Rodrigo Constantino, O GLOBO
Completam-se hoje duas décadas da assinatura do Tratado de Maastricht, marco da criação da União Europeia. A data é adequada para uma análise da situação na região, que vive sua pior crise desde então, com a maior taxa de desemprego dos últimos tempos. A própria sobrevivência do euro não está garantida.
O projeto que criou a moeda comum partiu das elites europeias, incluindo socialistas franceses que sonhavam com um meio para recuperar seu prestígio e influência. O principal objetivo era político: domar a Alemanha recém-unificada. A ortodoxia de seu banco central (Bundesbank) e as reformas conhecidas como “ordoliberalismo” transformaram o país em uma potência na região. A valorização do marco frente às demais moedas era uma constante humilhação para todos.
O sonho de se criar os Estados Unidos da Europa veio a calhar para aqueles que desejavam enterrar de vez o Bundesbank. Mas os alemães não iriam sucumbir facilmente. Houve muita resistência ao projeto, e o maior receio era justamente a perda do rigor monetário. O Banco Central Europeu (BCE) teria que ser independente. Nenhum país poderia ter mais que 3% do PIB em déficit fiscal ou mais de 60% do PIB de dívida pública.
Tudo acertado, foi dada a largada rumo à convergência. Quando gregos, portugueses, espanhóis e italianos puderam se endividar pagando taxas alemãs, teve início uma farra de crédito. O estado de bem-estar social encontrou farto financiamento para suas benesses. Todos pareciam felizes. Mas havia um detalhe: aqueles países continuavam muito diferentes entre si.
Enquanto a Alemanha fazia seu dever de casa, o restante acumulava dívidas impagáveis. A Grécia é um caso extremo, mas a situação é caótica para os outros também. Com a crise deflagrada em 2008, a era da bonança de crédito fácil acabou. A Europa, que nadava nua, ficou exposta.
Logo surgiram fortes pressões para duas medidas: união fiscal e atuação mais agressiva do BCE. No primeiro caso, fala-se de “solidariedade”, o que pode ser traduzido como os mais trabalhadores e produtivos sustentando os mais preguiçosos e ineficientes. No segundo caso, trata-se da saída inflacionária, uma espécie de calote disfarçado.
Nenhuma das alternativas agrada os alemães. Ficar transferindo mesada para gregos não pode ser uma solução séria para a crise. Quanto à inflação, os alemães morrem de medo, pois já passaram por isso e o resultado foi Hitler. Por isso os alemães insistem tanto na necessidade de duras reformas de austeridade.
Apertar os cintos, contudo, exige postura de estadista, que foca no longo prazo. Estadistas estão em falta na Europa (e no mundo). Os políticos parecem preocupados apenas com as próximas eleições, e desejam empurrar os problemas com a barriga. O que querem é mais estímulo fiscal e monetário. Mas foi justamente isso que agravou a crise!
O acúmulo de rombos fiscais e endividamento está no cerne dos problemas atuais. As autoridades pedem mais veneno para curar a doença. Na vã esperança de evitar a ressaca, sonha-se ser possível permanecer eufórico com mais bebida.
O governo Obama foi por este caminho, produziu o maior déficit fiscal da história americana, o banco central inundou os mercados com dólares, mas o desemprego segue elevado e a economia patinando. Os investidores sabem que terão de pagar a conta, e perdem a confiança no futuro. E quem produz riqueza de fato é o setor privado, não o governo.
O que existe na Europa é um grave problema de baixa competitividade nos países periféricos, além da enorme dívida e de uma bomba-relógio demográfica, mortal para o welfare state. A região perdeu dinamismo, as “conquistas” trabalhistas engessam a economia, e os privilégios do setor público criaram uma classe de parasitas acomodados. Nada disso vai ser resolvido com mais estímulos do governo.
Austeridade ou crescimento? Trata-se de uma falsa dicotomia. O governo, para gastar, precisa tirar do setor privado via impostos ou produzir inflação, o que dá no mesmo. A diferença é que alguns focam somente no curtíssimo prazo, enquanto outros estão preocupados com a sustentabilidade do crescimento.
O ministro das Finanças alemão compreende isso, e declarou que uma redução razoável dos elevados déficits é condição sine qua non para um crescimento sustentável. Já a França deve eleger um socialista, cujo discurso vai à contramão das reformas necessárias para sair da crise.
Duas décadas depois do Tratado de Maastricht, os membros da zona do euro ainda falam línguas diferentes. Assim fica muito difícil salvar este casamento.
Rodrigo,
ResponderExcluirVoce poderia, por gentileza, citar alguma bibliografia que demonstre o interesse dos socialistas franceses, em domar a recém unificada alemanha.
Atenciosamente,
Mario Vargas
Leia "The Tragedy of the Euro", de Philipp Bagus, ou "Bust", de Matthew Lynn. Mas é uma opinião bastante difundida, inclusive com afirmações das próprias autoridades europeias atuais e da época.
ResponderExcluirRodrigo
ResponderExcluirUm dos maiores entusiastas da União Européia foi o Helmut Kohl. Se fosse somente um projeto dos socialistas franceses, com certeza não seria aprovado. Não é possível acreditar uma União Européia sem o apoio da economia mais poderosa da Europa, no caso, a Alemanha.
Obrigado pelos livros, desejo boa sorte em sua luta e parabéns pelo seu trabalho. Esse assunto me interessa bastante e estava em busca de maiores informações.
ResponderExcluirAgradecidamente,
Mario Vargas