quinta-feira, outubro 30, 2008

Conflito de Interesses



Rodrigo Constantino

“A sabedoria do mundo ensina que é melhor, para a nossa reputação, fracassar de modo convencional do que obter sucesso de forma não convencional.” (John Maynard Keynes)

O debate sobre o conflito de interesses nas empresas não é nada novo, mas com esta crise financeira ele retorna com força. O problema reside, basicamente, na dificuldade em alinhar o interesse de todos os funcionários com aquele dos acionistas e clientes. O trader da mesa proprietária de um banco de investimentos, por exemplo, conta com uma espécie de “opção grátis”, já que ele recebe um polpudo bônus se ganhar muito dinheiro operando, mas o máximo que pode perder se fracassar é seu emprego, mesmo que suas perdas sejam suficientes para levar o banco à falência. Não se trata de um alinhamento perfeito de interesses, naturalmente.

Além disso, como lembra a frase de Keynes na epígrafe, errar em grupo não costuma arranhar tanto a reputação, pois alguém sempre pode alegar que “todos” faziam a mesma aposta. Durante o estouro de uma bolha especulativa, por exemplo, o trader sempre pode se justificar com o argumento de que nada era muito previsível, tanto que todos foram pegos de surpresa. Do outro lado, torna-se praticamente insuportável justificar ganhos mais tímidos enquanto todos os concorrentes mostram retornos absurdamente elevados. Isso é um convite tentador e muitas vezes irresistível para participar da festa geral. E isso vale para várias atividades. O banco que está fornecendo crédito subprime e coletando taxas maiores estimula os concorrentes na mesma direção. Os hedge funds que aumentam a alavancagem e conseguem mais retorno pelo maior risco incentivam outros a fazer o mesmo. Até porque os clientes, que costumam perseguir retornos recentes, acabam migrando para os vencedores de curto prazo. A própria indústria dificulta bastante a postura mais sensata dos gestores. É da natureza humana, e o sóbrio no meio de um bando de bêbados é sempre o chato da turma.

Isso explica em parte os movimentos de manada comuns nos mercados financeiros. Para agravar a situação, as pessoas parecem ter memória curta. O fundador do Long-Term Capital Managment, John Meriwether, conseguiu levantar bilhões de dólares de clientes após o fiasco do fundo em 1998, em sua nova firma JWM. Perdeu novamente boa parte do dinheiro dos clientes. Muitos fundos, tentando alinhar os interesses de seus clientes, adotam o “high water mark", cobrando taxa de performance somente quando as perdas são cobertas por novos ganhos. Enquanto o cliente não estiver no azul, a empresa não cobra. O problema é que isso pode desestimular os gestores durante uma fase de grandes perdas, pois a remuneração da indústria está toda no variável, e não no salário fixo. Sabendo que ele dificilmente irá ganhar algum dinheiro nos próximos anos, após uma perda acentuada, o gestor pode simplesmente abandonar o barco, ou sair em bloco com outros gestores e analistas e fundar um novo fundo, deixando o histórico negativo para trás. Parece incrível que os clientes aceitem colocar dinheiro nessa nova estrutura, mas como mostra o exemplo de Meriwether, isso de fato acontece.

Como alinhar os interesses então? Não há mágica, tampouco resposta fácil. Por isso se chama conflito. Conceder sociedade aos principais funcionários ajuda muito, pois estão todos no mesmo barco. Mas não custa lembrar que os funcionários do Bear Stearns controlavam cerca de um terço do banco, e isso não impediu sua derrocada. O programa de stock options nas empresas tenta alinhar o interesse dos executivos ao dos acionistas, mas não é uma garantia certa também. Uma medida que pode fazer sentido é criar uma fórmula na qual o bônus não esteja atrelado somente ao ano corrente, mas sim dependente de outros períodos. Isso iria suavizar a sua oscilação, e colocaria o foco dos funcionários num prazo mais longo. Se o ano corrente é excelente, os funcionários não colocam tudo no bolso imediatamente, mas criam uma reserva para o caso de períodos ruins à frente. Uma fórmula ponderada, com diferentes pesos para os últimos anos, pode forçar um pouco mais de sensatez nos funcionários. Mas novamente, não há garantia de nada.

Por fim, aqueles que colocam toda a esperança nos reguladores do governo demonstram extrema ingenuidade. Keynes apontou o tal “animal spirits” dos homens, e vimos como ele de fato existe. Mas o que garante que os supervisores do governo serão diferentes? Por que alguém acha que os agentes do governo seriam imunes a este instinto humano? Não faz sentido algum acreditar nisso. Os reguladores são seres humanos imperfeitos também, sofrem pressões políticas, sucumbem às paixões humanas, não desfrutam de clarividência alguma. Concentrar poder demais em suas mãos não costuma resolver o problema dos conflitos de interesse, mas, ao contrário, pode muitas vezes agravá-lo. Se não é possível atingir um modelo de perfeição no livre mercado, tampouco é possível fazê-lo através do excesso de regulação. Temos que aceitar a idéia de que a perfeição não pertence ao mundo dos homens, justamente porque somos humanos, demasiado humanos.

terça-feira, outubro 28, 2008

Previsões Esquizofrênicas



Rodrigo Constantino

"O futuro está em aberto; não é predeterminado e, deste modo, não pode ser previsto – a não ser por acidente." (Karl Popper)

A mania dos seres humanos de tentar prever o futuro, de preferência exagerando para o bem ou para o mal, é no mínimo tão antiga quanto o Antigo Testamento. Mais recentemente, o nome de Malthus logo vem à mente quando pensamos em previsões pessimistas para o futuro da humanidade. Esta tendência não é exclusividade daqueles que antecipam um apocalipse. Muitos extrapolam uma fase de bonança também, imaginando um “novo paradigma” onde as crises seriam coisas do passado. Essas oscilações pendulares de humor são potencializadas no mercado financeiro, onde tudo parece acontecer mais rápido. O “guru” de Warren Buffett, Ben Graham, costumava dizer que investir é como ter um negócio com o Senhor Mercado, um maníaco-depressivo cujo humor oscila radicalmente entre medo e entusiasmo.

Nada disso é novidade. Durante o boom da década de 1920, vários “profetas” extrapolaram o cenário positivo, pouco antes do maior crash da história. O economista John M. Keynes teria dito, em uma conversa com Felix Somary em 1927, que não haveria mais crashes durante seu tempo. Myron E. Forbes, o então presidente da Pierce Arrow Motor Car Co, afirmou que não haveria interrupção alguma da prosperidade permanente da nação, no começo de 1928. O renomado economista Irving Fisher foi autor da infeliz declaração de que o preço das ações tinha atingido aquilo que parecia um permanente e elevado patamar. Ele disse isso em 1929! A Harvard Economic Society (HES) escreveu em novembro de 1929 que acreditava no caráter temporário da queda das ações, considerando uma depressão séria como algo improvável. Como fica claro, vários “especialistas” sucumbiram à tentação de colocar a esperança acima do realismo, e fizeram previsões otimistas que se mostraram totalmente infundadas.

Do lado dos eternos profetas do apocalipse existem inúmeros exemplos também. Em 1856, em plena crise econômica, Fredrich Engels escreveu para seu amigo Marx que ao longo do ano seguinte haveria "um dia de fúria como jamais ocorrera”. Ele previa que “toda a indústria européia irá ruir”, e antecipava “as classes proprietárias em apuros, completa falência da burguesia, guerra e devassidão ao enésimo grau". Desde então, vários marxistas antecipam o fim do capitalismo em cada nova crise econômica, apenas para ver seus sonhos esfarelarem uma vez mais. Como perguntou Thomas Sowell, por que ainda entramos em pânico quando escutamos previsões terríveis de grupos que estão no negócio de fazer previsões terríveis?

Várias pesquisas realizadas mostraram que os seres humanos de fato apresentam uma tendência a extrapolar o cenário atual, após algum tempo de ceticismo. Antes tem a fase de conservadorismo, onde os novos dados são vistos com desconfiança. E em seguida vem a fase de extrapolação do histórico recente, quando o caos parece ordenado num padrão conhecido. Isso normalmente acontece com os resultados trimestrais de empresas com o capital aberto. Quando uma seqüência de bons resultados ocorre, os investidores costumam levar algum tempo até incorporar essa tendência nas estimativas, mas uma vez feito isso, eles extrapolam a tendência até a perpetuidade. O resultado dessa característica demasiada humana costuma ser um aumento expressivo do volume negociado, justamente perto do topo dos mercados, quando a alta se torna exponencial. Muitos investidores abraçam tardiamente a tese de “novo paradigma”, e projetam uma contínua era de ouro. A ganância domina o medo, e quando o cenário é revertido, vários investidores são pegos em cheio na contramão.

Mas felizmente, o contrário também é verdadeiro. Após um período de pânico, onde o preço das ações despenca, muitos investidores jogam a toalha, abraçam o pessimismo e extrapolam o caos momentâneo. Alguns chegam a questionar a sobrevivência do sistema capitalista ou até da humanidade. Uma nova Idade das Trevas parece iminente. E justamente quando quase todos estão adotando esse tom catastrófico, as coisas começam a melhorar. As previsões escatológicas acabam refutadas uma vez mais.

Não é possível saber exatamente em qual ponto estamos atualmente. A crise sem dúvida é muito séria, a mais grave desde 1929. Acertar quando será o fim do poço é um exercício de pura adivinhação. O futuro é incerto. Mas uma previsão parece ser mais segura: não será o fim do mundo, nem do capitalismo. Não devemos levar tão a sério assim certas previsões esquizofrênicas demais.

Eleições: Análise








Comentário: A conclusão direta, sem eufemismos, é que os ignorantes e pobres votaram em Marta Suplicy e Eduardo Paes, enquanto aqueles com mais escolaridade e renda votaram em Kassab e Gabeira. Infelizmente, parece que o Rio tem mais ignorantes e pobres em termos relativos: lá em São Paulo deu Kassab, e aqui no Rio deu Paes mesmo. A pergunta é: por que esses governantes que dependem tanto da pobreza e da ignorância iriam lutar para REDUZIR ambas? Pensem nisso.

Outro ponto importante: Quase 70% dos eleitores cariocas NÃO votaram em Paes! Afinal, quase metade escolheu Gabeira, e outros 20% preferiram não votar. O voto nulo ou a abstenção se mostram cada vez mais um meio legítimo de protesto, para acabar com o voto obrigatório e para deixar claro que o eleitor não está satisfeito com NENHUM dos candidatos. Chega de "voto útil". É bom deixar claro para os políticos que não aprovamos nada disso que está aí.

Por fim, fica registrado aqui o meu total repúdio à vergonhosa atitude de Eduardo Paes, que se aproximou do presidente Lula e do PT de forma patética, chegando a mandar carta com pedido de desculpas poucos dias antes da eleição, apenas para conquistar mais alguns votos. Em São Paulo, ganhou a oposição ao governo federal, sem ter que se submeter a um papel lamentável desses. A crença no "toque de Midas" do presidente Lula foi derrubada, e isso porque a crise financeira nem chegou direito na economia "real" ainda. Os aliados de Paes não poderiam ter um nível pior, e seu foco no imediatismo vai lhe custar caro no futuro. O povo, ao menos a parte mais esclarecida, está cansado desse tipo de político oportunista, que joga qualquer escrúpulo na lata do lixo em troca de alguns votos extras. Kassab venceu e sem precisar de esmolas do governo federal. Paes vendeu sua alma ao diabo!

segunda-feira, outubro 27, 2008

Peter Schiff vs Arthur Laffer

Economista da Escola Austríaca prevê colapso da economia americana em 2006, com enorme precisão.

Link para vídeo no YouTube

A Grande Família



Rodrigo Constantino, para a Revista Banco de Idéias (Instituto Liberal)

“O patrimonialismo é a vida privada incrustada na vida pública.” (Octavio Paz)

Dando continuidade à sua obra Patrimonialismo e a Realidade Latino-Americana, Ricardo Vélez Rodríguez analisa em seu novo trabalho, a questão da cultura patrimonialista na região, dessa vez pela ótica da literatura. Em A Análise do Patrimonialismo Através da Literatura Latino-Americana, o autor utiliza esta “antropologia das antropologias” para estudar como a mentalidade que trata o Estado como um bem de família não é algo superficial, mas sim uma profunda característica de nossa cultura. A idéia de que o Estado é o “pai de todos” sobrevive ao longo dos séculos, permitindo a privatização do espaço público por uma “patota”. Este lamentável aspecto cultural da região foi muito bem capturado em obras de literatura, e Vélez selecionou algumas delas para sua análise, como O Outono do Patriarca, de García Márquez, O Ogro Filantrópico, de Octavio Paz, e O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo. Independente de o país em questão ser a Venezuela, o México ou o Brasil, a similaridade de aspectos fundamentais dos traços culturais que levam ao patrimonialismo é impressionante.

Em todos os casos, trata-se de Estados mais fortes do que a sociedade. Como o autor explica, “o Estado surge a partir da hipertrofia de um poder patriarcal original, que alarga a sua dominação doméstica sobre territórios, pessoas e coisas extrapatrimoniais, passando a administrá-los como propriedade familiar”. O aparato burocrático passa a controlar o aparelho estatal, normalmente girando em torno de uma figura central. A privatização do Estado ocorre através das práticas de nepotismo e clientelismo, e as leis deixam de ser impessoais, passando a representar um braço dos privilégios da “grande família”. Não há objetividade nem coerência nos decretos do caudilho. As origens disso vêm de longe, da tradição ibérica, e o Estado costuma ser visto como o grande empresário que garante a riqueza da nação. Os súditos precisam se “encostar” no Estado como fonte de enriquecimento. A figura do governante se confunde com a própria noção de Pátria, levando a um culto à personalidade. O controle sobre a mídia é vital, e informações devidamente manipuladas são repassadas à sociedade através de programas como “A Hora do Brasil” ou “Alô, Presidente”. Um tom messiânico é adotado por ele, resultando numa postura extremamente populista. A sede pelo poder é total. “O tirano quer ser Deus”, resume Vélez.

Em um Estado patrimonialista, não se distingue direito o que é público do que é privado. Todas as funções reduzem-se a incumbências ditadas pelo interesse de família ou de clã. Ao contrário de outras culturas, onde a política é um meio para favorecer os negócios, para os latino-americanos ela é o grande negócio em si. O princípio básico da economia patrimonialista, segundo Vélez, é: “privatização dos lucros, socialização dos prejuízos”. Quem não faz parte do andar de cima, acaba pagando as “aventuras dos tiranetes”. A variável política tem preponderância sobre a variável econômica. A troca de favores é o meio para o sucesso, e não a meritocracia. Conforme Octavio Paz constatou, “o Estado moderno é uma máquina, mas uma máquina que se reproduz sem cessar”. O patrimonialismo é a via que leva ao autoritarismo, através dessa crescente concentração de poder.

Infelizmente, a América Latina parece longe do dia em que tais características serão apenas um triste capítulo do passado. Se no passado figuras como Juan Vicente Gómez, Juan Domingo Perón e Getúlio Vargas representavam os ícones desse patrimonialismo, atualmente Hugo Chávez, Evo Morales e mesmo o presidente Lula, sem falar do casal Kirchner, substituíram os antigos “patriarcas”. Em um estágio mais avançado de autoritarismo, está o exemplo dos irmãos Castro, que transformaram Cuba literalmente numa propriedade familiar. Buscar as origens desse traço cultural, inclusive presente em nossa literatura, pode ajudar a esclarecer melhor as causas que permitem a manutenção destes modelos na política latino-americana, tratada como uma cosa nostra desses populistas. Nesse contexto bastante atual é que o novo livro de Vélez torna-se uma leitura imprescindível, como complemento ao seu trabalho anterior.

sexta-feira, outubro 24, 2008

O Erro de Greenspan



Rodrigo Constantino

“O crédito fácil se transformou no Santo Graal da política monetária, principalmente sob a batuta de Alan Greenspan, ‘o Maestro supremo’.” (Ron Paul)

O ex-presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, fez uma tímida mea culpa diante dos congressistas, ao confessar algumas falhas em sua gestão como banqueiro central. Greenspan alegou que sua confiança na capacidade de auto-regulação dos mercados se mostrou errada, para o delírio dos intervencionistas. Mas será que foi isso mesmo que aconteceu? A postura defensiva de Greenspan parece bastante natural, e o reconhecimento de um pequeno erro como regulador pode ocultar uma falha infinitamente mais grave. É mais fácil Greenspan jogar para o mercado a maior culpa, enquanto alivia o seu próprio fardo de ter, no fundo, contribuído muito para criar a bolha. Não faltaram críticos no passado que apontavam para esse erro bem mais sério do que apenas evitar os excessos do mercado. O grande erro de Greenspan não foi acreditar no poder de ajuste natural do mercado, mas sim ter colaborado muito para os seus excessos.

Eu mesmo fui um desses críticos no passado. Em um artigo escrito em abril de 2004, chamado “Amnésia Política”, utilizei vários trechos do próprio Greenspan escritos em 1966, num livro de Ayn Rand (Capitalism: The Unknown Ideal). A primeira frase do meu artigo foi: “No encontro entre um liberal e a política, é infinitamente mais provável que o primeiro seja corrompido pelo segundo, e não o contrário”. Essa introdução já expressava minha enorme decepção com Greenspan, ao constatar que aquele velho liberal havia cedido aos encantos do poder. A vaidade de Greenspan, aliás, parece evidente, e logo após se aposentar, depois de 18 anos à frente do Fed, ele já contava com uma autobiografia pronta. Greenspan, que fora discípulo de Ayn Rand e um defensor do laissez-faire e do padrão-ouro, chegando a culpar as ações do Fed pela Grande Depressão de 1929, acabou indo parar justamente no governo, concentrando um poder abusivo nas mãos.

Eis alguns trechos de Greenspan que eu destaquei no artigo: “Quando a economia nos Estados Unidos se submeteu a uma contração suave em 1927, o Fed criou mais reservas de papel na esperança de prevenir alguma falta possível da reserva bancária. [...] O crédito adicional que o Fed injetou na economia se espalhou para o mercado financeiro – provocando um crescimento especulativo fantástico. Em 1929 os desequilíbrios especulativos tinham-se tornado tão exagerados que a tentativa de enxugar as reservas adicionais precipitou uma aguda retração e a conseqüente desmoralização da confiança dos empresários. Em conseqüência, a economia americana desmoronou”. Em outras palavras, Alan Greenspan, ainda longe do poder, entendia como as ações do Fed, na tentativa de injetar liquidez nos mercados para evitar ajustes necessários, acabavam agravando os problemas.

Minha conclusão no artigo evidencia toda a decepção na época: “E pensar que este homem hoje senta na presidência do próprio Fed, injetando como ninguém liquidez nos mercados, tentando artificialmente manter o boom econômico, evitar a correção natural dos investimentos ruins realizados, usando o governo para ‘consertar’ os problemas da economia criados pelo próprio governo. O mundo perde muito com o fato de Greenspan ou ter esquecido o que disse em 1966, ou ter sucumbido às pressões políticas. Ele mesmo tem consciência de que é impossível alterar as leis econômicas através de mecanismos artificiais do governo. Mas a amnésia que o jogo político causa até mesmo nas cabeças mais lúcidas é incrível”.

E eu estava longe de ser o único crítico dessas medidas expansionistas adotadas por Greenspan! No Brasil, o economista Paulo Guedes sempre focou nesse aspecto, chegando a me dizer pessoalmente que o “mago” ainda seria vítima do ódio de muita gente, quando a bolha estourasse. No resto do mundo foram muitos os críticos, como os economistas “austríacos” do Mises Institute, ou Christopher Woods, estrategista do CLSA e autor de Greed & Fear, carta semanal aos seus clientes. O senador Ron Paul foi outro que acusou a irresponsabilidade de Greenspan muito antes de a bolha explodir. Na frase da epígrafe, o ex-candidato à presidência americana ridiculariza a fé tola nos poderes do Banco Central.

Essa crença nos poderes “mágicos” do Banco Central talvez seja um dos maiores indícios de irracionalidade dos tempos modernos. Em outro artigo meu intitulado O Templo, de 2006, comentei o livro A Term at the Fed, do ex-governador Laurence Meyer. Eis como começo: “A concentração de poder em poucas mãos sempre irá representar um enorme risco para os indivíduos. Isto não é diferente quando o assunto é economia. Por tratar-se de um campo com um jargão muito técnico, os leigos acabam vendo certas figuras como ‘sábios clarividentes’, delegando a esses as rédeas de toda a economia. Entretanto, não devemos esquecer que são apenas humanos sujeitos às falhas comuns da espécie, além de pressões externas e busca de interesses próprios”.

Infelizmente, muitos esqueceram essa lição, e durante a fase de bonança, Greenspan foi eleito o “Maestro” capaz de garantir a continuidade eterna da festa. Pior para ele que viveu o suficiente para ver o fim da festa, e está na defensiva tendo que se justificar. É uma pena que lhe falte mais coragem para assumir o verdadeiro erro, que foi ter se afastado de suas crenças antigas, seduzido pelo poder. Isso não iria apagar o passado, mas ao menos daria mais dignidade a ele nesse fim de vida. Se ele fizesse isso e se existisse vida após a morte, ao menos ele poderia reencontrar Ayn Rand com a cabeça erguida.

quinta-feira, outubro 23, 2008

Votar no Duda Paes é votar no PT!



Gabeira tem um passado que eu condeno, sem dúvida. Lutou a luta errada. Mas parece ter mudado, fala hoje em defesa de capitalismo, e fez um mea culpa de suas ações passadas. Mas e o Duda Paes? Se o seu passado não o condena, o mesmo não se pode dizer do seu presente e do seu futuro. Paes vem seguindo a trajetória típica do PMDB oportunista, se aliando ao que há de mais podre na política. E eis que agora comemora o apoio da terrorista Estella, mais conhecida como ministra Dilma. Essa não se arrepende de nada que fez no passado, incluindo planejamento de assaltos. Ao contrário: ela sente orgulho! Ela continua defendendo as barbaridades do passado. Ela segue na luta errada. E faz parte do partido mais nefasto do país, ainda pior que o PMBD: o PT, essa corja que tomou o poder no país. Você pretende votar em alguém que anda com essa turma barra-pesada? Eu não.

quarta-feira, outubro 22, 2008

A Caneta Milagrosa



Rodrigo Constantino

“Como alguém pode ler história e ainda confiar nos políticos?” (Thomas Sowell)

Eu já escrevi alguns artigos mostrando como é enganosa a acusação de que a atual crise financeira tem sua raiz no livre mercado. Mostrei como o governo tem suas impressões digitais em todas as cenas do crime. Ainda assim, algumas pessoas cobram uma postura em relação às possíveis soluções. Deixando de lado o aspecto do diagnóstico então, assumindo que todos aceitaram a grande parcela de culpa do próprio governo na crise, resta questionar se as soluções para o problema se darão através da caneta estatal. Eu acredito que não, mas respeito aqueles que pensam o contrário, alegando que no momento do incêndio o mais importante é apagar o fogo. A postura pragmática que demanda mais governo pontualmente para resolver a crise tem sido adotada inclusive por alguns liberais, como a revista The Economist e muitos economistas da Escola de Chicago. Não creio que esta linha de raciocínio deva ser ridicularizada, mas pretendo mostrar que ela vem falhando. Ao que parece, o governo usa gasolina para apagar o fogo, aumentando o problema.

Antes de tudo, é preciso deixar bem claro que não apenas o governo americano, mas todos os governos têm sido hiperativos desde o começo da crise. É fundamental destacar este fato agora, enquanto estamos no meio do furacão, pois os historiadores econômicos costumam ter memória curta. A tentação de reescrever a história com um viés ideológico poderá ser irresistível para muitos. O mesmo problema faz com que a Crise de 29 receba uma interpretação falaciosa. Todos repetem sem muito conhecimento que a depressão foi causada pela inação do governo. E muitos afirmam que o mundo atual é mais interligado e conta com governos mais ativos e com mais expertise em crises. Ignoram que o Federal Reserve já tinha 16 anos de vida naquela época, e que o governo americano atuou bastante nos mercados, inclusive para favorecer países europeus em crise aguda. E depositam fé demais na sabedoria e capacidade dos burocratas, que são bastante limitadas. O fato de Ben Bernanke ter estudado a fundo a Grande Depressão não lhe dá poder milagroso para evitar uma nova crise de assustadoras proporções.

A lista de medidas adotadas pelos diferentes governos do mundo durante esta crise é tão extensa que nem caberia em um pequeno artigo. Seria preciso um livro inteiro só para apresentar as ações estatais desde o começo dos problemas maiores. Podemos mencionar algumas delas, só para dar uma idéia da magnitude da coisa. Somente o Federal Reserve, por exemplo, já criou inúmeros mecanismos para facilitar a liquidez nos mercados: Term Auction Facility; Discount Window; Primary Dealer Credit Facility; Asset Backed Commercial Paper Money Market Fund Liquidity Facility; Emergency Loans; Maiden Lane LLC (Bear Stearns Fed Facility); Foreign Term Auction Facility; e Open Market Operations Collateral. Além disso, o Fed reduziu a taxa básica de juros e passou a remunerar as reservas dos bancos em seu poder. Em termos mais simples, o Fed inundou o mercado de liquidez, num total que já ultrapassa US$ 1 trilhão.

Mas o Fed não está sozinho! Se os seus super-poderes não são suficientes, para isso existe o Tesouro. O Congresso americano aprovou um pacote de resgate no montante de US$ 700 bilhões, conhecido como TARP. O governo americano, depois de ter participado de uma operação de salvamento do Bear Stearns, assumiu o controle da Fannie Mae e Freddie Mac, as gigantes do setor imobiliário que já contavam com garantias estatais. Foi agente ativo nas operações de resgate da AIG, WaMu, e outras importantes instituições. Comprou ações preferenciais em outros bancos. Garantiu todos os depósitos bancários dos americanos, sendo que o FDIC contava com míseros US$ 45 bilhões de reserva. E muito mais que nem compensa citar, pois o big picture já está claro. Lembrando que isso tudo apenas nos Estados Unidos, cuja dívida pública ultrapassou a astronômica cifra de US$ 10 trilhões.

Mas o governo americano não está sozinho! Se os seus mega-poderes não bastam, para isso existem os demais governos do mundo. O governo da Islândia, por exemplo, nacionalizou o banco Glitnir, em dificuldades. O governo irlandês garantiu os depósitos bancários, abrindo precedente que foi logo seguido por todos os outros governos. O governo da Espanha anunciou um fundo de emergência. O governo da Inglaterra aprovou um enorme pacote de resgate dos bancos. O ECB, banco central europeu, cortou os juros em ação coordenada com o Fed e o Banco da Inglaterra. O governo da Áustria garantiu todos os depósitos e baniu a venda de ações a descoberto. Os governos das Nações Unidas aprovaram um pacote de 1,3 trilhões de euros para salvar os bancos. O governo da Suécia lançou um pacote de resgate financeiro. O Banco do Canadá cortou a taxa de juros. O governo da Holanda garantiu 200 bilhões de euros como linha de crédito.

A lista não acaba aqui, mas creio ter ficado evidente que uma coisa não pode ser repetida dessa vez: a afirmação de que a crise se agravou porque os governos nada fizeram. A ignorância não poderá justificar qualquer afirmação deste tipo. Se existe uma coisa que os governos desses países todos não merecem é a acusação de inação. Se isso é desejável ou não, são outros quinhentos, e a história dirá. Mas uma coisa é certa: tantas medidas governamentais não têm aliviado a crise até agora. Muito pelo contrário: desde que os governos iniciaram essa chuva de medidas, o cenário parece ter apenas se agravado. O índice de ações americanas S&P 500, por exemplo, tinha corrigido aproximadamente 17% desde o seu pico em 11 de outubro de 2007 até o dia 7 de setembro de 2008, data do anúncio do resgate da Fannie Mae e Freddie Mac. Desde então, em menos de dois meses, ele já caiu mais 35%. Os mercados aceleraram o derretimento após as medidas dos governos.

Vimos em outros artigos que o governo foi parte das causas da crise. Será que o governo deve ser parte da solução? Pelo visto, não. Claro que alguém sempre poderá argumentar que a situação estaria ainda pior não fossem as medidas estatais. Nunca saberemos isso com certeza. Mas tanto a boa teoria econômica como os dados empíricos levam a uma enorme desconfiança em relação a esta crença na capacidade dos governos de resolver tudo. Eu faço parte do pequeno grupo de economistas que acreditam que as ações do governo têm atrapalhado, em vez de ajudar. O governo é sem dúvida parte dos problemas, e não da solução. Se os agentes de mercado cometeram excessos, em boa parte por culpa já do próprio governo, terão que enfrentar uma fase de ajuste necessário e doloroso. O governo não pode impedir isso. Ele pode – isso sim – retardar os ajustes e ampliar o sofrimento. O governo pode transformar uma necessária recessão numa depressão. E por favor, não venham acusar novamente o livre mercado se isso acontecer!

O Aumento da Desigualdade



Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal

Eu sempre tive muita dificuldade para entender o obsessivo foco da esquerda na questão da desigualdade "social" – leia-se material. Afinal de contas, qualquer um pode facilmente verificar que a riqueza não é um bolo fixo e estático, mas sim algo dinâmico. A riqueza precisa ser criada, e o seu nível absoluto pode aumentar para todos, através dos ganhos de produtividade oriundos da divisão de trabalho. Basta comparar a riqueza e o conforto material dos habitantes do antigo Império Romano com a vida de um americano médio de hoje. Qualquer indivíduo que desfruta de coisas como um carro, ar condicionado, microondas, celular e televisão, sem falar da enorme variedade de remédios disponíveis, vive muito melhor do que qualquer senhor medieval.

Portanto, parece evidente que o foco deveria estar voltado ao nível absoluto de riqueza. Se todos estão melhorando a qualidade de vida, o que importa se alguns poucos estão melhorando ainda mais, por mérito próprio? Se todos podem ter computador mais barato, por que ficar revoltado com os bilhões justos de Michael Dell? Se eu podia andar apenas de bicicleta antes, e agora posso ter um carro, devo ficar incomodado porque meu vizinho pode ter um carro ainda mais luxuoso? A obsessão na comparação entre ricos e pobres sempre me pareceu fruto da inveja, aquela mais anti-social das paixões. Como Adam Smith notou de forma brilhante, "a inveja é a paixão que vê com maligno desgosto a superioridade dos que realmente têm direito a toda a superioridade que possuem". Quantos jogam futebol como o Pelé? Quantos cantam como Pavarotti cantava? Então por que todos devem ter uma renda parecida? Eu sempre fui do time que admira o sucesso alheio, em vez de desejar que o vizinho quebre a perna, achando que assim eu posso andar melhor.

Dito isso, não deixa de ser curioso notar a discrepância entre os fins de maior igualdade material da esquerda, e os meios por ela pregados. A concentração de poder no governo sempre foi um convite à desigualdade material, e pelas formas mais injustas possíveis: as trocas de favores políticos, e não produtos demandados pelos consumidores. Normalmente, quanto mais cresce o governo, mais renda é concentrada. Vide Brasília, com a maior renda per capita do País, de longe. E eis que agora a OCDE divulga um relatório mostrando que a disparidade entre ricos e pobres cresceu significativamente desde 2000, principalmente em países como Canadá, Alemanha, Noruega e Finlândia, tidos como ícones do modelo de bem-estar social, onde o governo tem a função de combater a desigualdade material. Até quando a esquerda vai abraçar os fins e os meios errados?

segunda-feira, outubro 20, 2008

Vamos Dividir o País em Dez!



Rodrigo Constantino

“O nacionalismo é a doença infantil da humanidade.” (Albert Einstein)

Estou acostumado a observar a seguinte reação quando apresento dados sobre os efeitos positivos das reformas liberais em diversos países diferentes: “Mas você tem que levar em conta o tamanho desses países vis-à-vis o tamanho do Brasil”. Não obstante o incômodo detalhe de que essa mesma turma cita países pequenos quando é para defender as “maravilhas” do modelo de welfare state, apelando para dois pesos e duas medidas, resta perguntar: tamanho é documento? Existem vários países pequenos com povo miserável, como Cuba e Haiti, e existem países grandes com povo pobre também, como Índia e China. Por outro lado, inúmeros países pequenos possuem um povo rico, como Suíça e Cingapura, e países grandes também, como Estados Unidos e Austrália. Será que o tamanho é tão relevante assim?

Em primeiro lugar, devemos perguntar se o que importa ainda é o bem-estar dos indivíduos. O coletivismo nacionalista, que coloca a “glória da nação” acima dos interesses individuais, é um câncer responsável por infindáveis desgraças ao longo dos tempos. Não é nada muito novo, e o economista alemão Frederich List já era um ferrenho defensor dessa postura no século XVIII, influenciando a mentalidade que foi explorada por Hitler tempos depois. O mercantilismo é fruto dessa crença nacionalista também, e sei que pode parecer uma enorme heresia o que vou dizer agora, em um mundo ainda dominado por tal ideologia, mas ainda assim é a mais pura verdade: nações não praticam comércio! Quem pratica comércio, realizando trocas de bens e serviços, são indivíduos de diferentes países, através de empresas. Quando alguém diz que o Brasil exportou alguns bilhões de dólares para a Europa, o que se está dizendo é que empresas brasileiras venderam esse montante para empresas européias. Isso é bastante óbvio, mas infelizmente costuma ser ignorado com freqüência. E esse detalhe faz toda a diferença do mundo.

Desde Adam Smith e David Ricardo, sabemos que o desenvolvimento econômico é resultado dos ganhos de produtividade advindos da divisão de trabalho. Um indivíduo sozinho, tendo que produzir os bens que demanda, levaria uma infinidade a mais que um grupo bem maior com vários especialistas, cada um se dedicando a uma parte das tarefas. Quanto maior o tamanho do mercado, maiores as oportunidades para ganhos de produtividade através da divisão de trabalho. Mas para tanto, não é necessário viver num país muito grande. Basta contar com o livre comércio entre os indivíduos de diferentes nações. O resultado é o mesmo. As nações são o somatório dos indivíduos que fazem parte dela. A mentalidade nacionalista, típica da postura tribal, ignora este fato, e adota uma postura de “eu contra eles”, com base apenas na característica do local do mapa no nascimento. Transformam a abstração num ente concreto, e a nação passa a ter interesses e desejos próprios (sabe-se lá por quem definidos), enquanto os indivíduos são encarados como meios sacrificáveis para estes fins. Isso leva à crença de que exportar é bom, mas importar é ruim, mantra do mercantilismo. Por reductio ad absurdum, esta lógica levaria à defesa da subsistência no nível individual, já que importar produtos feitos por outros indivíduos seria prejudicial.

Em tempos de guerra, o inimigo parte justamente para o ataque ao comércio do povo alvo, tentando impedir seu acesso aos produtos de fora. Derruba pontes, tenta fechar a rota marítima, tudo para inviabilizar o livre comércio entre o inimigo e o mundo exterior. Não é extremamente curioso que o governo do próprio país, em tempos de paz, adote a mesma postura dos inimigos em guerra? Afinal, o protecionismo comercial é exatamente isso: dificultar o acesso aos mercados estrangeiros, com a desculpa esfarrapada de proteger empregos locais. Barreiras alfandegárias, subsídios que distorcem o mercado, política de cotas para importação, tudo isso é sinônimo de menos livre comércio, o desejo de todo inimigo em guerra. Mas é a postura do próprio governo nos tempos de paz! Tudo possível pela mentalidade nacionalista tacanha, que passa por cima dos interesses verdadeiros dos indivíduos.

Voltando à questão inicial, sobre o tamanho das nações, fica mais claro agora porque o ponto não é fundamental para a prosperidade do povo. Cingapura é um país pequeno, mas possui um ativo comércio com o resto do mundo, sem preconceitos contra a importação. É também um país com um povo rico. Já a Coréia do Norte, isolada do mundo, está protegida da “exploração” do comércio internacional, mas tem um povo totalmente miserável. O tamanho não é crucial, mas a abertura comercial sim. Se o problema do Brasil é seu tamanho continental, como alguns alegam, então a solução parece muito simples: dividir o país em dez! O número é totalmente arbitrário e irrelevante aqui. Pode ser oito, ou quinze. A questão é deixar claro que a desculpa do tamanho para impedir mais livre comércio é fajuta. Se fosse o caso, então bastava dividir o país, seguindo o princípio liberal de direito à secessão. Afinal, queremos uma nação enorme e com um povo pobre, ou queremos indivíduos com mais liberdade e prosperidade, independente da nacionalidade? Em vez de ser o gigante eternamente adormecido, não seria melhor ser vários anões acordados e ricos? Não vamos esquecer que Davi derrotou Golias...

quarta-feira, outubro 15, 2008

A Inabalável Fé na Burocracia



Rodrigo Constantino

“O propósito da política não é solucionar problemas, mas achar problemas para justificar a expansão do poder do governo e um aumento nos impostos.” (Thomas Sowell)

O que o leitor pensaria de alguém que sempre recorre ao mesmo instrumento de fé quando algo dá errado, ainda que ele nunca leve aos objetivos desejáveis? Trata-se de uma postura no mínimo irracional, tamanha a insistência num meio claramente ineficaz. No entanto, é justamente isso que os crentes da burocracia fazem, de forma assustadoramente repetida. Cada nova crise recebe o diagnóstico de que faltou mais governo, mais regulação e mais supervisão burocrática, mesmo que a tendência de crescimento do governo ocorra concomitante ao agravamento das crises. A desconfiança em relação ao livre mercado e a ingênua fé no governo parecem crenças totalmente blindadas contra os fatos e a lógica.

Naturalmente, esta crise atual não é exceção à regra. Esses crentes no “deus” governo logo partiram para o ataque ao livre mercado, alegando que faltou mais regulação contra a ganância do setor privado. Não obstante a paradoxal premissa de que burocratas não são gananciosos também, resta questionar que falta de regulação foi essa, já que os principais setores atingidos pela crise eram ultra-regulados. Por que esses críticos do liberalismo se recusam a comentar o excesso de regulação dos setores em crise? Por que não dizem nada sobre as regras e incentivos criados pelo próprio governo para estimular o crédito imobiliário nas faixas de baixa-renda? Por que fazem vista grossa ao fato de que países conhecidos por uma vasta e detalhada parafernália burocrática, como a França e a Rússia, estão sofrendo também com a crise? É um constrangedor silêncio por parte dos defensores de mais regulação como solução desta crise.

Se as entidades regulatórias existem para evitar crises como a atual, onde estava a Securities and Exchange Commission (SEC), o Federal Reserve System (FED), o Office of Federal Housing Enterprise Oversight (OFHEO) e demais agências governamentais? Se o vigia dorme com freqüência no posto de vigilância, então é preciso mais vigias para vigiar os outros vigias? E se isso não resolve, então é necessário mais e mais vigias, ad infinitum? Será que questionar a eficiência e os incentivos dos vigias existentes é pecado? A missão da OFHEO é promover o setor imobiliário e um sólido sistema de financiamento de casas, garantindo a segurança e solidez da Fannie Mae e Freddie Mac. O OFHEO tem como meta preservar uma estrutura de capital adequada para estas duas government-sponsored enterprises. Onde estavam então esses poderosos burocratas, já que o epicentro da crise se deu justamente nesse setor e nessas empresas semi-estatais? Para uma base de capital de apenas US$ 100 bilhões, estas empresas, contando com garantidas do governo, levantaram US$ 5 trilhões em dívidas. Será que faltou mesmo regulação do governo? Esses incompetentes burocratas serão demitidos?

Isso sem falar das ações diretas do governo americano, tentando artificialmente inflar o setor imobiliário. Em 1977 foi criado o Comunity Reinvestment Act (CRA), com o objetivo de obrigar bancos a emprestar uma parte dos seus ativos às comunidades carentes. Em 1994, o governo estendeu as metas do CRA, e em 2005, após um escândalo contábil envolvendo a Freddie Mac, o governo resolveu punir a empresa demandando mais crédito hipotecário para as classes de baixa-renda. Esses são apenas alguns exemplos, entre muitos, que mostram como o governo e sua extensa burocracia estão com suas impressões digitais em todas as cenas do crime nessa crise. Como disse Thomas Sowell, os esforços de financiamento das entidades governamentais para obter mais financiamento do governo são o equivalente político de uma máquina de movimento perpétuo. A burocracia luta para estar sempre em constante crescimento. E como o mesmo Sowell notou, nós sempre pagamos muito caro aos burocratas pelo que eles são, mas muito pouco pelo que nós gostaríamos que eles fossem.

O principal motivo disso é esta inabalável fé na burocracia e no governo. Muitos esquecem que o governo é uma abstração, e o que existe de fato são homens que concentram poder. Esses homens são imperfeitos também, possuem interesses particulares, são vítimas de ignorância, vaidade, inveja e todas as paixões que atuam sobre os demais seres humanos. A crença de que o governo é capaz de resolver todas as falhas do livre mercado beira à ingenuidade infantil. Thomas Sowell pergunta, de forma retórica: “Como alguém pode ler história e ainda confiar nos políticos?” A resposta é que esta crença é totalmente calcada na fé irracional, e não nos fatos. Seria análogo à criança que, por ignorância, ainda acredita que o Papai Noel traz seus presentes, e não os próprios pais. Questionamentos sinceros e algum olhar crítico dos fatos logo iriam refutar esta crença. Mas muitos desejam acreditar, por motivos puramente emocionais, ainda que a crença seja claramente falsa.

É justamente o que ocorre em relação à fé na burocracia. Os fatos bradam contra esta crença tola, mas a ideologia acaba falando mais alto, e os crentes precisam seguir acreditando que o governo milagroso salvará o mundo, mesmo que suas ações sejam parte das causas dos problemas. Os crentes entram em fase de negação diante dos argumentos contrários, preferindo rotas de fuga, como a repetição de chavões vazios ou os rótulos pejorativos aos que pensam de forma diferente. Quando um dado ou argumento é apresentado, o crente na burocracia acaba vítima de dissonância cognitiva. Para evitar a dor da contradição, ele impede tais dados de chegar ao cérebro. Ele foge de uma reflexão honesta. Mais ou menos o que acontece com um crente fanático da Igreja Universal, quando mostram o vídeo do Bispo Macedo, fundador da seita, rindo enquanto conta dinheiro, ou ensinando os pastores a enganar os pobres coitados. Troca o deus, mas o fanatismo é o mesmo. E o engodo também.

Os crentes da burocracia onisciente e clarividente depositam toda a fé no governo, transferindo o poder sobre seus destinos aos burocratas poderosos. O estatismo não passa de uma seita moderna, tão perigosa e irracional quanto às religiões retrógradas e fanáticas. Estamos assistindo a mais um episódio lamentável de devoção desses crentes, que pedem mais governo para resolver uma crise criada ou ampliada pelo próprio governo. Seria como usar sanguessugas para curar a leucemia! Será que já não passou da hora de questionar esta fé na onipotência do governo?

Não obstante o que vimos acima, mostrando como havia muita regulação, e como esse excesso burocrático é parte das causas da crise, quase todos pedem mais governo para resolver os problemas. Vários pacotes foram anunciados, rios de dinheiro foram injetados nos mercados, várias instituições foram salvas, medidas regulatórias extras foram adotadas, e nada parece surtir o efeito desejável. A crise segue se agravando, as bolsas batem recorde de baixa, os mercados de crédito continuam estressados. Mas curiosamente a fé na capacidade milagrosa dos governos continua inabalável. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, chegou a propor a “refundação do capitalismo”. É preciso lembrar urgentemente que o capitalismo não é um produto do brilhantismo de alguns políticos, mas sim fruto de uma ordem espontânea, de baixo para cima. Precisamos de mais Mises e Hayek, e menos Keynes. Precisamos derrubar esta fé tola na burocracia. Ou isso, ou o capitalismo realmente estará ameaçado.

Político: Que Raça Podre!



"Quem votar no candidato dos ricos não vai ter creche, não vai ter escola, não vai ter nada. O outro candidato (Eduardo Paes) prometeu varrer as vans da cidade." (Marcelo Crivella, 03/10/2008)

"Estamos todos confiantes de que seu governo será um governo para todos, mas sobretudo para os mais pobres." (Marcelo Crivella, 14/10/2008)

Quanta coisa muda em apenas 11 dias!!!!!

Para os petralhas, tudo isso é absolutamente normal, parte do "jogo da democracia". Princípios são coisas antiquadas da "burguesia moralista"...

O Lado Bom da Crise



Rodrigo Constantino, para a Revista VOTO

Uma crise da magnitude desta atual sempre machuca muita gente. Algumas pessoas, por fatores ideológicos, parecem torcer pelo pior, pois sonham com o dia em que a “profecia” de Marx será realizada, decretando o fim do capitalismo. Onde esse sonho virou realidade, sempre pelo uso da força, foi um verdadeiro pesadelo para todos aqueles que conseguiram sobreviver. Mas a atual crise tem de fato um lado positivo, e ele passa bem longe da possibilidade de o capitalismo acabar. Ao contrário, o lado bom da crise é justamente a perda de poder relativo de alguns líderes autoritários, que investem contra o capitalismo. O motivo é a redução do preço do petróleo.

O aumento do preço do petróleo atua como uma espécie de imposto, transferindo renda dos indivíduos para os governos, particularmente os piores governos. Afinal, a maioria dos países exportadores de petróleo é controlada por governos autoritários. Falam até de uma “maldição do ouro negro”, já que o excesso de riqueza natural no solo, sem uma adequada mentalidade liberal, acaba produzindo regimes autoritários. Entre os maiores exportadores de petróleo do mundo estão países como Arábia Saudita, Rússia, Irã, Venezuela e Nigéria. Dificilmente podemos utilizar algum desses países como grande exemplo a ser seguido. E quando o preço do petróleo entra em tendência de alta, são os governos desses países que mais se beneficiam.

Foi justamente o que aconteceu desde 2003, quando o preço do petróleo iniciou uma forte tendência de alta. O barril, que custava cerca de US$ 30 no começo de 2004, chegou a quase US$ 150 em 2008. Isso significa centenas de bilhões de dólares saindo dos bolsos dos consumidores do mundo todo para encher os cofres de políticos corruptos e ambiciosos. Vários especialistas já alertavam para o risco desse preço ultrapassar US$ 200 por barril. Essa montanha de recursos transferidos para governos ideologicamente retrógrados representa um sério risco. Basta verificar as atitudes recentes de governos como o venezuelano e o russo, causando enorme tensão geopolítica. A Rússia chegou a partir para a guerra, e Hugo Chávez vem investindo pesado em armamentos, além de financiar movimentos revolucionários na região. Sem falar do Irã, cujo líder anti-semita Mahmoud Ahmadinejad representa um constante perigo para Israel. Em resumo, a bolha do petróleo serviu para financiar as atrocidades de vários governos populistas e autoritários.

Mesmo no Brasil este lamentável quadro estava se tornando uma realidade. Com a descoberta de campos gigantescos como Tupi, a megalomania irresponsável estava tomando conta da nação. O governo já sonhava com os infindáveis gastos populistas por conta das reservas petrolíferas do pré-sal. O futuro incerto estava sendo hipotecado para bancar a orgia do presente. Em vez de o governo continuar as licitações para permitir a exploração da riqueza pelo setor privado, a ganância falou mais alto, e as regras foram alteradas no meio do jogo. Até mesmo a criação de uma nova estatal foi proposta, tudo para que o governo ficasse com o osso todo para si. A descoberta de vasta riqueza natural costuma despertar este tipo de ambição nos governantes, que usam a retórica nacionalista para enganar os leigos e concentrar o poder. Nas mãos do PT, partido que parece disposto a qualquer meio para manter o poder, o problema é ainda mais grave.

A história pode não se repetir exatamente, mas ela muitas vezes rima. Este fato não é novo, e o Brasil não seria o primeiro, tampouco o último caso onde o ganho rápido com a riqueza natural retarda o desenvolvimento econômico do país. Em vez de representar uma bênção, o excesso de recurso natural pode ser uma praga, se as instituições e a mentalidade não forem adequadas. É análogo ao caso onde alguém totalmente despreparado, acorda podre de rico após ganhar na loteria. Os riscos de o dinheiro desaparecer numa seqüência de atos estúpidos são enormes. O caso do governo é muito pior, pois o governante assina cheques com o dinheiro dos outros. A riqueza não é do governante, mas é ele quem detém o poder de usá-la. Uma receita certa para abusos.

Eis o contexto que permite ao menos alguma coisa a ser celebrada em meio a esta destruição de riqueza causada pela crise financeira. O preço do petróleo, em vez de decolar rumo aos US$ 200 por barril, recuou para baixo de US$ 80. Isso quer dizer que os governos autoritários terão bem menos recursos para seus estragos habituais. Sempre que figuras como Putin, Ahmadinejad, Chávez e Lula perdem parcialmente poder, há motivo para comemoração.

Gostaria de finalizar com uma citação do mexicano Octavio Paz, o Prêmio Nobel de literatura, autor de O Ogro Filantrópico. O trecho é interessante, pois o México viveu este drama da “maldição do ouro negro” bem antes do Brasil. E o resultado foi lamentável, como o esperado. O Partido Revolucionário Institucional (PRI), membro da Internacional Socialista, teve o poder hegemônico sobre o país entre 1929 até 2000. A existência de vastas reservas de petróleo contribuiu bastante para essa hegemonia. O PRI soube explorar bem a retórica nacionalista, e despertou um oportunista sentimento xenófobo no povo. A estatal Pemex controlou o setor por décadas, servindo como um braço do partido na economia. Qualquer semelhança como a realidade brasileira atual não é mera coincidência. Por esta razão, as palavras de Paz são mais atuais que nunca. Basta trocar México por Brasil, e o recado está bem claro:

“Por um lado, o Estado mexicano é um caso, uma variedade de um fenômeno universal e ameaçador: o câncer do estatismo; por outro, será o administrador da nossa iminente e inesperada riqueza petrolífera: estará preparado para isso? Seus antecedentes são negativos: o Estado mexicano padece, como enfermidades crônicas, da rapacidade e da venalidade dos funcionários. [...] O mais perigoso, porém, não é a corrupção, e sim as tentações faraônicas da alta burocracia, contagiada pela mania planificadora do nosso século. [...] Como poderemos nós, os mexicanos, supervisionar e vigiar um Estado cada vez mais forte e rico? Como evitaremos a proliferação dos projetos gigantescos e ruinosos, filhos da megalomania de tecnocratas bêbados de cifras e de estatísticas? [...] Nos últimos 50 anos temos assistido com raiva impotente à destruição de nossa cidade, e de nada nos valeram as críticas nem as queixas: teremos mais sorte com nosso petróleo do que com nossas ruas e monumentos?”

segunda-feira, outubro 13, 2008

O Governo Protege a Concorrência?



Rodrigo Constantino

“Uma política de medidas restritivas favorece os produtores, enquanto uma política que não interfere no funcionamento do mercado favorece os consumidores.” (Mises)

Muitas pessoas entendem que a livre concorrência favorece os consumidores, através da contínua pressão por mais qualidade e menor preço. Enquanto as empresas precisam conquistar e manter seus clientes, elas devem focar incessantemente na redução dos custos e nos desejos do público. O problema surge, segundo os críticos do livre mercado, quando algumas empresas grandes adotam práticas de monopólio, como os preços “predatórios”, por exemplo. Essas pessoas acreditam que cabe ao governo o papel de “guardião da livre concorrência”, para impedir esses supostos abusos. Em uma conclusão um tanto paradoxal, seria necessário usar intervenção para preservar o livre mercado. Mas será que isso faz algum sentido mesmo?

Em primeiro lugar, devemos ter em mente que os burocratas cuidando da “proteção da livre concorrência” são seres humanos também, e não deuses clarividentes ou santos honestos. Estão sujeitos às mesmas falhas dos demais humanos, como busca por interesses particulares, vaidade, ganância e ignorância. Como Lord Acton dizia, “o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Ora, quando concentramos poder demais em poucas mãos, que podem decidir o futuro de um setor inteiro, escolhendo o que é e o que não é concorrência leal, parece natural supor que existe um elevado risco de captura desses burocratas por grupos de interesse. Logo, o tiro pode sair pela culatra, e os “protetores” da livre concorrência podem acabar servindo justamente aos interesses das maiores empresas, criando barreiras artificiais ao livre mercado.

De fato, são infindáveis os exemplos práticos desse risco. A parafernália burocrática e legal acaba custando uma fortuna, afastando potenciais entrantes em determinadas indústrias, sem falar das barreiras mais diretas, como taxas protecionistas e subsídios garantidos aos grandes players. Cada caso que vai parar na Justiça custa uma fortuna, e as empresas menores não conseguem arcar com um exército de advogados e lobistas, ao contrário das grandes empresas. Mesmo que partindo de uma boa intenção – preservar o ambiente de livre concorrência – o meio escolhido acaba resultando numa perda de concorrência. As empresas que já conquistaram fatias significativas do mercado conseguem privilégios, e usam o governo para criar barreiras artificiais à concorrência. O vigia do livre mercado acaba capturado por algumas empresas, e não há quem possa vigiar o vigia.

Além disso, uma reflexão mais profunda leva à conclusão de que a maior garantia ao livre mercado é mesmo mantê-lo livre das barreiras criadas pelo próprio governo. Algumas pessoas desconfiam automaticamente do poder de manipulação das grandes empresas, mas ignoram que este poder existe justamente por causa do excesso de poder do governo. Como uma empresa, por maior que seja, pode obstruir a livre concorrência sem a ajuda da mão estatal? Alguns respondem que isso é possível através da prática de preços “predatórios”, usados para levar à bancarrota qualquer competidor novo, e depois garantir preços abusivos de monopólio. Mas como isso é possível sem as barreiras estatais?

Vamos supor que uma empresa resolve fazer isso, e reduz tanto os preços do seu produto que nenhuma outra tem interesse em competir naquele mercado. Ela fica sozinha então, com o monopólio do setor. E para compensar o período de prejuízo com os baixos preços, ela agora deve colocar os preços acima do normal. Eis até onde costuma ir o raciocínio de muita gente. Mas e depois? Sem as barreiras artificiais do governo, o que impede outra empresa de entrar nesse mercado e se beneficiar dos retornos extraordinários por conta dos preços elevados? Num mundo globalizado e com muito capital ávido por mais retorno, não parece ingenuidade assumir que ninguém vai se interessar por um setor com retornos artificialmente elevados? A ganância das empresas em busca de lucro não combina com tal premissa. Enquanto houver uma relação vantajosa entre risco e retorno, dificilmente alguma empresa será capaz de afastar a concorrência.

Muitas vezes nem é preciso ter a concorrência efetiva, pois o simples risco de mais concorrência funciona como a livre competição em si. O monopolista não pode abusar de sua situação, pois há o potencial de novos entrantes em seu mercado. O economista Schumpeter já havia notado que esta competição potencial acaba exercendo praticamente a mesma função da própria competição.* Basta o governo não criar obstáculos à entrada de outros concorrentes, que a mera possibilidade de isso ocorrer já irá servir como uma pressão contra abusos. Se a empresa souber que não há dificuldades artificiais criadas pelo governo, e que qualquer um pode avançar no seu mercado a qualquer momento, ela terá que atuar como se estivesse competindo com várias empresas, mesmo que esteja sozinha naquele momento.

A decisão de definir os preços dos produtos é fundamental para qualquer negócio. Diferentes estratégias existem, e a dinâmica de livre mercado vai eliminando os erros e preservando os acertos ao longo do tempo. Empresas dominantes hoje podem ser as falidas de amanhã, assim como pequenas entrantes hoje podem ser as empresas gigantes de amanhã. Temos inúmeros exemplos empíricos dessa força de mercado atuando, não obstante as barreiras artificiais dos governos. O risco está exatamente na crença de que cabe ao governo cuidar dessa dinâmica de mercado. Essa mentalidade tem concentrado poder absurdo no governo, muitas vezes impedindo o funcionamento da livre concorrência. Quando o governo decide quem pode realizar uma fusão e quem não pode, qual preço é o preço justo de mercado e qual é abusivo, etc., temos a receita certa para o abuso de poder contra os consumidores. O poder arbitrário de entidades como o CADE impedem o funcionamento adequado do livre mercado. E para quem ainda não se convenceu disso com os argumentos acima, nada como uma piada para expor de forma clara tais riscos:

Três empresários de um setor foram presos porque o governo decidiu que suas práticas adotadas estavam prejudicando o livre mercado. Um deles reclamou na prisão que estava preso porque fora acusado de “práticas predatórias”, por ter colocado o preço abaixo da concorrência. O outro rebateu que tinha sido preso porque o governo o acusara de adotar “preços abusivos”, típicos de monopólios. O terceiro empresário, estarrecido, disse que tinha sido encarcerado com a acusação de “formação de cartel”, por praticar preços iguais ao da concorrência. Em português claro, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

A brincadeira tem um enorme fundo de verdade. Os empresários são reféns do governo, que detém um poder arbitrário para decidir quem abusou ou não do “poder de mercado”. Claro que o resultado acaba sendo o abuso do poder de governo mesmo. E se nada disso foi suficiente para convencer o leitor de que os cartéis que impedem a livre concorrência são obras de governos, não do livre mercado, lembro que o mais famoso cartel do mundo é a OPEC, garantido pelos governos dos países membros, que impedem a livre competição em seus mercados.

* "It is hardly necessary to point out that competition of the kind we now have in mind acts not only when in being but also when it is merely an ever-present threat. It disciplines before it attacks. The businessman feels himself to be in a competitive situation even if he is alone in his field or if, though not alone, he holds a position such that investigating government experts fail to see any effective competition between him and any other firms in the same or a neighboring field and in consequence conclude that his talk, under examination, about his competitive sorrows is all make-believe. In many cases, though not in all, this will in the long run enforce behavior very similar to the perfectly competitive pattern." (Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy, p. 85)

domingo, outubro 12, 2008

A Essência Deflacionária do Capitalismo



Rodrigo Constantino

"Um sujeito como Bernanke é capaz de olhar para um país como o Zimbábue e dizer: ‘Ei, pelo menos eles não estão atormentados pela deflação!’” (Lew Rockwell)

O capitalismo naturalmente leva a uma tendência de queda geral dos preços. Isso é possível graças aos ganhos de produtividade, resultado do avanço da técnica. Os homens conseguem extrair mais recursos usando menos insumos. Se antes era viável produzir certa quantidade de algum produto, e agora é possível produzir o dobro usando os mesmos recursos, a tendência é de queda no preço deste produto, assumindo o resto constante. Assim costuma funcionar a economia em seus diferentes setores. As inovações tecnológicas geram ganhos de produtividade que permitem margens maiores de lucro, mesmo com preços menores. Isso sem falar dos ganhos de escala também, já que os preços menores atraem diversos compradores, diluindo os custos fixos e aumentando o lucro.

Podemos verificar esta tendência de longo prazo em inúmeros produtos diferentes, desde commodities até produtos de alta tecnologia. Basta verificar quanto custava um computador na década de 1980, e quanto custa um notebook hoje, com muito mais capacidade e velocidade. Apesar de o produto ser bem melhor, o preço é bem menor. O mesmo vale para televisores, carros, máquinas de todo tipo etc. Nos setores mais ligados à tecnologia, onde esses ganhos de eficiência são maiores, esse processo de mais qualidade por menor preço ocorre de forma bem acelerada. Mas ele é uma realidade em todos os setores, pois essa é a própria essência capitalista, que garante o contínuo progresso. E o resultado disso seria justamente uma tendência de preços declinantes. Eu digo seria, pois isso não acontece na prática. E o motivo é a atuação do governo no setor monetário.

A globalização com seu concomitante aumento da competição, o progresso tecnológico mais acelerado que nunca, e uma rápida disseminação do conhecimento permitem ganhos extraordinários de eficiência. Nesse contexto, os preços de praticamente todos os produtos poderiam estar em queda. Mas os governos detestam a palavra “deflação”. O mandato dos bancos centrais costuma ter uma meta de inflação positiva, medida através de uma cesta de preços de produtos diferentes. Em outras palavras, se um índice de preços está aumentando cerca de 2% por ano, os governos soltam fogos de artifício. Mas por que isso? Como acabamos de ver, esses preços poderiam estar caindo 2% ao ano, ainda mais numa era de tanta inovação tecnológica e com a entrada de três bilhões de chineses e indianos no mercado de trabalho mundial. A Internet e a globalização são forças propulsoras da produtividade, jogando os preços para baixo. Mas o governo acaba agindo na contramão dessa tendência, estimulando os preços através de políticas monetárias frouxas, com baixos juros e emissão de moeda. Se a resultante for um aumento generalizado de preços na casa de “apenas” 2% ao ano, o governo cumpriu seu mandato. E o que deveria ser uma queda geral de preços acaba virando uma “pequena” inflação. Esta, afinal, é sempre um fenômeno monetário, como dizia Milton Friedman.

Por que os governos fazem isso, afinal? Parte da explicação está na rigidez dos salários. Como qualquer outro preço, o salário depende da oferta e demanda. Todo economista admite que manter o preço de um produto qualquer acima do valor que iria atender toda a demanda existente, acaba gerando estoque de excedentes não vendidos. Basta pensar numa empresa que vende computador. Se seu preço está acima daquele que permite uma demanda pela totalidade da quantidade ofertada, a empresa ficará com um estoque dos produtos não vendidos. A única forma de ela eliminar esse estoque, assumindo o resto constante, seria reduzir o preço até atender a demanda toda. Trata-se de uma lógica simples de economia. No entanto, quando se trata do salário, alguns economistas ficam relutantes em admitir a mesma lógica. Mas ela existe para todos os bens e serviços, incluindo o trabalho. No livre mercado, o salário se ajusta até o patamar em que não existe mais desemprego involuntário. Qualquer um que deseja trabalhar irá encontrar um emprego, e o preço irá depender da oferta e da demanda apenas. Mas os governos não permitem isso, intervindo no mercado de trabalho através de mecanismos que tornam o salário mais rígido e artificialmente elevado.

Ora, se há uma tendência natural de queda dos preços, mas um dos importantes insumos não pode se ajustar livremente, então as empresas correm sérios riscos de perda da margem de lucro. Se há uma deflação e as empresas ficam impedidas de fazer tais ajustes nos salários, isso pode agravar a situação e gerar recessão. Como é impopular para os governos a queda dos salários nominais, mesmo que o poder de compra não seja afetado por causa da queda dos demais produtos, então a saída é inflacionar. Ou seja, os salários nominais ficam mantidos constantes, os mais pobres ficam contentes, mas os demais preços sobem. O resultado é perda real do poder de compra, mas a ignorância popular ofusca esta realidade por um tempo. Os trabalhadores são literalmente ludibriados pela política monetária do governo.

A busca por uma “estabilidade” de preços é altamente perigosa quando os preços estão em tendência de queda, e é justamente nesses momentos que a demanda pela estabilização fica mais popular. A possibilidade de uma deflação, ainda que um resultado natural do capitalismo, sempre assusta os políticos. O salário, como vimos, é parte da explicação. O crédito é outra parte. O devedor assume uma dívida em determinado valor nominal, e se ocorre queda geral de preços, sua dívida fica maior. A inflação é também, portanto, uma política que transfere renda dos poupadores para os devedores. Em uma economia alavancada, que funciona na base de muito crédito, há pressão dos grupos de interesse por um pouco de inflação, já que a deflação poderia ser fatal para alguns devedores, ainda que benéfica para os poupadores.

Uma terceira parte da explicação dos motivos de uma política inflacionária encontra-se no desejo de controle da atividade econômica por parte dos governos. O governo teme ficar sem instrumentos que possam estimular a economia se esta entrar numa fase de ajuste necessário, porém impopular, após um período de excesso de investimentos ruins. Para evitar a qualquer custo um nível declinante de atividade, normal depois de uma fase de pujança, o governo acaba criando inflação. Afinal, nunca é vantajoso para o governante que o seu mandato seja aquele de ajuste necessário. Para ele, é interessante estimular artificialmente a economia, jogando o ajuste necessário para frente, para o colo do outro governo. É a famosa analogia do bêbado que cometeu excessos e precisa passar por uma ressaca para os ajustes do organismo. Buscando evitar tal ajuste, o governo injeta mais liquidez, postergando a ressaca. Mas isso tem um elevado custo, que pode ser uma ressaca bem maior depois, ou mesmo uma cirrose.

A união de uma revolução tecnológica muito importante, com essa postura inflacionária dos governos, pode ser explosiva. Soma-se a isso a natural ganância dos indivíduos, e temos uma receita quase certa para a formação de uma bolha especulativa. O enorme ganho de produtividade proveniente das mudanças tecnológicas estimula uma queda nos preços, e isso permite uma política monetária bem expansionista. Uma bolha acaba nascendo desse casamento, e um dia a conta chega, cobrando pesados juros. André Jakurski, na “orelha” do livro Manias, Pânicos e Crashes, de Charles Kindleberger, faz um excelente resumo dessa seqüência:

"Muitas bolhas são causadas quando, durante um longo período de baixa inflação, os bancos centrais injetam grande liquidez nas economias. Essa liquidez, sem utilização imediata na economia real, é atraída para os ativos financeiros ou até imóveis, causando uma forma diferente de inflação: a dos preços desses ativos. Como, em princípio, os mandatos dos bancos centrais são os de manter sob controle a inflação de bens e serviços e esta de fato não se manifesta, cria-se um ambiente de extremo otimismo e confiança na perpetuação da prosperidade, estimulando a ganância e a especulação. Nessas circunstâncias, pressões competitivas tornam as instituições financeiras mais liberais na extensão de crédito, mesmo para negócios que dependem do boom econômico para a sua sobrevivência. A revolução tecnológica excita as mentes, criando a justificativa palpável para a extrema valorização dos ativos. A alavancagem financeira entra em cena. Os ingredientes necessários para uma súbita reversão das expectativas estão presentes".

Em resumo, muitas bolhas são criadas porque não se aceita a essência deflacionária do capitalismo. Excessos cometidos pela “exuberância irracional” sempre ocorrerão, especialmente em tempos de mudanças tecnológicas radicais. Mas eles não precisam se transformar necessariamente em bolhas que colocam em risco toda a economia. Os ciclos econômicos acabam bem mais voláteis por conta da hiperatividade dos governos e seus bancos centrais, que fogem da queda geral dos preços como o diabo foge da cruz. Ora, se o governo não aceita de forma alguma a deflação, e se ele concentra o poder monetário em suas mãos, nada mais normal do que um cenário de pressão inflacionária quase constante. Quando alguma grande inovação tecnológica oculta esta realidade por um tempo, temos os ingredientes para uma bolha especulativa. O resultado pode ser o pior possível: o somatório de uma recessão com um quadro inflacionário, i.e., a famosa estagflação. O ideal seria o governo deixar as forças capitalistas atuarem em paz, permitindo a continuidade da tendência deflacionária natural do sistema de livre mercado.

sexta-feira, outubro 10, 2008

Frase do Dia

"Essa crise é pior do que divórcio; já perdi metade do meu patrimônio, mas minha mulher continua lá em casa!"

Esse é o espírito: perde-se dinheiro, mas mantém o humor!

Remando Contra a Maré



Rodrigo Constantino

"Seja audacioso quando os outros estiverem com medo e tenha medo quando os outros forem audaciosos." (Warren Buffett)

A crise financeira continua fazendo vítimas, e claramente entrou numa fase de pânico. As ações no mundo todo, em queda livre, já perderam quase a metade de seu valor desde o pico recente. O preço das principais commodities despencou, a volatilidade disparou, os saques de fundos não param de crescer, e muitos começam a mencionar a grande depressão de 1929 como paralelo ao momento atual. Normalmente, esses momentos de desespero costumam representar bons pontos de entrada nas bolsas.

Não há garantia alguma de que as coisas vão melhorar e de que já vimos o pior dessa crise. Fazer previsões sobre o futuro financeiro é uma tarefa ingrata, e uma postura humilde diante dos mercados, com milhares de investidores profissionais atuando, se faz sempre necessária. A arrogância é uma das grandes inimigas do sucesso. Dito isso, a hora de ousar um pouco mais é justamente quando quase todos estão apavorados. Como disse o investidor Mark Mobius, na mesma linha de Buffett na frase da epígrafe, compre quando os outros estão vendendo desesperadamente e venda quando os outros estão comprando gananciosamente. Ir contra a maioria, no entanto, nunca é fácil. Exige estômago para agüentar a pressão, e sempre foi mais fácil errar em conjunto do que sozinho. Mas são as apostas contrárias ao consenso que permitem os maiores retornos, por outro lado. E como disse Max Gunther, autor de Os Axiomas de Zurique, “se o seu principal objetivo na vida é fugir das preocupações, então você nunca deixará de ser pobre”. Quem tem muito medo de perder, dificilmente irá ganhar.

O autor de The Art of Contrary Thinking, Humphrey Neill, lembra que as massas ficam mais entusiasmadas e otimistas quando deveriam estar mais cuidadosas e prudentes, e ficam mais medrosas quando deveriam estar corajosas. O especulador Michael Steinhardt, autor de No Bull, lembra que quando o mundo quer comprar apenas títulos do Tesouro americano, então podemos quase fechar os olhos e comprar ações. Vários foram os casos de sucesso no passado, de investidores que tiveram a coragem de desafiar as previsões extremistas do consenso. Claro, existem muitos casos também onde aqueles que desafiaram as visões alarmistas perderam feio. O principal motivo costuma ser um erro de timing, com apostas cedo demais. Afinal, como dizia John M. Keynes, “os mercados podem permanecer irracionais por mais tempo que você pode permanecer solvente”.

Por isso é fundamental evitar a alavancagem ou a iliquidez, já que uma venda forçada pode tirar você do jogo antes do tempo ideal. Tentar acertar exatamente o fundo do poço, sem margem para perdas maiores antes dos ganhos esperados, é uma das formas mais caras de jogatina. Os cassinos são mais baratos nesse caso. Como alertou Bernard Baruch em seu livro de memórias My Own Story, não tente comprar na mínima e vender na máxima, pois isso não pode ser feito, à exceção dos mentirosos. O uso de alavancagem através de derivativos pode ser fatal também. Warren Buffett sempre alertou para este risco, afirmando que os derivativos são como armas financeiras de destruição em massa. Como vemos agora nessa crise de credit crunch, ele estava certo uma vez mais. Quem abusava do poder de alavancagem sofreu uma dura lição.

Por fim, podemos sempre esperar o melhor, mas devemos estar preparados para o pior. O futuro é incerto, e ninguém sabe o que vai acontecer. Se os custos do fracasso de uma aposta forem altos demais, comprometendo a saúde financeira inteira do investidor, não há recompensa que justifique tal aposta. Brincar de roleta russa não é algo muito racional. Arriscar uma parte do patrimônio, especialmente quando os preços estão convidativos e o fim do mundo parece precificado nos mercados, pode fazer sentido. Mas o ideal é preservar o capital, e por isso não é desejável colocar tudo a perder. Quem deseja remar contra a maré apenas para bancar o “macho” deveria procurar ajuda no divã, não nos mercados. Mas quem assume as limitações em relação ao conhecimento do futuro, e ainda assim resolve fazer uma aposta responsável nas bolsas, focando num horizonte de mais longo prazo, pode obter um excelente retorno. Essa postura não combina com o sonho de rápido enriquecimento sem esforço algum, típico justamente das bolhas financeiras. Mas pode ser adequado quando as bolhas estouram, para quem tem tranqüilidade de remar contra a maré, sempre ciente do risco de que a maré pode ser, na verdade, um tsunami.

A Crise Financeira e o Presidente Lula

Breve comentário sobre a crise financeira atual, suas causas, e os comentários infelizes do presidente Lula, que perde excelentes oportunidades de ficar calado. Muitos culpam o livre mercado pela crise. Precisam explicar porque seu epicentro está justamente em um dos setores com mais intervenção da economia americana.

Link para o Vídeo no YouTube

terça-feira, outubro 07, 2008

O Dinheiro do Papa



Rodrigo Constantino

“O problema com o catolicismo brasileiro é que entende de menos o Mercado e reverencia demais o Estado; seu desamor aos ricos excede seu amor aos pobres.” (Roberto Campos)

A crise financeira atual chegou a um patamar tão preocupante que até o Papa resolveu dar “pitaco”. O Papa Bento XVI disse que a crise financeira global prova a futilidade da corrida para o sucesso e para o dinheiro e que a fé em Deus é melhor do que passar a vida a procurar riqueza material. Algumas pessoas mais maliciosas poderiam alegar que Sua Santidade adota uma postura oportunista, tentando angariar novas almas desesperadas para seu rebanho. Afinal, como disse Sebastien Faure, “as religiões são como pirilampos: só brilham na escuridão”. Mas talvez seja maldade comparar o Papa ao Bispo Macedo, cuja Igreja Universal costuma agir justamente feito urubu em busca de carniça, vendendo conforto aos desesperados. No entanto, é preciso ser sincero e constatar que a Igreja Católica não tem sido uma amiga muito fiel dos que pretendem sair da pobreza.

Em primeiro lugar, a incoerência do discurso do Papa frente à riqueza (bem material) que o Vaticano exala chama a atenção dos mais céticos. Quando arquitetos, artistas e colunistas milionários defendem as maravilhas socialistas do conforto de suas mansões, não temos dificuldade em detectar a hipocrisia gritante. Por que seria diferente no caso do Papa? Como não gosto de dois pesos e duas medidas, prefiro adotar um critério imparcial de julgamento. E a verdade é que parece muito fácil falar que não precisa quando se tem. Para o Papa, que vive no conforto do Vaticano, deve ser fácil desmerecer a busca pelo conforto material. Por que Sua Santidade não cede sua luxuosa residência aos que perderam suas casas especulando para sair dos casebres dos guetos? Por que a Igreja Católica, conhecida latifundiária, não cede seus terrenos para a moradia dos miseráveis? Por que não vende parte de seu ouro, agora que ele subiu de preço, para garantir abrigo e comida para os mais pobres? Pregar o altruísmo passando o chapéu para recolher recursos alheios é fácil. Assim como falar da futilidade da riqueza material quando se vive no maior conforto material.

Muitos conservadores brasileiros criticam a Teologia da Libertação, marxista até a alma, ou mesmo a CNBB, tomada por bispos esquerdistas. Mas o fato é que podemos encontrar similaridades entre a própria Igreja Católica e o socialismo. Esse ataque à riqueza material é apenas um exemplo. Na própria Bíblia temos a seguinte passagem: “A teu irmão não emprestarás com juros nem dinheiro, nem comida, nem qualquer coisa que se empreste com juros” (Deuteronômio 23:19). Ora, todos sabem que a Igreja sempre condenou a usura, e por séculos foi assim, dificultando o funcionamento do crédito entre poupadores e investidores. A ignorância sobre como o livre mercado produz riqueza de forma impessoal acaba levando a esta postura tola, que deposita tudo no altruísmo. Muito melhor seria ler Adam Smith, ao constatar em 1776 que não é da benevolência do açougueiro que temos comida, mas sim da busca de seus próprios interesses. O juro é apenas um preço de mercado, como outro qualquer, permitindo o encontro entre aqueles que possuem diferentes preferências intertemporais. Alguns poupam parte da renda, gastando menos do que ganham, e outros precisam de mais recursos do que disponibilizam. O ataque ao empréstimo com juros é o ataque à própria criação de riqueza.

Para quem ainda não se convenceu da simbiose possível entre catolicismo e socialismo, sugiro a leitura da Encíclica Populorum Progressio, escrita pelo Papa Paulo VI, antecessor de João Paulo II e que fala em nome do Vaticano. Em uma das passagens, o Papa diz que é lamentável que o sistema da sociedade tenha sido construído considerando o lucro como um motivo chave para o progresso econômico, a competição como a lei suprema da economia, e a propriedade privada dos meios de produção como um direito absoluto que não tem limites e não corresponde à “obrigação social”. Em outras palavras, o Papa lamentou que o capitalismo de livre mercado predominasse em relação ao socialismo. Os interesses coletivos, seja lá quem os define, estariam acima do direito de propriedade privada, o que torna indivíduos sacrificáveis pelo “bem comum”. O Papa ignora que, no livre mercado, o lucro é fruto do bom atendimento da demanda dos consumidores, ou seja, é o indicador de que os indivíduos, através de trocas voluntárias, estão satisfeitos. Todos sabem o que aconteceu nos países que tentaram abolir o lucro, a competição e o direito de propriedade privada. O resultado foi a miséria, a escravidão e o terror. São conseqüências inexoráveis do socialismo colocado em prática.

Como resposta ao Papa e todos os católicos que ainda condenam o dinheiro, segue uma parte do discurso de um dos personagens principais de Atlas Shrugged, famosa novela de Ayn Rand:

“Então o senhor acha que o dinheiro é a origem de todo o mal? O senhor já se perguntou qual é a origem do dinheiro? O dinheiro é um instrumento de troca, que só pode existir quando há bens produzidos e homens capazes de produzi-los. O dinheiro é a forma material do princípio de que os homens que querem negociar uns com os outros precisam trocar um valor por outro. O dinheiro não é o instrumento dos pidões, que pedem produtos por meio de lágrimas, nem dos saqueadores, que os levam à força. O dinheiro só se torna possível através dos homens que produzem. É isto que o senhor considera mau? Quem aceita dinheiro como pagamento por seu esforço só o faz por saber que ele será trocado pelo produto de esforço de outrem. Não são os pidões nem os saqueadores que dão ao dinheiro o seu valor. Nem um oceano de lágrimas nem todas as armas do mundo podem transformar aqueles pedaços de papel no seu bolso no pão de que você precisa para sobreviver. Aqueles pedaços de papel, que deveriam ser ouro, são penhores de honra; por meio deles você se apropria da energia dos homens que produzem. A sua carteira afirma a esperança de que em algum lugar no mundo a seu redor existem homens que não traem aquele princípio moral que é a origem da produção? Olhe para um gerador de eletricidade e ouse dizer que ele foi criado pelo esforço muscular de criaturas irracionais. Tente plantar um grão de trigo sem os conhecimentos que lhe foram legados pelos homens que foram os primeiros a plantar trigo. Tente obter alimentos usando apenas movimentos físicos, e descobrirá que a mente do homem é a origem de todos os produtos e de toda a riqueza que já houve na terra.”

Entre o dinheiro do Papa e o dinheiro de Ayn Rand, eu não tenho a menor dúvida de qual merece mais respeito. Quem condena a riqueza material não é amigo verdadeiro dos pobres, e sim da pobreza.

domingo, outubro 05, 2008

A Constituição Besteirol



Rodrigo Constantino

“Os esquerdistas, contumazes idólatras do fracasso, recusam-se a admitir que as riquezas são criadas pela diligência dos indivíduos e não pela clarividência do Estado.” (Roberto Campos)

A nossa Carta Magna está completando vinte anos de idade. Por um lado, trata-se de uma conquista interessante, já que o Brasil é conhecido por sua enorme quantidade de Constituições já existentes. Só no século XX tivemos uma Constituição em 1934, outra em 1937, mais uma em 1946, outra em 1967, e finalmente a Constituição de 1988. No entanto, a conquista de certa “longevidade” não compensa, de forma alguma, o custo elevado que essa Constituição representou para o país. Enquanto muitos políticos vibravam com a aprovação da “Constituição Cidadã”, um indivíduo com a mente mais lúcida lamentava aquele fato, antecipando quanto ele custaria ao povo brasileiro. Era Roberto Campos, que chamara a Constituição de 1988 de “anacrônica”, remando contra a maré populista de seu tempo.

Em seu livro de memórias, Lanterna na Popa, Roberto Campos dedica várias linhas à Constituição de 1988, e todos aqueles que comemoram seu aniversário deveriam investir algum tempo para ler tais críticas. A inflação herdada da era Goulart, por exemplo, estava em quase 8% ao mês, mas a Constituição contava com um absurdo dispositivo que limitava os juros a 12% ao ano, uma “ridícula hipocrisia”. Uma Constituição mencionar limite para juros é algo realmente grotesco. Do ponto de vista tributário, a Constituição de 1988 gerou uma “vultuosa redistribuição da capacidade tributária em favor dos estados e municípios, sem correspondente redistribuição de funções”. Sob o ponto de vista da estrutura tributária, Roberto Campos conclui que a Constituição “representou um lamentável retrocesso”.

Outro exemplo evidente do atraso causado pela Constituição foi o monopólio do petróleo garantido ao governo. A confusão entre “segurança nacional” e monopólio do governo não passava de uma grande falácia econômica. Campos explica que “ao retardar o fluxo de capital para a exploração petrolífera local, criava-se adicional insegurança, pois nosso abastecimento ficaria na dependência de suprimentos extracontinentais, carregados por via marítima e portanto sujeitos à vulnerabilidade submarina”. Muitos leigos comemoraram a recente “auto-suficiência” do país em abastecimento de petróleo, ignorando aquilo que não se vê, ou seja, o custo de oportunidade dessa conquista tardia. Se não houvesse monopólio, mas sim um dinâmico setor privado competindo, quanto tempo atrás já teríamos atingido a auto-suficiência? Isso sem falar da economia com a conhecida corrupção da estatal Petrobrás nesses anos todos, e que evitaria também seu uso como moeda de troca política entre partidos.

Um grave problema do Brasil, a desproporcionalidade da representação na Câmara dos Deputados em desfavor do centro-sul, foi bastante agravado com a Constituição de 1988 também. A criação de novos estados na Constituição gerava uma distorção ainda maior, particularmente contra São Paulo. Para eleger um deputado nordestino, com o mesmo poder de um paulista, precisa-se de bem menos votos. Isso cria um deslocamento de poder para as regiões do norte e nordeste, dificultando reformas econômicas que seriam mais facilmente aprovadas se dependessem da escolha do sul e sudeste, que carregam a economia do país nas costas. Além disso, ao remover quaisquer barreiras, tanto de criação como de representação legislativa dos partidos, a Constituição de 1988 “nos legou um multipartidarismo caótico com partidos nanicos que não representam parcelas significativas da opinião pública, sendo antes clubes personalistas e regionalistas ou exibicionismo de sutilezas ideológicas”. Conforme conclui Campos, ficamos muito mais com uma “demoscopia” que uma democracia.

Roberto Campos considera que sua vida no Senado foi marcada por uma sucessão de batalhas perdidas, as principais sendo: a batalha da informática, cuja Lei da Informática jogou o país na era dos dinossauros em tecnologia; a batalha contra o Plano Cruzado e sua resultante moratória, enquanto economistas de esquerda, como Maria de Conceição Tavares, chegaram a chorar de emoção com o plano fracassado; e a batalha contra a Constituição brasileira de 1988, tomada pela mentalidade nacional-populista. O ícone dessa fase, Ulysses Guimarães, defendia demagogicamente o objetivo constitucional de “passar o país a limpo”. As promessas simplesmente não cabiam no orçamento, não levavam em conta a realidade. Como escreveu Campos, “Ulysses parecia encarar com desprezo a idéia de limites ou constrangimentos econômicos”. Para ele, tudo parecia ser uma questão de “vontade política”, expressão que muitos utilizam até hoje como solução mágica para nossos males. Roberto Campos chegou a acusar Ulysses, em artigo de jornal, de “um grau de ignorância desumana” em economia. Infelizmente, ele estava certo.

A Constituição de 1988 foi extremamente reativa, uma espécie de “vingança infantil” aos tempos da ditadura. É compreensível que existisse uma demanda social reprimida naquela época. Mas o uso da Constituição como veículo para atender esta demanda foi um grave erro. O grau de utopia presente na Constituição é assustador. Ela fala dezenas de vezes em “direitos”, mas quase nunca em “deveres”. Desde que ela foi aprovada, os gastos com aposentadoria do INSS pularam de 2,5% para 8% do PIB. O jurista Miguel Reale chamou a Constituição de um ensaio de “totalitarismo normativo”, Yves Gandra Martins a chamou de “Constituição da hiperinflação”, e Eliezer Batista a acusou de instalar uma “surubocracia anárquico-sindical”. O próprio Roberto Campos a descreveu como um misto de regulamento trabalhista e dicionário de utopias. Foi o “canto do cisne do nosso nacional-populismo”. Ulysses Guimarães a descreveu como a “Constituição dos miseráveis” e a “guardiã da governabilidade”. Foi justamente o contrário: uma Constituição contra os miseráveis e que garante a ingovernabilidade.

Nessa data de aniversário da Constituição de 1988, deveríamos parar para repensar seus graves equívocos, quase todos filhotes da premissa absurda de que o governo deve ser a locomotiva do crescimento econômico e o veículo da “justiça social”. Olhar para o norte e entender porque a Constituição americana é a mesma há mais de duzentos anos, com algumas poucas emendas, faria um bem incrível ao país. A Carta Magna de uma nação deve tratar dos temas mais básicos apenas, com um caráter bem mais negativo do que positivo, ou seja, colocando em evidência aquilo que os cidadãos não podem fazer. O governo deve evitar o excesso de legislação, que serve para emperrar o crescimento e criar injustiças. Infelizmente, o governo brasileiro é extremamente paternalista, e trata seus cidadãos como mentecaptos que necessitam da tutela estatal para tudo. A Constituição de 1988 é apenas um reflexo dessa mentalidade. O que há de fantástico para se comemorar em seus vinte anos?