Idéias de um livre pensador sem medo da polêmica ou da patrulha dos "politicamente corretos".
sexta-feira, fevereiro 03, 2012
Lembranças de 2006
Rodrigo Constantino
Os trechos abaixo foram retirados de "Lembranças de 1848", de Alexis de Tocqueville, sobre o julgamento que o autor fazia do então presidente da República francesa.
"Luís Napoleão era muito superior ao que sua vida anterior e suas loucas empresas tinham-nos dado o direito de pensar. [...] Nesse sentido, enganou os adversários e talvez mais ainda os amigos, se é que se pode chamar assim os políticos que patrocinaram sua candidatura. A maioria o escolheu, com efeito, não por seu valor, mas por sua suposta mediocridade. Acreditaram encontrar nele um instrumento que poderiam usar à vontade, e que lhes seria permitido inutilizar quando quisessem. Enganaram-se redondamente."
"Sua dissimulação, que era profunda como a de um homem que passou a vida entre complôs, apoiava-se especialmente na imobilidade de seus traços e na insignificância do olhar, pois os olhos eram baços e opacos, como vidros espessos destinados a iluminar os camarotes dos barcos, que deixam passar a luz, mas através dos quais não se enxerga."
"Diz-se que sempre foi muito dado aos prazeres e pouco delicado na escolha. A paixão pelos gozos vulgares e o gosto pelo bem-estar haviam aumentado ainda mais com as facilidades do poder."
"De resto, pode-se dizer que foi sua loucura, mais que sua razão, que, graças às circunstâncias, constituiu seu êxito e sua força: pois o mundo é um estranho teatro. Há nele momentos em que as piores peças são as que alcançam os maiores triunfos. Se Luís Napoleão tivesse sido um homem sensato, ou mesmo um homem de gênio, jamais se teria tornado presidente da República. Confiava em sua estrela; acreditava firmemente ser o instrumento do destino e o homem necessário."
"O traço característico e o fundamental de seu espírito, em matéria de política, era o ódio e o desprezo às assembleias. [...] revoltava-se à idéia de sofrer a influência de um Parlamento."
"[...] e creio também que, para ele, sua inferioridade na discussão tornava, em geral, o contato com os homens de espírito bastante penoso. [...] Precisava de crentes em sua estrela e de adoradores vulgares de sua fortuna. Não se podia, pois, aproximar-se dele sem passar por um grupo de servidores íntimos e de amigos particulares, a maioria dos quais, [...] podia ser definida com estas duas palavras que combinavam entre si: escroques e velhacos. Em suma, nada havia de mais baixo que seus íntimos, compostos, em grande parte, de imprestáveis e de vagabundos."
Lendo este relato, podemos quase acreditar que Tocqueville era clarividente, e mudando apenas o sobrenome depois do Luís, seria até adequado trocar o título para "Lembranças de 2006".
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