segunda-feira, setembro 18, 2006

O Monopólio da Virtude



Rodrigo Constantino

“A primeira coisa que um homem fará pelos seus ideais é mentir.” (Joseph Schumpeter)

Uma característica bastante comum de se observar em certas pessoas é a tentativa de monopolizar a virtude. Normalmente são pessoas que sofrem do que Thomas Sowell chamou de “tirania da visão”, quando um ideal particular de justiça cósmica anula qualquer capacidade de reflexão honesta. Tal indivíduo não terá interesse algum em debater seriamente os meios adequados para seus objetivos, testando suas teses através da experiência e aplicando a lógica nelas. Tudo que importa são as finalidades nobres, e qualquer alternativa oferecida com meios distintos será tratada com intenso desdém, como se a própria finalidade em si do outro fosse pérfida.

Existem inúmeros exemplos para ilustrar esta tentativa que alguns fazem de se arrogar a propriedade única da boa intenção. Um ótimo caso inicial está nos ditos “pacifistas”. As pessoas que automaticamente confiscam para si o monopólio da “luta pela paz”, como se o restante fosse adepto da violência, não pretendem nunca debater a fundo os métodos. A estratégia é desqualificar os fins dos oponentes, não seus meios pregados. Assim, qualquer um que não adere ao modelo pacifista é ou um lacaio da indústria bélica ou um potencial guerreiro empedernido, sedento por sangue. Não importa que essas pessoas mostrem a lógica de que certos inimigos precisam ser combatidos com firmeza, ou que algumas guerras são úteis e necessárias para a própria manutenção da paz. Tampouco importa mostrar inúmeros casos empíricos onde a complacência com o inimigo foi o caminho da desgraça. Os “pacifistas” já encerraram a questão antes mesmo do debate começar. Somente eles querem de verdade a paz.

É a busca pela paz, não quais métodos de fato garantem-na, que exalta moralmente esses visionários. No fundo, essas pessoas buscam uma exaltação pessoal perante os outros, estão atrás da imagem de nobres almas. Não ligam para os resultados concretos do que defendem, posto que um mínimo de avaliação honesta, muitas vezes, mostraria que há um abismo entre o defendido e o obtido. Foi dessa maneira que, faltando menos de um ano para que a guerra mais catastrófica do mundo fosse iniciada por Hitler, o Primeiro Ministro inglês, Chamberlain, enalteceu o “desejo do povo alemão pela paz”. Vários intelectuais “pacifistas” condenavam os governos que investiam em armamento, antecipando a real ameaça nazista. O enfraquecimento militar do Ocidente foi, sem dúvida, um dos fatores que estimularam os agressores. Não obstante, a dura realidade nunca impediu que tais “pacifistas” se considerassem moralmente superiores. Os outros são apenas bárbaros belicosos, ainda que a própria sobrevivência desses “pacifistas” dependa dos “belicosos”. O padrão se repete atualmente na questão do Islã, onde os relativistas morais colocam-se acima dos demais em termos morais, atuando de forma complacente com um grupo de fanáticos que pretende, abertamente, destruir o Ocidente. Uma vez mais, esses “pacifistas” só irão sobreviver para repetir novas hipocrisias se os “belicosos” os defenderem do inimigo.

O campo militar é fértil nessa questão do monopólio da virtude, mas está longe de ser o único. Na economia os monopolistas de fins nobres abundam também. Peguemos como exemplo a questão da miséria. Os “defensores dos pobres” são aqueles que defendem o uso do aparato estatal no combate à miséria, sem entretanto aprofundar o debate a respeito do melhor método para reduzir a pobreza de fato. Se um liberal mostrar com vastos casos empíricos que a pobreza foi melhor combatida onde o Estado menos interveio nos assuntos econômicos, ele será ignorado na melhor das hipóteses, ou tachado de insensível na pior delas. Não são os meios o foco desses “defensores dos pobres”, e sim a finalidade em si, como se alguém normal realmente desejasse o aumento da miséria. Se um liberal tentar explicar que a melhor forma de atacar o problema da miséria é através do livre mercado, poderá ser rotulado até mesmo de “darwinista social”, como se quisesse, na verdade, entregar o pobre ao “deus dará”. A repetição de chavões vazios que objetivam apenas desqualificar a pessoa é indiretamente proporcional à capacidade de argumentação. Os monopolistas da virtude jamais focam nos argumentos. Para que eles sintam-se moralmente superiores, basta repetir muitas vezes e em coro que os outros não ligam para os pobres. Assim eles seguem adiante com o ar de superioridade alimentado mutuamente por cada um do grupo, ainda que os pobres sofram na pele as tristes conseqüências da falta de respeito com a realidade.

Temos vários outros casos para ilustrar o ponto central do artigo, mas creio ser desnecessário me alongar. Em todos esses casos, o padrão se repete, e humanos reais acabam sacrificados pela tirania da visão pois aqueles sacrificados não são os mesmos que exploram moralmente a nobre visão. As teorias dessas pessoas não são testadas seriamente, e o esforço delas está infinitamente mais direcionado na propaganda ou na demonização dos que carregam pontos de vista alternativos. Qualquer fim nobre tem um dono, na cabeça deles, e são os próprios. Quem ousa discordar ou questionar os meios desses nobres fins simplesmente não são virtuosos. Não podem ser! Caso contrário, os que aparentam nobreza ficarão nus, sem o manto da pseudo-virtude, e restará ao mundo a visão da essência deles: a hipocrisia.

7 comentários:

  1. Mais um excelente artigo.

    Parabéns, Rodrigo!

    Sou seu fã, com ou sem carteirinha.

    Abçs.

    Welington

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  2. Anônimo9:27 AM

    “ vence, definitivamente, quem não se apoia nos outros” ( Masaharu Taniguchi)

    “ o fato de sermos iguais não significa que temos direito as mesmas coisas. Esse tipo de igualdade só leva a violência contra os menos favorecidos.(....) o que é que se aprecia na natureza? Qual é a beleza natural? O fato de que todas as formas de vida são diferentes e complementares. A beleza da vida está na diferença” ( do mesmo autor)

    O bem e o mal algo muito relativo. Definitivamente, não existem verdades absolutas por isso, falar em paz em certas ocasiões é uma verdadeira desgraça. Durante a guerra fria, por exemplo, é fato de que o movimento pacifista que surgiu no ocidente manipulado por elementos esquerdistas e, indiretamente, pela URSS que sabia do poder da opinião pública no ocidente.

    Mais importante que as finalidades, são os meios utilizados. A paz não deve ser feita tendo como preço a desgraça das pessoas. Isso fica bem claro no exemplo do que aconteceu antes da Segunda guerra e também o que aconteceu recentemente com Israel.

    As pessoas falam muito de paz e ressaltam o fato de que Israel está levando sofrimento ao povo libanês mas esquecem dos mísseis que chuveram sobre o norte de Israel e da ameaça que representa o Hezbollah para a região. Alguém acha por exemplo que se pode derrotar a Al Qaeda com acordos de paz, por exemplo?

    O problema é que certas pessoas confundem fins com meios. A paz é necessária? É lógico. Ela é essencial para qualquer povo civilizado ou não. Mas ela não pode ser conquistada a qualquer preço. É um problema sério de princípios o que afeta alguns “pacifistas”.

    Quando os EUA derrubaram a tirania de Saddam Hussein, houveram manifestações histéricas pelo mundo, manifestações ditas “pacifistas”( eu me pergunto, pode um ser realmente pacifico ser tão histérico?) no entanto, as pessoas esquecem as ameaças que o regime dele representava para a liberdade dos povos. Esqueceram o fato de que da mesma forma que o regime Saddam teve armas químicas no passado, nada impedia que ele podesse voltar á telas embora não as possui-se no momento da invasão americana.

    Os liberais são insensíveis? Quem disse isso ? por que essa visão distorcida da realidade? Se você quer ajudar os mais pobres, faça. O que é que lhe impede? Se você tem um sentimento positivo de compaixão pelo próximo, isso é louvável. Então , faça alguma coisa. O que não pode é ser OBRIGADO á fazer isso. E qualquer tipo de auxilio que se der aos mais pobres por meio do estado é COERÇAO, é uma OBRIGAÇAO. Um ação, por mais beneficio que traga aos outros, não tem valor algum se ela é feita por meio de coerção .

    Outra coisa que não se deve fazer é tornar as pessoas mais pobres dependentes da caridade alheia como se fossem crianças, cachorrinhos ou retardados. Como é que você quer valorizar a dignidade humana á base de esmolas? Isso é ver o outro como um ser inferior, digno de pena. Não entendo como pessoas que dizer pensar no próximo podem agir dessa forma.


    A responsabilidade pela sua posição social é do próprio indivíduo. É triste o fato de que as pessoas mais pobres não percebem isso e tendem a por a culpa nos outro sobretudo, nos mais ricos. E, pior ainda, é o fato de que eles são manipulados pelas idéias destorcidas de quem se diz a favor dos mais pobres. Como? Fazendo eles ignorarem a realidade? Tornando os escravos da ajuda alheia? Me responda: ISSO É AJUDAR OS POBRES? Melhor fariam essas pessoas se elas fizessem um trabalho voluntário de conscientização dessas pessoas de que o único responsável pela sua felicidade são eles mesmos e não o “papai” estado.



    PS: Rodrigo. Estranhamente, não recebi seus últimos artigos. Isso desde Sexta-feira( 15 de Setembro). O que foi que houve?

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  3. Anônimo9:43 AM

    O monopólio estatal da bondade humana. :D

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  4. Anônimo2:56 PM

    Como de costume mais um lúcido artigo. Começo meio e fim perfeitos. Dstaco "a busca da exaltação pessoal perante os outros", "se consideram moralmente superiores" e o final: "a hipocrisia". É bem isso. Obrigado pelo artigo.

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  5. Anônimo12:22 AM

    Rodrigo, você se importa em responder uma curiosidade: você defende a última guerra no Iraque?

    Eu, por exemplo, não me considero "pacifista" (como você se referiu ao termo) ou politicamente correto -até creio ter uma mente bélica demais; mas nunca vi muito sentido nessa guerra.

    Ademais, ótimo artigo.

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  6. Anônimo2:30 PM

    o inicío do artigo me fez lembrar minha última aula na faculdade de LDB, em que minha professora é uma defensora ferrenha de políticas assistencialistas (no caso dessa aula falávamos de bolsa-escola e bolsa-família)...segundo ela em sua visão totalitária: "meu filho...vc nao pode criticar isso nao! Pois vc nao recebe. Intão nao critique!"
    A 'coisa' tá ficando mais organizada que eu pensava...sinistro tudo isso!

    parabéns Rodrigo

    Ivo Cavalcante

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  7. Anônimo2:31 PM

    início*

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