sexta-feira, julho 06, 2012

Ilusões cognitivas


Rodrigo Constantino

Imagine que nosso cérebro é dividido em duas partes, sendo uma delas (sistema 1) mais intuitiva e automática, enquanto a outra (sistema 2) costuma ser mais racional e esforçada. Ocorre que o uso do sistema 2 demanda foco e energia, enquanto nossa tendência natural é adotar o caminho de menor esforço. O resultado desta postura “preguiçosa” é que tomamos inúmeras decisões erradas.

Esta é a tese do instigante livro do Prêmio Nobel de Economia Daniel Kahneman, Thinking Fast and Slow. Ao contrário da imagem que os modelos econômicos adotam de um homem racional pesando custos e benefícios no momento das escolhas, a teoria comportamental de Kahneman, repleta de experimentos fascinantes, mostra que temos um viés natural, e que ele pode prejudicar nossas decisões. Em suma, somos vítimas de várias ilusões cognitivas.

Exemplos não faltam. Uma das clássicas ilusões cognitivas é a substituição automática que fazemos, sem perceber, quando estamos diante de uma questão complexa. Ao invés de encarar a pergunta difícil, o que demandaria tempo e esforço do sistema 2, simplesmente trocamos a questão por outra mais simples e familiar, que nosso sistema 1 identifica e responde de maneira automática. Fomos perguntados sobre A, mas respondemos sobre B.

Sem reconhecer as limitações de nosso cérebro, acabamos com um excesso de confiança naquilo que acreditamos conhecer, sem se dar conta de nossa profunda ignorância. O estudo com o gorila que aparece no meio de um vídeo com jogadores passando a bola de basquete ilustra como podemos ser cegos ao óbvio, e como somos cegos para esta cegueira. Tendo que focar na quantidade de passes de bola entre um dos times, a maioria dos observadores simplesmente ignora a presença do homem vestido de gorila. Quando observam novamente o vídeo, já sabendo do gorila, não acreditam que ignoraram sua chamativa imagem.

Uma das funções do sistema 2 é superar estes impulsos do sistema 1, ou seja, adotar o autocontrole nestas situações enganosas. Mas isso demanda esforço, e não gostamos de esforço. Nas situações em que as decisões são mais triviais, sem grandes impactos em nossas vidas, o custo de negligenciar o sistema 2 não é tão elevado assim. Mas quando estamos diante de algo que pode ter profundo impacto em nossas vidas, torna-se crucial colocar o sistema 2 para funcionar direito, pois o preço a se pagar pode ser alto demais ao deixar a escolha para o sistema 1.

Responder rapidamente às ameaças da vida ou às grandes oportunidades sem dúvida aumentou nossa chance de sobrevivência no passado, e esta característica foi sendo dominante na evolução. A preguiça de usar o sistema 2 acabou enraizada em nossa natureza, até porque seu uso concorre com a energia escassa do corpo. Pensar dá trabalho. Uma pessoa pode responder automaticamente, sem esforço, quanto é 2 + 2, e pode fazer isso enquanto corre. Mas se ela tiver que responder quanto é 17 x 22, muito provavelmente ela terá de parar qualquer outra atividade.

Uma das consequências disso é que usamos com muito mais frequência do que deveríamos o sistema 1, deixando o sistema 2 “descansar”. Só que isso tem enormes efeitos em nossas escolhas. Somos, por exemplo, bastante influenciados por vários fatores sutis do entorno sem nos apercebermos disso. Pesquisas mostram bem este risco. Pessoas que são expostas a imagens de morte, por exemplo, costumam alterar suas decisões, adotando viés mais pessimista. O oposto ocorre com imagens boas.

Preferimos coisas familiares também, pois o sistema 1 entra em jogo sem demandar o sistema 2. Isso faz com que a repetição tenha efeito em nossas crenças, por exemplo. Goebbels de bobo não tinha nada, e sabia que uma mentira repetida mil vezes acaba se tornando verdade. O uso de linguagem mais simples e comum pode afetar a credibilidade de um texto. Qualquer mensagem que exige mais esforço pode afastar os ouvintes, pois a necessidade de uso do sistema 2 bate de frente com nossa preguiça natural.

Como preferimos coisas familiares, costumamos buscar padrões no caos. Não suportamos muito a aleatoriedade do mundo, suas características randômicas, e partimos para construções narrativas que encontram causas simples para todos os efeitos complexos. Nosso cérebro, pelo sistema 1, acaba se tornando uma máquina de conclusões precipitadas, de crenças incoerentes e de preconceitos.

A autocrítica necessária para contrabalançar esta característica depende do sistema 2, que por sua vez demanda esforço. Para piorar, muitas vezes o sistema 2 atua mais como apologista das emoções do sistema 1 do que um crítico severo. Ele acaba reforçando tais crenças precipitadas, o que nos dá maior confiança nelas. Acabamos vítimas da ilusão cognitiva de que podemos prever o futuro mais do que realmente podemos.

Um corolário disso é que depositamos mais crédito ou culpa em indivíduos do que deveríamos. O fator sorte (ou azar) acaba negligenciado. O CEO da empresa bem-sucedida recebe mais crédito do que deveria, quando fatores exógenos fora de seu controle podem explicar boa parte do sucesso. O técnico é execrado pela torcida porque o time está em uma fase ruim, ainda que isso tenha pouca ligação com ele. E por aí vai.

Isso não é o mesmo que ignorar o mérito individual, mas sim reconhecer que muitas vezes caímos na ilusão cognitiva de buscar elo causal simples onde não há. Os criadores do Google sem dúvida têm mérito, mas o fato de serem bilionários, e não “apenas” milionários, tem total dependência da sorte. Eles tentaram vender a empresa por pouco menos de um milhão, mas os interessados acharam caro. Que baita sorte deles, e azar dos outros!

A regressão à média é uma característica comum a inúmeras ocorrências, mas costuma ser ignorada por nós. É isso que explica, por exemplo, o sucesso de placebos como curandeiros. O “banho de pipoca” cura a gripe, pois a gripe, depois de uma semana, vai acabar de qualquer forma. O gestor é considerado um gênio porque está em uma boa fase, acertando suas escolhas muito acima da média. Pegamos os desvios padrões e extrapolamos, ignorando a tendência natural de regressão à média.

Outro ponto importante é que nosso estado de espírito afeta totalmente nossas respostas, pois ele opera diretamente sobre o sistema 1. Um simples dia bonito de sol pode fazer com que a resposta para determinadas perguntas mude por completo. Satisfação com o emprego, casamento, expectativa sobre o futuro da economia, todas estas questões podem receber respostas bastante diferentes por um simples detalhe do ambiente, sem que tomemos conhecimento disso.

Um viés importante é conhecido como o efeito ancoragem. Ele ocorre quando as pessoas consideram um valor particular para uma quantidade desconhecida antes de estimarem esta quantidade. Se você for considerar quanto deveria pagar por uma casa, por exemplo, você será influenciado pelo preço ofertado. Qualquer negociador sabe disso. Em experimentos realizados, as pessoas se mostraram altamente influenciáveis quando a pergunta sinalizava algum número qualquer e pedia para estimar uma quantidade de algo desconhecido.

Local propício para vários desses vieses é a mídia. Competindo pela nossa atenção, as notícias ruins pululam nos jornais e TVs. O resultado é que exageramos bastante a probabilidade de desgraças, porque elas ganham destaque na imprensa. O caso típico é o medo de avião, pois acidentes aéreos logo ganham as primeiras páginas dos jornais. Crimes, bombas, atos terroristas, tudo isso é percebido como mais provável do que realmente é. Exageramos os riscos de desgraças e catástrofes porque somos vítimas de uma ilusão cognitiva.

Por outro lado, costumamos exagerar no otimismo em eventos que pensamos controlar. A falácia do planejamento é esta tendência de considerar as chances de sucesso de nossos planos maiores do que realmente são. Se dois terços das novas empresas vão à falência em cinco anos, pensamos que estaremos entre a minoria. A pesquisa é conhecida: a grande maioria das pessoas pensa que dirige melhor que a média, o que é impossível. A maciça maioria das pessoas que prometem parar de fumar na virada do ano fracassa, mas nos colocamos entre aqueles que vão conseguir.

Uma das partes mais interessantes do livro é quando o autor mostra vários experimentos que claramente negam a ideia de que tomamos decisões com base no valor esperado probabilisticamente. A certeza de uma perda, por exemplo, nos incomoda tanto que preferimos aceitar um risco maior do que deveríamos, mesmo com a chance de aumentar bastante a perda. Ao mesmo tempo, preferimos pagar mais caro por um seguro do que ele valeria com base somente na expectativa probabilística. É como o negócio do seguro se mostra tão rentável, para os seus donos.

A contabilidade mental é outra ilusão cognitiva que afeta nossas decisões. Carimbamos virtualmente em nosso cérebro o destino do dinheiro, e à medida que fazemos isso, nossa escolha pode ser alterada. O exemplo clássico é o ticket de teatro. Se vamos ao teatro com o dinheiro no bolso, e lá chegando, notamos que perdemos o dinheiro, provavelmente aceitaremos o empréstimo de um amigo. Aquele dinheiro não havia sido carimbado ainda. Mas se vamos com os ingressos no bolso, e descobrimos que perdemos os ingressos, provavelmente não vamos comprar novas entradas. Já carimbamos o dinheiro, e seria equivalente, em nossa mente, a pagar o dobro do que vale para ver a peça.

Existem outras ilusões cognitivas tratadas no livro, assim como inúmeros exemplos interessantes com base em experimentos comportamentais. Não vou me alongar mais, pois acredito que vale a pena ler o livro na íntegra. O mais importante é reconhecermos que somos vítimas com frequência de tais ilusões. Nossa mente tem um viés, mesmo que não notemos isso. A forma de reduzir os estragos que se originam desse sistema 1, segundo o autor, é reconhecer os sinais de que estamos em um campo cognitivo minado, reduzir o passo, e solicitar o reforço do sistema 2.  

4 comentários:

  1. Anônimo8:05 AM

    No ex do jogo de basquete o que parece falhar é o sist 2, q demandava esforço de atenção. O sist 1 poderia ter ajudado, como em outras situações. Ele nao deve ser ignorado

    ResponderExcluir
  2. Não, o sistema 2 nesse caso está trabalhando com bastante FOCO, que é sua característica, e por isso ignora o gorila, pois precisa focar na quantidade de passes de um dos times.

    O sistema 1 não deve ser ignorado, concordo. Ele é útil em várias ocasiões. Mas é preciso ter cuidado com ele, como expliquei no texto.

    ResponderExcluir
  3. Anônimo6:42 AM

    Sim, ele trabalha com bastante foco mas o insucesso destacado, de se ignorar o gorila , nao foi do sist 2 mas do 1, nao utilizado, o mesmo q o texto descreve como o preferido por nós nas situaçoes. Nao foi um bom exemplo mas o seu texto foi um ótimo texto.

    ResponderExcluir