento na renda per capita mesmo enquanto absorvia milhões de imigrantes pobres do mundo todo, e ainda contava com alta taxa de natalidade. De 1960 até recentemente, a renda per capita dos países desenvolvidos aumentou consideravelmente, enquanto a população praticamente dobrou nesses países. A produção de alimentos triplicou no mesmo período. Se fizermos as contas desde a Revolução Industrial, a conclusão é ainda mais impressionante. A realidade é clara: o aumento populacional não carrega nenhuma necessidade de empobrecimento. Malthus estava errado.
Logo, a solução da miséria nacional parece não ter muita ligação com a taxa de natalidade em si. O problema é que o governo gasta demais com assistencialismo. Isso gera dois graves problemas: o aumento dos impostos ou dívida pública para financiar tais gastos, que pressionam os juros e atravancam a economia; e o efeito de moral hazard, já que tira a responsabilidade dos indivíduos e a passa para o coletivo, a sociedade. Por trás disso, há uma visão coletivista, de que é um dever do Estado cuidar de “suas” crianças. O problema é que Estado é uma abstração, e sociedade não passa do somatório de indivíduos. Logo, para garantir um direito a alguém, temos que estender um dever a outro. E esse dever consome recursos que poderiam ser melhor aplicados, em setores produtivos, fossem os indivíduos mais livres.
Em resumo, a taxa de natalidade em si não é o grande vilão que a maioria costuma crer. Tampouco se combate isso com distribuição de preservativos, já que sem os incentivos não há resultado eficaz. O maior problema, ao meu ver, é a visão coletivista que cria um Estado paternalista. Sociedade é um ente abstrato, que não vai parir ninguém. As coisas podem começar a melhorar quando o fulano for filho do José e da Maria, não um “filho do Brasil”. A responsabilidade tem que ser individual. Caso contrário, não há liberdade, e a miséria se alastra. Aí sim, teremos muitos “filhos do Brasil”, todos bem miseráveis, sempre dependendo das esmolas do “papai” Estado...
quarta-feira, março 08, 2006
Educação Milagrosa ou Panacea?
Rodrigo Constantino
“Criar pessoas com elevada qualificação em países onde a atividade mais rentável é pressionar o governo por favores não é uma fórmula de sucesso.” (William Easterly)
Poucos pontos são tão consensuais como o caráter milagroso atribuído à educação para o crescimento econômico e prosperidade de um país. Mas será que tal senso comum encontra respaldo nos fatos? O economista William Easterly, que atuou por anos no Banco Mundial, tenta responder essa questão em um capítulo do seu livro O Espetáculo do Crescimento, cuja premissa base é que os indivíduos reagem a incentivos. No mínimo, o autor consegue forçar uma saudável reflexão.
Através de vários estudos estatísticos, Easterly conclui que a resposta do crescimento econômico à expansão educacional dramática nas últimas décadas tem sido bastante desapontadora. A causa do suposto fracasso das medidas governamentais em prol da educação é, segundo o autor, o fato de que os indivíduos respondem aos incentivos, e se estes não estiverem presentes para um investimento no futuro, expandir a educação terá baixo valor. Em resumo, investir em certas habilidades onde não existe sequer tecnologia disponível para seu uso não irá garantir crescimento econômico.
Como exemplo, Easterly cita os avanços no capital humano de determinados países africanos, ainda que largando de uma base baixa, que não foram correspondidos por elevado crescimento econômico. Em contrapartida, o Japão, que não experimentou um crescimento expressivo no seu capital humano, viveu uma forte aceleração econômica. Estatisticamente, não há correlação entre crescimento nos anos de escolaridade e aumento da renda per capita. Alguns estudos apontam, de fato, que um investimento no ensino básico pode surtir um efeito positivo no crescimento econômico, por determinado período. Mas isso está longe de ser a garantia de sucesso de uma nação a longo prazo, em termos de prosperidade. A conclusão é que a educação parece mais uma fórmula mágica que falhou na entrega das expectativas.
Na verdade, não é tão complicado entender a lógica disso. Quando o ambiente é hostil ao empreendedorismo, quando os incentivos para o investimento no futuro não estão presentes, e quando falta uma competição meritocrática calcada no livre mercado, o indivíduo mais educado ou irá migrar para um país mais favorável ou irá ceder aos encantos da “amizade com o rei”. No primeiro caso falamos do conhecido “brain drain”, onde vários indivíduos de bom intelecto partem para países mais livres e com maiores oportunidades de emprego. Basta lembrar da quantidade de cubanos, brasileiros e indianos com bom preparo que migraram para os Estados Unidos. No segundo caso, temos vários exemplos de que, quando o governo não cria as oportunidades devidas para a geração de riqueza, o ensino perde valor, dado que as atividades valorizadas são apenas as ligadas à redistribuição de riqueza. Passar em um concurso público ou obter um favor político e ser um burocrata compensa mais que disputar como engenheiro uma vaga no setor privado.
A grande falácia dos que depositam fé messiânica na educação imposta e financiada pelo Estado é que ignoram os incentivos individuais, partindo da premissa estranha de que os próprios indivíduos vão escolher algo pior para si. Ninguém mais que o próprio pai vai querer o melhor para seu filho. Como acreditar que políticos distantes, em busca de votos, vão realmente querer o melhor para o indivíduo em si? Logo, se o pai prefere a ajuda imediata do filho na roça em vez de investir na sua educação, é provavelmente porque a educação tem um baixo valor esperado, e não compensa o custo. Essa é a conclusão de estudos da própria Organização Internacional do Trabalho. Forçar crianças a freqüentar a escola sem ter uma contrapartida de valor esperado positivo para tamanho investimento parece ser uma medida inócua.
Em outras palavras, criar gente qualificada onde não há demanda por gente qualificada pode representar um desperdício. Como exemplo sintomático, podemos pensar nos taxistas engenheiros, ou mesmo em prostitutas com diploma, além da migração para outros países, como já foi dito. Não pretendo com isso desmerecer o investimento em educação. Ele parece ser fundamental, ainda que não seja uma condição suficiente para o progresso. Mas a educação parece estar longe de ser o milagre que muitos acreditam, como se bastasse mais investimento estatal nesse setor para que um Brasil virasse uma Suíça. Sinto dizer, mas não é o caso. Sem ambiente favorável aos negócios, possível com maior liberdade econômica, teremos apenas subempregos com diplomados. Mas o povo ainda será muito pobre. Afinal, a educação, sozinha, não faz milagre.
“Criar pessoas com elevada qualificação em países onde a atividade mais rentável é pressionar o governo por favores não é uma fórmula de sucesso.” (William Easterly)
Poucos pontos são tão consensuais como o caráter milagroso atribuído à educação para o crescimento econômico e prosperidade de um país. Mas será que tal senso comum encontra respaldo nos fatos? O economista William Easterly, que atuou por anos no Banco Mundial, tenta responder essa questão em um capítulo do seu livro O Espetáculo do Crescimento, cuja premissa base é que os indivíduos reagem a incentivos. No mínimo, o autor consegue forçar uma saudável reflexão.
Através de vários estudos estatísticos, Easterly conclui que a resposta do crescimento econômico à expansão educacional dramática nas últimas décadas tem sido bastante desapontadora. A causa do suposto fracasso das medidas governamentais em prol da educação é, segundo o autor, o fato de que os indivíduos respondem aos incentivos, e se estes não estiverem presentes para um investimento no futuro, expandir a educação terá baixo valor. Em resumo, investir em certas habilidades onde não existe sequer tecnologia disponível para seu uso não irá garantir crescimento econômico.
Como exemplo, Easterly cita os avanços no capital humano de determinados países africanos, ainda que largando de uma base baixa, que não foram correspondidos por elevado crescimento econômico. Em contrapartida, o Japão, que não experimentou um crescimento expressivo no seu capital humano, viveu uma forte aceleração econômica. Estatisticamente, não há correlação entre crescimento nos anos de escolaridade e aumento da renda per capita. Alguns estudos apontam, de fato, que um investimento no ensino básico pode surtir um efeito positivo no crescimento econômico, por determinado período. Mas isso está longe de ser a garantia de sucesso de uma nação a longo prazo, em termos de prosperidade. A conclusão é que a educação parece mais uma fórmula mágica que falhou na entrega das expectativas.
Na verdade, não é tão complicado entender a lógica disso. Quando o ambiente é hostil ao empreendedorismo, quando os incentivos para o investimento no futuro não estão presentes, e quando falta uma competição meritocrática calcada no livre mercado, o indivíduo mais educado ou irá migrar para um país mais favorável ou irá ceder aos encantos da “amizade com o rei”. No primeiro caso falamos do conhecido “brain drain”, onde vários indivíduos de bom intelecto partem para países mais livres e com maiores oportunidades de emprego. Basta lembrar da quantidade de cubanos, brasileiros e indianos com bom preparo que migraram para os Estados Unidos. No segundo caso, temos vários exemplos de que, quando o governo não cria as oportunidades devidas para a geração de riqueza, o ensino perde valor, dado que as atividades valorizadas são apenas as ligadas à redistribuição de riqueza. Passar em um concurso público ou obter um favor político e ser um burocrata compensa mais que disputar como engenheiro uma vaga no setor privado.
A grande falácia dos que depositam fé messiânica na educação imposta e financiada pelo Estado é que ignoram os incentivos individuais, partindo da premissa estranha de que os próprios indivíduos vão escolher algo pior para si. Ninguém mais que o próprio pai vai querer o melhor para seu filho. Como acreditar que políticos distantes, em busca de votos, vão realmente querer o melhor para o indivíduo em si? Logo, se o pai prefere a ajuda imediata do filho na roça em vez de investir na sua educação, é provavelmente porque a educação tem um baixo valor esperado, e não compensa o custo. Essa é a conclusão de estudos da própria Organização Internacional do Trabalho. Forçar crianças a freqüentar a escola sem ter uma contrapartida de valor esperado positivo para tamanho investimento parece ser uma medida inócua.
Em outras palavras, criar gente qualificada onde não há demanda por gente qualificada pode representar um desperdício. Como exemplo sintomático, podemos pensar nos taxistas engenheiros, ou mesmo em prostitutas com diploma, além da migração para outros países, como já foi dito. Não pretendo com isso desmerecer o investimento em educação. Ele parece ser fundamental, ainda que não seja uma condição suficiente para o progresso. Mas a educação parece estar longe de ser o milagre que muitos acreditam, como se bastasse mais investimento estatal nesse setor para que um Brasil virasse uma Suíça. Sinto dizer, mas não é o caso. Sem ambiente favorável aos negócios, possível com maior liberdade econômica, teremos apenas subempregos com diplomados. Mas o povo ainda será muito pobre. Afinal, a educação, sozinha, não faz milagre.
domingo, março 05, 2006
Preservacionistas Culturais
Rodrigo Constantino
“Uma cultura só tem importância se for boa para os indivíduos”. (Kwame Anthony Appiah)
Em entrevista às páginas amarelas da Revista Veja, o filósofo Kwame Anthony Appiah explicou de forma bastante objetiva os riscos da visão coletivista da cultura, em detrimento ao direito de livre escolha individual. O autor é Ph.D. pela universidade de Cambridge e lecionou em Harvard, além de ter lançado recentemente o livro Cosmopolitanismo: Ética em um Mundo de Estranhos, onde defende que a globalização fez bem às culturas regionais. A globalização não uniformiza, diversifica. A reclusão é que exaure a inspiração. Culturas fechadas estão fadadas ao insucesso. Basta comparar a diversidade nos Estados Unidos, com inúmeras culturas diferentes convivendo lado a lado, com a maior homogeneização de uma Coréia do Norte, isolada do mundo.
A população deve ter a liberdade de escolha de quais produtos culturais deseja consumir. Appiah dá o exemplo das camisetas que os africanos usam, deixando de lado suas roupas coloridas tradicionais. Se as camisetas cumprem a função de cobrir o corpo e são mais baratas, que mal há em deixar as vestes tradicionais para ocasiões especiais apenas? Tirar o direito de escolha dos indivíduos em nome da preservação cultural beira o desumano, e normalmente quem pensa assim está longe, no conforto justamente de culturas mais liberais. O mesmo vale para o resto dos produtos existentes. Os indivíduos devem ser livres para decidir qual filme desejam assistir, qual música querem escutar ou qual comida pretendem comer. Quanto mais liberdade de mercado, com abertura para diferentes países e culturas, maior o número de opções disponíveis.
Infelizmente, uma sombra de hipocrisia faz com que muitos ignorem isso. Appiah chama de preservacionistas culturais aquelas pessoas com bom padrão de vida em algum país ocidental, normalmente, que olham para as culturas diferentes e exóticas como algo interessante, bonito, que deveriam ser mantidas para sempre da mesma forma. Algo como gente de classe média alta que acha legal a manutenção dos índios como índios, ainda que vários deles estejam inseridos na modernidade quando interessa, voltando a representar o papel de “bom selvagem” quando convém apenas. Essas pessoas querem, na verdade, “zoológicos” naturais. Querem congelar no tempo certas culturas, ainda que nitidamente atrasadas ou bárbaras, para a admiração do “estranho”, do diferente, mesmo que isso signifique um custo enorme para os indivíduos membros dessas culturas. Como o próprio autor diz, “se o costume é ruim para o bem-estar de uma grande parcela daquela população, o fato de fazer parte da cultura não é motivo para insistir no erro”. O foco deve ser o indivíduo e sua liberdade de escolha, não a tribo, a nação ou a cultura. A cultura não é um fim em si, mas um meio para a felicidade dos indivíduos.
Por isso que Appiah coloca a necessidade de uma definição entre o que vem primeiro, se os direitos humanos ou os costumes estabelecidos, por mais absurdos que estes sejam. Cortar à força o clitóris de uma mulher não é uma “diferença cultural”, e sim um ato bárbaro, e ponto. O curioso é que muitos defensores da ONU, do governo mundial e dos “direitos humanos” são também os “multiculturalistas” ferrenhos, quase sempre utilizando o “dois pesos e duas medidas” para condenar um lado da moeda apenas: o ocidental. Fica mais fácil abraçar este discurso quando se está no lado mais avançado, com mais liberdades e direitos. Mas pobres dos indivíduos dessas culturas defasadas, que ficam impedidos de pegar carona na modernização do mundo.
Por fim, o filósofo nos lembra também que a parcela da sociedade que tem alguma forma de poder a preservar é a que mais resiste à influência de culturas externas. As idéias que vêm de fora desafiam as autoridades estabelecidas, e governantes ou religiosos temem a perda de seu poder. Por isso é comum vermos políticos fazendo leis que impedem ou dificultam mudanças culturais. Querem controlar a população, e nada melhor para isso que isolá-la do resto do mundo. Ninguém precisa do Estado para decidir sobre aspectos culturais. O nacionalismo, aliado ao discurso de preservação cultural, é uma poderosa arma nas mãos dos governantes. Os indivíduos, vítimas disso, pagam um elevado preço.
Como Kant já teria dito, ninguém pode me obrigar a ser feliz à sua maneira. Até onde minhas escolhas geram impacto direto somente na minha própria vida, devo ser totalmente livre para escolher. A questão cultural não deve servir como uma escusa para a escravidão de indivíduos. Estes devem ter a liberdade de escolha assegurada, não importa de qual cultura ou país desejam consumir. Os indivíduos devem poder decidir sobre suas próprias preferências culturais, sem a imposição de cima para baixo. Devemos defender o pluralismo, não uma ditadura cultural, imposta pelo Estado. O próprio entrevistado termina afirmando: “Nem todo mundo tem a mesma idéia de qual é a melhor maneira de ser feliz”. Eu concordo. E por isso repito: a liberdade individual está muito acima da cultura!
sexta-feira, março 03, 2006
O Valor do Amanhã
Rodrigo Constantino
Em seu livro O Valor do Amanhã, Eduardo Giannetti discorre sobre o tema das escolhas intertemporais de forma bastante objetiva e didática. O autor deixa claro que o fenômeno dos juros é inerente a toda e qualquer forma de troca em diferentes períodos no tempo, representando o prêmio da espera para o lado credor, ou o preço da impaciência na ponta devedora. Ou seja, os ganhos decorrentes da transferência de valores do presente para o futuro, ou os custos de antecipar valores do futuro para o presente. Nesse cenário, os juros monetários são apenas uma pequena fatia do conceito geral de juros.
O economista trata também da questão da miopia temporal, quando o indivíduo dá demasiada importância ao que está mais próximo no tempo, e seu espelho, a hipermetropia temporal, quando é atribuído um valor excessivo ao amanhã, em prejuízo das demandas correntes. De um lado, o sujeito que vive literalmente o carpe diem, de forma hedonista ou mesmo irresponsável, e do outro lado, o que adia tanto seu viver que o hoje vira um enorme vazio. Se o míope com freqüência é vítima do remorso, porque o futuro chega e cobra seu preço pelo passado despreocupado, o hipermétrope normalmente sofre com o arrependimento pelo desperdício de oportunidades perdidas com o excesso de zelo pelo amanhã. Como disse Schopenhauer, “muitos vivem em demasia no presente: são os levianos; outros vivem em demasia no futuro: são os medrosos e os preocupados”. É raro alguém manter com exatidão a justa medida.
Giannetti inicia sua explanação sobre os juros pelo fator biológico, lembrando que a senescência é o valor pago pelo rigor da juventude. “A plenitude do corpo jovem se constrói às custas da tibieza do corpo velho”, como coloca o próprio autor. Há um claro trade-off implícito em cada escolha intertemporal que fazemos, entre “viver agora e pagar depois”, ou “plantar agora e colher depois”. Não podemos ter e comer o bolo ao mesmo tempo.
Animais e crianças costumam viver mais intensamente o momento, reagindo basicamente por instinto. Os desejos exigem pronto atendimento, e a busca de rápida satisfação fala mais alto que tudo. Ainda não aprenderam o valor da espera, e não possuem ferramentas racionais para avaliar se esta compensa ou não. A impaciência infantil é fruto da combinação da dificuldade de figurar mentalmente o amanhã e uma baixa capacidade de autocontrole, de resistir ao apelo de impulsos. Como resultante, há uma forte propensão a desfrutar o momento e descontar o amanhã. Infelizmente, são muitos os adultos que não conseguem também dominar tal impulsividade através da razão.
Retardar o consumo atual para poder investir na produtividade rende frutos no futuro. Os recursos não caem do céu, e faz-se mister uma escolha intertemporal entre menos agora, mais depois. Hoje mais que nunca, a preocupação com o amanhã deve ser enorme. Os nômades caçadores viviam o aqui-e-agora, ignorando a necessidade da previdência. Entretanto, quem nasce atualmente vive aproximadamente o dobro do que era comum antes da Revolução Industrial. O progresso da técnica tem aumentado de forma bastante acelerada a expectativa média de vida. O mundo necessita mais da racionalidade da formiga que da impulsividade da cigarra. A poupança de hoje é que permite o consumo maior de amanhã. Tal obviedade parece ignorada quando observamos a situação caótica dos sistemas de previdência social modernos. Talvez as pessoas não saibam que o governo não cria riqueza, e portanto não pode garantir a renda da aposentadoria futura sem a contrapartida da poupança atual. O conforto de amanhã exige um sacrifício hoje.
Um dos problemas do curto horizonte temporal no Brasil, com baixa taxa de poupança, é o coletivismo. Trata-se de um ambiente social em que o futuro pessoal de cada indivíduo pouco depende dele mesmo, ou seja, depende apenas em pequena medida das escolhas que ele faz. É o moral hazard do nosso modelo previdenciário, sem contas individuais e independente da contribuição de cada um para a determinação do benefício futuro. Além disso, nosso grau de impaciência como nação é absurdamente elevado, devido às necessidades urgentes impostas pela miséria. Por fim, as oportunidades de investimento, prejudicadas pelo péssimo ambiente institucional, oferecem baixo valor para o uso de recursos que deixam de ser consumidos no presente, podendo assim ser deslocados para render frutos à frente. A confiabilidade da ordem jurídica aumenta a confiança no amanhã.
O somatório dessas características faz com que a sociedade brasileira tome emprestado do futuro, de forma irresponsável até. Desta forma, a dívida pública através do Estado beira um trilhão e meio de reais, e a taxa de poupança é absurdamente baixa, menor que 20% do PIB. O Brasil vive demasiadamente no presente, com seu governo inchado e assistencialista, sem a necessária poupança que se reverte em investimentos produtivos. Como uma criança, age por impulso, para atender os desejos do momento. Quer o bônus da prosperidade sem o ônus da poupança. Quer o crescimento sem o custo da espera, e quando o resultado não é inflação ou crise na balança de pagamentos, é juros altos.
O valor do amanhã continua baixo por aqui, como nos tempos indígenas. E quem tudo quer, nada tem. No afã de querer tanto o consumo maior no presente quanto o conforto da farta poupança no futuro, o país corre o risco de terminar sem nada: a cigarra triste e a formiga pobre.