Editorial do Estadão
Primeiro, a boa notícia: a banda limpa da Câmara dos Deputados congrega 1/3 dos seus 513 membros. São os 166 deputados que, embora protegidos pelo escrutínio secreto, tiveram a decência de votar pela cassação da colega - no sentido puramente formal do termo - Jaqueline Roriz, do PMN do Distrito Federal(DF), filha do notório capo político local Joaquim Roriz. A notícia é boa porque até experientes observadores dos modos e costumes do Legislativo brasileiro calculavam que a bancada da decência seria muito mais rarefeita. Nada, nada, é um consolo.
Agora, a constatação devastadora: Lula talvez tenha sido até generoso quando disse, em 1993, que havia no Congresso "uns 300 picaretas que defendem apenas seus próprios interesses". A julgar pelo desfecho da votação de anteontem, pode-se presumir que só na Câmara eles sejam ainda mais numerosos. São, antes de tudo, os 265 que absolveram a parlamentar filmada em 2006 recebendo dinheiro do pivô (e depois delator) do chamado mensalão do DEM, Durval Barbosa. A bolada se destinava ao caixa 2 da campanha de Jaqueline a um segundo mandato na Câmara Legislativa do DF. A cena foi divulgada em março último pelo portal do Estado.
Aos 265 que não perderam mais essa oportunidade de induzir a opinião pública a perder as migalhas de respeito que ainda pudesse ter por seus representantes, somem-se os 20 que se abstiveram e os 62 que nem sequer compareceram à sessão. Dá um total de 347 deputados. Mesmo que um punhado deles possa oferecer desculpas aceitáveis para a abstenção ou a omissão, o número é acachapante. Não custa lembrar que, em decisão aberta, o Conselho de Ética havia aprovado por 11 a 3 o pedido do PSOL de abertura de processo contra Jaqueline por quebra de decoro, para a sua subsequente expulsão da Casa.
A rigor, os que preservaram o mandato da deputada agiram como quem faz um seguro para proteger a própria carreira. Afinal, mais dia, menos dia, podem surgir contra qualquer deles provas irrefutáveis de bandalheiras que tenham praticado antes de se aboletar no Legislativo federal, pondo em xeque o bem-bom de que desfrutam. A cassação de Jaqueline abriria um intolerável precedente. Criaria uma legítima jurisprudência política, segundo a qual o procedimento indecoroso é incompatível com o processo eleitoral e a atividade parlamentar, seja quando e em que circunstâncias haja ocorrido. Não se trata de refazer a história, como alegam desavergonhadamente os defensores da impunidade.
A razão é simples: os 100.051 eleitores do DF que em outubro passado marcaram na urna eletrônica o nome de Jaqueline não sabiam que ela recebera dinheiro sujo ao menos uma vez, no vasto esquema rorista de corrupção mantido pelo então governador José Roberto Arruda, do DEM. (A propósito, também ele foi flagrado embolsando R$ 50 mil do mesmo operador Durval Barbosa que financiou Jaqueline.) Ainda que 100.050 daqueles eleitores não dessem a mínima para o delito posteriormente evidenciado, bastaria um único caso de lesa-eleitor para tornar ilegítimo o mandato da deputada.
Contesta-se a Lei da Ficha Limpa porque ela impede o registro da candidatura de políticos que tenham sido inculpados por fatos anteriores ao advento da medida saneadora. O argumento é que as leis só podem retroagir em benefício dos réus. Na realidade, porém, o passado de um candidato não pode conter transgressões ao princípio constitucional da moralidade na vida pública. Assim também na questão do decoro parlamentar. Trata-se de uma exigência que precede o momento em que o político põe os pés pela primeira vez numa Casa legislativa.
Já para os deputados que seguraram a cadeira de Jaqueline Roriz, para garantir as deles em circunstâncias similares, é como se a integridade não fosse parte inamovível do caráter de cada qual. Teria uma espécie de prazo de validade às avessas e poderia, ou não, se manifestar conforme a circunscrição territorial em que se movem. Isso, em meio à aberração do voto secreto no Parlamento. Nesse sistema de valores virado de ponta-cabeça, nada mais natural do que a queixa de Jaqueline, antes da votação, de que a imprensa, ao expô-la, havia destruído a sua "honra".
O arquivamento do processo, dentro do atual quadro de descalabro no Bananão, era o único desfecho possível. Assim, nada de novo no front ocidental...
ResponderExcluirHá, entretanto,um comentário paralelo que eu gostaria de fazer, com relação ao Jornal Nacional da Globo. Tenho assistido às suas edições através da Globo Internacional, aqui nos EUA, e é um espanto (ou uma vergonha, como queira!) o papel representado por esses dois leitores de notícias, fantasiados de jornalistas, William Bonner e Fátima Bernardes, pois eles relatam as maiores barbaridades e indignidades com cara de paisagem. Não há nenhum traço de crítica, de juízo de valor, nada! A impressão que dá é a de que se trata de um casal de argentários, interessado apenas em preservar seus milionários empregos e, ao fazê-lo, denigrem a profissão dos jornalistas, relegada ao rasteiro e simplório plano da leitura. Uma vergonha!
De total acordo com o comentário do colega das 11:15AM.
ResponderExcluirOs jornalistas brasileiros são de péssima qualidade. Refletem, talvez, o nível dos telespectadores. Não vemos aqui jornalistas de verdade como encontramos nos EUA.
O "Anonymous" fez uma associação interessante: os jornalistas brasileiros, em sua maioria, estão em sincronia perfeita com a mediocridade do seu público. E, aos que se diferenciam, resta garimpar notícias e opiniões alhures como, por exemplo, neste blog.
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