Rodrigo Constantino, Valor Econômico
Palavra do Gestor
O euro, que em meados de 2010 chegou a US$ 1,20, valorizou-se recentemente, voltando para um nível próximo de US$ 1,35. O que mudou nos fundamentos para explicar essa apreciação? Será que o pior já passou para a Europa?
O câmbio, não custa lembrar, é uma razão, e temos que analisar tanto o numerador quanto o denominador. Não basta ficar otimista ou pessimista em relação aos fundamentos americanos ou europeus; o que importa é acertar a relação entre eles. Dados anteriores mais fortes da economia americana criaram um clima de otimismo com seu crescimento, mas os últimos números foram ambíguos. Como a economia da Alemanha, locomotiva da Europa, mostrou dados fortes, isso pode explicar parte da recuperação do euro.
A possível substituição de Trichet, atual presidente do BCE, por Alex Weber, do Bundesbank, pode explicar outra parte da apreciação da moeda. O Bundesbank é conhecido por sua firmeza no combate à inflação. Cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça. A Alemanha já viveu sua cota infernal de hiperinflação no passado. Mas se o BCE subir os juros neste momento, aí é que a Europa quebra de vez!
Esses fatos não parecem suficientes para justificar uma aposta na recuperação sustentável da moeda europeia. Quando analisamos melhor os fundamentos de cada região, apesar dos inúmeros problemas americanos, a Europa ainda se sai muito pior no "concurso de feiura". A seguir pretendo passar, de forma sucinta, por alguns desses problemas.
O primeiro deles, de curto prazo, é a necessidade de rolagem da dívida pública. A Europa precisa rolar mais de US$ 1 trilhão em 2011 somente de títulos de governo, sem levar em conta os gigantescos déficits fiscais esperados. É verdade que o Tesouro americano também tem que financiar uma montanha de dinheiro, mas o caso americano é muito mais simples.
Em primeiro lugar, porque se trata de um governo apenas, enquanto na Europa são vários países diferentes, e as questões políticas de cada um prejudicam possíveis acordos entre eles. Esse ponto é importante, pois a Alemanha é que teria condições de assumir os passivos dos PIIGS, mas isso é complicado politicamente. O governo alemão teria que pagar um preço político elevado por jogar a conta dos abusos dos gregos, portugueses e espanhóis nos ombros dos alemães. Com eleições estaduais se aproximando, essa decisão custa ainda mais.
Em segundo lugar, o governo americano conta com a enorme vantagem de emitir a moeda que é reserva internacional. Claro que há limites para tanto, pois em algum momento os credores poderão jogar a toalha em relação ao dólar. Mas esse cenário parece razoavelmente distante, até porque faltam alternativas concretas.
A China, com quase US$ 3 trilhões de reserva, não tem para onde correr, e fica dependente do governo americano. A liquidez do dólar tem muito valor, e sua credibilidade ainda não é das piores, a despeito de Ben Bernanke.
O segundo grande problema europeu é de longo prazo, qual seja, sua falta de competitividade. Apenas a Alemanha fez reformas mais estruturais no passado recente. Os demais países possuem mercado de trabalho muito rígido, carga tributária excessiva, rombo previdenciário explosivo e endividamento público insustentável.
A situação americana, apesar da tendência negativa, ainda oferece conforto frente ao quadro europeu. Os EUA estão num estágio mais inicial do "welfare state", e a maioria republicana no Congresso já mostrou que vai lutar contra as reformas de Obama.
É preciso ter em mente as diferenças culturais das duas regiões. Enquanto os europeus tomam as ruas para protestar contra mudanças paliativas no sistema, impedindo ajustes fiscais necessários, os americanos tomam as ruas para criticar o aumento dos gastos públicos, mesmo levando em conta uma carga tributária bem menor que a europeia. Além disso, há muito mais flexibilidade no mercado de trabalho americano.
O sistema financeiro tanto da Europa quanto dos Estados Unidos experimentou uma fase de bolha irresponsável, alimentada pelos próprios BCs. Mas as mudanças nos EUA são mais velozes, ainda que tímidas. A Espanha, por exemplo, ainda tem que enfrentar os rombos de suas "cajas", cujos ativos passam de 40% do total do sistema financeiro do país, e ninguém sabe quanto disso é podre.
Quando olhamos melhor os fundamentos, portanto, fica difícil acreditar numa recuperação sustentável do euro. Acredito que há uma probabilidade maior da moeda europeia terminar o ano a US$ 1,20 do que a US$ 1,50.
Rodrigo Constantino é sócio da Graphus Capital
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