Rodrigo
Constantino
Imagine
que nosso cérebro é dividido em duas partes, sendo uma delas (sistema 1) mais
intuitiva e automática, enquanto a outra (sistema 2) costuma ser mais racional
e esforçada. Ocorre que o uso do sistema 2 demanda foco e energia, enquanto
nossa tendência natural é adotar o caminho de menor esforço. O resultado desta
postura “preguiçosa” é que tomamos inúmeras decisões erradas.
Esta
é a tese do instigante livro do Prêmio Nobel de Economia Daniel Kahneman, Thinking Fast and Slow. Ao contrário da
imagem que os modelos econômicos adotam de um homem racional pesando custos e
benefícios no momento das escolhas, a teoria comportamental de Kahneman,
repleta de experimentos fascinantes, mostra que temos um viés natural, e que
ele pode prejudicar nossas decisões. Em suma, somos vítimas de várias ilusões
cognitivas.
Exemplos
não faltam. Uma das clássicas ilusões cognitivas é a substituição automática
que fazemos, sem perceber, quando estamos diante de uma questão complexa. Ao
invés de encarar a pergunta difícil, o que demandaria tempo e esforço do
sistema 2, simplesmente trocamos a questão por outra mais simples e familiar,
que nosso sistema 1 identifica e responde de maneira automática. Fomos
perguntados sobre A, mas respondemos sobre B.
Sem
reconhecer as limitações de nosso cérebro, acabamos com um excesso de confiança
naquilo que acreditamos conhecer, sem se dar conta de nossa profunda
ignorância. O estudo com o gorila que aparece no meio de um vídeo com jogadores
passando a bola de basquete ilustra como podemos ser cegos ao óbvio, e como
somos cegos para esta cegueira. Tendo que focar na quantidade de passes de bola
entre um dos times, a maioria dos observadores simplesmente ignora a presença
do homem vestido de gorila. Quando observam novamente o vídeo, já sabendo do
gorila, não acreditam que ignoraram sua chamativa imagem.
Uma
das funções do sistema 2 é superar estes impulsos do sistema 1, ou seja, adotar
o autocontrole nestas situações enganosas. Mas isso demanda esforço, e não
gostamos de esforço. Nas situações em que as decisões são mais triviais, sem
grandes impactos em nossas vidas, o custo de negligenciar o sistema 2 não é tão
elevado assim. Mas quando estamos diante de algo que pode ter profundo impacto
em nossas vidas, torna-se crucial colocar o sistema 2 para funcionar direito,
pois o preço a se pagar pode ser alto demais ao deixar a escolha para o sistema
1.
Responder
rapidamente às ameaças da vida ou às grandes oportunidades sem dúvida aumentou
nossa chance de sobrevivência no passado, e esta característica foi sendo
dominante na evolução. A preguiça de usar o sistema 2 acabou enraizada em nossa
natureza, até porque seu uso concorre com a energia escassa do corpo. Pensar dá
trabalho. Uma pessoa pode responder automaticamente, sem esforço, quanto é 2 +
2, e pode fazer isso enquanto corre. Mas se ela tiver que responder quanto é 17
x 22, muito provavelmente ela terá de parar qualquer outra atividade.
Uma
das consequências disso é que usamos com muito mais frequência do que
deveríamos o sistema 1, deixando o sistema 2 “descansar”. Só que isso tem
enormes efeitos em nossas escolhas. Somos, por exemplo, bastante influenciados
por vários fatores sutis do entorno sem nos apercebermos disso. Pesquisas
mostram bem este risco. Pessoas que são expostas a imagens de morte, por
exemplo, costumam alterar suas decisões, adotando viés mais pessimista. O
oposto ocorre com imagens boas.
Preferimos
coisas familiares também, pois o sistema 1 entra em jogo sem demandar o sistema
2. Isso faz com que a repetição tenha efeito em nossas crenças, por exemplo.
Goebbels de bobo não tinha nada, e sabia que uma mentira repetida mil vezes
acaba se tornando verdade. O uso de linguagem mais simples e comum pode afetar
a credibilidade de um texto. Qualquer mensagem que exige mais esforço pode
afastar os ouvintes, pois a necessidade de uso do sistema 2 bate de frente com
nossa preguiça natural.
Como
preferimos coisas familiares, costumamos buscar padrões no caos. Não suportamos
muito a aleatoriedade do mundo, suas características randômicas, e partimos
para construções narrativas que encontram causas simples para todos os efeitos
complexos. Nosso cérebro, pelo sistema 1, acaba se tornando uma máquina de
conclusões precipitadas, de crenças incoerentes e de preconceitos.
A
autocrítica necessária para contrabalançar esta característica depende do
sistema 2, que por sua vez demanda esforço. Para piorar, muitas vezes o sistema
2 atua mais como apologista das emoções do sistema 1 do que um crítico severo.
Ele acaba reforçando tais crenças precipitadas, o que nos dá maior confiança
nelas. Acabamos vítimas da ilusão cognitiva de que podemos prever o futuro mais
do que realmente podemos.
Um
corolário disso é que depositamos mais crédito ou culpa em indivíduos do que
deveríamos. O fator sorte (ou azar) acaba negligenciado. O CEO da empresa
bem-sucedida recebe mais crédito do que deveria, quando fatores exógenos fora
de seu controle podem explicar boa parte do sucesso. O técnico é execrado pela
torcida porque o time está em uma fase ruim, ainda que isso tenha pouca ligação
com ele. E por aí vai.
Isso
não é o mesmo que ignorar o mérito individual, mas sim reconhecer que muitas
vezes caímos na ilusão cognitiva de buscar elo causal simples onde não há. Os
criadores do Google sem dúvida têm mérito, mas o fato de serem bilionários, e
não “apenas” milionários, tem total dependência da sorte. Eles tentaram vender
a empresa por pouco menos de um milhão, mas os interessados acharam caro. Que
baita sorte deles, e azar dos outros!
A
regressão à média é uma característica comum a inúmeras ocorrências, mas
costuma ser ignorada por nós. É isso que explica, por exemplo, o sucesso de
placebos como curandeiros. O “banho de pipoca” cura a gripe, pois a gripe,
depois de uma semana, vai acabar de qualquer forma. O gestor é considerado um
gênio porque está em uma boa fase, acertando suas escolhas muito acima da
média. Pegamos os desvios padrões e extrapolamos, ignorando a tendência natural
de regressão à média.
Outro
ponto importante é que nosso estado de espírito afeta totalmente nossas
respostas, pois ele opera diretamente sobre o sistema 1. Um simples dia bonito
de sol pode fazer com que a resposta para determinadas perguntas mude por
completo. Satisfação com o emprego, casamento, expectativa sobre o futuro da
economia, todas estas questões podem receber respostas bastante diferentes por
um simples detalhe do ambiente, sem que tomemos conhecimento disso.
Um
viés importante é conhecido como o efeito ancoragem. Ele ocorre quando as
pessoas consideram um valor particular para uma quantidade desconhecida antes
de estimarem esta quantidade. Se você for considerar quanto deveria pagar por
uma casa, por exemplo, você será influenciado pelo preço ofertado. Qualquer
negociador sabe disso. Em experimentos realizados, as pessoas se mostraram
altamente influenciáveis quando a pergunta sinalizava algum número qualquer e
pedia para estimar uma quantidade de algo desconhecido.
Local
propício para vários desses vieses é a mídia. Competindo pela nossa atenção, as
notícias ruins pululam nos jornais e TVs. O resultado é que exageramos bastante
a probabilidade de desgraças, porque elas ganham destaque na imprensa. O caso
típico é o medo de avião, pois acidentes aéreos logo ganham as primeiras
páginas dos jornais. Crimes, bombas, atos terroristas, tudo isso é percebido
como mais provável do que realmente é. Exageramos os riscos de desgraças e
catástrofes porque somos vítimas de uma ilusão cognitiva.
Por
outro lado, costumamos exagerar no otimismo em eventos que pensamos controlar.
A falácia do planejamento é esta tendência de considerar as chances de sucesso
de nossos planos maiores do que realmente são. Se dois terços das novas
empresas vão à falência em cinco anos, pensamos que estaremos entre a minoria.
A pesquisa é conhecida: a grande maioria das pessoas pensa que dirige melhor
que a média, o que é impossível. A maciça maioria das pessoas que prometem
parar de fumar na virada do ano fracassa, mas nos colocamos entre aqueles que
vão conseguir.
Uma
das partes mais interessantes do livro é quando o autor mostra vários
experimentos que claramente negam a ideia de que tomamos decisões com base no
valor esperado probabilisticamente. A certeza de uma perda, por exemplo, nos
incomoda tanto que preferimos aceitar um risco maior do que deveríamos, mesmo
com a chance de aumentar bastante a perda. Ao mesmo tempo, preferimos pagar
mais caro por um seguro do que ele valeria com base somente na expectativa
probabilística. É como o negócio do seguro se mostra tão rentável, para os seus
donos.
A
contabilidade mental é outra ilusão cognitiva que afeta nossas decisões.
Carimbamos virtualmente em nosso cérebro o destino do dinheiro, e à medida que
fazemos isso, nossa escolha pode ser alterada. O exemplo clássico é o ticket de
teatro. Se vamos ao teatro com o dinheiro no bolso, e lá chegando, notamos que
perdemos o dinheiro, provavelmente aceitaremos o empréstimo de um amigo. Aquele
dinheiro não havia sido carimbado ainda. Mas se vamos com os ingressos no bolso,
e descobrimos que perdemos os ingressos, provavelmente não vamos comprar novas
entradas. Já carimbamos o dinheiro, e seria equivalente, em nossa mente, a
pagar o dobro do que vale para ver a peça.
Existem
outras ilusões cognitivas tratadas no livro, assim como inúmeros exemplos
interessantes com base em experimentos comportamentais. Não vou me alongar
mais, pois acredito que vale a pena ler o livro na íntegra. O mais importante é
reconhecermos que somos vítimas com frequência de tais ilusões. Nossa mente tem
um viés, mesmo que não notemos isso. A forma de reduzir os estragos que se
originam desse sistema 1, segundo o autor, é reconhecer os sinais de que
estamos em um campo cognitivo minado, reduzir o passo, e solicitar o reforço do
sistema 2.
Sensacional...
ResponderExcluirNo ex do jogo de basquete o que parece falhar é o sist 2, q demandava esforço de atenção. O sist 1 poderia ter ajudado, como em outras situações. Ele nao deve ser ignorado
ResponderExcluirNão, o sistema 2 nesse caso está trabalhando com bastante FOCO, que é sua característica, e por isso ignora o gorila, pois precisa focar na quantidade de passes de um dos times.
ResponderExcluirO sistema 1 não deve ser ignorado, concordo. Ele é útil em várias ocasiões. Mas é preciso ter cuidado com ele, como expliquei no texto.
Sim, ele trabalha com bastante foco mas o insucesso destacado, de se ignorar o gorila , nao foi do sist 2 mas do 1, nao utilizado, o mesmo q o texto descreve como o preferido por nós nas situaçoes. Nao foi um bom exemplo mas o seu texto foi um ótimo texto.
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