Rodrigo Constantino
“Não é função do governo fazer um pouco pior ou um pouco melhor o que os outros podem fazer, e sim fazer o que ninguém pode fazer.” (Lord Keynes)
Por que deve ser função do governo atuar como banqueiro? O serviço de intermediação financeira é fundamental para o bom funcionamento da economia, e pode ser infinitamente mais bem realizado pelo setor privado que pelo setor público. As razões são bem evidentes: o motivador deve ser totalmente econômico, isento de interesses políticos; e o escrutínio de sócios privados que arriscam suas próprias poupanças é crucial para o controle dos riscos. Não obstante esta lógica, o Brasil tem sido refém de uma presença gigantesca do governo no setor financeiro. A mentalidade dirigista, de que cabe ao governo fomentar o crescimento econômico do país, está por trás dessa herança maldita. Está mais do que na hora de reverter esse quadro, privatizando os bancos estatais urgentemente.
O caso do BNDES é interessante de ser analisado. O banco foi razoavelmente blindado, durante algum tempo, contra o populismo típico do governo. O saudoso Roberto Campos foi um dos fundadores do banco, tendo presidido a instituição também. No entanto, ele mesmo reconheceu, em seu livro de memórias A Lanterna na Popa, que pode ter contribuído para a criação de algo prejudicial ao país: “Acompanhei, com atenção, ao longo dos anos, a trajetória dessa organização, que ajudara a criar. Graças ao recrutamento por concurso público, o BNDE manteve uma saudável tradição meritocrática, com nível técnico bastante satisfatório. Não escapou, naturalmente, ao vício do burocratismo e complacência com a irrupção do nacional-estatismo”. Na década de 80, por exemplo, o banco abraçou a estupidez ideológica das “reservas de mercado”, passando a adotar posturas “nacionalisteiras”, aderindo à política de informática que lançou o país no atraso tecnológico. A inclusão da letra S na sigla, acrescentando a palavra mágica “social” à missão do banco, evidencia essa guinada populista.
Mesmo se o BNDES conseguisse manter um quadro de bons tecnocratas – o que não é tarefa fácil, pois o setor privado sempre pode reter os melhores talentos – ainda assim seria complicado evitar a contaminação política em suas operações. E quando se mistura política com economia, boa coisa não sai. O critério de empréstimos, nesse caso, sempre sofrerá a influência de decisões políticas. O Japão é um bom estudo de casos, já que a interferência governamental no setor financeiro era enorme. O resultado é conhecido: um abacaxi que levou mais de uma década para ser digerido, com nefastas seqüelas para a economia do país. A alocação eficiente de recursos exige um ambiente de livre concorrência de empresas privadas em busca do lucro. Quando esse quadro é substituído pelas decisões políticas de poucos poderosos, raramente será possível evitar uma catástrofe. A URSS é a prova disso.
No fundo, quando é o governo que controla o carimbo dos polpudos empréstimos, há um incentivo perverso para a captura dos que tomam as decisões pelos grandes empresários “amigos do rei”. E de fato, analisando os dados do BNDES, vemos que 75% dos desembolsos têm como destino as grandes empresas. Por outro lado, as empresas ficam reféns do governo, e limitam muito as pressões diretas por reformas necessárias. Além disso, o BNDES, através da BNDESPAR, possui participações acionárias em grandes empresas, como 20% do capital da Klabin, 33% da Light, 25% da Telemar e 10% da Coteminas, empresa do vice-presidente José Alencar. As participações societárias do BNDES, no final de 2007, tinham um valor de mercado de aproximadamente R$ 85 bilhões. Por que o governo deve ser, através de um banco de desenvolvimento, sócio de tantas empresas, num montante tão elevado? Simplesmente não há uma boa justificativa para isso.
Os três principais bancos estatais – Banco do Brasil, BNDES e CEF, possuem juntos ativos superiores a R$ 800 bilhões. Os três maiores bancos privados – Bradesco, Itaú e Unibanco, não chegam a este valor em ativos. Em outras palavras, o setor público domina o setor financeiro. Quando esquerdistas direcionam seu ódio aos bodes expiatórios preferidos – os banqueiros, eles precisam lembrar que o maior banqueiro do país é o próprio governo. Não é factível defender um governo gestor de tantas empresas e até mesmo bancos. Ainda há muito que ser feito em termos de privatizações nesse país. Mas não é tarefa fácil, pois as barreiras tanto dos interesses privilegiados como ideológicas são enormes.
Roberto Campos destacou as principais fontes das resistências à privatização, incluindo o corporativismo burocrático, que receia a perda de poder político e de mordomias, o socialismo residual, que se apega nostalgicamente ao mito do Estado provedor, e o nacionalismo, que enxerga a gerência governamental como necessária para o controle de setores estratégicos. Para Campos, a melhor justificativa de privatização não estava na arenga dos conservadores, mas no dito de Keynes na epígrafe. Ele diz: “Tido como paladino da intervenção estatal, Lord Keynes, se estivesse vivo, certamente diria que nada mais perigoso para o Mestre que a burrice dos discípulos”. Como liberal, discordo de muitas idéias de Keynes. Mas sou obrigado a concordar que os ditos “keynesianos”, adeptos do fracassado “desenvolvimentismo”, são uma vergonha para a imagem do famoso economista inglês.
Em resumo, o setor financeiro é importante demais para ser tão dominado pelo governo. O crescimento econômico não é fruto da caneta milagrosa do governo, mas de uma ampla liberdade econômica que permite alocações eficientes dos recursos. Não cabe ao governo a função de ser um grande banqueiro. A esquerda adora reclamar dos privilégios dos grandes empresários através da simbiose com o governo, mas esquece de atacar a fonte do problema. Acha que se ao menos um iluminado, altruísta e honesto político chegar ao poder, tudo será uma maravilha. Erra o alvo, que deveria ser o modelo em si, a própria fonte do problema: o excesso de poder econômico do meio político. O governo não tem nada que ser banqueiro. O ideal é defender simplesmente a privatização ou extinção do BNDES, deixando o setor privado cuidar do desenvolvimento econômico do país.
“Não é função do governo fazer um pouco pior ou um pouco melhor o que os outros podem fazer, e sim fazer o que ninguém pode fazer.” (Lord Keynes)
Por que deve ser função do governo atuar como banqueiro? O serviço de intermediação financeira é fundamental para o bom funcionamento da economia, e pode ser infinitamente mais bem realizado pelo setor privado que pelo setor público. As razões são bem evidentes: o motivador deve ser totalmente econômico, isento de interesses políticos; e o escrutínio de sócios privados que arriscam suas próprias poupanças é crucial para o controle dos riscos. Não obstante esta lógica, o Brasil tem sido refém de uma presença gigantesca do governo no setor financeiro. A mentalidade dirigista, de que cabe ao governo fomentar o crescimento econômico do país, está por trás dessa herança maldita. Está mais do que na hora de reverter esse quadro, privatizando os bancos estatais urgentemente.
O caso do BNDES é interessante de ser analisado. O banco foi razoavelmente blindado, durante algum tempo, contra o populismo típico do governo. O saudoso Roberto Campos foi um dos fundadores do banco, tendo presidido a instituição também. No entanto, ele mesmo reconheceu, em seu livro de memórias A Lanterna na Popa, que pode ter contribuído para a criação de algo prejudicial ao país: “Acompanhei, com atenção, ao longo dos anos, a trajetória dessa organização, que ajudara a criar. Graças ao recrutamento por concurso público, o BNDE manteve uma saudável tradição meritocrática, com nível técnico bastante satisfatório. Não escapou, naturalmente, ao vício do burocratismo e complacência com a irrupção do nacional-estatismo”. Na década de 80, por exemplo, o banco abraçou a estupidez ideológica das “reservas de mercado”, passando a adotar posturas “nacionalisteiras”, aderindo à política de informática que lançou o país no atraso tecnológico. A inclusão da letra S na sigla, acrescentando a palavra mágica “social” à missão do banco, evidencia essa guinada populista.
Mesmo se o BNDES conseguisse manter um quadro de bons tecnocratas – o que não é tarefa fácil, pois o setor privado sempre pode reter os melhores talentos – ainda assim seria complicado evitar a contaminação política em suas operações. E quando se mistura política com economia, boa coisa não sai. O critério de empréstimos, nesse caso, sempre sofrerá a influência de decisões políticas. O Japão é um bom estudo de casos, já que a interferência governamental no setor financeiro era enorme. O resultado é conhecido: um abacaxi que levou mais de uma década para ser digerido, com nefastas seqüelas para a economia do país. A alocação eficiente de recursos exige um ambiente de livre concorrência de empresas privadas em busca do lucro. Quando esse quadro é substituído pelas decisões políticas de poucos poderosos, raramente será possível evitar uma catástrofe. A URSS é a prova disso.
No fundo, quando é o governo que controla o carimbo dos polpudos empréstimos, há um incentivo perverso para a captura dos que tomam as decisões pelos grandes empresários “amigos do rei”. E de fato, analisando os dados do BNDES, vemos que 75% dos desembolsos têm como destino as grandes empresas. Por outro lado, as empresas ficam reféns do governo, e limitam muito as pressões diretas por reformas necessárias. Além disso, o BNDES, através da BNDESPAR, possui participações acionárias em grandes empresas, como 20% do capital da Klabin, 33% da Light, 25% da Telemar e 10% da Coteminas, empresa do vice-presidente José Alencar. As participações societárias do BNDES, no final de 2007, tinham um valor de mercado de aproximadamente R$ 85 bilhões. Por que o governo deve ser, através de um banco de desenvolvimento, sócio de tantas empresas, num montante tão elevado? Simplesmente não há uma boa justificativa para isso.
Os três principais bancos estatais – Banco do Brasil, BNDES e CEF, possuem juntos ativos superiores a R$ 800 bilhões. Os três maiores bancos privados – Bradesco, Itaú e Unibanco, não chegam a este valor em ativos. Em outras palavras, o setor público domina o setor financeiro. Quando esquerdistas direcionam seu ódio aos bodes expiatórios preferidos – os banqueiros, eles precisam lembrar que o maior banqueiro do país é o próprio governo. Não é factível defender um governo gestor de tantas empresas e até mesmo bancos. Ainda há muito que ser feito em termos de privatizações nesse país. Mas não é tarefa fácil, pois as barreiras tanto dos interesses privilegiados como ideológicas são enormes.
Roberto Campos destacou as principais fontes das resistências à privatização, incluindo o corporativismo burocrático, que receia a perda de poder político e de mordomias, o socialismo residual, que se apega nostalgicamente ao mito do Estado provedor, e o nacionalismo, que enxerga a gerência governamental como necessária para o controle de setores estratégicos. Para Campos, a melhor justificativa de privatização não estava na arenga dos conservadores, mas no dito de Keynes na epígrafe. Ele diz: “Tido como paladino da intervenção estatal, Lord Keynes, se estivesse vivo, certamente diria que nada mais perigoso para o Mestre que a burrice dos discípulos”. Como liberal, discordo de muitas idéias de Keynes. Mas sou obrigado a concordar que os ditos “keynesianos”, adeptos do fracassado “desenvolvimentismo”, são uma vergonha para a imagem do famoso economista inglês.
Em resumo, o setor financeiro é importante demais para ser tão dominado pelo governo. O crescimento econômico não é fruto da caneta milagrosa do governo, mas de uma ampla liberdade econômica que permite alocações eficientes dos recursos. Não cabe ao governo a função de ser um grande banqueiro. A esquerda adora reclamar dos privilégios dos grandes empresários através da simbiose com o governo, mas esquece de atacar a fonte do problema. Acha que se ao menos um iluminado, altruísta e honesto político chegar ao poder, tudo será uma maravilha. Erra o alvo, que deveria ser o modelo em si, a própria fonte do problema: o excesso de poder econômico do meio político. O governo não tem nada que ser banqueiro. O ideal é defender simplesmente a privatização ou extinção do BNDES, deixando o setor privado cuidar do desenvolvimento econômico do país.
É, eu acho que deveriam acabar com o BNDES mesmo. Se não fosse ele, a Vale (do Rio Doce) nunca teria sido privatizada.
ResponderExcluirDe fato, vemos mundo afora que sem empréstimos públicos não ocorrem compras de empresas grandes por outras, não é mesmo????
ResponderExcluirÉ dureza aturar esses tipos imbecilizados pela ideologia. Em primeiro lugar, o sujeito acha que sem grana estatal não há M&A. Em segundo lugar, o cara vibra com a idéia estúpida de manter a Vale uma estatal.
É triste!
Rodrigo
Ah, outra coisa: Ao invés de ficar só criticando o Brasil, por que você não critica o Fed pela intervenção pesada na economia americana?
ResponderExcluir"De fato, vemos mundo afora que sem empréstimos públicos não ocorrem compras de empresas grandes por outras, não é mesmo????"
ResponderExcluirCerto, pode ser que a Vale tivesse sido privatizada sem o BNDES, mas com certeza não teria sido uma privataria oba-oba como a que aconteceu.
Obs: Se você disser que isso é um argumento a favor do fim do BNDES, estará concordando que a privataria do governo FHC foi uma baita roubalheira.
lulalá brilha uma estrela,lulalá brilha uma...
ResponderExcluir.
LULA 2010,2014,2018...
"por que você não critica o Fed pela intervenção pesada na economia americana?"
ResponderExcluirPorque a pauta do Rodrigo não é ditada por leitores preguiçosos. Veja, por exemplo, este post.
"Obs: Se você disser que isso é um argumento a favor do fim do BNDES, estará concordando que a privataria do governo FHC foi uma baita roubalheira."
Isso se ele cair na sua falácia. Nem todas as transações sub-ótimas são um roubo.
"Ah, outra coisa: Ao invés de ficar só criticando o Brasil, por que você não critica o Fed pela intervenção pesada na economia americana?"
ResponderExcluirAcho que vc não anda lendo todos os meus artigos...
Rodrigo
Rodrigo, qual sua opinião sobre o Keynes ? Devia escrever um artigo sobre ele.
ResponderExcluirJá vi pessoas que discordam de suas idéias o tratando como um mal sujeito e outras dizendo que ele era uma pessoa boa (Friedman) e que, antes de morrer, estava mudando sua forma de pensar (Hayek). Não consigo fazer um juízo de valor claro.
Sempre me posicionei contra o BNDES. Se nao fosse o orçamentodeste "banco" que "fomenta" desenvolvimento, a carga tributaria do país ficaria 60bilhões mais leve, o que deixaria mais dinheiro para as empresas privadas investirem conforme as suas estratégias particulares.
ResponderExcluirA existência do BNDES, cria e fortalece um personagem que somente traz má fama ao capitalismo, o empresário de influencia política. Um verdadeiro incompetente que de forma alguma atingiria a excelencia em uma economia livre, mas devido às suas importantes amizades, ganha notoriedade.
O seu uso político ficou ainda mais evidente nesse governo que, provando mais uma vez que a safadeza é a sua principal característica, vai ajudar a OI a comprar a BRT. absurdo! o dinheiro público financiando a formação de um monopólio.
Coletivistas de plantão, critiquem isso!
Rodrigo, e agora que o BNDES está se fazendo passar por autor de projetos definidos 'a priori' pela Casa Civil? Vi um projeto com definição de riscos totalmente em desacordo com qualquer estudo do mundo, mas de acordo com a visão do governo. Mas tudo bem, depois quem paga a conta somos nós mesmos!
ResponderExcluirRealmente o BNDES tinha que ser privatizado. Cabe a um povo financiar obras na Venezuela, Bolívia e sei lá mais aonde através de um banco brasileiro? Não há o menor cabimento. Outro cabide de emprego que tinha que ser extinto era a Petrobrás. O brasileiro paga mais caro pela gasolina (que o governo teima em dizer que somos auto-suficientes) do que o Japão que não produz uma gota de petróleo... Enfim, onde o governo enfia o dedo o povo se ferra pois "o mal que o governo pode fazer é bem superior ao bem que poderia eventualmente acabar fazendo..."
ResponderExcluirVai você, um pequeno empresário, tentar pegar algum empréstimo no BNDES. Vai ficar com as mãos estendidas a vida toda. Mas se for um político, um empresário ligado ao governo ou o filho do Lula, aí sim, consegue na hora.
ResponderExcluirTá feia a coisa, Rodrigo!
ResponderExcluirConsegui ler alguma coisa de bom, mas o pragmatismo político cega o economista.
Lamentável.
Pimon
A questão não é tão simples assim. Mesmo os EUA, o modelo de capitalismo dos liberais bocoiós de terras tupiniquins (Só para constar, sou um liberal também, na tradição de Adam Smith) intervém fortemente no setor financeiro. Eles possuem um Eximbank, instituição que deforma enormemente as condições naturais do comércio exterior americano. Possuem também as Fannie Maes da vida. E por fim, essa história de dizer que os banqueiros privados saberão medir os riscos de forma mais eficiente é apenas parcialmente verdadeira: a crise americana atual é a prova concreta disso. Hyman Minski, um pós-keynesiano execrado pelos economistas ortodoxos (e do qual eu também não gosto muito, apesar do Ben Bernanke gostar bastante), dizia que a percepção de risco dos banqueiros é endógena ao ciclo econômico, e como o setor financeiro é um setor diferenciado (o produto crédito não é a mesma coisa que o produto banana, embora o Sr. Gustavo Franco talvez acredite que sejam a mesma coisa), a possibilidade de efeito-dominó (risco-sistêmico) faz com que os custos e benefícios das decisões dos banqueiros não sejam totalmente internalizadas por eles (lucros privados, prejuízos socializados).
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