Entrevista para o blog Cenesine, de Marcelo Lourenço.
- Muitos defensores do governo petista usam a crise de 2008 para exemplificar o que para eles é o resultado das "boas políticas econômicas". Você costuma dizer, corrija-me se estiver errado, que a resistência brasileira quanto a crise só aconteceu porque o Brasil ganhou numa loteria chinesa. Por favor, explique brevemente o que isso significa.
O Brasil possui vastos recursos naturais de todos os tipos, e por extrema sorte, muitos deles são os mais demandados pela China, que vem experimentando uma fase longa de crescimento acelerado. Basta citar o caso do minério de ferro, que chegou a representar 17% de nossa pauta de exportação. Ou seja, o Brasil tornou-se um caso típico de "China play", uma aposta derivada do extraordinário boom chinês. Outros países com vastos recursos naturais pegaram carona semelhante, como a Austrália, a Nova Zelândia, o Canadá e o Chile. Com o preço das commodities nas alturas por conta da demanda chinesa, e o custo do capital baixo por conta das crises dos países desenvolvidos, países emergentes como o Brasil viveram o melhor dos mundos, atraindo capital do mundo todo. Isso permitiu a melhora dos dados macroeconômicos, que por sua vez possibilitou a expansão do crédito e do consumo no país. Mas tudo, insisto, bastante dependente destes dois pilares que não vão durar para sempre: crescimento chinês perto de 10% ao ano, e custo do capital perto de zero (ou negativo em termos reais) no mundo desenvolvido.
- Qual sua visão sobre o incentivo de compra de carros com pagamento a longo prazo feito pelo governo Lula?
O modelo de incentivar consumo calcado em crédito se esgotou. As famílias estão muito endividadas. O foco do governo parece demasiadamente voltado ao curto prazo, para gerar crescimento de olho nas próximas eleições. A classe média agradece a boa fase com o carro novo na garagem, mas isso não é um modelo de crescimento sustentável. Além disso, já vemos sinais do regresso do protecionismo comercial no país, o que é péssimo. Os carros poderiam ser mais baratos se os impostos fossem reduzidos de vez. As medidas pontuais do governo produzem este outro problema: por ter caráter temporário e arbitrário, nenhum setor sabe ao certo qual será a próxima indústria beneficiada, e qual será a prejudicada. Isso gera um clima de insegurança péssimo para investimentos. As empresas descobriram que mais vale "investir" em lobby em Brasília do que em produtividade.
- Há alguma previsão de crise para a economia brasileira? Se sim, em quanto tempo (aproximadamente) e quem seriam os mais afetados?
É difícil precisar isso, mas eu diria que as sementes para uma próxima crise já foram plantadas, e ela deve ocorrer dentro de uns 3 anos. Não tenho bola de cristal, porém, e isso depende muito do cenário externo. Se o crescimento chinês ganhar novo fôlego, e as economias desenvolvidas seguirem sem crescimento, em sua fase de "japanização" que impõe baixas taxas de juros, a "bolha" brasileira pode se estender por mais tempo ainda, mas com resultados ainda mais catastróficos à frente. Os mais prejudicados serão aqueles que apostaram em imóveis como porto seguro ou ativo que só sobe de preço. Vide Estados Unidos, Irlanda, Espanha e Grécia. Não digo que estamos perto dessa situação, pois há menos indícios de bolha especulativa desta magnitude no Brasil. Mas caminhamos nessa direção, e com o incentivo do próprio governo, que deveria estar justamente lutando para impedir este destino.
- Alguns anarco-capitalistas usam o discurso anti-minarquia dizendo que é amarrar um leão com uma corda de linguiça. Na sua opinião, como seria possível impedir que o estado, a partir do controle e garantia dos direitos negativos da população, se expandisse e tomasse outros rumos não desejáveis?
Não há receita mágica. Este é o dilema de todos aqueles que lutam pela liberdade. É preciso descentralizar o poder, ter mecanismos eficientes de pesos e contrapesos, poderes independentes, ampla liberdade de imprensa, uma cultura da liberdade, o que não é nada fácil de criar, enfim, toda uma gama de instituições sólidas que ajudam a impedir o avanço do estado sobre nossas liberdades. O problema com a "alternativa" anarco-capitalista é que ela não passa de uma utopia. E utopias só funcionam nas Torres de Marfim, no mundo platônico das idéias. Cá no mundo real, é preciso reconhecer que jamais teremos esta liberdade plena, perfeita, e que o embate entre estado e mercado livre será eterno. O que mudam são os graus que alguns países alcançam de liberdades, e alguns anarco-capitalistas, em minha opinião, ignoram os caminhos tortuosos que possibilitaram estes avanços. Não se criam instituições sólidas e uma cultura da liberdade com revoluções mágicas. Este alerta precisa ser feito, especialmente para os mais jovens, ansiosos e idealistas por natureza.
- Você acha que a minarquia é a única saída para aqueles que se identificam com o liberalismo, mas abominam a anarquia?
Acho que o estado mínimo deve ser uma meta de todos os liberais, mas entendo que o pluralismo e a tolerância fazem com que o diálogo de um legítimo liberal seja construtivo com aqueles outros grupos que anseiam pela liberdade, mas por meios distintos. Claro que há limites para esta tolerância. Os intolerantes não devem ser tolerados. Mas liberais devem manter diálogos construtivos com anarco-capitalistas menos dogmáticos e fanáticos, com social-democratas mais civilizados, e com conservadores de boa estirpe (os menos reacionários). Há espaço para muitas convergências importantes, lembrando sempre que o objetivo é conseguir resultados concretos no mundo real, e não o simples regozijo de posar como único defensor puro da "verdadeira" liberdade.
- Em seu blog, após o primeiro debate entre os presidenciáveis dos EUA, você escreveu um texto dizendo que Romney defendia os EUA e Obama a França. Em alguns aspectos (principalmente na parte econômica) Romney me agrada, mas em contrapartida ele é contra o casamento gay, algo que Barack defende. Isso não vai contra a liberdade alheia?
Sim, algumas posturas dos Republicanos mais moralistas e religiosos me incomodam também, mas entendo que há mais em jogo no momento. Obama e os Democratas estão levando os EUA para uma direção muito ruim, adotando postura ideológica que ataca os mais ricos, os negócios, e que joga o país em passos largos rumo ao modelo francês de welfare state. No mais, para ser sincero, mesmo como liberal eu penso que o "progressismo" no campo moral da esquerda americana foi longe demais. Não é mais uma questão de defender as liberdades individuais, mas sim de impor uma agenda que subverte os valores tradicionais de forma corrosiva. Acho que os homossexuais devem ser deixados em paz, mas isso é diferente de uma agenda imposta pelo movimento gay que praticamente demanda que todos considerem o máximo ter um filho gay, ou que seja crime amanhã um pai expor publicamente sua preferência pela heterossexualidade de seu filho. A histeria com a "homofobia", para citar um exemplo, já foi longe demais. Alguma reação "conservadora" não faria nada mal ao mundo, pois me parece que o pêndulo foi exageradamente para o outro extremo. O movimento de Maio de 68 ainda exerce forte influência, e há pouco o que celebrar nele.
Rodrigo, qual é a postura dos moralistas e religiosos que te incomoda?
ResponderExcluirRodrigo, você diz que a minarquia pra se sustentar depende de uma 'cultura da liberdade', mas se for pra depender disso ninguém precisa de governo nenhum! A mesma força que manteria o bicho mínimo poderia manter ele inexistente!
ResponderExcluirO foco quase reacionário calcado na religião como bastião da moralidade, ou seja, a antiga mistura de estado e religião que o iluminismo tanto lutou para abolir.
ResponderExcluirAlguns discursos moralistas parecem retirados da Idade Média!
Depende da cultura da liberdade, entre outras coisas. Dou muito valor ao papel institucional.
ResponderExcluirMas você concorda que as instituições podem ser bonitas no papel, mas no mundo real não deram muito certo?
ResponderExcluirEm limitar o governo?
Qualquer político vê a constituição só como um pedaço de papel! Ron Paul é a única exceção e virou uma piada por causa disso!
Concordo com tudo, menos sobre anarco capitalismo. Nem todo anarquista acha que a anarquia pode ser atingida, mas defende uma "aproximação".
ResponderExcluirConcordo com tudo. Já tive alguns debates com anarco capitalistas e não vejo viabilidade deste modelo. Pelo que entendi, não vão conseguir acabar com o estado, só vão "privatizar" o estado. Evidente que o "dono" do estado vai tentar obter o maior lucro possível e vai usar a "polícia privada", o tribunal privado, etc; para isto.
ResponderExcluirVc pareceu meio homofóbico, mas tudo bem.
ResponderExcluirHomofóbico? Os gays merecem respeito e seus direitos, não por serem gays, mas por serem seres humanos. Eles não devem poder tirar o direito a crítica das instituições religiosas e tão pouco, usar o estado para estimular o homossexualismo.
ResponderExcluirHahaha, é o comentário "você parece meio homofóbico" ilustra PERFEITAMENTE a histeria citada no texto.
ResponderExcluirEle não foi homofóbico. Só diz que não é necessário esse sentimento de coitadismo perante aos gays, muito menos essa superioridade dos mesmos.
ResponderExcluirHahaha, é o comentário "você parece meio homofóbico" ilustra PERFEITAMENTE a histeria citada no texto. [2]
ResponderExcluirhttp://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/malafaia-nao-cai-no-truque-primario-do-pt-sp-e-de-parte-da-imprensa-e-separa-alhos-de-bugalhos-dizendo-como-sempre-o-que-pensa-concordem-ou-nao-com-ele/
ResponderExcluirAh, sim: a proposta então, não sei se levada a efeito, era distribuir 100 mil camisinhas que trouxessem no invólucro a imagem dos “santos gays”. A hierarquia católica fez um muxoxo de protesto, mas nada além disso. Teve uma reação notavelmente covarde. O sindicalismo gay reivindique o que quiser! Precisa, para tanto, agredir a religião alheia? Embora, por óbvio, não seja católico, Malafaia reagiu em seu programa de televisão. Afirmou: “É para a Igreja Católica entrar de pau em cima desses caras, sabe? Baixar o porrete em cima pra esses caras aprender. É uma vergonha!”. Ele acusou os promotores do evento de “ridicularizar os símbolos católicos”. Teve, em suma, a coragem que faltou à CNBB!
Pois é. O Ministério Público viu na sua fala incitamento à violência!!! Ah, tenham paciência, não é? O sindicalismo gay tem de distinguir um “pau” que fere de um “pau” metafórico — ou “porrete”. Alguém, por acaso, já viu católicos nas ruas, em hordas, a agredir pessoas? Isso não acontece em nenhum lugar do mundo! O contrário se dá todos os dias: o cristianismo, nas suas várias denominações, é a religião mais perseguida do mundo, especialmente na África e no Oriente Médio. E, no entanto, não se ouve um pio a respeito. A “cristofobia” é hoje uma realidade inconteste. A homofobia existe? Sim! Tem de ser coibida? Tem! Mas nem as vítimas desse tipo de preconceito têm o direito de ser “cristofóbicas”!
É evidente que “baixar o pau” ou “porrete”, na fala do pastor, acena para a necessidade de uma reação da religião agredida — legal, se for o caso. É uma metáfora comuníssima por aí afirmar que alguém decidiu pôr outrem “no pau”, isto é, processá-lo: “Fulano pôs a empresa no pau”, isto é, “entrou com um processo trabalhista”. Os cristãos, no Brasil, não agridem ninguém. Mas são, sim, molestados, a exemplo do que se viu há dias numa manifestação contra o aborto. Faziam seu protesto de modo pacífico, sem agredir ninguém, quando o ato foi invadido por um grupo de abortistas. Estes queriam o confronto, a agressão. Ganharam uma oração.
RODRIGO, o que você pensa a respeito da legalização do casamento gay (como todos os direitos e deveres que existem em uma relação heterossexual)?
ResponderExcluirPenso que essa "bandeira" é perfeitamente compatível com a igualdade formal (igualdade perante o Estado, igualdade perante as leis), que, afinal, é um valor caro ao liberalismo, não??
Enfim, até concordo que existe um certo exagero nessas coisas relacionadas à "homofobia" e etc...mas a institucionalização do casamento entre homossexuais nada mais é que o reconhecimento da igualdade para certo seres humanos que detêm uma certa orientação sexual e não podem ser relegados a segundo plano por essa razão.
Casamento gay, hetero, com animais, com pedras, é coisa que o governo não tem nada que se meter
ResponderExcluir"Alguma reação 'conservadora' não faria nada mal ao mundo"...Rodrigo, te pergunto, já que não ficou explícito na entrevista:
ResponderExcluir1 - Você é a favor do casamento homossexual? Você é a favor de que um casal homossexual adote uma criança? Você considera justo que eles lutem por isso?
2 - Por que as aspas no 'conversadora'? Não é conservadora mesmo, sem aspas? Você realmente acha que esta reação conservadora já não grassa nos EUA, no Brasil e no ocidente como um todo?
Casamento é com a Igreja. União civil sou a favor. Adoção tenho ressalvas, mas acho que passa.
ResponderExcluir'Casamento é com a igreja'. Discordo, por dois motivos básicos: 1 - casa-se no civil sem qualquer necessidade de igreja (eu mesmo sou casado no civil, até porque, como ateu, não me casaria em igreja, sinagoga ou em qualquer outro templo religioso). Posso mostrar a qualquer um minha certidão de CASAMENTO.
ResponderExcluir2 - a ideia de casamento não foi criada por qualquer instituição religiosa, já existia antes de quaquer padre, pastor, etc. Talvez você queira dizer 'matrimônio', casamento exclusivamente homem-mulher; mesmo assim, há vertentes religiosas que aceitam um 'matrimônio homossexual'.
Por fim, volto a observar que essa 'reação conservadora' já se faz ver bem formtemente tanto nos EUA como no Brasil - e nos EUA, capitaneada por muitos republicanos.
"Casamento é com a Igreja. União civil sou a favor. Adoção tenho ressalvas, mas acho que passa."
ResponderExcluirQuando eu perguntei a respeito do "casamento entre homossexuais", eu fiz referência à união civil reconhecida e legalizada pelo Estado.
O nosso Código Civil usa o termo "casamento" para designar tanto o casamento civil (perante o registro civil) quanto o casamento religioso (feito na Igreja, que pode ter os mesmos efeitos do casamento feito perante o registro civil).
A Igreja, enquanto instituição PRIVADA, tem, a meu ver, direito de proibir, dentro do seu código de regras, a união entre pessoas do mesmo sexo.
Mas o ESTADO, por outro lado, jamais poderia agir assim, sob pena de incorrer em uma odiosa e injustificável discriminação.
Rodrigo,
ResponderExcluirCasamento é um instituto do direito civil. Visa basicamente resguardar patrimônio do casal no caso de divórcio ou no caso da morte de um deles. Ou seja, casamento é algo basicamente patrimonial (divisão de bens, etc). Não tem nada a ver com religião. Se casamento fosse coisa "da igreja", divórcio não existiria, já que a Igreja não o admite. Estamos falando de legislação civil.
Agora, as religiões devem ser livres para celebrar a modalidade de casamento que bem entenderem. A lei não obrigaria as religiões, de forma alguma. A alteração da lei apenas reconheceria os mesmos direitos aos homossexuais, que, como disse, são basicamente patrimoniais.
Aliás, o Canadá, país que tem casamento gay, definiu casamento da seguinte forma: "Marriage, for civil purposes, is the lawful union of two persons to the exclusion of all others." Logo abaixo, deixou claro que não se trata de uma imposição do Estado às organizações religiosas: "3. It is recognized that officials of religious groups are free to refuse to perform marriages that are not in accordance with their religious beliefs."
Ponto final. Apenas se reconheceu a liberdade dessas pessoas, garantindo-lhes os mesmos direitos já reconhecidos aos heterossexuais.
Agora, Rodrigo, sinceramente, você não é libertário. Você é um conservador em um grau diferente ao do patológico Olavo de Carvalho. Libertário de verdade jamais se preocuparia com a "corrosão" de valores "tradicionais" da sociedade. Quem se preocupa com isso é conservador, e você, pelas suas respostas, acha que o Estado tem de adotar as políticas da Igreja Católica, já que acha que religião é coisa da Igreja. Sua opinião, respeito, mas rotule-se adequadamente, por favor...
Saudações