Idéias de um livre pensador sem medo da polêmica ou da patrulha dos "politicamente corretos".
sexta-feira, abril 13, 2012
Pensamento binário
Rodrigo Constantino
O homem tem mania de rotular. O rótulo atende a algumas funções importantes, como facilitar a compreensão de certas características de forma mais rápida. Por exemplo, quando alguém diz que Fulano é um hippie, automaticamente formamos um esteriótipo do sujeito, com inúmeras características de seu estilo de vida e mentalidade.
Mas os rótulos também são perigosos, justamente porque simplificam demais. Nem sempre (ou quase nunca) será possível enquadrar alguém, com todas as suas crenças, em um único rótulo. Infelizmente, o brasileiro tem a mania de fazer isso, e vai um passo adiante: raciocina de forma binária. Enxerga tudo como se fosse preto ou branco.
O exemplo mais evidente desta prática é a disputa entre PT e PSDB na política. Quando você ataca o petismo, você é logo tachado de “tucano”. Mas muitos, como a quase totalidade dos liberais, condenam tanto o petismo como o tucanato. Este pode até ser visto como mais light, mas nem por isso merece elogios dos liberais. Reduzir o debate político nacional a um duelo entre PT e PSDB é limitar ao extremo as opções, excluindo na largada a alternativa liberal, a melhor de todas e que nenhum partido hoje defende como bandeira.
Só que não é apenas aí que a coisa complica. Mesmo entre a tal “direita” (na falta de termo melhor), há tanta divergência que seria impossível compilar crenças tão díspares em um único rótulo. Liberais e conservadores, para começo de conversa, advogam coisas bem diferentes, com algumas interseções. Mas mesmo entre conservadores existem tipos tão diferentes que seria injusto aplicar o mesmo termo para defini-los.
Os que chamo de conservadores de boa estirpe, por exemplo, merecem total respeito dos liberais. São os seguidores de Edmund Burke, Oakshott, Ortega y Gasset, entre outros. Indivíduos que valorizam a tradição, a família, o gradualismo na evolução dos costumes, pois são céticos com utopias racionalistas, com revoluções. Colocar no mesmo saco estes conservadores e aqueles que, no fundo, idealizam a Idade Média e adorariam resgatar uma teocracia católica autoritária parece absurdo e injusto.
O típico pensamento binário dos brasileiros se mostra evidente no debate de certos temas polêmicos. Quando liberais pregam a legalização das drogas, por compreenderem que tanto do ponto de vista dos direitos individuais como dos resultados catastróficos da guerra contra as drogas isso é o certo a se fazer, esses conservadores medievalistas os acusam de “esquerdistas”, de inocentes úteis da revolução cultural gramsciana. Nada mais falso. É totalmente viável condenar a fracassada guerra anti-drogas e ainda assim valorizar a família, as boas tradições (até porque a guerra contra as drogas não é tão antiga, e começou com Nixon apenas).
Da mesma forma, é evidente que nem todo critico da Igreja Católica aplaude o suposto racionalismo da Revolução Francesa. O mundo não se resume a uma disputa entre catolicismo e iluminismo, até porque existiram mais de um iluminismo. O escocês, por exemplo, não tem nada a ver com o francês, este sim vítima do que Hayek chamou de “arrogância fatal” dos racionalistas. Logo, os liberais têm todo direito de criticar o legado negativo do catolicismo, que é bem grande, sem precisar aplaudir Rousseau e companhia.
Esta abertura do mundo das idéias em mais do que duas dimensões simplistas não interessa aos conservadores religiosos mais radicais. Para estes, é interessante se apresentar como única alternativa aos petistas no poder, ou ao fanatismo islâmico em nível global. Desta forma, todos aqueles insatisfeitos com esta agenda petista ou preocupados com a ameaça muçulmana teriam que se curvar diante desses que defendem uma espécie de resgate da era medieval, com todo seu ranço misógino, sua homofobia, seu moralismo exacerbado, a censura e a união entre Igreja e Estado novamente, cuja separação foi conquistada a duras penas e muito sangue.
Os liberais não têm que evitar críticas a esses moralistas medievais para poder atacar a esquerda em geral e o PT em particular, ou para repudiar o atraso cultural em muitos países com predominância islâmica. O mundo não se divide apenas em fundamentalistas religiosos de um lado e socialistas materialistas do outro, ou em uma teocracia contra outra. A direita tacanha ocidental é tão condenável quanto a esquerda revolucionária. E o mundo, felizmente, não é binário.
Eu fiz a crítica ao anticonservadorismo e ao anticlericalismo.
ResponderExcluirComo também disse aqui, sou ateu e não sou, pessoalmente, moralista. Fui muito influenciado, inclusive, pelo hippismo no passado, assim como pelo marxismo. Mas hoje reconheço, por realismo, que a revolução cultural deve ser combatida no Brasil, porque é no terreno dos costumes que a esquerda ainda não está bem firmada. Na economia, o modelo chinês ou algo parecido poderá ser implantado sem maiores dificuldades, pois o empresariado nacional sempre foi estatista mesmo; oferece-se como sócio do poder. Para esses párias, em havendo lucro, tudo bem, mesmo numa ditadura.
O povo em geral também vê o Estado historicamente como um grande pai e se satisfaz com um pouco de pão e de circo. Enfim, prevalece em todas as classes o sabujismo interesseiro que não preza a liberdade.
A única frente na qual a esquerda ainda treme é a dos costumes, em grande parte derivados do conservadorismo religioso. Foi o que se viu na eleição de 2010, na reação a Gilberto de Carvalho, etc.
Ora, o conservadorismo, religioso ou não, não se antepõe e muito menos oferece ameaça ao liberalismo. Assim, me parece pouco inteligente repudiá-lo, mesmo que dele se discorde, diante do risco, este realíssimo e atualíssimo, de um totalitarismo de esquerda.
Volto a dizer: estamos no século XXI e não no século XVIII. Neste aspecto, lamento constatar, a esquerda parece estar mais adiantada que os liberais iluministas: está no século XIX.
É preciso ser tático e estratégico.
PS: cuidado com o "politicamente correto" e com o gramscismo, Rodrigo. "Homofobia" é palavra inventada pelo movimento gay e você já a está empregando "naturalmente" no seu texto.
Mas se alguém pensa diferente de vc é tachado logo de "petralha" e esquerdista. Isso já li várias vezes nesse blog.
ResponderExcluirUm caso em que a despenalização do aborto foi consequência do moralismo da época: o aborto do feto de gravidez resultante de estupro.
ResponderExcluirAlém da justificativa de que a mulher seria duplamente vítima na hipótese (do estupro e da gravidez), havia a justificativa moral segundo a qual o abortamento evitaria constrangimento moral, familiar e social para a mulher, pois na ocasião da edição do Código Penal (1940) a mãe solteira era mal vista pela sociedade.
Hoje, como não haveria mais esse constrangimento moral e o filho pode facilmente ser entregue para adoção, bem que esse aborto podia ser proibido e incriminado.
Aliás, se não me engano, li em algum lugar que o projeto do Estatuto do Nascituro (que muito dificilmente passará pelo Congresso contaminado pelo "politicamente correto") criminaliza também o aborto em caso de estupro.
Entendo que o futuro bebê não tem culpa de ter sido gerado num estupro e deve ser tutelado pela lei.
'cuidado com o "politicamente correto" e com o gramscismo, Rodrigo. "Homofobia" é palavra inventada pelo movimento gay e você já a está empregando "naturalmente" no seu texto.'
ResponderExcluirPois é, tb foi invenção deles a história de que, POR EX, se vc vê uma pessoa tendo relações com um animal, ou comendo merda, e vc sente asco, é pq vc tem um desejo inconsciente reprimido de comer merda.
Rodrigo,concordo totalmente com as ideias aqui expressadas.Nao sei se foi sua intençao,mas foi uma resposta as criticas proferidas por Olavo de Carvalho,em seu ultimo programa,em que coloca suas ideias no mesmo patamar de ignorancia de Emir Sader e Wladimir Safatle.O professor durante uma hora, criticando tudo e todos,tem a coragem de dizer que nao devemos fazer julgamento moral de outros.Acho que o cigarro deve estar embotando a mente do conhecido polemista,obstruindo os vasos cerebrais.O prof.Olavo acaba fazendo propaganda negativa do movimento conservador,com seu radicalismo carola.
ResponderExcluirLiberamos as drogas e quem cuidará do viciado,hoje tido como "doente" ? o Estado? se sim, além desses inúteis presos ainda vou ter que sustentar mais vagabundos ainda ?
ResponderExcluirDevemos proibir qualquer tipo de aborto, desde que as pessoas e instituições que são contra sejam OBRIGADAS a cuidar dessas crianças,e não o Estado !
Cheguei à conclusão de que sem ter ouvido o voto de Cézar Peluzo sobre o aborto de anencéfalo, infelizmente vencido (talvez por não ter sido o primeiro a ser proferido mas o último), toda e qualquer discussão a respeito se revela pobre e superficial.
ResponderExcluirObs: o Ministro citado deu um voto estritamente técnico-jurídico e lógico, sem em nenhum momento se reportar a juízos religiosos (pelo contrário, os evitou), transcendentalistas ou moralistas, sem entretanto olvidar os aspectos éticos relacionados à vida humana.
Procurem e ouçam. Mesmo para quem continue dele divergindo após a escuta, se trata de uma grande e rica provocação à reflexão.
Sou o primeiro comentarista.
ResponderExcluir"Volto a dizer: estamos no século XXI e não no século XVIII. Neste aspecto, lamento constatar, a esquerda parece estar mais adiantada que os liberais iluministas: está no século XIX."
Correção: ...parce estar mais adiantada que ALGUNS liberais iluministas.
Sou um liberal iluminista e ao generalizar, acabei me incluindo na turma que persiste no século XVIII. Rs
Declaração do ex ditador argentino, gen Videla, no jornal o globo de hj : " Nosso objetivo era disciplinar uma sociedade anárquica. Quanto ao peronismo, sair de uma visão populista, demagógica. Emm relação à economia, caminhar para uma economia de mercado, liberal".
ResponderExcluirDesaparecimentos e sequestros de bebês para caminhar para uma economia liberal ! Sem dúvida nenhuma, uma mancha negra histórica no liberalismo.
Mas que argumento tosco e infantil o desse bruno aí em cima. O fato de Videla dizer-se liberal em economia não significa em absoluto que o receituário liberal seja responsável por seus atos políticos e militares estranhos...ao receituário liberal.
ResponderExcluirNunca havia visto raciocínio tão ilógico!!
Era só o que faltava!!
atos políticos, militares e delituosos, melhor dizendo.
ResponderExcluirO problema que é muito comum na história pessoas que queriam implantar o receituário liberal com golpes e serem responsáveis por massacres. Assim como tem o livro negro do comunismo, há o livro negro do liberalismo
ResponderExcluirPrimeiro: o aborto é e sempre foi uma bandeira da esquerda marxista, do feminismo irresponsável e leviano (que prega onipotência da mulher e a coloca acima do valor vida), dos eugenistas (de todos os matizes ideológicos) e dos demógrafos planificadores malthusianos alarmistas.
ResponderExcluirNos países ocidentais, foi adotado sobretudo em razão do esquerdismo, do feminismo e do malthusianismo dos chamados "globalistas". No oriente, por outros fatores culturais em que a vida humana não tem valor maior, por esquerdismo,por malthusianismo (China) e talvez por feminismo (o Japão, mas não estou certo neste caso).
A valorização da vida humana como um valor fundante da ordem social não é somente uma herança do cristianismo mas também do liberalismo. Ou a liberdade e a propriedade humanas não pressupõem a vida?
A iviolabilidade da vida humana é um valor fundamental que precede todos os demais. Quando se enfraquece esse valor, ainda que como um símbolo, todos os dele decorrentes se debilitam de igual maneira.
Nos países do primeiro mundo esse debilitamento está associado ao Estado do bem estar social, à esquerda, portanto.
Pensem nisso.
Rodrigo, uma teocracia que você esqueceu de citar é a teocracia evangélica!
ResponderExcluirJá são 63 deputados e 3 senadores na bancada parlamentar, e uma previsão de que em 2015 teremos metade da população de evangélicos! Esses políticos, com poderoso aparato de controle de seus eleitores, defende e trabalha por um conservadorismo puritano, cerceador de tudo e todos, teocrático típico e absolutamente intransigente e invasivo!
Uma questão de senso de proporções.
ResponderExcluirO totalitarismo marxista (ou capitalista de Estado com marxismo cultural, tanto faz) batendo à porta - o Foro de São Paulo que o diga!! -, inclusive com apoio fisiológico de evangélicos e católicos cooptados, e ainda tem pessoas preocupadas com uma impossível "teocracia evangélica".
Teocracia é inviável no Ocidente há muito tempo mesmo que a maioria fosse carola, e tanto mais no Brasil do carnaval e do amor à bela bunda da brasileira.
Quem me dera que os evangélicos e católicos apoiadores do PT com este rompessem e lhe fizessem oposição cerrada!!
Mas é a mentalidade do século XVIII, que só vê a religião como risco.
O PT agradece.
Ateu Olho-Vivo
Passando para lhe cumprimentar pelas postagens “Católicos, aborto e Hitler”, “Aos carolas, Nietzsche!” e “Pensamento binário”. Resgatou minha fé no seu liberalismo que andava um pouco arranhada. Não temos tradição da liberdade no Brasil. Pelo contrário, temos uma cultura autoritária tanto esquerdista quanto conservadora, ambas – na minha opinião – farinhas do mesmo saco. O que as diferencia são os dogmas (em nome de Marx, de Cristo) que querem nos enfiar goela abaixo via Estado. O modus operandi, contudo, é muito parecido. Inclusive também tem em comum o hábito de espinafrar liberais.
ResponderExcluirDizer que temos realmente estado laico no Brasil é piada. A Igreja sempre foi eminência parda de todos os governos, e agora seus primos neopentecostais não escondem que querem evangelizar o país. Lembrando ainda que estes últimos cresceram exponencialmente nessa última década em conluios com o petismo, ainda que a aliança pareça insólita a princípio. Até culto evangélico estão realizando no Congresso Nacional, espaço pago com o dinheiro de todos os brasileiros inclusive dos não-cristãos e não-religiosos. Têm as pessoas homossexuais como seu bode-expiatório principal mas também perseguem fiéis de outras religiões e ateus. Fazem projetos para distribuir bíblias em escolas públicas, onde começam aulas obrigando alunos a rezar e humilham os que não aceitam a imposição. Casos de bullying religioso estão se tornando rotineiros.
E como essas duas forças autoritárias, esquerdistas e conservadores, são maniqueístas, como bem disse, tratam tudo e a todos com a mentalidade de torcida organizada de futebol: se não está comigo, está contra mim. Buscam ambas arrastar as pessoas para seus polos negativos e sua visão absolutista de mundo. Já se pegaram no passado e estão agora de novo numa cruzada para ver quem ganha o direito de nos tirar a liberdade de uma forma ou de outra.
O que o Brasil precisa urgentemente é de democratas de verdade, pois de fanáticos obscurantistas está mais do que bem servido.