quinta-feira, março 29, 2012

Fracassamos

Marco Antonio Villa, Folha de SP

Nem o dr. Pangloss, célebre personagem de Voltaire, deve estar satisfeito com os rumos da nossa democracia. Não há otimismo que resista ao cotidiano da política brasileira e ao péssimo funcionamento das instituições.

Imaginava-se, quando ruiu o regime militar, que seria edificado um novo país. Seria a refundação do Brasil. Ledo engano.

Em 1974, Ernesto Geisel falou em distensão. Mas apenas em 1985 terminou o regime militar. Somente três anos depois foi promulgada uma Constituição democrática. No ano seguinte, tivemos a eleição direta para presidente.

Ou seja, 15 anos se passaram entre o início da distensão e a conclusão do processo. É, com certeza, a transição mais longa conhecida na história ocidental. Tão longa que permitiu eliminar as referências políticas do antigo regime. Todos passaram a ser democráticos, opositores do autoritarismo.

A nova roupagem não representou qualquer mudança nos velhos hábitos. Pelo contrário, os egressos da antiga ordem foram gradualmente ocupando os espaços políticos no regime democrático e impondo a sua peculiar forma de fazer política aos que lutaram contra o autoritarismo.

Assim, a nova ordem já nasceu velha, carcomida e corrompida. Os oligarcas passaram a representar, de forma caricata, o papel de democratas sinceros. O melhor (e mais triste) exemplo é o de José Sarney.

Mesmo com o arcabouço legal da Constituição de 1988, a hegemônica presença da velha ordem transformou a democracia em uma farsa.

Se hoje temos liberdades garantidas constitucionalmente (apesar de tantas ameaças autoritárias na última década), algo que não é pouco, principalmente quando analisamos a história do Brasil republicano, o funcionamento dos três Poderes é pífio.

A participação popular se resume ao ato formal de, a cada dois anos, escolher candidatos em um processo marcado pela despolitização. A cada eleição diminui o interesse popular. Os debates são marcados pela discussão vazia. Para preencher a falta de conteúdo, os candidatos espalham dossiês demonizando seus adversários.

O pior é que todo o processo eleitoral é elogiado pelos analistas, quem lembram, no século 21, o conselheiro Acácio. Louvam tudo, chegam até a buscar racionalidade no voto do eleitor.

Dias depois da "festa democrática", voltam a pipocar denúncias de corrupção e casos escabrosos de má administração dos recursos públicos. Como de hábito, ninguém será punido, permitindo a manutenção da indústria da corrupção com a participação ativa dos três Poderes.

Isso tudo, claro, é temperado com o discurso da defesa da democracia. Afinal, no Brasil de hoje, até os corruptos são democratas.

No último dia 15, a Nova República completou 17 anos. Ninguém lembrou do seu aniversário. Também pudera, lembrar para que?

No discurso que fez no dia 15 de janeiro de 1985, logo após a sua eleição pelo colégio eleitoral, Tancredo Neves disse que vinha "para realizar urgentes e corajosas mudanças políticas, sociais e econômicas, indispensáveis ao bem-estar do povo".

Mais do que uma promessa, era um desejo. Tudo não passou de ilusão.

Certos estavam Monteiro Lobato e Euclides da Cunha. Escreveram em uma outra conjuntura, é verdade. Mas, como no Brasil a história está petrificada, eles servem como brilhantes analistas.

Para Lobato, o Brasil "permanece naquele eterno mutismo de peixe". E Euclides arremata: "Este país é organicamente inviável. Deu o que podia de dar: escravidão, alguns atos de heroísmo amalucado, uma república hilariante e por fim o que aí está: a bandalheira sistematizada".

MARCO ANTONIO VILLA, 55, é historiador e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

5 comentários:

  1. DISCORDO DO Prof MARCO ANTONIO VILA QUANDO DIZ: "até os corruptos são democratas" A realidade nos mostra que eles "são democratas porque são corruptos" Por que tanta força para alijar os militares? Porque eles eram um empecilho à roubalheira. Botavam peias, havia sempre uma espada de Damocles na cabeça dos corruptos, oops! "democratas"...

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  2. márcio8:07 PM

    Achei o artigo excessivamente pessimista. A democracia avançou. Corrupção sempre existiu. Só que na época dos militares não existia imprensa livre para denunciar. E corrupção existe no mundo todo. Só que alguns lugares a impunidade é menor. Nisso o nosso país tem que avançar.

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  3. A desculpa de que corrupção sempre existiu mas agora aparece mais é esfarrapada, típica de petista (petralha).

    Ela aumentou e MUITO com o governo PT.

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  4. Uma das poucas coisas que Marx acertou em cheio: "Democracy is the road to socialism".

    Quando A toma o dinheiro de B para gastar com C, o resultado dificilmente vai ser eficiente, como costumava lembrar M. Friedman.

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  5. Anônimo8:07 AM

    O impeachment do Collor foi brincadeira de criança, foi uma piada perto do que existe hoje.
    Não estamos na ditadura da maioria, estamos na ditadura da maioria imbecil.

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