quinta-feira, novembro 29, 2012

Privatização na cadeia


Rodrigo Constantino, para a revista VOTO

Não é novidade para ninguém: as prisões brasileiras são cheias de ratos, goteiras e não têm banheiro; as celas nas cadeias e delegacias superlotadas são insalubres, os esgotos ficam a céu aberto, a alimentação fornecida é de péssima qualidade, a violência entre presos é comum e o abuso de autoridade dos agentes penitenciários, recorrente.

Todos nós estamos cansados de ver nos jornais e na TV imagens de superlotação nas prisões brasileiras, com frequentes rebeliões e motins, colchões queimados e protestos que os presos fazem para chamar a atenção da sociedade às condições desumanas a que eles se encontram submetidos.

Mais uma vez, vale imaginar: e se, em vez do estado, uma empresa particular cometesse horrores como esse? A televisão estamparia o rosto dos donos da empresa, que seriam processados e talvez presos, milhares de jovens se mostrariam eufóricos no Facebook reivindicando a justa e rigorosa punição dos culpados por esse sistema.

Mas, como o culpado são os governos, paira uma aura de que sempre foi assim, de que um dia a situação vai melhorar. Mas nunca melhora.

Claro que prisões não devem ser como hotéis cinco estrelas. Tampouco podem funcionar como escolas do crime, onde quase sempre a pessoa sai pior do que entrou. Ninguém pode considerar isso algo positivo, nem mesmo a ala mais radical da direita, que encara a prisão, acima de tudo, como instrumento de punição (vingança) e afastamento do bandido da vida em sociedade. Também nesse problema, a privatização pode ajudar.

Alguns críticos do modelo privado de presídios temem que uma indústria do crime seja criada e inicie um poderoso lobby para o aumento das penas e da população carcerária, o que representaria maiores lucros. São preocupações legítimas que devem ser respondidas pelos defensores da privatização nesse setor.

Em seu livro “Privatização do Sistema Prisional Brasileiro”, Grecianny Carvalho Cordeiro levanta essas e outras questões interessantes sobre o assunto. Ela também aborda alguns casos empíricos de privatização, incluindo o Brasil. Uma vez que sua conclusão é desfavorável ao modelo privado, acredito que utilizar seu livro como base para lidar com o tema parece bastante adequado aqui. Nada como o embate de ideias contrárias.

A privatização dos presídios se tornou realidade nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Austrália, na África do Sul, na França e até no Brasil. Invariavelmente, os motivos para essa experiência foram os mesmos, sendo o principal deles a superlotação das cadeias geridas pessimamente pelo estado.

Sobre as instalações da Penitenciária Industrial Regional do Cariri, no Ceará, que foi o segundo caso de parceria público-privada com transferência da gestão para uma empresa voltada ao lucro, a autora afirma que “são diferentes de tudo aquilo que passou a ser sinônimo de prisão, pois ali não há celas superlotadas, com presos se revezando para poderem dormir; não há alimentação de péssima qualidade; não se verificam condições insalubres nos alojamentos ou vivências; tampouco faltam espaços para os encontros íntimos”.

Ela ainda acrescenta: “A Penitenciária Industrial Regional do Cariri é um estabelecimento penitenciário com biblioteca, salas de aula, espaços para a recreação e serviços de assistência médico-odontológica, jurídica e psicológica, assim como oficinas que propiciam trabalho e câmeras de vídeo espalhadas em todos os recintos”.

De acordo com o censo do IBGE de 2000, a população carcerária brasileira era de quase 240 mil, sendo que havia um déficit de vagas de quase 60 mil. Seria necessária a construção de 116 estabelecimentos penitenciários com capacidade para 500 vagas, número recomendado como limite desejável pela ONU. Alguém consegue imaginar o governo construindo isso tudo, em prazo razoável, e por custo aceitável?

Por falar em custo, eis outro argumento favorável à privatização. Apesar da melhor qualidade das instalações, estudos mostram que os presos custam menos nas prisões privadas. Segundo o analista policial americano Geoffrey Segal, do Reason Public Policy Institute, as prisões privadas operam a um custo até 15% menor que as prisões públicas. Já a estimativa do custo do preso na França, segundo a própria Grecianny Carvalho Cordeiro, chega a ser 40% menor no setor privado.

A Penitenciária Industrial de Guarapuava, no Paraná, que foi a primeira a contar com gestão privada no Brasil, abriga uma fábrica de móveis, onde a maioria dos detentos trabalha, recebendo um salário mínimo mensal. Além disso, o índice de reincidência é de apenas 6%, enquanto no restante do país esse índice chega a 70%, segundo a própria autora. Ela alerta que esse índice em Guarapuava é discutível, pois ela começou a funcionar em 2000. Mas os sinais não são desanimadores.

Para aqueles cegados pela ideologia, é difícil enxergar as evidências a favor da privatização.

O texto foi retirado do livro “Privatize Já!”, lançado recentemente pela editora LeYa.


7 comentários:

  1. Anônimo12:10 PM

    Como a iniciativa privada obteria seu lucro? mesada do governo?
    criaria condições especiais, como celas separadas, mais tempo no banho de sol, visitas intímas extras, tudo tendo o seu preço?
    Quais seriam os limites éticos para atuação das empresas na geração de dividendos?

    Sob a lógica puramente empresarial, tendo como suporte o modelo econômico do ser humano racional - modelo este, coitado
    tão surrado pelo seu primo mais moderno, a economia comportamental - parece uma meio viável para criar uma plataforma
    para se atenuar os problemas do sistema prisional.

    Realmente, estamos caminhando a passos cada vez mais largos para uma sociedade de mercado, onde tudo se compra, como diz
    michael sandel.

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  2. Mario3:20 PM

    É uma boa discussão para ser levantada, mas eu sou legalista e não acho que a privatização total seja um caminho adequado. Nenhum cidadão, ainda que preso, está obrigado a submeter sua liberdade às ordens de um particular. No Brasil, a iniciativa privada só poderia gerenciar alguns serviços do presídio (alimentação, limpeza e coisas secundárias). O Poder de Polícia só pode ser exercido pelo estado, conforme definição do art.78, do Código Tributário Nacional. Acho bom que seja assim, porque até imagino o tipo de carcereiro companheiro que as empresas e ONGs brasileiras colocariam. Mas talvez terceirizar alguns serviços secundários seja bom.

    Mario.

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  3. Mario, privatizar presídios já trouxe bons resultados em outros países. Independente da constituição e justiça, eu sou a favor tanto de privatizar os presídios, como de trabalhos forçados para os presos.

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  4. Acreditar que os carcereiros de prisões privadas seriam maus é acreditar que os carcereiros que trabalham pro governo são magicamente imbuídos de bondade.

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  5. Li um artigo em um site informando que a taxa de reincidência na Noruega é de 20%, que é a menor do mundo. Se o modelo privado for copiar esse modelo, não vejo problema algum.

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  6. Noruega é um país com 5 milhões de pessoas educadas, que DEPOIS ainda descobriu muito petróleo. É complicado comparar o Brasil com a Noruega.

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  7. IvanFR4:43 AM

    Depois de muito pensar sobre o assunto, hoje sou favorável, em termos, à privatização de presídios. Realmente, como o texto deixa claro, não dá nem para comparar as instalações de prisões privadas com as instalações de prisões públicas.

    No entanto, receio que o Rodrigo deixou de responder a principal objeção dos anti-privatistas, que é o temor da "industria do crime", com lobby para aumento de penas privativas de liberdade (já que, em tese, mais pessoas presas representaria mais lucro para as empresas).

    Enfim, penso que se deve conciliar a gestão privada de presídios com a tendência da moderna criminologia de só se punir com pena de prisão os crimes verdadeiramente graves (normalmente aqueles praticados com grave violência contra a pessoa).

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