Rodrigo Constantino
Junho tinha tudo para ser mais um mês pesado para os mercados. As
eleições gregas tiveram resultado positivo pela ótica dos investidores, com a
derrota da esquerda radical representada pelo Syriza. Mas a alegria durou pouco
e os mercados seguiram estressados. A Espanha anunciou novo pacote de ajuda aos
bancos, na casa dos 100 bilhões de euros, mas nem isso foi suficiente para
sustentar uma recuperação. Os títulos do governo espanhol de 5 anos chegaram a
abrir 50 pontos-base durante o mês. Tudo parecia indicar a continuação do bear market, com os agentes rejeitando
até as boas notícias.
Até que aos 45 minutos do segundo tempo a Europa conseguiu marcar um gol
importante. O desempenho positivo de junho foi todo feito no último dia útil do
mês, após o comunicado do novo (o 19o) summit dos países do euro. A principal mensagem extraída do novo
acordo foi a sinalização de que a Alemanha havia cedido mais do que parecia
disposta, ao concordar com a criação de um mecanismo único de supervisão
bancária e com o uso do European Stability Mechanism (ESM) para recapitalizar
os bancos diretamente.
Com o mercado cansado de cair e leve, a notícia foi a deixa para o rali
que salvou o fechamento do primeiro semestre do ano. O petróleo subiu 7% só no
dia 29, ainda assim fechando com queda de 4% no mês. O S&P 500 subiu 4% e o
DAX 2,5%, quase tudo no último dia de junho.
Mas será que o acordo desta vez foi realmente um game changer? Ou será que estamos diante de “mais do mesmo”, ou
seja, um jogo de xadrez em que a Alemanha morde e assopra ao mesmo tempo, sem,
entretanto, mergulhar de vez no caminho da união fiscal e dos euro-bonds? Esta
parece ser a pergunta mais relevante, pois boa parte do mercado sonha com a
emissão de bonds comunitários, enquanto Angela Merkel, poucas horas antes do
resultado do summit, ainda afirmava
que esta não seria a solução durante o tempo em que ela estivesse viva. São
palavras fortes. Será que suas ações contradizem sua retórica?
Analisando o acordo com mais cuidado, talvez não exista motivo para
tanto otimismo assim. É preciso lembrar que não houve aumento de capacidade de
recursos no ESM, ou seja, a Alemanha não aceitou colocar novos recursos no bolo
comum para resgatar bancos periféricos. Além disso, Merkel disse que só aceita recapitalizar
esses bancos após um novo regime regulatório organizado pelo ECB, o que deve
ocorrer somente no final do ano. Restam vários entraves a este passo, a começar
pela Inglaterra aceitar que seus bancos sejam regulados pelo ECB. O diabo, como
sempre, está nos detalhes. E estes só serão decididos no summit do dia 9 de julho.
Muitos investidores ainda alimentam a expectativa de que, no final do
dia, a Alemanha terá que ceder às principais demandas dos demais e sucumbir ao
projeto comunitário que criaria, na prática, os Estados Unidos da Europa. A
própria Merkel parece desejar isso, desde que a Alemanha consiga, no processo,
impor reformas estruturais que tornariam os outros países mais competitivos e
parecidos com a própria Alemanha. Por ela reconhecer que dificilmente isso se
dará durante sua gestão, a retórica de que não haverá euro-bonds enquanto ela
estiver viva (politicamente) pode fazer sentido. O problema é que a economia
não anda no passo lento da política.
O tempo joga contra este projeto, pois cada vez as divergências
econômicas ficam maiores. O risco de vitória do Syriza na Grécia já foi um
efeito disso. As tensões sociais se agravam, os ajustes impostos são muito
dolorosos, e partidos radicais terão cada vez mais audiência para suas
“soluções mágicas”. Os socialistas liderados por François Hollande tiveram
expressiva vitória no Parlamento em junho também, marcando de vez a mudança de
rumo na segunda maior economia da região. Em outras palavras, as reformas
estruturais e de austeridade já subiram no telhado, e a Alemanha está
totalmente isolada. As divergências devem aumentar daqui para frente.
A dúvida surge automaticamente: se a Alemanha tiver que antecipar o
projeto comunitário mesmo sem as reformas
estruturais dos outros, será que ela aceita? Será que o alemão aceita
custos tão explícitos para transferir riqueza aos demais? Será que os alemães,
os holandeses e os finlandeses deixarão o nacionalismo para trás e passarão a
enxergar somente europeus em volta?
Considero esta hipótese bastante remota. Projetos paridos na elite e
impostos de cima para baixo raramente vingam. São vítimas daquilo que Hayek
chamou de “arrogância fatal”, e não contam com o apoio legítimo do povo. Não
podemos esquecer que a Europa ainda possui
democracias plenas em seus países membros. O antagonismo entre o euro e a
democracia fica evidente quando se chega perto das eleições, principalmente nos
elos mais fracos do grupo.
Eventualmente, na própria Alemanha isso poderá ocorrer, quando ficar
mais claro o tamanho da conta que seus pagadores de impostos terão de arcar.
Por isso muitos defendiam e ainda defendem o ECB como a única saída
politicamente viável, ou seja, a rota disfarçada da inflação, que demora mais a
escancarar a magnitude da fatura dos que são “convidados” a assumir os rombos.
Minha visão é de que o euro é um projeto fracassado. A questão que surge
é a seguinte: insistir em seu salvamento com mais manipulações beneficia a
Europa? Penso que não. Assim como a União Soviética, postergar o dia do
julgamento faz apenas com que a dor seja maior depois. Quanto mais tempo levar
para a ruptura do euro, maiores serão as divergências entre seus membros. E,
por tabela, maior será a necessidade de transferências dos mais ricos para os
mais pobres. Isso é socialismo. Ele nunca funciona.
Como um viciado em drogas, porém, o mercado celebra euforicamente cada
nova rodada de estímulo das autoridades, ainda que a nova onda tenha menor
intensidade e duração. Até o dia em que o organismo não agüenta mais.
A crise europeia está muito longe do fim. Haverá momentos de tranqüilidade
aparente e até de otimismo. Um futuro sombrio aguarda a Europa. Não vamos nos
enganar com alguns raios de sol esporádicos que surgem no horizonte.
Essa União de Estados teria mais sucesso se os governos em separados, como estão hoje não estivessem tão inchados de dividas e principalmente de trabalhadores publicos e suas pesadas aposentadorias. Esses esqueletos no closset europeu ainda vão assombrar até que alguém muito corajoso resolva enfrenta-los.
ResponderExcluirA Merkel as vezes parece um desses corajosos, mas só as vezes, o que para combater as almas penadas não é o bastante. Por falar em alma penada, o que dizer do Mercosul eim? Ele existiu algum dia?
Junior Martim