Rodrigo Constantino
"Devemos nossa liberdade não ao desejo do Estado de permitir que as pessoas e as instituições sejam livres, mas ao desejo das pessoas e das instituições de resistir." (Llewellyn Rockwell Jr.)
O jornalista peruano Álvaro Vargas Llosa escreveu um excelente livro chamado Liberty for Latin America, no qual ele tenta mostrar como desfazer cinco séculos de opressão estatal. Logo na introdução, ele deixa claro que nada é mais crítico para o objetivo de libertar a América Latina dessa opressão que compreender porque as transformações políticas e econômicas das últimas décadas beneficiaram somente uma pequena elite. O autor levanta o debate entre instituições e culturas, alegando que uma necessita da outra. As regras de relacionamento entre indivíduos precisam mudar, mas os valores que determinam a conduta humana também. Esses valores não irão mudar a menos que as pessoas vejam que os novos valores são relevantes através de incentivos e recompensas possíveis pela mudança institucional.
Se é verdade que a tradição ibérica católica pesa contra o desenvolvimento da região, também é verdade que a Espanha e Portugal, onde tal tradição se originou, conseguiram prosperar após mudanças institucionais. Claro que para um sucesso sustentável é preciso uma mudança cultural. Victor Hugo já dizia que "não há poder maior que o de uma idéia cuja hora é chegada". Mas postergar a remoção das causas diretas de opressão até que os valores corretos sejam absorvidos pelo povo irá condenar a região à impotência e ceder espaço para aqueles que são tentados a usar esses instrumentos de opressão para impedir a mudança cultural. Quais são, portanto, esses instrumentos de opressão estatal, causa principal do fracasso da região? É o que Vargas Llosa busca responder no primeiro capítulo do livro, resumido a seguir.
Os cinco princípios de organização social, econômica e política que oprimem o indivíduo seriam, segundo o autor, o corporativismo, o mercantilismo, o privilégio, a transferência de riqueza e a lei política. Vargas Llosa busca as origens desses instrumentos de opressão no passado da região. Uma pessoa não era uma pessoa, mas sim parte de um mecanismo maior, e existia somente como fração dessa entidade coletiva. Os indivíduos trabalhavam não para si próprios, mas para a manutenção desta entidade que exercia força sobre eles. Não trabalhavam para subsistir, mas subsistiam para trabalhar em prol do estado e seus parasitas. Os exemplos fornecidos pelo autor incluem o estilo de vida dos astecas e incas, no qual nobres desfrutavam de privilégios como roupas de algodão e jóias, enquanto usavam escravos como animais. A organização desses povos era altamente hierarquizada, e os nobres recebiam direitos sobre a terra e o trabalho, transferindo renda através de tributos. O rei ou imperador era visto como a própria encarnação divina, e exercia, portanto, autoridade absoluta. A lei era uma extensão do rei, não uma regra objetiva e isonômica. Os maias e astecas praticavam sacrifícios humanos, já que o líder tinha poder sobre a "verdade" e também sobre a vida de todos.
Quando Espanha e Portugal conquistaram várias regiões da América Latina no século XVI, estavam no auge de uma longa tradição corporativista. Como conseqüência do surgimento do estado-nação e sua volúpia fiscal, os direitos de propriedade passaram a ser uma transação mercenária entre a autoridade central e grupos particulares. Quando os direitos seletivos de propriedade não eram suficientes, o estado expropriava riqueza privada diretamente. Esse era o princípio do mercantilismo ibérico. As encomiendas, grandes pedaços de terras concedidos pelo estado como recompensa militar e outros motivos, eram talvez o maior símbolo de privilégio. Este símbolo refletia a idéia dominante de que a riqueza não tinha que ser produzida, mas sim tomada. As esferas da autoridade política e da igreja eram tão interligadas que se tornavam praticamente uma só. A Inquisição, uma instituição religiosa, era também um aparato político para opressão do governo.
A estrutura era bastante centralizada, e Espanha e Portugal não objetivavam desenvolver suas colônias, mas obter o máximo de riqueza possível através da exploração delas. Chegou a ser ilegal produzir bens que poderiam ser fornecidos pela metrópole. A sociedade colonial rapidamente aprendeu que sua sobrevivência dependia dos esquemas do estado mercantilista, porque a única atividade rentável era negociar através do governo, não no mercado. Quando os movimentos de independência ganharam força na região, já existia uma cultura de que a lei não tinha nenhuma raiz real, sendo algo arbitrário que depende da vontade de uns poucos poderosos. Todo novo governante apontou ou removeu juizes de acordo com seus desejos, rescreveu a constituição, refez ou estendeu os códigos existentes etc.
Neste ambiente, o avanço na sociedade era possível somente pela influência no processo político que dominava a lei. Era no teatro da política, não do mercado, que a competição ocorria. A energia estava focada não em produzir riqueza, mas em direcionar a lei para a vantagem pessoal. Com esta mentalidade e com as suas correspondentes instituições estabelecidas, prosperar como nação era praticamente impossível.
Infelizmente, não foi muito o que mudou desde então. Muitos ainda encaram o Estado como um semideus, defendem medidas mercantilistas ultrapassadas, pedem mais interferência estatal na economia, ignoram a necessidade de um império de leis igualmente válidas para todos, focam suas energias na organização em grupos para extrair o máximo de privilégio possível do governo etc. Alterar esse quadro lamentável exige mudança cultural e institucional. A mudança no campo das idéias será lenta e gradual, como não pode deixar de ser. Combater as instituições opressoras passa a ser uma necessidade imediata. Eliminar o corporativismo, o mercantilismo, o privilégio, a transferência de riqueza através do Estado e a lei política arbitrária deve ser então uma meta perseguida por todos que defendem a liberdade. Foram séculos de opressão estatal na região. É chegada a hora de romper esses grilhões e abraçar o livre mercado!
Como mudar a identidade de um povo com origens escravocratas e de um Estado imperialista? O trabalho é visto como castigo, e não como valor, o Estado é visto como a única entidade capaz de dar prosperidade à sociedade, enfim, essa é uma identidade dos povos da América Latina, essa é a nossa consciência coletiva, como diria Durkheim.
ResponderExcluireduardo concordo contigo: "essa é a nossa consciência coletiva", mas devemos fazer o que estiver no nosso alcance. Eu faço o que posso. Falo com amigos, vizinhos, colegas das entidades às quais sou associado, tiro cópias de artigos da internet e distribuo, faço a minha parte. Parado é que não dá pra ficar.
ResponderExcluirRodrigo,
ResponderExcluirO ensaísta americano Greg Nyquist escreveu um livro – Ayn Rand Contra Human Nature – onde tece críticas severas à base do pensamento filosófico de Ayn Rand. Sobretudo, acusando-a de romantizar e idealizar o homem, cuja idolatria termina por gerar uma visão distorcida da história, da ética, da política e da arte. Vc conhece esta visão crítica à obra da autora?
Parabéns pelo blog! Seus ensaios e compilações têm sido muito úteis na compreensão do pensamento liberal.
É verdade, ética, política e arte(essa muitas vezes) são em essência empreendimentos coletivos. A própria Revolução Liberal só foi possível por uma mobilização coletiva.
ResponderExcluirjá está adicionado aos meus favoritos.
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