Rodrigo Constantino, O GLOBO (26/06/2009)
“Os fatos são teimosos, e nossos desejos, nossas inclinações ou o imperativo de nossas paixões, quaisquer que sejam, não podem mudar o estado dos fatos e das evidências”. Com esta frase de John Adams, Thomas Sowell começa seu livro “Ação Afirmativa ao Redor do Mundo”, onde faz estudo empírico do efeito das cotas em vários países. O alerta vem à mente quando lemos alguns artigos em defesa das cotas que, não obstante as boas intenções dos autores, têm permitido que as paixões fiquem acima da frieza dos dados.
Esses autores têm utilizado estatísticas pontuais para mostrar que cotistas apresentam desempenho médio equivalente ao dos demais estudantes, além de menor taxa de evasão. Ora, levando a lógica ao extremo – de que permitir o acesso às vagas de alunos menos preparados mantém a média –, pode-se concluir que fornecer cotas para todos não iria prejudicar o padrão de qualidade das universidades. Ou seja, se os alunos com as piores notas fossem aceitos no lugar dos alunos com as melhores notas, as universidades não perderiam qualidade, o que é, evidentemente, uma conclusão absurda. A estatística pode ser a arte de torturar números até que eles confessem qualquer coisa.
Sowell levanta importantes questões em seu livro. Ele lembra que “os asiático-americanos são um claro embaraço para os que usam os argumentos costumeiros em defesa da ação afirmativa”. Afinal, este grupo costuma apresentar desempenho médio maior que o dos brancos, principalmente em matemática. No livro “Fora de Série”, Malcolm Gladwell mostra que fatores culturais podem explicar esta diferença. O fato é que os “amarelos” apresentam, na média, melhor desempenho. Por isso esse grupo étnico acaba ignorado nas estatísticas. Serão as maiorias brancas “vítimas” das minorias japonesas? É importante não confundir correlação com causalidade.
Outro erro comum é a utilização de casos específicos para provar uma regra. Por exemplo, citar alguns famosos beneficiados pelas cotas para afirmar a possibilidade de sucesso do modelo. Seria bastante fácil encontrar contra-exemplos. Mas apontar casos isolados de fracasso ou sucesso das cotas não prova nada. Em qualquer experimento desse tipo, alguns casos de sucesso sempre ocorrerão. O importante é verificar a tendência geral. E nesse caso, o resultado é negativo para as cotas, como demonstra Sowell. A redução da miséria entre negros americanos, por exemplo, foi mais acelerada antes da política de ação afirmativa do que depois. De 1967 a 1992, os 20% de negros mais pobres tiveram seus rendimentos reduzidos numa proporção duas vezes maior que seus equivalentes brancos. Eis o resultado quando se está arrombando as portas de entrada das universidades com base não no mérito, mas no critério da cor da pele.
Até aqui, restringi o foco ao aspecto da eficiência das cotas. Mas há um fator muito mais importante que não deve ser ignorado: o moral. Quando indivíduos passam a ser segregados com base na “raça”, concedendo-se privilégios para um grupo em detrimento de outro, o próprio racismo está sendo fomentado. Alguns autores acreditam que esta ameaça não tem sido expressiva no país, mas ainda não há dados suficientes para se ter uma perspectiva histórica. Esses efeitos levam tempo. O livro de Sowell deixa claro que a ameaça é significativa, e em alguns casos, como no Sri Lanka, acabou até em guerra civil. O próprio conceito de “raça” é uma criação humana, não um dado da natureza. Quando políticas do governo instituem o critério racial para separar os indivíduos, o racismo está sendo alimentado. Isso vai contra o sonho de Luther King, de um país onde as pessoas fossem julgadas “não pela cor da pele, mas pela firmeza do caráter”.
O último ponto a ser analisado é o argumento de “dívida social”. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que nem mesmo um filho pode herdar dívida líquida do pai, já que não tem culpa de seus erros. Mesmo assim, para ser minimamente justo, seria necessário julgar cada caso isolado, para saber se aquele indivíduo é herdeiro de um dono de escravos ou de um escravo, ou nenhum dos dois. Afinal, a cor da pele não prova nada, já que negros foram donos de escravos, como o próprio Zumbi, e nem todos os brancos eram donos de escravos. Portanto, quando dizem que muitos bolsistas do ProUni são descendentes de escravos, com base na cor da pele, é impossível saber se isto é ou não verdade. A probabilidade é que seja falso. E reparar uma injustiça passada criando uma nova injustiça está longe de ser um bom critério de justiça.
Para mim as cotas raciais são um sintoma do que está por vir no Brasil. Há alguns anos já venho pensando em deixar o país, apenas a vontade de ficar perto de minha família me mantém aqui. E sim, as cotas fazendo o preconceito nascer no Brasil.
ResponderExcluirO preconceito NÃO ESTÁ POR VIR, ISSO SÃO ANTOLHOS de quem não consegue ou não quer vê-lo, por defender interesses.
ResponderExcluirVá a uma sala de concertos e mire a cor da pele dos assistentes.
Prezado Rodrigo,
ResponderExcluirVocê diz que a probabilidade de um cidadão brasileiro ser descendente de escravo baseado na cor da pela é falsa. Isto me parece exagerado e sem base. Foram pouquíssimos os negros donos de escravos e quase nenhum negro aqui veio na condição de dono de escravos, se é que isto existiu. Eles podem ter se tornados donos, mas antes passaram pela condição de escravos.
A maior parte da Europa foi conquistada por Roma, logo, qualquer descendente de alemães, espanhóis ou portugueses também é descendente de escravos... cotas para eles também. Esta "lógica" é ridícula. Porque um descendente de italianos, que aqui chegaram no século XIX, e nunca tiveram escravos, tem de aceitar as cotas racistas? Porque um negro que tenha estudado a vida toda em escolas particulares (e só eu conheço uma dezena) merece reserva de vaga sobre um branco/amarelo que estudou em escola pública? Em concursos públicos é ainda pior... pq, em um concurso para contratação de médicos por exemplo, o estado deve escolher p melhor médico negro? A população não merece ser atendida pelo melhor médico, ponto? Exigir coerência é demais?
ResponderExcluirExcelente e de fácil compreensão este artigo.
ResponderExcluirAo a3m, quando se diz que alguém é descendente de escravo baseado na cor da pele, você exclui os descendentes de escravo com a cor da pele branca.
Resumindo, gente de pele branca mas com descendência negra.
Se isso não faz sentido, estude Mendel e genética
Caro Constantino,
ResponderExcluirObrigado por compartilhar seu pensamento.
Excelente!
Muito boas as suas ponderações, Rodrigo! O que mais me choca nessa história de cotas para negros é que, em pleno século 21, com tudo o que se sabe sobre a criação artificial de "raças" para fins de dominação política, ainda se pretenda implantar por aqui métodos de seleção de pessoas com base na cor da pele, no fenótipo ou na ascendência. Ou seja, com base na doutrina racista americana (do séc. 16!) segundo a qual bastaria uma "gota única" de sangue negro para "sujar" a descendência. Nossos racistas de hoje a atualizaram, é bem verdade, mas apenas para afirmar que, de agora em diante, a "gota única" de sangue negro também deve servir para gerar privilégios. Absolutamente patético! Nenhuma democracia pode aceitar isso. Débitos históricos se corrigem com políticas sócio-educativas universalistas e não com a criação de novas injustiças sociais.
ResponderExcluirNão é racismo. É racialismo, doutrina de clara inspiração socialista, criada por William Du Bois:
ResponderExcluir"a história do mundo não é a história de indivíduos, mas de grupos, não a de nações, mas a de raças"
É esta porcaria que infesta os acadêmicos universitários e chega ao congresso, formentando as lutas de classe. E você, apesar das desavenças com Olavo de Carvalho, não pode negar que o caminho para instauração do socialismo no Brasil, segue os ditames de Gramsci e da Escola de Frankfurt: Teoria Crítica.
Comendo pelas beiradas, os socialistas instauram a luta de classes, para ,por último, solapar o próprio capitalismo.
Bebeto,
ResponderExcluir"Racismo" ou "racialismo", pouco importa pra mim o nome que se dê à sua teoria, cedo ou tarde ela será derrubada pelo STF. É que nossa Constituição Federal, acatando os Pactos da ONU relativos aos direitos civis e políticos de 1966, não admite que os países signatários acatem legalmente a injustiça com base em critério discriminatório - nem "verso" nem "reverso" . Da mesma forma que não admite que indivíduos ou grupos sacrifiquem suas liberdades fundamentais em razão de culpa "histórica" de algum antepassado. A Justiça do Rio de Janeiro e de Brasília (onde surgiram, no Brasil, as primeiras leis "racistas" - ou "racialistas", se vc preferir) está cheia de ações movidas por vestibulandos pobres que foram rejeitados pela Universidade, não pela falta de mérito, mas, sim, pela falta da alegada "gota única de sangue negro". Ou porque se declaram brancos. A Genética já deixou bem claro que, entre humanos, não existe raça, Bebedo. O que a História revela é que se trata de criação política para fins de dominação. Tal criação foi muito útil aos colonizadores. Serviu para fomentar ódio e divisão entre tribos, escravidão e servidão. A África, por ex., cuja maior característica não é a unidade e sim a diversidade cultural, mergulhou no ódio atroz que jogava e ainda joga negros contra negros, estimulada pela criação européia de conceitos artificiais de "raça" (no caso, opondo etnias entre si).
Racismo combate-se com elevação do estágio civilizatório, com leis justas e, antes de qualquer coisa, com educação universalista de qualidade. Educação que ensine a conviver com as diferenças e que não distinga ninguém com base em critérios de "raça", sexo, crença ou orientação sexual. Educação em que se aprenda a lutar por cidadania com altivez, exigindo-se do Poder Público que todos possam igualmente se abrigar sob o guarda-chuva includente (e não, excludente) das liberdades civis, políticas e sociais.
Um abraço.
Será que será derrubado um dia pelo Supremo Maristela? Lembre-se que a mais alta instância da "justiça" brasileira é formada por indicados do presidente, ou seja, os juízes apenas refletem o pensamento do governante do momento... o Brasil é uma causa perdida.
ResponderExcluirMaristela, é fato que qualquer movimento na direção dos direitos das nossas elites privilegiadas, que se apossaram do Estado, é visto com profundo rancor irracional. O STF, as ações judiciais, o debate de quem é ou não negro, se o erro histórico deve ou não ser reparado, e em quanto tempo, são sintomas saudáveis de uma sociedade dinâmica, plural, consciente. A mordaça dos privilégios incomoda. As nossas eleites tem medo de perder posições.
ResponderExcluir"As nossas eleites tem medo de perder posições. "
ResponderExcluirErrado. Quem tem medo de perder posições (no ranking do vestibular) é o estudante pobre que teve o azar de nascer branco.