segunda-feira, dezembro 10, 2012

O erro da meia-entrada

Editorial do Estadão


Já está na Câmara, tramitando em regime de urgência depois de passar pelo Senado, o projeto de lei que regulamenta a concessão de 50% de desconto nos ingressos de eventos esportivos e culturais, a chamada meia-entrada. Sua aprovação, esperada para o primeiro semestre de 2013, institucionalizará definitivamente o absurdo, ao formalizar o poder do Estado de interferir numa relação estritamente particular, sem prever nenhuma compensação à parte que fornece o objeto do benefício. Ou seja: o poder público impõe o obséquio, mas quem o financia é tão somente o empreendedor privado.
O projeto em tramitação tem por objetivo colocar ordem na barafunda em que se transformou a concessão de meia-entrada no País. O texto estabelece uma cota de 40% de ingressos a serem vendidos com desconto para estudantes e pessoas com mais de 65 anos de idade.
Até agora, não havia teto para a comercialização das entradas. Já houve casos de espetáculos em que quase 100% dos ingressos tiveram de ser vendidos pela metade do preço. Em uma década, a meia-entrada nos teatros, por exemplo, saltou de 15% do total dos ingressos para 80%, indicando que a definição de "estudante" ficou bastante elástica - sem falar das fraudes na emissão das carteirinhas de identificação. A concessão ilimitada do desconto era um dos motivos pelos quais as entidades estudantis resistiam ao estabelecimento de uma cota. Originalmente, o projeto de lei previa teto de 30%, mas o porcentual foi elevado após longa negociação.
Para os estudantes, a falta de regulamentação do benefício criou o que eles chamam de "falsa meia-entrada" - isto é, diante da enorme demanda por desconto nos ingressos, os produtores de eventos majoram os bilhetes de tal modo que o benefício se torna simplesmente nulo. Os produtores, por seu lado, dizem que não sabem como calcular corretamente o quanto podem cobrar por suas atrações, porque não conseguem projetar a procura pelas entradas com desconto. Nesse aspecto, a cota é vista como um mal menor, porque fica claro qual é o limite do benefício. O resultado, em tese, é que se anularia parte dos argumentos oportunistas que ajudam a salgar os ingressos e a colocar os espetáculos no Brasil entre os mais caros do mundo.
Toda essa discussão, porém, camufla um fato óbvio: a não ser que estejamos vivendo uma experiência de economia planificada, manda a boa cartilha do livre mercado que quem determina o preço a cobrar pela mercadoria é o comerciante, e não uma autoridade reguladora. Espetáculos teatrais e produções cinematográficas, é bom lembrar, não são feitos por voluntários, mas por profissionais remunerados. A boa intenção de ajudar estudantes e idosos supostamente sem recursos a consumir cultura, sem lembrar que alguém deve pagar essa conta, acaba se tornando um atentado ao bom senso. Uma vez regulamentada a meia-entrada para cinema, teatro e shows, o próximo passo talvez seja aprovar leis que obriguem supermercados, dentistas e cabeleireiros a dar descontos para clientes munidos de suas privilegiadas carteirinhas. O céu é o limite.
Não bastasse isso, o projeto ainda restabelece o monopólio da emissão da carteirinha de estudante, colocando-o nas mãos da União Nacional dos Estudantes e de entidades congêneres, normalmente ligadas a grupos políticos que se financiam com a taxa paga para obter o documento. O circuito do absurdo se fecha: além de distribuir benefícios com recursos alheios, o Estado proporciona a determinadas agremiações, e exclusivamente a elas, uma renda nada desprezível.
Avizinha-se ainda um provável conflito jurídico resultante da interferência da nova lei federal nas áreas das leis estaduais e municipais já existentes sobre o assunto - há casos em que até doadores de sangue têm direito a meia-entrada. Para os especialistas em direito do consumidor, a confusão será inevitável e deverá alastrar-se pelo País todo, na forma de uma batalha de liminares.
Ante todas essas considerações, parece claro que a atitude correta a tomar não é regulamentar a meia-entrada, mas simplesmente acabar com ela, porque se trata de uma aberração.

15 comentários:

  1. Anônimo4:20 PM

    Calma aí leitor! A ridícula meia-entrada não é a obra-prima da imbecilidade brasileira! O país-piada tem, como menina-dos-olhos dos privilégios das minorias, a concessão de descontos telefônicos a gagos. Se vc achar que é piada, http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2012/03/gagos-poderao-ter-50-de-desconto-em-contas-de-celular-em-manaus.html

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  2. Anônimo5:06 PM

    Rodrigo,

    Não esqueça que quase 65% dos espetáculos já estão sendo financiados via ANCINE e correlatos! Abs!

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  3. hj fui comprar um vinho em um distribuidor, e ele me comentou que vai ter uma cota pra vinhos nacionais e importados nos supermercados. o pior é que este tipo de noticia já não impressiona mais. #sinaldostempos

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  4. Anônimo9:45 PM

    Quem faz evento sabe, calcula os custos e define o preço de venda,dobra o preço e meia entrada cai no valor real se não quebra.Quem não tem carteirinha como eu, ferro.Tô de saco cheio de governo!!!Ainda mais do PT.

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  5. Paulo9:53 PM

    Como disse o redator, a ideia de baratear o custo de acesso à cultura ao estudante é no mínimo boa intenção. Mas essa boa intenção deveria ser deixada de lado quando confrontada com as óbvias insensatezes da coisa. Porém, na questão, o pior mesmo são as fraudes. De minha parte, conheço pessoas que são estudantes apenas nas bilheterias dos eventos. Sacam das carteirinhas a cujos cursos mal frequentam e, tcharã! Descontão!

    Sobre o monopólio da emissão dessas carteiras, se contribuir efetivamente pra redução das fraudes, vá lá; vai ser um mal necessário.

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  6. Anônimo11:04 PM

    E os absurdos continuam. Hoje o prefeito de campinas sancionou lei que obriga os restaurantes da cidade a concederem 50% de desconto para os clientes que fizeram operaçāo de reduçāo de estomago...afinal eles comem 1/4 da quantidade dos normais !! Este pais é uma piada !!

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  7. Marco Garcia7:32 AM

    Então, mas se acabarem com a meia entrada não há o risco das empresas de espetáculos manterem os altos preços e os consumidores ficarem prejudicados? Deve haver uma outra forma de resolver essa situação. E como ficaria o caso dos professores da rede municipal e estatal de Goiania que possuem por lei o direito a meia entrada?

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  8. Anônimo9:45 AM

    "Então, mas se acabarem com a meia entrada não há o risco das empresas de espetáculos manterem os altos preços e os consumidores ficarem prejudicados? "

    com certeza vão. É a cara do Brasil esse tipo de atitude. Bastaria ao povo boicotar esses eventos, trazendo os preços a níveis razoáveis. Mas o povo, o povo é bundão e acha isso normal...paga o que for preciso, e tem crédito esperando no banco da esquina.

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  9. Não, minha gente. É lei da oferta e demanda! Os preços com certeza seriam MENORES!

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  10. Anônimo2:11 PM

    Ah Rodrigo...no Brasil as leis econômicas são muito exóticas para se prever o que ocorrerá. As meias-entradas são majoradas há décadas por aqui. Se o nome delas mudar para "inteira", vc acha que os promotores vão entender que devem abaixar os precinhos?

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  11. Alexandre R.5:21 PM

    Não adianta Rodrigo... Esses esquerdistas não entendem lhufas de economia. Não sabem que caso seja revogada a meia entrada, quem hoje vai a espetáculos pagando meia, ou não iria mais, ou reduziria seu consumo caso o preço da "inteira" se mantivesse o mesmo. Portanto os promotores seriam obrigados a reduzir o preço para manter a demanda. Mas oferta e demanda é muito complexo para certas mentes. Aqui no Brasil as pessoas ainda acreditam em almoço grátis e o lucro ainda é visto como perverso e fruto da "ganância empresarial"(como se ela fosse ruim).

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  12. Anônimo7:49 PM

    olha ai o que ja está acontecendo: http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/estado/2012/12/06/quem-tiver-estomago-reduzido-paga-metade-em-campinas.htm

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  13. A meia-entrada nada mais é do que um reflexo da paixão do brasileiro por pedir desconto em tudo, e se sentir orgulhoso disso. "Agora eu me dei bem!". De tanto escutar cliente pedindo desconto, todos já cobram no mínimo 10% a mais, que é o fator desconto.

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  14. Anônimo9:57 AM

    Alexandre de mente avançada, estude o que significa "majorado".

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  15. Simples de resolver. concedam meia entrada a TODOS e pronto. Claro que como nao existem milagres, o preco dobrara. Mas eh o correto.

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