David Wessel | The Wall Street Journal
A China é, indiscutivelmente, um milagre econômico. Desde o início da abertura, o padrão de vida no país vem dobrando a cada década, feito que os Estados Unidos levaram cerca de 30 anos para produzir, mesmo quando o país mais crescia. Mas já há sinais de fissuras no alicerce econômico da China. Poderíamos chamá-las de as três contradições.
A primeira é que o governo chinês quer reduzir o ritmo do crescimento e segurar a inflação ao mesmo tempo em que aumenta salários e faz as massas consumirem. Para qualquer governo, seria um desafio - e mais ainda para um que tem tanto medo de perder o controle que hesita em deixar as forças do mercado fazerem seu trabalho.
Num país que ainda tem estátuas de Marx e Engels, a massa salarial tem caído em relação à renda total. Cresce assim o fosso entre ricos e pobres, o que não ajuda a elevar o consumo dos cidadãos. Há muitas lojas na China, mas várias parecem museus: as pessoas olham, mas não compram.
Como a demanda por mão de obra é forte, os salários sobem mais depressa, algo crucial para manter a estabilidade social desejada pelos líderes chineses e alimentar o consumo interno necessário para que a China deixe de depender de exportações.
Até aí, tudo bem. Só que o aumento dos salários parece estar diluindo a competitividade da indústria chinesa. Um indício: na etiqueta de camisetas nas lojas The Gap na China, está escrito "Made in Malaysia"; escovas de dentes baratas são feitas no Vietnã. A solução é migrar para manufatura e serviços mais sofisticados. Isso exige um sistema de educação maior, melhor e mais livre do que o atual - que é, nas palavras de um dirigente, prejudicado por um modelo de gestão ao estilo soviético para a pesquisa científica e desprestigiado pelas elites chinesas, que mandam seus filhos estudar fora.
Segundo, a última moda nos círculos do poder em Pequim é a "internacionalização do yuan", moeda cujo uso, hoje, é quase inteiramente interno. Parte disso se deve ao orgulho nacional, parte ao desejo de uma potência comercial de comprar e vender na própria moeda e parte ao desejo chinês de, caso haja outra crise financeira, ser capaz de contrair empréstimos no exterior com facilidade e baixo custo, como os EUA.
Até aí, tudo bem. Só que a China não vai sair de um ponto e chegar ao outro a menos que deixe os juros subirem um pouco, pois hoje nem acompanham a inflação. Jogar o jogo global significa submeter a economia ao mercado global.
Certos dirigentes enxergam perigo em juros tão baixos. "É preciso fazer algo sobre as taxas de juro negativas em termos reais, antes que se perca o controle", disse Guo Shuqing, diretor do Banco da Construção da China e, possivelmente, próximo presidente do banco central chinês, em entrevista ao "Wall Street Journal". "Muita gente acha que colocar o dinheiro na poupança não é bom, então corre a comprar coisas como ouro e prata. Muita gente compra um imóvel não por precisar de uma moradia, mas como investimento."
Com efeito, quem tem dinheiro especula com a compra do terceiro e do quarto apartamentos, enquanto outros não podem comprar o primeiro imóvel devido aos preços elevados. Na China, bolhas de ativos são infladas pela política monetária chinesa, não pela americana.
Os juros nos EUA estão baixos porque o Fed, o banco central de lá, está tentando avivar o crédito. O banco central chinês quer segurar o crédito, mas tomadores privados e públicos, politicamente fortes, impedem juros mais altos. O estudioso da economia mundial Nouriel Roubini descreve a política chinesa como "uma maciça transferência de renda de famílias sem poder político para empresas poderosas politicamente: a moeda fraca encarece importações, juros baixos para depósitos e empréstimos a empresas e incorporadoras equivalem a um imposto sobre a poupança".
Transformar o yuan em moeda internacional significa o fim da prática de manter os juros abaixo de níveis economicamente apropriados por motivos políticos. Significa tornar a política econômica transparente. Os líderes chineses dizem que querem a primeira coisa, mas não têm tanta certeza sobre a segunda e a terceira.
Terceiro, para um governo repressor é mais fácil manter a população feliz quando a economia cresce 10% ao ano. Até aí, tudo bem. Só que aplicar freios econômicos, algo nunca popular, ameaça um governo que não confia em seus cidadãos. O twitter é proibido na China. Estudantes reclamam de só poder entrar na "internet chinesa". E filtros do governo parecem diminuir a velocidade da internet.
O povo paga na mesma moeda. Até um estrangeiro em visita sente que muita gente não confia no governo. Enquanto come um sanduíche na Universidade Tsinghua, em Pequim, um aluno de pós-graduação desabafa: "O que dizer de um país quando seu líder manda a filha estudar fora?", aludindo ao próximo presidente da China, Xi Jingping, cuja filha acaba de concluir o primeiro ano em Harvard.
E, num vilarejo cerca de cem quilômetros ao norte de Pequim, onde a Grande Muralha se descortina basicamente ignorada por turistas, é possível ver dezenas de moradias simples de agricultores - e uma construção nova de alvenaria, maior, com três andares, que parece vinda de outro lugar. Todo mundo sabe quem a ergueu: o secretário local do Partido Comunista. E não com o seu salário.
Fissuras no alicerce não são, necessariamente, prenúncio de colapso. Mas são sinais de tensões que, se ignoradas, podem enfraquecer um edifício econômico - até um tão impressionante como o da China.
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