Rodrigo Constantino, O GLOBO
A crise financeira voltou a assombrar o mundo. Assim como em 2008, a busca por bodes expiatórios é automática. Os especuladores são o alvo preferido nessas horas. Mas poucos têm focado no cerne da questão. O que está em jogo é a própria sobrevivência de um modelo de sociedade: a social-democracia.
O sonho “igualitário” conquista corações há séculos. O socialismo foi seu grande experimento no século 20. Deixou um rastro de miséria, terror e escravidão por onde passou. Seus “órfãos” encontraram refúgio na social-democracia europeia, uma espécie de “socialismo light”. Todos teriam “direito” a uma vida digna, garantida pelo Estado.
Buscando se perpetuar no poder, os políticos faziam leilões de promessas irrealistas. Aquele que oferecesse mais benesses ao maior número de pessoas seria eleito. As “conquistas” trabalhistas foram se amontoando, concomitantemente à perda de competitividade das economias. Todos passaram a esperar tudo do governo, de mão-beijada.
Se os produtos importados são mais baratos, o governo cria barreiras protecionistas. Se a produção agrícola é ineficiente, o governo oferece subsídios. Se a empresa falir, o governo a salva. Se a produtividade é baixa, o governo aumenta o salário por decreto. Se trabalhar duro é “desumano”, o governo limita a quantidade permitida de horas trabalhadas.
A economia fica menos competitiva. O governo ataca os sintomas. Se o empregado é demitido, ele pode viver à custa do governo por vários anos. Ele conta com ampla rede de proteção, tudo “grátis”. O mecanismo de incentivos é perverso, desestimulando a produção e alimentando o parasitismo. Ser funcionário público, com mais privilégios ainda, torna-se a meta de muitos.
Para agravar o quadro, o governo criou um verdadeiro esquema piramidal de Previdência Social. As pessoas se aposentam cedo, mesmo vivendo mais. E a aposentadoria guarda pouca relação com o que foi efetivamente poupado durante os anos trabalhados. Trata-se de um esquema Ponzi de transferência de recursos.
Esta ilha da fantasia pode ser mantida enquanto houver demografia favorável. Mas, inevitavelmente, a conta terá de ser paga. O inverno um dia chega para as cigarras. Com o envelhecimento da população, o sistema implode.
A entrada da China na globalização foi responsável por um dos maiores choques de produtividade da história. São milhões de formigas dispostas a produzir tudo mais barato. Os bancos centrais, cúmplices dos governos deficitários, puderam manter estímulos artificiais sem grandes impactos na inflação. O mundo todo crescia. Era a “Grande Moderação”. As cigarras estavam felizes.
Mas o inverno chegou. A bolha de crédito explodiu, sendo absorvida por governos já demasiadamente endividados. O déficit fiscal saiu de controle, e a dívida pública passou de 100% do PIB em alguns casos. Com carga tributária já na casa dos 50% do PIB, os governos ficaram sem margem de manobra. Resta cortar drasticamente os gastos públicos, desmontando o Estado social.
Claro que este encontro com a dura realidade incomoda muita gente. Inúmeras pessoas se acostumaram com a “dolce vita” das cigarras. A tensão social cresce visivelmente nas ruas. A alternativa tentadora é imprimir moeda. Mas a Europa não conta com a mesma flexibilidade dos EUA, e a Alemanha representa um obstáculo à “solução” inflacionária. Ela já viu o diabo da hiperinflação de perto e sabe como ele é feio.
Não há saída fácil para esta sinuca de bico. A crise é fruto de décadas de gastos públicos crescentes, gradual perda de competitividade econômica e envelhecimento populacional. O euro, uma criação política, fez os países mais irresponsáveis ganharem tempo. Mas chegou a hora da verdade.
O modelo de bem-estar social europeu está em xeque, ainda que Obama queira seguir no mesmo caminho. Por isso o Tea Party gera tanta revolta. Os social-democratas gostariam de crer que é possível viver eternamente no conto de fadas. Estão apavorados com a idéia de que finalmente a fatura dos anos de farra irresponsável chegou. Com juros.
“No longo prazo estaremos todos mortos”, disse um dos ícones desta mentalidade hedonista. Mas o longo prazo chegou. E se Keynes já morreu, muitos ainda estão vivos. É a social-democracia keynesiana que corre risco de vida.
E o Brasil? Seguimos aqui o mesmo modelo falido. Enquanto a China e a demografia ajudarem, a farra poderá continuar. Mas um dia a fatura chegará para os brasileiros também. Podem anotar.
FHC Kerenski - aquele que chorou de orgulho quando o operário Lula foi eleito é a personalidade mais importante do Brasil na segunda metade do século XX, não pelo bem que fez, mas pelo mal que praticou. Ele cometeu o terrível erro de avaliação de todos os que abraçaram a social-democracia, de achar que chegam ao poder, cavalgando na mentira igualitarista, e nele conseguirão manter-se. Ora, eles sempre serviram e servirão de abre-alas da revolução. Nas suas pegadas sempre virão os “verdadeiros” socialistas.
ResponderExcluirParabéns Constantino texto bastante elucidativo (principalmente para os leitores de O GLOBO).
ResponderExcluirNo longo prazo estaremos mortos... mas nossos filhos e netos não! "Obrigado" Keynes por ter arruinado tantas vidas com sua política da irresponsabilidade.
ResponderExcluirComo Herbert Stein disse: "If something cannot go on forever, it will stop". É basicamente isso que aconteceu com o socialismo e é isso que acontecerá com qualquer política econômica sem bases sólidas.
G.S.
Acredito que os altos salários dos executivos americanos (o dobro dos europeus e dez vezes o dos japoneses) e a especulação imobiliária nos EUA tenham a mesma raíz. E de certa forma também os filmes de hollywood que pagam zilhões para alguns atores e outros zilhões para efeitos especiais. São todas distorções pelo excesso de dinheiro artificialmente colocado na economia via juros baixos.
ResponderExcluirRodrigo,
ResponderExcluirNem preciso anotar seu vaticínio porque concordo com ele. Entretanto, o que fazer com a parcela da população que, tendo vivido sob o império keynesiano, está agora a meio-caminho ou mais de sua aposentadoria e que organizou sua vida financeira em torno dos beneficios sociais prometidos? Acho que precisamos de um "soft landing" para essa nova realidade.
Comeco a pensar no seguinte: o capitalismo liberal também gera crise e bolhas. Achar que o lassaiz-faire vai rodar no piloto automático sem distorcões e recessões me parece utópico. Mas mesmo assim ele é melhor no longo-prazo do que o modelo intervencionista. E moralmente faz mais sentido. Governo tem que ser mínimo, pela própria natureza humana egoísta.
ResponderExcluirO socialismo é insustentável. Isso só não é claro para quem não tem cérebro ou é um romântico idiota.
O capitalismo liberal funciona bem melhor no longo-prazo, mas tb terá os seus solucos, e as pessoas não podem ser românticas em relacao a isso e apelar para o governo quando o ciclo se inverter.
O máximo que o governo pode fazer, e eu não sei se isso é keynesianismo, é tentar dar uma amortecida quando os solucos ocorrerem, sem se empolgar muito.
Por exemplo: quem pode ser contra seguro-desemprego?
Sérgio, procure saber como funciona na Europa. O "seguro desemprego" garante quase na íntegra o salário por ANOS! Isso é absurdo! É parasitismo. É socialismo.
ResponderExcluirOlhe o que esses vagabundos estão falando sobre a economia.
ResponderExcluirhttp://www.conversaafiada.com.br/pig/2011/08/15/o-candidato-a-porteiro-que-virou-economista-renomado/
É verdade. É demais. Na Franca acho que o cara pode ficar recebendo por dois anos, quase que o salário inteiro. Sem falar que uma porcentagem sai de férias e fica tapeando o governo. Mas seguro-desemprego é fundamental para o capitalismo, pois as vezes, devido aos ciclos, o cara vai perder o emprego sendo um empregado esforcado e dedicado.
ResponderExcluirComo conter esse monstro chamado governo? Seres humanos são bastante doentes. Uns querem poder, outros querem babá. Liberdade e Responsabilidade? Isso é para egoísta sociopata. Então temos isso aí. Até o Estados Unidos está penando...
Se os Estados Unidos não conseguirem essa segunda revolucão americana para conter o monstro governamental, acho que ninguém mais vai conseguir. E o que vai acontecer então? Não tenho a mínima idéia...
RODRIGO,
ResponderExcluirESSA MSG DAS 5:13 PM ESTÁ COM O MEU NOME E NÃO É MINHA!
O problema em 2008 foi financeiro, não tem nada a ver com o modelo europeu. Aliás, a crise nem começou na Europa. Começou com nos EUA com a quebra do Lehman Brothers. O que isso tem a ver com o seguro desemprego francês ? Os governos se endividaram porque ajudaram os banqueiros ! E a culpa sobra para os trabalhadores europeus ? Vagabundos são os banqueiros. Na hora do lucro são todos capitalistas, na hora do prejuízo, viram socialistas !
ResponderExcluirAlexandre, a resposta está no artigo. A quebra da bolha de crédito (que não é culpa apenas de banqueiros, como vc diz) fez com que governos JÁ endividados explodissem seus balanços. A falta de competitividade desses países foi a pá de cal, lembrando da insustentabilidade de suas finanças, especialmente da Previdência Social.
ResponderExcluirSão fatos.
Engraçado que quando aconteceu a catástofre nuclear japonesa, o diretor do conselho economico nacional do Obama, Larry Summers, chegou a dizer que isso poderia dar um boost temporário ao PIB japones. - devido aos gastos de reconstrução.
ResponderExcluirQuando um PHD consegue defender uma falácia tão antiga quanto essa, tão refutada ao longo do tempo, você começa a questionar a honestidade intelectual de alguns keynesianos.
G.S.
Eu discordo um pouco de você Rodrigo. Vamso aos fatos.
ResponderExcluirPrimeiro, o megabilionário norte-americano Warren Buffet -dono de um patrimônio líquido de US$ 50 bi-- escreveu um texto jocoso no Time, no dia 15 de agosto. A contrapelo do ultra-neoliberalismo que pretende escavar o abismo com um duplo degrau de arrocho fiscal e vetos à taxação dos ricos, Buffet convocou o fisco dos EUA a deixar de mimá-lo com isenções absurdas da era Bush. "Enquanto os pobres e a classe média lutam por nós no Afeganistão, e enquanto a maioria dos americanos luta para sobreviver, nós, os megarricos, continuamos a receber nossos extraordinários incentivos fiscais". Buffet poderia ter incluído uma menção generalista citando a extinção da CPMF no Brasil, promovida em 2007 por uma coalizão midiático-conservadora. Passemos. Nesta 3º feira, foi a vez de um grupo de 16 endinheirados franceses seguir seu caminho. Em carta enviada ao 'Le Nouvel Observateur' eles conclamam o Estado francês a assumir suas responsabilidades fazendárias instituindo taxa extra sobre grandes fortunas. Tem aí um jogo combinado com Sarkozy. O aspirante a 'petit de Gaulle' anuncia nesta 4º feira medidas de arrocho para conter o déficit público. Um adicional mínimo sobre grandes fortunas suavizaria a percepção crescente de que há um escalpo em marcha no planeta: os prejuízos com a crise serão compartilhados de forma isonômica com os pobres que não usufruiram os lucros precedentes. O jogral orquestrado não exclui a preocupação subjacente de um gesto preventivo para não perder os dedos. No caso dos EUA o dono da mão diz claramente que os centuriões encarregados de protege-la foram longe de mais: ‘Meus amigos e eu já fomos bastante mimados por um Congresso amigável com os bilionários', denunciou Buffet. A forma caricata como as coisas se manifestam em certos momentos não deve ofuscar a a gravidade das tensões que elas revelam. A crise atingiu um ponto tal que franjas de endinheirados começam a a acenar com anéis, ainda que sejam imitações baratas dos originais guardados nos cofres.O privilégio desfrutado no ciclo neoliberal, segundo os próprios beneficiados, só foi possível porque o Estado recuou a ponto de se inviabilizar fiscalmente, substituindo o imposto sobre a riqueza por um endividamento público paralisante. Para metabolizar o passivo resultante desse processo três formas são identificáveis na história: a) hiperinflação ou guerra devastadora, ambas dotadas de capacidade destrutiva para eliminar fisicamente uma parte do problema; b) imposto significativo sobre grandes fortunas, sobretudo do setor financeiro; c) arrocho, desemprego e sequestro de direitos sociais.
Portanto, eu acho q questão é bem mais complexa que o seguro desemprego frânces.
A Espanha tinha um déficit público de 2,2% e dívida pública de 39% em 2007 e o déficit subiu para 11,2% e a dívida para 60% em 2009. A Irlanda tinha um déficit de 0,7 % em 2007 e subiu para 32,4% em 2010. Sua dívida pública subiu de 25% em 2007 para 96% em 2010. Está tudo no Eurostat, agência de estatística da Europa. Esse aumento não foi por causa do modelo europeu mas resultado de ajuda aos bancos, principalmente na Irlanda onde o setor foi praticamente estatizado. Essa crise soberana é resultado da ajuda estatal ao bancos e não do modelo europeu. Pode até ter um exagero aqui ou ali (como seguro desemprego por anos) mas o modelo espanhol ou irlandês (isso sem contar os outros países) tinham déficits baixos.
ResponderExcluirNinguém disse que o problema era SÓ o seguro desemprego francês, ele foi citado como um exemplo.
ResponderExcluirWarren Buffet é um mega rico de esquerda, Eike Batista é outro, e daí? Não muda nada, a verdade (ou a mentira)não depende de quem fala ela.
E se ele se incomoda com os pobres morrendo por ele no afeganistão, porque não luta pelo fim da guerra então, ao invez de lutar por mais gastos inúteis (como essas guerras)?
ntsr.
obs: parece que alguns comentários estão sumindo ou é impressão minha?
Não é exagero afirmar que toda a decadência da economia de nossa civilização foi aqui explicada de forma muito clara:
ResponderExcluirnão há como manter benefícios sem a contrapartida do beneficiário.
No Brasil se instituiu uma suprema heresia contra a realidade econômica: o benefício eterno a milhares, mantido por poucos que não recebem benefício algum.
Anna, "anônima" (sem URL)