JOÃO PEREIRA COUTINHO, Folha de SP
Foi uma semana de comédia. Falo da última, na Europa, com a "presidenta" Dilma Rousseff entre os nativos. Na reunião do G20, em Cannes, Dilma teve o pior momento e o melhor momento de todo o circo.
O pior momento foi a solução que a "presidenta" encontrou para a crise do euro. Pergunta prévia: a Europa do sul endividou-se loucamente nos últimos dez anos por que a moeda comum permitiu juros baixos e acesso fácil ao crédito para países sem disciplina fiscal ou crescimento econômico?
Nova pergunta: os gastos públicos desses países, sem falar dos gastos privados, atingiram níveis incomportáveis?
Mais uma: o envelhecimento da população, juntamente com uma baixíssima taxa de natalidade, esgotou os sistemas de previdência tradicionais?
Dilma tem a solução: uma bolsa família global. A experiência correu bem no Brasil, disse Dilma, e a Europa do sul, que está falida precisamente por causa do seu generoso modelo de bem-estar social, precisa de mais uma bolsa para juntar às incontáveis bolsas que enterraram a Grécia, Portugal, Itália, talvez a Espanha.
Na Redação do jornal onde trabalho, aqui em Lisboa, as gargalhadas foram tantas que por momentos pensei que a "presidenta" tinha contado uma piada.
Não tinha. A piada veio a seguir, no melhor momento de Dilma. Mas, primeiro, alguns fatos. Duas semanas atrás, Merkel e Sarkozy pensaram que a crise do euro estaria resolvida com o pacote.
Sim, um calote grego "controlado" aliviaria Atenas de metade da sua dívida nas mãos dos credores privados. Sim, os bancos seriam recapitalizados para aguentar o calote. E, sim, o Fundo Europeu de Estabilização Financeira seria reforçado: dos modestos 440 bilhões de euros passaria para 1 trilhão.
Os mercados festejaram nas 24 horas seguintes. Mas, depois da farra, os especialistas começaram a fazer contas. A revista "The Economist" foi um deles. Um perdão parcial da dívida grega é importante, com certeza, mas será que a Grécia poderá crescer com uma dívida que continua sendo 120% do PIB mesmo depois do calote?
Sem falar dos bancos: eles precisam de 106 bilhões de euros nos próximos meses. Mas que tipo de implicações isso terá na concessão de crédito para a economia real, sobretudo no momento em que ela mais necessita de financiamento?
E, finalmente, o fundo de estabilização. Um trilhão é número assustador, sem dúvida. Mas o que acontece se a Itália precisa de um resgate -uma evidência que cresce a cada dia que passa? Onde estão os 2 trilhões de euros? Aliás, onde está o trilhão prometido por Merkel e Sarkozy?
O entusiasmo começou a esfriar. As Bolsas começaram a despencar. Os líderes europeus começaram a gaguejar: a China, a Índia, talvez o Brasil estejam disponíveis para colaborar.
Não estão, não, disse Dilma. E acrescentou: se os europeus não põem dinheiro no fundo, como podem esperar que outros o façam?
Na Redação do meu jornal, ninguém riu dessa vez. Só eu, bem alto: Dilma captou o problema central da crise europeia.
E o problema central é o estado de alienação em que vivem os líderes. Esse estado de alienação ficou exposto com a decisão do premiê grego de convocar um plebiscito no país para referendar as novas medidas de austeridade. Insensato?
Não direi. Insensato seria Papandreou ignorar o mundo em volta: as ruas de Atenas em chamas; um governo em processo de desagregação; a ocupação efetiva de seu país por burocratas europeus que passarão a governar de fato; e rumores constantes de golpe militar (não foi por acaso que o governo grego decidiu mudar, de forma intempestiva, as chefias militares do país).
Infelizmente, Papandreou não entende a natureza política da União Europeia, que sempre atuou ignorando, ou violentando, a vontade democrática dos europeus.
Como violou agora, ameaçando a Grécia de expulsão do euro e forçando Papandreou a recuar no seu referendo. Papandreou, como um cachorrinho obediente, recuou.
Só espero que, da próxima vez que a "presidenta" cruzar o Atlântico, a Europa conserve, pelo menos, a fachada "democrática" que vai caindo semana após semana. Não se assustam as visitas com os nossos horrores domésticos.
E qual a solução para a crise do euro ? Mas tem que ser objetivo.
ResponderExcluirPromover um governo de austeridade, cortando gastos públicos ineficientes; promover ajustes fiscais, através de incentivos e redução de impostos alavancando a produção de bens e serviços..."Conter" a impressão desenfreada de moeda...Várias medidas podem ser adotadas.
ResponderExcluirRicardo, também reduzir drasticamente a política de bem-estar social, que demonstrou ser ineficiente do ponto de vista econômico.
ResponderExcluirCoisa que nossa governANTA não percebe, ao propor uma bolsa família global que iria aumentar ainda mais a dívida pública...
O que já se está discutindo é se vale a pena salvar o Euro.
ResponderExcluir1. Argumento do Mão Visível: A IMOBILIDADE DA MÃO DE OBRA por motivos da natureza da estrutura da produção e da economia de cada país, por motivos culturais, lingüísticos, com seus reflexos em sua moeda comum vai ao cerne da questão do Euro no longo prazo.
2. Argumento do Blog do Kleber S. O EFEITO CHINA. Os Baixinhos PIIG compram bagulhões (carros, aviões) dos chamados países "centrais", mas estes compram bagulhinhos da China, não dos Baixinhos. Isto gera déficit em CCI, o que força o endividamento continuo daquelas nações.
3. The euro has helped both to create and sustain the crisis in Europe. IT CAUSED INTEREST RATES TO PLUNGE IN SOUTHERN EUROPE, encouraging countries such as Italy and Greece to go on a borrowing binge.
To the EU bail-out fund – or even to the IMF – there simply may not be enough money to meet its needs. It would be like an elephant getting into a life raft.
Rather than insisting that the break-up of the euro is unthinkable, Europe’s leaders need to start planning for it. (Gideon Rachman, Financial Times, http://rodrigoconstantino.blogspot.com/Saving the euro is the wrong goal)
O mais interessante é que estas três análises servem muito bem para compreender a relação do Brasil com seus estados, do MERCOSUL com relação ao Brasil como também a relação entre outros mercados associados.
Acho que a questão da natureza intrinsicamente anti-democrática da UE é importantíssima, e nunca havia visto este blog tocar nesse assunto antes. Falou-se para os povos da Europa que os mais pobres iriam ter grana à vontade. E eles foram à farra. Mas escondeus-e a contrapartida disso, isto é, que decisões políticas importantes seriam tomadas fora de suas fronteiras.
ResponderExcluirA idéia original do Mercado Comum Europeu era bastante libertária, era uma chamamento aos governos dos diversos países para que eles, livremente, desengessassem o sistema de trocas e permitissem uma maior geração de riquesas e integração econômica. Logo o projeto foi deturpado no sonho da construção de um império, governado por burocratas que ninguém controla.
Talvez os europeus estejam agora numa arapuca. Desmontar a moeda comum será extremamente caro e pode gerar instabilidades políticas graves e uma terrível crise social. Mas manter a moeda comum talvez requeira descascar o verniz da "democracia européia".
Melhor acabar com esse frankstein chamado euro agora do que aprofundar os erros e crimes.