Rodrigo Constantino, sócio da Graphus Capital
A situação atual na Grécia, todos já conhecem. O que nem todos sabem é o passado grego, especialmente antes de o país ingressar no clube do euro. Este artigo tem exatamente esta intenção, qual seja, a de resgatar alguns dados sobre a Grécia e questionar como foi possível permitirem a adesão do país na moeda comum européia. A principal fonte será o livro “Bust: Greece, The Euro, And The Sovereign Debt Crisis”, de Matthew Lynn, experiente colunista de finanças da Bloomberg.
O euro foi uma criação da elite européia com objetivos claramente políticos. A maior integração permitiria a paz, tão escassa naquela região. O que seus idealizadores não anteciparam é que a moeda teria de ser defendida com gás lacrimogêneo nas ruas de Atenas. Segundo Lynn, a arrogância e a pretensão dominaram uma geração de políticos e líderes que forçaram demais a barra na direção da união monetária e política na Europa. Países culturalmente muito diversos selariam um casamento sem cláusula de divórcio. A Grécia irresponsável seria o “cavalo de Tróia” no grupo, um legítimo presente de grego que iria catalisar a crise atual.
A idéia de criar uma moeda comum na Europa não é nova. O escritor Victor Hugo chegou a aventar esta possibilidade, Napoleão Bonaparte chegou a propor este caminho, e o filósofo John Stuart Mill também advogou neste sentido. Após a queda do regime de Bretton Woods, onde as moedas eram atreladas ao dólar, países europeus tentaram replicar a idéia entre eles, com o Snake. Suas moedas poderiam oscilar contra outras, mas não muito entre si. Não funcionou direito. Apenas a Alemanha, com sua ortodoxia e disciplina, permaneceu no sistema até 1979. Em seguida veio o EMS (European Monetary System), seguindo basicamente a mesma idéia, de forma mais restrita. Também fracassou. Em vez de tais experimentos servirem como alertas, a lição extraída pelos burocratas e líderes europeus foi a de que era preciso tentar de maneira ainda mais firme uma integração monetária. Nascia o euro.
Os alemães, especialmente os membros do rigoroso Bundesbank, seu banco central, fizeram diversos alertas sobre os riscos do modelo. Mas, como se tratava de um projeto político, a idéia foi adiante mesmo assim. As pressões do Bundesbank ao menos serviram para a aceitação de normas rígidas para os países membros. Disciplina fiscal, controle da inflação e estabilidade econômica com endividamento contido seriam metas necessárias para participar do clube. O problema é que não existiam mecanismos concretos para punir os irresponsáveis. Muitos países, mesmo na época da criação do euro, flexibilizaram alguns conceitos para atingir as metas. Ainda assim, a Grécia não foi capaz de conquistar a aprovação. Foi barrada na festa.
Não foi por falta de vontade. O governo grego tentou convencer seus companheiros em Bruxelas a deixarem o país participar do euro logo na largada. Mas as contas eram feias demais. O então ministro das Finanças alemão, Theo Waigel, foi enfático ao negar as demandas gregas, alegando que um país pequeno, semi-agrário, pobre como a Grécia não estava em condições de fazer muitas exigências para nações industriais poderosas como França e Alemanha. O ministro ainda levantou a possibilidade de a Grécia jamais entrar no euro. Uma ducha de água fria para os gregos. Mas eles não desistiriam tão facilmente assim.
Na Grécia, o berço da democracia ocidental nos tempos de Péricles, o poder tem sido dividido entre duas famílias influentes desde 1940. As famílias Karamanlis e Papandreou tratam o pequeno país como um feudo particular. George Papandreou, avô do atual primeiro-ministro, ocupou o poder três vezes, a primeira começando em 1944 e a última terminando em 1965. O pai do atual primeiro-ministro, Andreas Papandreou, dominou a política grega durante os anos 1970 e 1980, chegando perto de um regime como o modelo soviético socialista. A família Papandreou, portanto, esteve no poder desde 1940, com alguns períodos de ausência. Estes foram ocupados pela família Karamanlis. É uma espécie de modelo medieval de troca de poder entre as duas famílias.
Dionísio, o Antigo, tirano de Siracusa que nasceu por volta de 430 a.C., governou a cidade com mão-de-ferro e, após incorrer em vastas dívidas para financiar suas extravagâncias e campanhas militares, assim como os espetáculos para o povo, ficou sem dinheiro. Como solução, Dionísio obrigou todos a entregar seus recursos ao governo, sob pena de morte para quem se negasse. De posse de todas as moedas de dracma, ele simplesmente estampou em cada uma um novo valor, duas vezes maior, e usou as novas moedas para pagar suas dívidas. Simples assim. A Grécia moderna não iria se sair muito melhor. Desde 1800 até depois da Segunda Guerra Mundial, a Grécia esteve quase sempre em situação de “default”. Como mostram Rogoff e Reinhart em seu livro “Desta vez é diferente”, a Grécia possui um histórico de calote pior que qualquer vizinho europeu, e até mesmo pior que os países latino-americanos, à exceção de Equador e Honduras.
A Grécia, por sua posição geográfica estratégica, sempre foi palco de interesses na Guerra Fria. O país possui um poderoso partido comunista, o KKE, que seguia uma linha de obediência a Moscou. Após a guerra, a Grécia viveu anos de guerra civil entre comunistas e forças leais à democracia ou monarquia. O que ficaria desta época seria um legado de rancor, conspiração e violência no país, acostumado às greves gerais e badernas dos comunistas. Em 1967, um grupo de coronéis tomaria o poder por meio de um golpe, instalando uma junta militar que governaria até 1974. Em 1973, a inflação bateu 30% ao ano, e a economia estava em ruínas, o que levou à deposição da junta. A família Karamanlis assumiria o poder e iria nacionalizar boa parte da economia, incluindo os bancos.
Em 1981, com a democracia restaurada, Andreas Papandreou foi eleito primeiro-ministro. A Grécia iria flertar com o socialismo total. Economista que estudou em Harvard, Papandreou rejeitava o modelo capitalista de livre mercado como meio para um futuro mais próspero. A Grécia se voltava com mais força para a esquerda em uma época em que a Inglaterra de Thatcher e os Estados Unidos de Reagan seguiam na direção oposta. Os salários foram aumentados de forma artificial, os sindicatos foram fortalecidos, e os bancos estatais foram usados para estimular indústrias que não eram competitivas. Em 1980 o governo controlava 30% do PIB, mas em 1990 esta parcela já era de 45%. A inflação saía de controle novamente, chegando a 25%. O dracma seria desvalorizado em 15%. A União Europeia ajudaria o país com um empréstimo de emergência. Conforme nota Lynn, a Grécia descobria um padrão: um novo governo entra, embarca em um programa de gastos extravagantes, a economia desaba, o governo anuncia um pacote de austeridade e recebe um resgate da União Europeia.
O dracma é uma das moedas mais antigas do mundo. Foi reintroduzido na Grécia em 1832, após o estabelecimento do estado moderno. Em 1944, um segundo dracma foi emitido, após a devastação nazista. Em 1954, mais uma emissão substituía a moeda antiga e fracassada. Em 1994, o dracma sofreria ataque especulativo dos mercados, por conta de suas finanças fora de controle. A dívida pública estava em 110% do PIB na época. A taxa de juros chegou a 500% para segurar a moeda. Metas de austeridade foram anunciadas, mas não foram cumpridas. Em 1997, o dracma sofreu novo ataque, e os juros chegaram a 150%. De 1995 até 2004, os gastos do governo ficaram na faixa dos 50% do PIB, com um déficit fiscal entre 6% e 15%. A dívida pública em 2004 já estava acima de 100% do PIB novamente.
De qualquer ângulo analisado, a economia grega não tinha condição alguma de competir em pé de igualdade com as demais economias do norte, assumindo uma moeda única. O turismo era um dos principais setores da economia, faltando competitividade nos demais setores. Vários alemães sabiam disso e ficaram contra a entrada da Grécia no euro, que fora criado como um time de atletas preparados, e não um clube de recreação. Antes era preciso fazer o dever de casa, para somente depois ter o privilégio de fazer parte do seleto grupo. Mas a visão ortodoxa alemã seria a perdedora, e mesmo no lançamento do euro, em 1999, países como Itália, Espanha e Portugal foram aceitos, sem plenas condições para tanto. A Grécia foi barrada no baile neste primeiro momento.
Mas, após verdadeiras “mágicas” que, de uma hora para outra, tornaram suas contas públicas mais saudáveis, a Grécia foi finalmente aceita em 2001. Um feriado nacional foi decretado logo depois. A Grécia fazia parte agora do clube dos países ricos, sem ter passado pelos necessários ajustes econômicos. Se Milton Friedman dizia que não existe almoço grátis, tal alerta não chegou aos gregos. A Grécia descobriu que poderia, como um alquimista, transformar chumbo em ouro. O país, de repente, era capaz de tomar empréstimos de bilhões de euros a um custo infinitamente menor. Na verdade, o “spread” em relação a rica Alemanha chegou a ridículos 0,5% ao ano. Era a convergência por magia, pela simples adoção da moeda comum.
Esta idéia fantástica iria conquistar muitos políticos, especialmente os de esquerda, que adoram sonhar com uma revolução mágica, que de uma só vez cria o paraíso terrestre. Este sonho permitiu que os gregos – e muitos outros – ignorassem a dura realidade, evitando perguntas incômodas. Um país sem competitividade, acostumado a viver além de suas posses, sem estabilidade econômica e política, passaria de um dia para o outro a adotar uma postura fiscal ortodoxa. Alguns argumentam, não sem razão, que o euro ao menos impõe reformas de austeridade que nenhum partido liberal seria capaz de realizar na Grécia. Mas devemos perguntar: a que custo? As revoltas violentas tomam as ruas de Atenas uma vez mais. Será que seu destino desta vez será diferente? Será que a simples adoção de uma moeda comum pode transformar o Maranhão europeu em uma Suíça, da noite para o dia?
Para isso acontecer, além de inúmeros outros obstáculos, seria preciso que os próprios gregos aceitassem um grau de ingerência alemã muito maior em sua política. Afinal, são os alemães que podem acabar sendo obrigados a pagar a conta da farra das cigarras gregas. A Grécia conta com o poder da chantagem, pois um “default” poderia ser catastrófico para a moeda comum, que não possui uma estratégia de saída. Outros países, incluindo a Itália, seriam contaminados pelo contágio bancário. E a Grécia sempre soube usar a chantagem como arma para obter resgates. Mas até quando os disciplinados alemães vão tolerar esta situação? Se o preço for maior controle alemão nas contas públicas gregas, será que os gregos aceitariam? Não custa lembrar que a Grécia sofreu barbaramente sob o regime nazista, com cerca de 300 mil pessoas morrendo de fome em Atenas durante o inverno de 1941 e 1942.
Como espero ter deixado claro acima, o casamento entre alemão e grego sob um regime monetário comum sem cláusula de saída é um empreendimento mais que ousado; é irresponsável. A Grécia semi-agrária, indisciplinada e sob o controle da mesma família há décadas não vai se transformar em um país estável e decente de uma hora para a outra. Os pacotes de resgate para salvar a Grécia estão destinados a um fundo perdido, pois as promessas de austeridade não passam disso: promessas, que não serão cumpridas. Fica então a pergunta-chave no ar: até quando os alemães vão sustentar o Maranhão da Europa para salvar o projeto do euro?
Muito bom, Rodrigo! Não tinha lido nada tão esclarecedor sobre a Grécia!
ResponderExcluirCaro Constantino
ResponderExcluirainda acho que essa crise na europa vai dar em conflito armado e você esqueceu de mencionar que a Grécia foi parte do império otomano, e o ultimo rei está até hoje exilado em londres, ou seja, tem um background complexo.
O governo é culpado, os bancos também são culpados mas quem vai pagar é o povo. A economia despencou 5% no segundo trimestre mas a receita é sempre a mesma : arrocho fiscal e cortes de salários ! Aí descobrem que os cortes não foram suficientes porque a economia está em recessão. E os líderes europeus, para ganhar tempo em salvar o sistema bancário europeu, aconselham mais cortes ! Não tem saída : é moratória e alívio nos ajustes fiscais. Quando a economia respirar, aí pensa em fazer reformas para acabar com as "mordomias" do povo grego. Mas agora é uma coisa totalmente fora da lógica.
ResponderExcluirMudando um pouco de assunto. Você poderia escrever algo sobre a situação dos vendedores ambulantes em SP??? VocÊ não acha que isso é um caso de intervenção estatal no comércio?
ResponderExcluirBancos aceitaram calote de 50 % da dívida grega e as bolsas voltaram a ter alta na Europa.
ResponderExcluirSalvo equívoco de minha parte, a Argentina fez algo parecido no primeiro mandato do falecido marido da Cristina.
Acho que Alexandre tem uma certa razão. O problema social obriga qualquer governo a deixar as obrigações contratuais com os bancos em segundo plano. E estes têm de aceitar o calote. É o risco que assumem ao emprestar a governos.
E querem saber? Os bancos, mesmo caloteados, mais cedo ou mais tarde perdoam as dívidas e acabam fazendo novos empréstimos (rs). Não resistem à perspectiva de ganhos, sobretudo com juros mais elevados.
Não sou economista. Desculpem as imprecisões técnicas.
Oficialmente, foi um perdão de dívida e não um calote.
ResponderExcluirWikipedia: There ain't no such a thing as a free lunch. The phrase and the acronym are central to Robert Heinlein's 1966 libertarian science fiction novel The Moon is a Harsh Mistress, which popularized it.[2][3] The free-market economist Milton Friedman also popularized the phrase[1] by using it as the title of a 1975 book, and it often appears in economics textbooks.
ResponderExcluirMilton é um copião. kkkkk
É uma das minhas frases prediletas também, explica muita coisa.
Faltaram enormes detalhes para ressaltar a situação grega. Resalva, a Italia é um membro fundador da União Européia, não é uma Espanha ou uma Grécia, e ademais a italia tem tecnologia e industria, o que acontece é que esta mal governada, as contas publicas arrasadas e a competitivadade caindo, mas isso é outro assunto e quando da criação da moeda única a situação italiana era bem outra e poderá inverter com um governo consciente e não um palhaço que serviu de exemplo para o camelo Silvio Santos.
ResponderExcluir--------------
Nas TVs portuguesas, a situação na Grécia é contada através da seguinte narrativa: eis um pobre povo periférico que está a sofrer as agruras de uma crise internacional, eis um povo do sul da Europa a sofrer às mãos da pérfida Merkel. Ora, já é tempo de sair desta superficialidade. Já é tempo de perceber que os gregos têm muitas culpas no cartório. Já é tempo de escavar a sério na situação grega. E, assim que começamos essa investigação, a conclusão é invariavelmente a mesma: os gregos não foram sérios, não estão a ser sérios. Os gregos levaram a lógica dos "direitos adquiridos" até à demência, até à falta de vergonha.
Não vamos esquecer que o gregos falsificaram as contas para entrar na zona-euro.
ResponderExcluirPara muitos brasileiros especialmente os petistas a sociedade grega certamente é ok,pois parece muito com a sociedade brasileira, onde funcionario publico tem 6 meses de ferias remuneradas, um absurdo.
Também é bom lembrar que a "Troika" encontrou 800 mil pessoas na Grécia que já morreram, mas que continuam a receber pensão.Imagino que isso tambem acontece e muito no Brasil.
A Grécia atual não é mais aquela Grécia antiga, depois da invasão otomana uma tempestade de areia passou pela Grécia deixando um herança otamana.
Não há males que não venham para o bem: para os simpatizantes da entrada da Turquia na UE, fica o aviso grego. É um trailer e de graça.
Hoje a saída da Grécia da zona-euro deixou de ser tabu, poderá ser durissimo não somente para a zona-euro e a União Europeia, mas tambem será para o resto do mundo, no entanto espero veemente que que os alemães e franceses corram com a Grécia da zona-euro e da UE. Chega de estragos, talvez a elite seja realmente necessária.
Bravo o Sarkozy que semana passada disse perante as cameras da tv estatal francesa que a entrada da Grécia foi realmente um erro e que apresentaram numeros falsos para fazerem parte do euro-grupo.
Bravo Sarkozy!