sexta-feira, junho 16, 2006

A Virtude do Egoísmo



Rodrigo Constantino

Para se falar da virtude do egoísmo, vamos primeiro definir o que se entende por egoísmo aqui. Não estamos falando do conceito pejorativo da palavra, mas simplesmente da preocupação com os interesses particulares de certo indivíduo. Isso vai contra o altruísmo, que declara que qualquer ação realizada para o benefício dos outros é boa e qualquer ação visando ao benefício próprio é ruim. Como a natureza não fornece ao homem uma maneira automática de sobrevivência, e ele precisa se sustentar através do esforço próprio, uma doutrina que diz que se preocupar com os interesses particulares é ruim diz também que o desejo do homem viver é ruim. Este seria o significado do altruísmo em sua essência.

Os interesses particulares do homem não podem ser determinados por desejos cegos ou aleatórios, mas sim devem ser descobertos e alcançados através de princípios racionais. O egoísmo bom é o egoísmo racional. É justamente aí que entra o papel fundamental da moral e da ética. Seriam códigos de valores para guiar as escolhas e ações dos homens. A ética representa exatamente a busca de tais valores. Não devemos tomar a ética como algo dado, e sim buscar compreender suas origens e causas metafísicas. Esta busca através da razão contradiz a limitada visão de que "assim Deus quis" ou outras explicações místicas para a ética. Ela não nos foi revelada, e sim deve ser descoberta através da razão humana.

Se tomarmos como valor máximo a vida, então tudo aquilo que ajuda a viver deve ser visto como positivo e tudo aquilo que ameaça a vida é negativo. Somente este objetivo máximo de viver torna possível a existência de valores. Assim como o mecanismo de dor e prazer do corpo humano possui a função de alerta quanto à direção correta ou errada de uma ação física, a consciência do homem será a guardiã dos meios corretos para sua sobrevivência. Diferente das plantas, que funcionam somente através de mecanismos automáticos, o homem possui o poder da percepção, que seria a faculdade de reter sensações. Ele não possui códigos automáticos de sobrevivência, não sabe a priori o que é ruim ou bom para sua vida. Sua consciência é volitiva, depende de sua vontade. A capacidade de trabalhar os conceitos e conhecimentos importantes para formar esse código chama-se razão, e o processo em si chama-se pensar. Este processo não é automático, e depende da escolha do homem.

Para o homem, o meio básico de sobrevivência é a razão. Tudo que ele deseja e precisa tem que ser aprendido, descoberto e produzido por ele, através de sua escolha própria, esforço e consciência. Para caçar, desenvolveu armas. Para se aquecer, descobriu o fogo e depois a eletricidade. A agricultura veio para alimentá-lo. O avião foi criado para o transporte. São todos exemplos práticos que nos distinguem de outros animais, que sobrevivem através de um processo mais automático, sem consciência ou razão.

O homem é livre para fazer sua própria escolha, e esta pode ser a errada, mas ele não está livre de suas conseqüências. Ele pode se esquivar da realidade, pode seguir cegamente um curso ou a estrada que quiser, mas não tem como evitar o precipício a frente que ele se recusa a enxergar. Em resumo, ele é livre para escolher não ser consciente, mas não consegue escapar das penalidades de sua inconsciência: sua própria destruição.

A ética, então, seria algo objetivo, uma necessidade metafísica para a sobrevivência do homem, e não algo proveniente da graça sobrenatural ou dos desejos de nossos vizinhos. Se alguns homens optam por não pensar, e sobrevivem imitando outros e repetindo, como animais treinados, a rotina aprendida com terceiros, sem fazer o esforço de compreender por conta própria sua conduta, ainda assim sua sobrevivência só é possível pois alguém pensou por ele. A sobrevivência de tais parasitas depende de puro acaso, pois suas mentes sem foco precisam decidir quem copiar e seguir. São facilmente vítimas, os seguidores que se atiram do abismo, se auto destruindo em nome de alguém que prometeu assumir as responsabilidades que eles se esquivaram, a responsabilidade de ser consciente.

Se o homem não quer depender do puro acaso para sobreviver, se não quer tomar um caminho que leva a sua própria destruição, precisa escolher pensar, adotar um código de ética que o ensine como viver, não dependendo assim de sensações e instinto. O homem tem que escolher ser homem, caso contrário vive como sub-humano, pouco mais que os outros animais, sobrevivendo, com sorte, apenas via mecanismos automáticos. Assim, o pior vício que pode existir num homem, fonte de todos os males, é o ato de não focar sua mente, suspender sua autoconsciência, que não significa cegueira, mas sim a recusa de enxergar, não a ignorância, mas a recusa em saber.

O princípio básico da ética objetivista é que, da mesma forma que a vida é um fim em si, cada ser humano é um fim em si também, e não simplesmente um meio para outros fins ou o bem de outros. Portanto, ele deve viver focando em sua própria felicidade, e não se sacrificando por outros. O alcance da felicidade seria o maior objetivo moral do homem.

A felicidade seria o estado consciente que procede ao alcance dos seus valores. Se um homem valoriza a destruição, como um sádico ou masoquista, ou então a vida após a morte, como os místicos, sua "felicidade" aparente será medida pelo sucesso de ações que levam a sua própria destruição. Nem a felicidade nem a vida podem ser alcançadas através da busca de desejos irracionais. A tarefa da ética é definir o código de valores adequado para que o homem possa atingir sua felicidade. Declarar que o valor adequado é aquele que dê prazer, não importa qual, é o mesmo que dizer que o valor correto é qualquer um que alguém escolha. Mas se somente o desejo é o padrão dos valores éticos, o desejo de um homem produzir e o desejo de outro o roubar teriam a mesma validade ética. O desejo de alguém ser livre e de outro escravizá-lo teria a mesma validade. A ética objetivista advoga e defende o egoísmo racional, não valores produzidos por desejos ou emoções e aspirações, que podem ser irracionais.

Em resumo, o egoísmo, entendido como o foco nos interesses particulares – que coloca cada indivíduo como um fim em si mesmo – é uma virtude, não um pecado. O instrumento epistemológico para a busca dos valores deve ser a razão, não emoções irracionais e avulsas. O sacrifício humano despreza a vida como valor máximo. Na sua essência, o altruísmo diz que sacrificar seu próprio filho para salvar dez estranhos é um ato nobre. Para o bem da humanidade e até mesmo sua sobrevivência, isso deve ser condenado. Humanos não são cupins que vivem como meios sacrificáveis para o bem da colônia. Está na hora de reconhecermos a virtude do egoísmo.

8 comentários:

  1. Parabéns pelo libelo... atualmente é deveras complicado mesmo conseguirmos explicar para uma pessoa o que viria a ser realmente individualismo. quem o diga quanto ao egoismo.

    Cord.

    Dartagnan Zanela
    http://dartagnanzanela.ubbihp.com.br

    ResponderExcluir
  2. Texto interessantíssimo!!!
    Eu não conhecia nenhum trabalho do Ayn Rand.

    ResponderExcluir
  3. Lembrei-me, agora, de um dos 10 mandamentos...
    Amai ao próximo COMO A TI MESMO.

    ResponderExcluir
  4. Anônimo4:57 PM

    Excelente artigo!
    O “altruísmo” é uma falácia moral, a mais nociva das falácias, ele não existe da forma como é preconizado, pois seria em si uma contradição, dependente do egoísmo para existir. Afinal, na forma popularmente “entendida”, o “altruísmo universal” como ideal (moralmente consagrador para quem o preconiza = interesse) destruiria a sua prática ou existência. Pois que nenhum altruísta poderia admitir o sacrifício alheio, ou mesmo subtração de prazer alheio, em próprio benefício, já que aceita-los seria puro egoísmo anti-altruísta.
    O que ocorre é que egoísticamente se opta por males menores ou benefícios maiores. Por exemplo, um pai que se sacrifica pelo filho o faz por considerar a dor da perda (ou da infelicidade) do filho um mal maior que seu próprio sacrifício, e por tal se sacrifica por ele (Spinoza em seu livro ética bem passa por tal idéia). Quando sofremos com a perda de alguém querido não sofremos pela dor alheia, mas pelo que perdemos – creio difícil alguém cair em pranto ante acidentes com estranhos, pois viveria em pranto contínuo. Portanto, o infortúnio alheio nos afeta emocionalmente se de alguma forma influencia no nosso bem estar, mesmo que por nos imaginarmos na situação alheia (ética => ao nos colocarmos no lugar alheio). Nietzsche (que defendeu o egoísmo racional – eu diria honesto/ético) também passa pela idéia quando nos fala do príncipe que não consegue se colocar no lugar de um súdito, tão distante se percebe dele, da mesma forma que não percebemos a dor, por exemplo, de um inseto ao lhe arrancarmos as pernas: ele é muito diferente de nós. Logo, quanto mais próximo, ou “próximo”, de nós maior nossa afetação. Montaigne também passa magistralmente pela idéia quando relata a benevolência dos vitoriosos àqueles com quem se identificam. Isso é conseqüência do egoísmo: quem não consegue se colocar na “pele” alheia, identificar-se com, e nem percebe qualquer beneficio no alheio, nada sente com o infortúnio alheio – a escravidão é ruim para aqueles que sofreriam sob ela; aqueles que não se imaginam escravos ou que aceitam a escravidão não se importam com a escravidão alheia (aceita para os outros o que aceita para si: egocentrismo), e apenas exibem anuência com o conceito negativo por pressão da moral estabelecida e não por análise ética.
    .
    Quando julga-se que uma vida de privações é dolorosa para si, não se imagina os prazeres que pode causar a outros. Por exemplo a vida de uma madre Tereza, ante o que poderia usufruir, pode parecer altruísmo anti-egoísta, mas para a madre Tereza certamente era algo que lhe dava prazer, e por tal o fazia (apoiava tiranos com práticas perversas).
    Um masoquista tem prazer com o sofrimento e humilhação, coisa que p/ maioria parece impossível; não há grandeza altruísta nisso: ele “sofre” por puro prazer. Mas o sofrer também pode ser apenas um mal compensavel pelo que dele se espera obter: a glória, a valorização pessoal, a gratidão, a fama, a vida e etc.. Muitas podem ser as compensações percebidas pelo “altruísta”, embora para outros pareçam não compensar, já que cada um tem avaliações diferentes sobre dor, prazer e compensações. Enfim, NINGUÉM É CAPAZ DE AGIR CONTRA SI MESMO, ou ninguém age contra a própria vontade, pois que a vontade é motivada e não um motivo estéril (aquela velha discussão da lista); motiva ação.
    .
    A vida em si não é o valor máximo universal (o valor é subjetivo. Bem ressaltado o “se tomarmos”. O prazer, incluso o de viver, é subjetivo), pois que por vezes a morte pode ser menos dolorosa. O motivo é o que cada um percebe como mal menor ou bem maior.
    (...)
    ...altruísmo anti-egoista não existe, é uma falácia moral.
    As diferenças entre os indivíduos leva a que o que é mal maior ou bem menor para uns seja mal menor ou bem maior para outros. Mas cada um somente agirá por egoísmo, mesmo quando altruísta, pois o altruísmo de alguma forma será compensado. Ser altruísta conforme popularmente se entende, seria o mesmo que se elevar puxando os próprios cabelos para cima.
    .
    A valorização do altruísmo como renúncia a si mesmo é defendida por aqueles egoístas que de alguma forma pretendem se beneficiar do altruísmo alheio: por ambicionarem benefícios do alheio, mesmo que este benefício seja apenas o prazer de causar o mal ou reduzir o bem alheio.

    Perdoe-me por usar seu espaço, mas não me contive. Prometo não repetir essa intromissão.
    C. Mouro

    ResponderExcluir
  5. Lisa, Ayn Rand é uma novelista russa que criou o Objetivismo. Sugiro a leitura de seus livros, todos excelentes.

    Mouro, fique sempre à vontade para se "intrometer". Seus comentários são ótimos!

    Rodrigo

    ResponderExcluir
  6. Anônimo9:20 PM

    Achei que era só eu que pensava assim. Faz tempo que eu cheguei à conclusão de que existem dois tipos de egoísmo: o egoísmo burro e o egoísmo inteligente. O egoísmo burro é aquele que busca a seu lucro e vantagens imediatas, prejudicando os outros e eliminando todos os que estiverem no caminho dos seus objetivos. O resultado disso é que, no longo prazo, o egoísta tende a ficar isolado e os que os rodeiam, por terem sido enfraquecidos, perdem a capacidade de contribuir com os objetivos do egoísta.

    O egoísta inteligente é extremamente altruísta. Ele entende que não pode tudo sozinho e que no longo prazo necessitará dos outros para atingir os seus objetivos egoístas. Por isso, tem muito cuidado para não prejudicar ninguém e ajuda sempre que isso não lhe represente prejuízo. O que ele faz é, tendo sempre em mente o seu próprio benefício, um "investimento a longo prazo".

    Quando eu criei esta teoria, eu tinha como exemplo os coronéis do nordeste, que se opõem a todo esforço sincero de desenvolver a região, acreditando que isso possa prejudicá-los. Se eles não fossem burros, entenderiam que com o aumento da riqueza do povo ao seu redor, a possibilidade de eles ganharem e ficarem mais ricos ainda é maior. Agora, conhecendo melhor os komunistas, acho que eles também são egoístas burros.

    ResponderExcluir
  7. Acho que o altruísmo não possui o significado de que qualquer ação visando benefício próprio é ruim. A definição de altruísmo comtiana não chega a ser categórica a esse nível. Ela é mais subjetiva e se refere mais à hábitos ou inclinações de ações em benefício de outros. Dessa forma, a conclusão de que o altruísmo diz que o desejo do homem viver é ruim fica comprometida.

    Outra observação que faço é que o altruísmo se opõe ao egoísmo definido como atitude de uma pessoa colocar seus interesses em primeiro lugar e não do egoísmo que você se referiu, ou seja, preocupação com interesses particulares do indivíduo. Dessa forma, determinadas ações egoístas não são, necessariamente, contrárias ao altruísmo.

    ResponderExcluir
  8. Alvaro Arns4:46 PM

    Um dos melhores filmes, baseado na obra da Filósofa, é Vontade Indômita ( The Fontainhead). Espetacular!

    ResponderExcluir