quarta-feira, maio 12, 2010

A crise grega

Segue uma entrevista que dei para um portal voltado aos alunos de ensino médio do RJ.

- Quais são as causas da atual crise econômica na Europa?

São várias, mas na essência trata-se do fracasso de um sistema (welfare state) que distribuiu privilégios demais por meio do governo. Gastar mais do que se arrecada sistematicamente não é uma política sustentável. O grau de endividamento público chegou a patamares assustadores, e com os déficits explodindo por causa da crise de crédito, rolar as dívidas dos governos virou uma tarefa hercúlea. Os investidores começaram a exigir taxas de juros cada vez maiores, por conta do risco maior de default e uma expectativa de deterioração no quadro à frente. Sem drásticas reformas fiscais, a conta simplesmente não fecha.

- Ela se restringe apenas aos países do grupo denominado PIGS?

Não. Esses países sem dúvida estão numa situação muito mais preocupante, principalmente a Grécia e a Espanha. Mas o problema é geral na Europa, e até mesmo os Estados Unidos não escapam. O excesso de crédito no mundo, estimulado pelos próprios bancos centrais e governos, parece ter encontrado seu limite. Como o encontro com a realidade é sempre doloroso, forçando ajustes que machucam grupos de interesse, a tentação de manter a prosperidade ilusória por meio de emissão de moeda é grande demais. Mas a "solução" fácil quase nunca é a verdadeira solução. A Europa - e os americanos também - precisa voltar à realidade de mais poupança e menos consumo por meio de crédito fácil e privilégio estatal. A baixa competitividade da economia é um problema também, basicamente por causa de muitos privilégios trabalhistas.

- Qual o impacto dessa crise para o Brasil e para outros países? Quais as consequências mais graves para a economia mundial (bolsa de valores, moeda, exportações etc)?

Se a crise se agravar e a aversão ao risco chegar em níveis absurdos, o impacto poderá ser grande. O fluxo de capital pode secar repentinamente, os ativos podem despencar de preço, e as commodities também, afetando o quadro econômico brasileiro. A economia nacional melhorou em muitos aspectos, mas ainda tem pilares frágeis, pois as reformas estruturais não foram feitas. Os gargalos de sempre ainda impedem uma dinâmica mais sustentável em nossa economia. Falta infra-estrutura, mão-de-obra qualificada, flexibilidade no mercado de trabalho, maior confiança jurídica, menos burocracia e impostos, e um mercado de crédito saudável, ou seja, menos dependente do governo.

- O pacote de ajuda financeira oferecido é capaz de “salvar” a economia da Grécia? Você acha que isso pode de alguma forma piorar a situação?

O governo parece adotar sempre a mesma postura: se o problema é excesso de crédito, então ele cria mais crédito ainda! É análogo a dar mais bebida para um bêbado de ressaca. Esses pacotes representam uma enorme transferência de riqueza dos pagadores de impostos para seus consumidores (funcionários públicos com muitos privilégios), assim como para os banqueiros. O excesso de intervenção direta dos governos, como mais regulação, também pode atrapalhar mais que ajudar. Isso gera incerteza ainda maior nos agentes de mercado, e pode engessar as inovações e o progresso. Na época da Grande Depressão em 1929, o excesso de intervencionismo estatal com o New Deal agravou a situação, postergou a recuperação econômica, e gerou problemas que duram até hoje, como o rombo previdenciário.

- Você é otimista quanto ao desfecho dessa crise?

Infelizmente, não. E o principal motivo é que vejo um diagnóstico totalmente errado. Uma vez mais tentam culpar o livre mercado, os "especuladores", e poucos querem enxergar a realidade, a falência do modelo de gastança estatal, onde todos tentam viver à custa de todos por meio do "deus" governo. Esqueceram que "direitos" têm custo, implicam em deveres, responsabilidade. Se esta crise servisse para alterar esta mentalidade, eu ficaria otimista sim, apesar do elevado custo de aprendizagem no processo. Mas tenho receio de que nem mesmo com a crise os eleitores vão aprender a lição. O sonho de se aposentar cedo, barrar a concorrência no mercado de trabalho através de privilégios do governo, e garantir infindáveis "direitos" ignorando quem paga a conta, acaba sendo um sonho bonito demais, que conquista muitos adeptos por meio da emoção. Será que a crise fará com que a razão volte a ser mais valorizada? Gostaria de crer que sim, mas não sei se este é o resultado mais provável.

13 comentários:

  1. Os tiozinhos de história não vão gostar nada

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  2. Constantino, sei que isso pode parecer meio off-topic, mas aproveitando o gancho do seu desfecho em NÃO estar otimista com uma mudança de mentalidade, pois promessas "conquistam muitos adeptos por meio da emoção", o que dizer desses dos vídeos que veicularam esses dias...

    ... aqui a prova do crime

    Espírito da Crise
    http://www.youtube.com/watch?v=tsiQ-E9S93g

    ... e aqui a retratação!!!

    Brasil não foi afetado por estar vigilante
    http://www.youtube.com/watch?v=kpFFTcP_pFQ

    Sinceramente, se depois disso, o pessoal sair acreditando no "espírito da crise" e não no roubo descarado, podemos nos preparar para um futuro com PT + IURD!!!

    TENSO!!!

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  3. Rodrigo,
    Se a essência é o welfare state porque países com mais gasto em bem estar social não estão tendo o mesmo nível de problema? Não teria maior importância a corrupção e sistema fiscal ineficiente?

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  4. Vi em um documentário na Tv a cabo sobre a crise americana...

    faz muito tempo... mas lembro bem que ele dizia que uma das causas da crise era que o governo não aproveitou o SUPERÁVIT DA PREVIDÊNCIA que se repetiu por muitos anos...

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  5. Anônimo1:54 AM

    Será que o Rodrigo pode explicar melhor as coisas?

    Qual é o "welfare state" da Espanha e da Irlanda?

    Alguns anos atrás, Rodrigo Constantino se desmanchava em elogios à austeridade e ao livre-mercado da Irlanda. Inclusive publicou aqui no blog, dois artigos enaltecendo à Irlanda.

    http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2006/02/irlanda-de-bono.html

    http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2007/12/virada-da-irlanda.html

    "Uma rara exceção é a Irlanda, que fez inúmeras reformas liberais e apresenta um quadro bem mais confortável."
    http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2007/12/crise-da-europa.html

    E agora? Quais os frutos que a Irlanda colheu? Você explicou esta contradição aos alunos?

    Outra coisa: notamos que nos seus artigos sobre o PIGS, você exclui a Irlanda. Por que?

    Qual é o Welfare State que existe na Espanha? Só se você se refere ao Welfare State para os banqueiros. Em 2006, a revista Veja, publicou uma matéria sobre austeridade. Dentre os países "áusteros", estava a Irlanda e a Espanha. Estes dois países seguiram todo o receituáro liberal: cortaram gastos, reformando a previdência, aumentando a idade mínima para a aposentadoria:

    http://veja.abril.com.br/080206/p_054.html

    "Já a Espanha sofria com os pesados gastos da Previdência. Até que, para se enquadrar às regras da União Européia, o país teve de reduzir despesas que chegavam a 47,6% do PIB. Os espanhóis fizeram uma profunda reforma do sistema previdenciário e cortaram gastos. Em menos de dez anos, as despesas recuaram para 39,9% do PIB"

    O quadro da matéria da Veja:
    http://veja.abril.com.br/080206/popup_brasil01.html

    Qual é o Welfare State na Grécia? A Grécia era o país que menos investia em universidade na zona euro. Ao menos que o Rodrigo se refira ao Welfare State para os banqueiros. No início de Abril deste ano, em meio àplena crise, o governo grego completou seu pacote de prêmio aos banqueiros falidos: concedeu 17 Bilhões de Euros em ajuda estatal aos bancos falidos. Enquanto isso, estava elaborando seu plano contra o povo para tentar "tirar" o país da crise.

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  6. A única coisa sábia que o anônimo acima fez foi... se manter no anonimato! Afinal, é tanta besteira...

    Agora a Grécia não é mais ícone do welfare state porque era o país que menos investia em universidades??? hehehe

    Rapaz, vc vai tentar jogar ESTA crise também para o colo do "neoliberalismo"???

    Explica como gastos explosivos de GOVERNOS, inclusive para bancar subsídios de Páscoa para funças, pode ter algo a ver com o livre mercado!

    A Irlanda fez reformas liberais sim, e não se ferrou POR CAUSA disso, mas A DESPEITO disso. Ou vc acha que REDUZIR gastos públicos está no cerne dos problemas europeus??? hehehe

    É triste perder tempo com tanta besteira...

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  7. Sobre o wellfare estate na Espanha eu posso dar um depoimento. Tenho dupla nacionalidade. Tenho passaporte espanhol. Nunca contribuí com um centavo de imposto para o Estado espanhol.

    Porém outro dia chegou em minha casa uma carta com um cartão magnético. A carta dizia que eu tenho "direito" de acessar todo o sistema público de saúde de Madrid.

    Por incrível que pareça Madrid é uma das poucas cidades da Espanha que eu nunca coloquei os pés, fora o aeroporto de Bajaras.

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  8. Anônimo1:24 PM

    Engraçado, mas você consegue responder à "tanta besteira" do "anônimo".
    "A Irlanda fez reformas liberais sim, e não se ferrou POR CAUSA disso, mas A DESPEITO disso". hehehe Explique-se melhor. Também poderia-se argumentar que o periodo de boom da Irlanda também foi a DESPEITO disso ou também poderia eles se "ferraram" a DESPEITO do Welfare State, já que paises que nem adotam mais Welfare State (ou vai dizer que a Irlanda e a Espanha mantém o Welfare State?) estão em situação similar à da Grécia. Isso simplesmente não explica nada.
    Só um dado: no último ranking do Heritage, a Irlanda está em 5°, continua sendo o país mais liberal da Europa. Há alguns anos atrás, estava em 3°.
    Outra coisa que você não explicou: é notório que a outrora sempre lembrada Irlanda nos seus artigos, agora sequer é mencionada, inclusive falta um "I" nos PIGS dos seus artigos. Cita apenas Portugal, Italia, Greece and Spain. De acordo com os seus artigos, "Ireland" estaria excluída do Grupo. Ou você ainda acredita que a Irlanda é a "rara exceção"?
    A Espanha fez exatamente o que Rodrigo sugere (e que agora apontam cmo solução à crise da Grécia): ferrou os aposentados, privatizou estatal. Inclusive era citada como exemplo de austeridade pela revista Veja. Mas não está em situação diferente da Grécia. Como você explica isso?

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  9. Anônimo, será que vc poderia iluminar os ignorantes deste blog sobre como exatamente a venda de estatais pode ferrar um país? Como que as reformas liberais da Espanha explicam a crise atual, de excesso de dívida e gastos DO GOVERNO?

    Grato.

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  10. Anônimo5:34 PM

    Mas aonde você vê excesso de gastos, Rodrigo? Com os banqueiros? A Espanha já foi até citada pela revista Veja como exemplo de "responsabilidade fiscal". E agora?

    Você continua sem responder às perguntas.

    Por que você exclui a outrora sempre lembrada Irlanda do PIGS? Ou você ainda acha que a Irlanda é a "rara exceção"? Você se desmanchava em elogios ao "livre-mercado" da Irlanda, agora vai jogar a crise para o colo do Welfare State? Mas qual Welfare State???A Irlanda não seria a "rara exceção"?

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  11. Ser o mais magro no meio de um bando de Michael Moores n é grandes coisas

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  12. Anônimo2:54 PM

    Os cortes de gastos promovidos por diversos governos europeus é uma ducha de água fria nos auto-proclamados "desenvolvimentistas" que diziam que os governos têm que gastar para promover o desenvolvimento econômico. A história comprova que os princípios da ortodoxia econômica devem ser seguidos para que o desenvolvimento seja auto-sustentável. Parece que até o Brasil está percenbendo que os gastos públicos têm que ser controlados - o governo Lula, de forma irresponsável, aumentou tais gastos enormemente.

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  13. Rodrigo, seria interessante vc expor seu ponto de vista sobre a crise econômica na Irlanda, outrora conhecida como "tigre celta", e atualmente é um dos países europeus com a situação financeira mais preocupante. Não consegui achar nada interessante sobre o assunto, a não ser sob o ponto de vista dos estatólatras de plantão.

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