Idéias de um livre pensador sem medo da polêmica ou da patrulha dos "politicamente corretos".
sexta-feira, fevereiro 24, 2006
Pão e Circo
Rodrigo Constantino
Bons tempos aqueles onde o carnaval era apenas o pão e circo das massas. Isso, por si só, já era detestável, tal como o Coliseu romano, usado para desviar a atenção do povo das questões políticas. Políticos realmente usam e abusam de ópio para embriagar as massas. Sejam os tradicionais futebol e carnaval, passando pela religião, e chegando ao “piscinão” ou restaurantes e farmácias populares, o que vale é ludibriar os inocentes úteis. E como funciona!
Mas eu vinha dizendo que esses, pasmem!, eram bons tempos. Sim, a coisa piorou, e muito. Não basta mais que o fulano esqueça do “mensalão” torcendo para o Flamengo, ou que ignore o Marcos Valério livre, leve e solto, quando vê a Mangueira entrar. Na Sapucaí, evidentemente. Não, isso não é mais suficiente para os políticos. Agora eles querem mais! Querem usar o famoso pão e circo para a doutrinação ideológica das massas.
É nesse contexto que a Vila Isabel trás esse ano seu enredo carnavalesco enaltecendo figuras pitorescas como Hugo Chávez, quem inclusive contribuiu financeiramente para o desfile da escola. A “Vila Isabel Libertadora” vem com imagens de Simon Bolívar, Che Guevara e Fidel Castro, conclamando a formação de um só povo na América Latina. Ou seria Latrina? Parece mais adequado, lembrando que os políticos aqui fazem na vida pública o que fazem na privada. Mas voltando aos homenageados da Vila, dá até para entender porque tanta gente da esquerda defende o abrandamento dos crimes hediondos. Ora, o que é um assassino comum perto de Fidel Castro? Faz sentido defender um sursis para o “pobre coitado”.
Pois é, se muita gente mais esclarecida já tinha motivos de sobra para ter certa implicância com o carnaval, devido ao fator entorpecente para as massas, agora não dá mais para segurar. Carnaval virou sinônimo de revolução socialista. Até nisso essa gente se infiltrou! Não ficaram satisfeitos em dominar universidades, escolas, a mídia e a Igreja. Tinham que atrapalhar até mesmo o carnaval. Foi o limite. Para mim chega! Vou embora curtir meu carnaval... bem longe da Sapucaí.
quinta-feira, fevereiro 23, 2006
Patrimônio da Humanidade
Rodrigo Constantino
“Se o indivíduo busca satisfazer seu próprio interesse num contexto de respeito à propriedade privada e às trocas efetuadas no mercado, estará fazendo o que a sociedade espera que ele faça.” (Mises)
Por que os tubarões podem estar ameaçados de extinção, mas as vacas dificilmente correm tal risco? Por que é absurdamente raro que uma pessoa lave um carro alugado antes de devolvê-lo? Por que a floresta amazônica anda sendo devastada em ritmo acelerado e sem responsabilidade? Apesar de aparentarem desconexas, essas perguntas estão intimamente ligadas, pois a resposta é a mesma para todas: direito de propriedade privada.
Os tubarões, no meio do oceano, não possuem donos, diferente das vacas, com proprietários bem definidos. O carro alugado, apesar de ter um dono, não está sendo utilizado por este quando está alugado. E o cliente não lava o carro justamente porque o carro não é dele. Da mesma forma, a floresta amazônica é tão mal tratada e explorada justamente pela ausência de uma propriedade privada bem definida.
Os indivíduos reagem à incentivos. Isso é um fato, uma característica intrínseca da natureza humana. E obviamente há muito mais incentivos ao cuidado daquilo que é nosso. Basta pensar em como os pais cuidam dos seus filhos, e imaginar se agem da mesma forma com crianças desconhecidas. Portanto, parece bastante lógico que a propriedade privada é o maior incentivo para a preocupação com o bem em questão.
Tendo isso em mente, podemos entender melhor porque as coisas consideradas “patrimônio da humanidade” acabam sendo cuidadas de forma pior que os bens com propriedade individual. O que é de todos, não é de ninguém. Quem trabalha em uma empresa grande sabe exatamente o que é isso. Aquele serviço sem dono, sem um responsável direto, acaba mal feito, se feito. Afinal, não há como cobrar de alguém especificamente. Um passa a culpar o outro pelo desleixo. É exatamente o que acontece com um “patrimônio da humanidade”.
Logo, a solução para os problemas do desmatamento desenfreado na Amazônia passa longe do decreto de que a região é o “pulmão” do mundo, um bem da humanidade. Muito menos será resolvido dando uma área rica em minerais, do tamanho de Portugal, para uns 3 mil índios ianomânis. Acaba gerando o que vemos, como crimes, corrupção e exploração ilegal, enquanto alguns índios andam em suas picapes importadas. Esse é o caminho certo do caos. Tampouco adianta apelar para o Curupira.
Para resolver de verdade o problema, precisamos delimitar propriedades privadas. Empresas com foco no lucro precisam ser responsáveis com seus ativos. Basta pensar nas grandes empresas de petróleo. Elas não detonam o máximo de produção possível ignorando a capacidade produtiva futura. Sabem que isso seria sua morte súbita, e por isso cuidam bem do seu mais valioso ativo. O mesmo vale para as empresas de celulose. As enormes florestas da Aracruz, Klabin, Suzano e Votorantim não enfrentam os problemas típicos da Amazônia. As empresas cuidam bem dos ativos, plantam novos eucaliptos, praticam o reflorestamento, tudo isso objetivando o lucro. No site da própria Aracruz, encontramos: “Por ser uma empresa de base florestal, a Aracruz sabe que a própria sobrevivência do empreendimento depende do uso renovável dos recursos naturais, assegurando que estejam disponíveis para as futuras gerações”. As atividades delas precisam ser sustentáveis, e o principal insumo tem que ser bem utilizado.
Espero que a mensagem tenha ficado bastante clara. É a propriedade privada que faz florescer um tratamento adequado aos recursos naturais, com base na racionalidade e busca de lucro. Não vamos tratar a Amazônia como um mico-leão dourado. Vamos tratá-la como uma vaca. Quando as coisas têm dono, a própria lei de oferta e demanda, através do preço de mercado, força um tratamento mais racional por parte do proprietário. Ou alguém acha que um criador de vaca iria matar todo seu rebanho pensando apenas no lucro imediato, ignorando o futuro do seu negócio?
Hipertrofia Estatal
Rodrigo Constantino
Com a divulgação dos resultados finais de 2005 das principais empresas, muita gente atentou para os elevados ganhos dos bancos, para variar. De fato, os bancos ganham bastante dinheiro no Brasil. Isso deve-se, basicamente, ao elevado nível de juros que o próprio governo paga nos seus títulos. Os juros altos, como o excelente retorno dos bancos, são conseqüência, não causa, dos principais problemas nacionais. As causas podem ser encontradas no gigantismo estatal, com enorme dívida pública e gastos explosivos.
Há uma grave falha na acusação de que o setor financeiro não é produtivo. Isso só é verdade quando limitamos o conceito de produção a bens materiais. Mas não custa lembrar que as economias desenvolvidas são fortemente dependentes do setor de serviços. E os bancos prestam um serviço fundamental para a economia de uma nação. Infelizmente, a principal função deles, de ligação entre poupadores e investidores, fica prejudicada no Brasil, posto que o maior devedor é o próprio governo, um péssimo investidor. É a fome insaciável de recursos do governo que limita a oferta de crédito no mercado, e puxa o preço do dinheiro para cima, elevando a taxa de juros. Isso para não falar que o maior banqueiro é o próprio Estado, que controla, através de estatais, cerca de 40% do setor.
Mas algo mais chama a atenção quando analisamos os dez maiores lucros divulgados até agora. A parcela das empresas estatais no total. A Petrobrás, pelo seu tamanho, distorce a análise. Mas o fato é que as estatais correspondem a 57% do total dos dez maiores lucros. Petrobrás, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, juntos, tiveram um lucro de R$ 30 bilhões em 2005. É muito dinheiro em mãos estatais. É muito recurso sendo mal utilizado, pela gestão inerentemente mais ineficiente do governo. É muito dinheiro podendo ser usado para fins políticos, “mensalão”, populismo, compra de votos etc.
Não há argumento lógico para justificar uma Petrobrás estatal. Nos Estados Unidos, maiores consumidores de petróleo do mundo, temos diversas empresas privadas competindo no livre mercado, e justamente por isso funciona melhor. Fosse a Petrobrás uma empresa privada, seria mais eficiente, mais lucrativa, já seria auto-suficiente há anos, e não ficaria gastando bilhões dos pagadores de impostos para investimentos suspeitos e populistas, financiamento de projetos “culturais” que beneficiam alguns amigos do rei etc.
O que choca nos lucros divulgados até agora não é a participação dos bancos no total. O que espanta mesmo é como o povo brasileiro é refém do Estado. Assusta ver quanto dos lucros vêm de estatais. E ainda tem comediante que acusa o “neoliberalismo” pelas nossas mazelas...
Com a divulgação dos resultados finais de 2005 das principais empresas, muita gente atentou para os elevados ganhos dos bancos, para variar. De fato, os bancos ganham bastante dinheiro no Brasil. Isso deve-se, basicamente, ao elevado nível de juros que o próprio governo paga nos seus títulos. Os juros altos, como o excelente retorno dos bancos, são conseqüência, não causa, dos principais problemas nacionais. As causas podem ser encontradas no gigantismo estatal, com enorme dívida pública e gastos explosivos.
Há uma grave falha na acusação de que o setor financeiro não é produtivo. Isso só é verdade quando limitamos o conceito de produção a bens materiais. Mas não custa lembrar que as economias desenvolvidas são fortemente dependentes do setor de serviços. E os bancos prestam um serviço fundamental para a economia de uma nação. Infelizmente, a principal função deles, de ligação entre poupadores e investidores, fica prejudicada no Brasil, posto que o maior devedor é o próprio governo, um péssimo investidor. É a fome insaciável de recursos do governo que limita a oferta de crédito no mercado, e puxa o preço do dinheiro para cima, elevando a taxa de juros. Isso para não falar que o maior banqueiro é o próprio Estado, que controla, através de estatais, cerca de 40% do setor.
Mas algo mais chama a atenção quando analisamos os dez maiores lucros divulgados até agora. A parcela das empresas estatais no total. A Petrobrás, pelo seu tamanho, distorce a análise. Mas o fato é que as estatais correspondem a 57% do total dos dez maiores lucros. Petrobrás, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, juntos, tiveram um lucro de R$ 30 bilhões em 2005. É muito dinheiro em mãos estatais. É muito recurso sendo mal utilizado, pela gestão inerentemente mais ineficiente do governo. É muito dinheiro podendo ser usado para fins políticos, “mensalão”, populismo, compra de votos etc.
Não há argumento lógico para justificar uma Petrobrás estatal. Nos Estados Unidos, maiores consumidores de petróleo do mundo, temos diversas empresas privadas competindo no livre mercado, e justamente por isso funciona melhor. Fosse a Petrobrás uma empresa privada, seria mais eficiente, mais lucrativa, já seria auto-suficiente há anos, e não ficaria gastando bilhões dos pagadores de impostos para investimentos suspeitos e populistas, financiamento de projetos “culturais” que beneficiam alguns amigos do rei etc.
O que choca nos lucros divulgados até agora não é a participação dos bancos no total. O que espanta mesmo é como o povo brasileiro é refém do Estado. Assusta ver quanto dos lucros vêm de estatais. E ainda tem comediante que acusa o “neoliberalismo” pelas nossas mazelas...
quarta-feira, fevereiro 22, 2006
Na Lanterna
Rodrigo Constantino
A revista The Economist costuma fazer, de 3 em 3 meses, uma pesquisa com um grupo de analistas sobre as expectativas de crescimento econômico de 25 países emergentes. Na última pesquisa realizada, a média de crescimento esperado para 2006 era de 5%. Os líderes são China e Índia. A Argentina vem em terceiro, devido à base muito aviltada após forte recessão. Em seguida, temos Rússia e Venezuela, aproveitando a alta do preço do petróleo. Cingapura, Chile e Hong Kong aparecem em seguida, com sólida taxa de crescimento ano após ano. E o Brasil?
O Brasil, que foi o pior colocado do grupo em 2005, com crescimento pífio, está em penúltimo lugar no esperado para 2006. Perde apenas para o México. O grupo espera um crescimento econômico de apenas 3,6% para o Brasil em 2006. O país está ficando para trás no progresso mundial recente. Está crescendo infinitamente aquém do potencial.
A culpa disso está no modelo estatal, inchado, hipertrofiado, com burocracia asfixiante e ambiente perverso para os negócios. Sem reformas estruturais, o Brasil estará sempre entre os lanternas do grupo. O pior de tudo é que ainda tem muita gente celebrando nosso crescimento medíocre, e o que é pior, atribuindo tal “sucesso” ao governo Lula, que representa justamente o oposto do caminho adotado pelos bem sucedidos. Creio que pior que ser o lanterna, só mesmo ser o lanterna se achando um vencedor...
A revista The Economist costuma fazer, de 3 em 3 meses, uma pesquisa com um grupo de analistas sobre as expectativas de crescimento econômico de 25 países emergentes. Na última pesquisa realizada, a média de crescimento esperado para 2006 era de 5%. Os líderes são China e Índia. A Argentina vem em terceiro, devido à base muito aviltada após forte recessão. Em seguida, temos Rússia e Venezuela, aproveitando a alta do preço do petróleo. Cingapura, Chile e Hong Kong aparecem em seguida, com sólida taxa de crescimento ano após ano. E o Brasil?
O Brasil, que foi o pior colocado do grupo em 2005, com crescimento pífio, está em penúltimo lugar no esperado para 2006. Perde apenas para o México. O grupo espera um crescimento econômico de apenas 3,6% para o Brasil em 2006. O país está ficando para trás no progresso mundial recente. Está crescendo infinitamente aquém do potencial.
A culpa disso está no modelo estatal, inchado, hipertrofiado, com burocracia asfixiante e ambiente perverso para os negócios. Sem reformas estruturais, o Brasil estará sempre entre os lanternas do grupo. O pior de tudo é que ainda tem muita gente celebrando nosso crescimento medíocre, e o que é pior, atribuindo tal “sucesso” ao governo Lula, que representa justamente o oposto do caminho adotado pelos bem sucedidos. Creio que pior que ser o lanterna, só mesmo ser o lanterna se achando um vencedor...
terça-feira, fevereiro 21, 2006
O Milagre de Bangalore
Rodrigo Constantino
“A Índia é para a cadeia mundial de fornecimento de conhecimento e serviços o que a China e Taiwan são para a de manufaturas.” (Thomas Friedman)
O mundo está mais plano, se achatando. É o que defende Thomas Friedman, em seu livro O Mundo é Plano. O autor descreve de forma objetiva o progresso tecnológico da última década, que reduziu bastante a distância entre os indivíduos mundo afora. Tornou-se possível trabalhar à distância com muito mais facilidade. Há um claro processo de convergência em andamento. E Bangalore, na Índia, é um ótimo exemplo dessas mudanças.
A competição vem se acirrando em nível global com as novas ferramentas disponíveis. Estamos em uma nova fase da globalização, onde os próprios indivíduos podem colaborar e competir no âmbito global. Como exemplo, estima-se que cerca de 400 mil declarações de imposto de renda de americanos foram feitas na Índia em 2005. Os advogados americanos acabam focando em serviços de maior valor agregado, pois a parte mais braçal está sendo terceirizada. E esse é apenas um exemplo entre vários.
Bangalore já abriga inúmeras empresas prestadoras de serviços para outros países. Se antes apenas bens manufaturados eram exportados, agora temos a exportação de serviços também. Com os salários bem menores, e mão-de-obra qualificada, os indianos estão assumindo funções mais básicas, disponibilizando aos clientes globais capital e energia para outros fins. Assim como a China pressiona os preços de produtos industrializados para baixo, a Índia pressiona o preço dos serviços, e os consumidores do mundo todo ganham com isso. A inflação fica contida, o crescimento acelera e são criados novos empregos em setores mais elaborados, dependentes do capital intelectual. Além disso, a expansão da economia indiana gera mais demanda para diversos bens e serviços americanos. O desemprego nos Estados Unidos está em patamares historicamente baixos, inferior a 5%. Na verdade, estamos vendo a força das vantagens comparativas em vigor. O trabalho está indo para onde pode ser feito melhor, com custos menores. Não custa lembrar que cerca de 90% dos americanos trabalhavam na agricultura cerca de 150 anos atrás, e hoje não são mais que 4%. Essa mudança não fez mal para os americanos. Muito pelo contrário.
Cerca de 245 mil indianos atendem ligações de todas as partes do mundo em firmas de call center. Esse emprego não é bem remunerado nos Estados Unidos, mas conta com razoável prestígio na Índia. São predominantemente jovens esforçados, com domínio do inglês, sonhando com um padrão de vida mais alto no futuro. Muitos agora não precisam mais imigrar para os Estados Unidos em busca de emprego. Conseguem ficar perto de casa mesmo. E se dedicam pesado aos estudos. Os cursos de administração indianos produzem quase 90 mil MBAs todo ano. A garra desses jovens, que agora contam com mais oportunidades, é impressionante.
O que permitiu que a Índia desse a partida nessa trajetória foi o avanço da infra-estrutura de comunicações. Sem os abundantes cabos de fibra óptica, não seria possível o sucesso recente. As empresas de tecnologia, com seus engenheiros com PhD, estão proliferando na Índia. Apenas a título de curiosidade, uma jovem empresa indiana é a atual detentora dos direitos sobre a imagem de Chaplin para jogos de computadores portáteis. O maior centro de pesquisa da GE fora dos Estados Unidos fica em Bangalore, com 1.700 engenheiros, designers e cientistas indianos. Os chips para muitos celulares de marcas famosas são projetados em Bangalore. O rastreamento da bagagem extraviada na Delta ou na British Airways é feito em Bangalore. Radiologistas terceirizam determinados serviços para a Índia. A Reuters usa indianos para vários serviços gerais de jornalismo. Analistas financeiros indianos prestam serviços, de casa, para o mundo todo.
Bangalore é o Vale do Silício indiano, e a Infosys é sua pérola, a Microsoft local. A empresa foi fundada em 1981, abriu seu capital em 1993 e atingiu uma receita anual de 100 milhões de dólares em 1999. A partir de 2000, a empresa deslanchou. Em 2001 já tinha receita de US$ 400 milhões, e em 2004 cruzou a fronteira de US$ 1 bilhão de faturamento. A empresa emprega cerca de 50 mil funcionários. A Infosys é sinônimo do sucesso recente de Bangalore. Nada disso seria possível sem o achatamento do mundo, sem a plataforma avançada de comunicações, sem a maior abertura da Índia para investidores estrangeiros e sem o novo estágio da globalização.
A Índia ainda é um país pobre, claro. Foram anos de políticas socialistas com excesso de intervenção estatal na economia. Boa parte do país ainda está muito distante do mundo plano, e não terá como pegar carona no progresso gerado por ele. Mas o caso de Bangalore é sintomático, e seu efeito se espalha por toda a nação, que vem crescendo de forma acelerada. Demonstra o poder da globalização na fase da Internet, do maior nivelamento mundial, do achatamento do globo devido às quedas das barreiras geográficas. Quem resistir, ficará para trás. Quem abraçar o desafio com vontade, sem medo de competir, irá colher os frutos desse novo mundo. Bangalore está nesse time vencedor. Seu milagre tem nome: globalização!
A Irlanda de Bono
Rodrigo Constantino
O U2 é uma banda realmente sensacional. Um caso irrefutável de sucesso estrondoso no mundo musical, tendo produzido inúmeros hits e vendido milhões de discos. Seu líder, Bono, costuma se engajar em causas sociais também, tendo ficado ainda mais famoso por conta desse passatempo. Acho ótimo que cantores famosos tentem reverter a fama em prol de causas nobres. Não duvido da boa intenção de Bono também. Mas acho que o “bom moço” é vítima do politicamente correto, que reduz absurdamente a liberdade para expressar certas verdades. E assim, acaba prestando um desserviço aos pobres que pretende ajudar.
Bono fez questão de ir se encontrar com Lulla ao chegar no Brasil, e disparou elogios ao presidente brasileiro. Ao mostrar uma foto do presidente no show, foi alvo de vaias. Seria melhor se Bono procurasse se informar mais antes de pregar suas causas sociais politicamente corretas. Talvez ele tivesse sabido do “mensalão”, do escândalo da cueca, do lamaçal que o partido do presidente se atolou e das medidas autoritárias que Lulla tentou passar no Congresso. Talvez tivesse tomado conhecimento de como o Brasil vai perdendo o bonde do progresso, crescendo bastante aquém do potencial e dos demais países emergentes. Poderia ter se informado sobre o fracasso do populista Fome Zero. Tivesse Bono estudado mais a fundo o caso brasileiro, saberia que Lulla representa o oposto de tudo aquilo que possibilitou a reviravolta do seu país, a Irlanda.
A Irlanda vem experimentando um choque liberal há anos, com redução de gastos públicos, abertura comercial e maior liberdade econômica. O país já está em terceiro lugar no ranking de liberdade econômica do Heritage Foundation, perdendo apenas para Cingapura e Hong Kong. A economia apresentou crescimento superior a 7% ao ano desde 1993. O país conta com uma das mais favoráveis políticas para investimentos estrangeiros do mundo, assim como ambiente bastante amigável para os negócios. Os impostos corporativos foram reduzidos para 12,5%, um dos mais baixos da Europa. A Irlanda se tornou um enorme ímã de investimentos de americanos e ingleses, que são também os maiores parceiros comerciais do país. A tarifa média ponderada para importação é de apenas 1,3%, bastante inferior a do Brasil, acima de 13%. Não existe controle de preços por parte do governo. A proteção à propriedade privada é forte, e o sistema legal é transparente. Em resumo, a Irlanda é um ótimo exemplo das reformas defendidas pelos liberais.
Os resultados são claros. Fora o excelente crescimento econômico já citado, a renda per capita está chegando perto dos US$ 40 mil, uma das maiores do mundo. O desemprego é baixo, perto dos 5%. Os indicadores sociais estão melhorando a cada ano. O gasto com educação não é muito diferente do brasileiro, em cerca de 4,3% do PIB. O que faz a diferença mesmo é o grau de liberdade econômica. A Irlanda vem reduzindo o tamanho do Estado, assim como sua interferência na economia. Vem abrindo seu comércio, atraindo investimentos estrangeiros, tratando bem os empresários e adotando o império da lei. Exatamente a receita liberal. E com isso, vem colhendo os doces frutos dessas medidas.
Como ficou claro, a Irlanda de Bono está na contramão do Brasil de Lulla. Aqui, o Estado é cada vez maior, mais inchado e mais interventor. Falta muito para chegarmos ao grau de abertura comercial da Irlanda. Falta muito para chegarmos ao ambiente amistoso para os negócios. Falta muito para termos um império da lei que respeite as propriedades privadas. Enfim, falta muito para o Brasil virar uma Irlanda.
Mas nada disso impediu que Bono ignorasse esse abismo existente entre os discursos populistas do nosso presidente e a realidade dos fatos. Estivesse o cantor melhor informado, e mais livre das amarras do politicamente correto, poderia ter dado um recado muito melhor para o mundo. Poderia ter condenado a demagogia de Lulla, assim como suas idéias anti-liberais, e ter defendido justamente o caminho adotado pela sua pátria. Este caminho não tem mistério. Em graus distintos, foi o mesmo tomado por nações como Cingapura, Espanha, Austrália, Holanda, Nova Zelândia e Chile. É o caminho liberal. Fica na contramão do destino traçado pelos países da América Latina. Fica na direção contrária ao rumo pregado por Lulla. Sorte dos irlandeses. Azar dos fãs brasileiros de Bono...
segunda-feira, fevereiro 20, 2006
Dinamarca e Fanatismo
Rodrigo Constantino
“Não é possível discutir racionalmente com alguém que prefere matar-nos a ser convencido pelos nossos argumentos.” (Karl Popper)
O artigo vem um pouco atrasado, para falar das charges de Maomé e da reação alucinada que geraram entre muçulmanos fanáticos. Mas não tem problema. Afinal, a reação dos extremistas também veio bastante atrasada. Na verdade, levaram meses para mostrar revolta insana com uns simples desenhos, curiosamente em um momento que muito interessava ao Irã. O que está por trás dessa suposta loucura? Quem tem razão nesse episódio?
Muitas pessoas, talvez por medo do Islã ou por relativismo moral hipócrita, condenaram o próprio Ocidente e sua liberdade de expressão. Querem voltar aos tempos onde era proibido ir contra a fé e a religião. Acham que os jornais não tinham nada que desrespeitar as crenças dos muçulmanos. Essas mesmas pessoas nada falam quando o lado de lá diz que Israel deve ser exterminado do mapa, ou que o Holocausto nem existiu. Também não fazem coro contrário quando filmes ou charges ironizam a figura de Cristo. O respeito da fé acima de tudo, aparentemente, tem dois pesos e duas medidas, como todas as demais formas de relativismo. É só o Ocidente que tem obrigação de respeitar a fé do Oriente. Este pode declarar a Jihad contra nós, pregando a morte dos infiéis, sob um silêncio complacente até mesmo dos moderados, que não tem problema algum.
Uma das possíveis causas do fanatismo islâmico pode ser encontrada no maior achatamento do mundo, com os avanços tecnológicos reduzindo a distância entre os povos. É a opinião do colunista Thomas Friedman, em seu livro O Mundo é Plano. O autor defende a tese de que, com a maior globalização e progresso da Internet, não é mais possível fechar os olhos dos muçulmanos para a realidade mundo afora. Fica mais evidente o atraso deles, o quanto ficaram para trás em relação ao Ocidente. Vários terroristas, em suas declarações, deixam claro esse ressentimento, uma busca de vingar a humilhação perante o sucesso ocidental. Essas paixões viram um prato cheio para o oportunismo de líderes inescrupulosos, que abusam de bodes expiatórios externos para justificarem as atrocidades domésticas. Com uma população extremamente jovem, economia dependente do ouro negro e sem geração de novos empregos, ausência de liberdades individuais e miséria crescente visível pelo choque de civilizações, há ambiente fértil para uma fábrica de terroristas fanáticos. Não há como lutar contra isso usando apenas a razão, afinal, tamanho fanatismo cria uma barreira intransponível à lógica. Estamos diante de um caso claro de rigidez cognitiva.
A cura de tal doença levará tempo. Será preciso democratizar as atuais teocracias, separar a fé religiosa do Estado, aumentar o grau de liberdade individual, reduzir a dependência econômica do petróleo etc. Nada disso será da noite para o dia. Mas é fundamental, para tanto, que os formadores de opinião não se curvem diante do medo ou da hipocrisia. Achar que o problema está na liberdade de expressão ocidental, em vez do fanatismo religioso dos muçulmanos, é trocar totalmente as bolas. O mundo necessita de um julgamento objetivo sobre esses acontecimentos, para o bem dos próprios muçulmanos que não compactuam com as barbaridades perpetradas em nome do seu deus. Apelar ao relativismo moral e culpar a liberdade de imprensa dinamarquesa pela reação dos fanáticos é assassinar o bom senso. Devemos ser livres até mesmo para blasfemar!
Marcelo, um oficial do reino da Dinamarca na mais famosa peça de Shakespeare, afirma que “há algo de podre no Estado da Dinamarca”, ao ver, espantado, o fantasma do Rei Hamlet. Eram outros tempos. Talvez no começo do século XVII havia mesmo algo de podre no reino da Dinamarca. Mas atualmente, o país conta com ampla liberdade individual. A imprensa é livre, a economia é livre, e a Dinamarca está na oitava posição no ranking de liberdade econômica do Heritage. A renda per capita beira os US$ 40 mil. Trata-se de um país avançado em todos os sentidos. O jornal dinamarquês tem total direito de desenhar uma charge de quem quiser, seja Maomé, Jesus, Buda ou o Papa. Os muçulmanos fanáticos é que não têm direito de incendiar embaixadas e matar gente por causa disso. Se Shakespeare vivesse nos dias atuais, provavelmente escreveria que há algo de muito podre nas teocracias islâmicas...
quinta-feira, fevereiro 16, 2006
A Cura Capitalista
Rodrigo Constantino
“It is not from the benevolence of the butcher, the brewer, or the baker, that we expect our dinner, but from their regard to their own interest..” (Adam Smith)
Muitas pessoas observam os avanços medicinais da humanidade e não entendem o que possibilitou tamanho progresso. Há poucos séculos atrás, a população na Terra não conseguia ultrapassar a marca de 2 bilhões de habitantes, que tinham uma expectativa média de vida bastante inferior a atual. Crianças morriam como moscas, e doenças hoje tidas como banais ainda levavam muitos para o cemitério. Muito melhorou, e ainda vai melhorar bem mais. Nada disso é possível pela reza dos crentes ou pelos desejos dos românticos, mas sim pela lógica capitalista.
O acúmulo de capital e a incessante busca por lucro é que permitiram tanto avanço na área medicinal, assim como na tecnológica. Os laboratórios farmacêuticos, com acionistas objetivando o lucro, e competindo em um ambiente de livre mercado, com garantia de direito de propriedade, criaram o grosso desse avanço. Não é preciso muito esforço para enxergar isso. Basta ir a uma farmácia e pesquisar a lista de remédios existentes, checando seus respectivos produtores. Não veremos lá seitas religiosas, tampouco o carimbo de governos socialistas. Teremos uma lista como Pfizer, Merck, Eli Lilly, Novartis, GlaxoSmithKline etc. Todos laboratórios em busca do lucro, atuando em países capitalistas.
Sei que não falo absolutamente nada novo ou espantoso. Pelo contrário, é até evidente demais. Logo, o espantoso mesmo é a quantidade de gente que ignora isso. São os românticos que criam um falso dilema, entre o lucro e as vidas a serem salvas, como se não fosse justamente a busca do lucro que tivesse salvo tantas vidas. Ou os que odeiam patologicamente o livre mercado e pregam sempre mais controle estatal, como se a URSS tivesse trazido grandes avanços para a humanidade. Não creio que uma dor de cabeça possa ser combatida com um fuzil AK-47. Se bem que pela lógica comunista até pode, com um tiro na nuca. Mas com certeza não será uma cura adotada voluntariamente, como ocorre nas trocas livres entre consumidores e laboratórios.
Como exemplo do sucesso capitalista no negócio medicinal, temos agora que o Viagra foi o remédio mais vendido no Brasil em 2005, com cerca de 700 mil comprimidos por mês. Vários consumidores agradecem a constante busca de lucratividade da Pfizer, que hoje possibilita a ereção de muitos que sofriam de impotência. Tal cura não é milagrosa, no sentido de cair do céu, e muito menos depende de um decreto estatal. É fruto de pesados investimentos em pesquisa por parte da Pfizer, que precisa competir com vários concorrentes no mercado. Os investimentos em P&D da Pfizer passam dos US$ 7 bilhões por ano, mais que o dobro do que a empresa gasta em adição de máquinas e equipamentos. Ela compete no ramo das idéias, do capital intelectual, e sabe que as curas demandadas, que trarão excelentes retornos aos seus acionistas, custam caro. Mas compensam, por sorte dos consumidores.
A Pfizer gera um lucro em torno de US$ 10 bilhões por ano, com receita acima de US$ 50 bilhões. Desta forma, pode atender aos anseios dos clientes, emprega cerca de 115 mil funcionários, paga pesados impostos e ainda vale quase US$ 200 bilhões na bolsa, para a alegria dos seus milhares de acionistas. Eis a beleza da lógica capitalista. Não deixa de ser um milagre!
“It is not from the benevolence of the butcher, the brewer, or the baker, that we expect our dinner, but from their regard to their own interest..” (Adam Smith)
Muitas pessoas observam os avanços medicinais da humanidade e não entendem o que possibilitou tamanho progresso. Há poucos séculos atrás, a população na Terra não conseguia ultrapassar a marca de 2 bilhões de habitantes, que tinham uma expectativa média de vida bastante inferior a atual. Crianças morriam como moscas, e doenças hoje tidas como banais ainda levavam muitos para o cemitério. Muito melhorou, e ainda vai melhorar bem mais. Nada disso é possível pela reza dos crentes ou pelos desejos dos românticos, mas sim pela lógica capitalista.
O acúmulo de capital e a incessante busca por lucro é que permitiram tanto avanço na área medicinal, assim como na tecnológica. Os laboratórios farmacêuticos, com acionistas objetivando o lucro, e competindo em um ambiente de livre mercado, com garantia de direito de propriedade, criaram o grosso desse avanço. Não é preciso muito esforço para enxergar isso. Basta ir a uma farmácia e pesquisar a lista de remédios existentes, checando seus respectivos produtores. Não veremos lá seitas religiosas, tampouco o carimbo de governos socialistas. Teremos uma lista como Pfizer, Merck, Eli Lilly, Novartis, GlaxoSmithKline etc. Todos laboratórios em busca do lucro, atuando em países capitalistas.
Sei que não falo absolutamente nada novo ou espantoso. Pelo contrário, é até evidente demais. Logo, o espantoso mesmo é a quantidade de gente que ignora isso. São os românticos que criam um falso dilema, entre o lucro e as vidas a serem salvas, como se não fosse justamente a busca do lucro que tivesse salvo tantas vidas. Ou os que odeiam patologicamente o livre mercado e pregam sempre mais controle estatal, como se a URSS tivesse trazido grandes avanços para a humanidade. Não creio que uma dor de cabeça possa ser combatida com um fuzil AK-47. Se bem que pela lógica comunista até pode, com um tiro na nuca. Mas com certeza não será uma cura adotada voluntariamente, como ocorre nas trocas livres entre consumidores e laboratórios.
Como exemplo do sucesso capitalista no negócio medicinal, temos agora que o Viagra foi o remédio mais vendido no Brasil em 2005, com cerca de 700 mil comprimidos por mês. Vários consumidores agradecem a constante busca de lucratividade da Pfizer, que hoje possibilita a ereção de muitos que sofriam de impotência. Tal cura não é milagrosa, no sentido de cair do céu, e muito menos depende de um decreto estatal. É fruto de pesados investimentos em pesquisa por parte da Pfizer, que precisa competir com vários concorrentes no mercado. Os investimentos em P&D da Pfizer passam dos US$ 7 bilhões por ano, mais que o dobro do que a empresa gasta em adição de máquinas e equipamentos. Ela compete no ramo das idéias, do capital intelectual, e sabe que as curas demandadas, que trarão excelentes retornos aos seus acionistas, custam caro. Mas compensam, por sorte dos consumidores.
A Pfizer gera um lucro em torno de US$ 10 bilhões por ano, com receita acima de US$ 50 bilhões. Desta forma, pode atender aos anseios dos clientes, emprega cerca de 115 mil funcionários, paga pesados impostos e ainda vale quase US$ 200 bilhões na bolsa, para a alegria dos seus milhares de acionistas. Eis a beleza da lógica capitalista. Não deixa de ser um milagre!
segunda-feira, fevereiro 13, 2006
Câncer Burocrático
Rodrigo Constantino
“A informalidade é o ar rarefeito que indivíduos e empresas respiram devido à asfixia causada pela hipertrofia estatal.” (Rodrigo Constantino)
Nem mesmo a cegueira ideológica permite mais que os olhos não vejam o estrago que o excesso de burocracia estatal faz com o país. Não há indivíduo ou empresa que não prefira estar na legalidade. Se esta não é a situação da maioria das empresas brasileiras, isto deve-se somente ao lamentável fato do custo de tal legalidade ser proibitivo. Seguir todas as absurdas leis do país e pagar todos os impostos é simplesmente tarefa impossível para a maciça maioria.
Algumas reformas de cunho mais liberal realmente foram executadas no âmbito macro, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e a flexibilização do câmbio. Ainda assim, questões como o rombo previdenciário ou uma maior abertura comercial continuam faltando. E na esfera micro, o Brasil deixou muito a desejar. O empreendedorismo é tarefa para heróis por aqui, com tantas barreiras artificiais plantadas pelo governo no caminho. Sem uma drástica reforma nessa área, perderemos de vez o bonde do progresso.
O ambiente para a criação de negócios deve ser o mais amigável possível se um país pretende reduzir a miséria. É preciso, para tanto, uma certa quantidade de características básicas que estão longe da nossa realidade. Em um estudo com mais de 130 países, o IFC enfatizou os pontos micro necessários para o avanço econômico. São eles: facilidade em iniciar um negócio, em contratar e despedir funcionários, em fazer valer os contratos, em obter crédito e em encerrar a empresa em caso de falência. Tais critérios foram inspirados na excelente obra de Hernando de Soto, O Mistério do Capital, que deveria ser leitura obrigatória para nossos políticos e “intelectuais”. Sem essas condições, não adiantam as reformas macro, nem os investimentos em infra-estrutura e educação. Tais medidas macro são necessárias, porém não suficientes.
Nos países emergentes que estão ficando para trás no trem da prosperidade, faltam por completo essas condições necessárias ao florescimento dos negócios. Enquanto bastam dois dias para se abrir um negócio na Austrália, levam-se mais de 200 dias no Haiti ou Congo. Enquanto em Hong Kong e Cingapura não há exigência de capital mínimo, na Síria é obrigado um capital equivalente a 56 vezes a renda per capita. Enquanto na Dinamarca uma empresa pode contratar trabalhadores com contratos de tempo parcial, as leis trabalhistas são super rígidas no Brasil. Enquanto são necessários menos de seis meses para completar o procedimento de falência na Irlanda ou Japão, este processo se estende por cerca de dez anos no Brasil. Nos Estados Unidos, as hipotecas representam a maior fonte de crédito, enquanto no Brasil sequer há direito de propriedade bem definido para milhões de residências. E por aí vai.
Tudo isso, fora a astronômica carga tributária, faz com que os custos de ser um empresário no Brasil fiquem proibitivos. E para piorar a situação, esses custos prejudicam ainda mais os pobres, já que os ricos utilizam o suborno ou a influência para driblar as normas onerosas. Desta forma, fica praticamente inviável começar um próspero negócio do zero. As barreiras são infinitas. O empreendedor irá deparar-se com uma gama absurda de dificuldades, todas criadas pelo próprio governo. Levará meses para atravessar a fase de licenciamento do negócio. Terá que enfrentar uma custosa burocracia. Estará sujeito a todo tipo de norma que impede o funcionamento adequado da empresa. Não terá acesso à boa infra-estrutura, como estradas e rede de telecomunicações. Terá que contratar mão-de-obra desqualificada, ainda por cima pagando o dobro do salário acordado, por causa dos encargos. Enfrentará uma Justiça do Trabalho morosa e parcial, fruto de ranço ideológico que o enxerga como explorador. Não terá facilidade alguma em levantar capital, pelo baixo desenvolvimento do mercado de crédito e capitais no país. Não terá como obter insumos importados baratos, pelas elevadas tarifas protecionistas. Pagará quase 40% em impostos. E ainda por cima, se o negócio der errado, cuja probabilidade é enorme por conta do peso estatal e entraves burocráticos, levará dez anos para fechar a empresa, atravessando todo tipo de aporrinhação.
Com tal quadro, infelizmente a realidade nacional, somente um mentecapto não entende o fato de mais da metade da mão-de-obra estar na informalidade, assim como milhões de empresas. E apenas um doido varrido não vê que a solução passa por reformas liberais, com significativa redução do tamanho do Estado e de sua burocracia, para que o custo da legalidade seja menor. A culpa não é do informal, mas do modelo estatal. Sem um ambiente favorável aos negócios, o câncer burocrático, máquina de fazer miseráveis e concentrar injustamente a riqueza, se alastra ainda mais. No caso brasileiro, já está em metástase. Melhor agirmos rápido. Caso contrário, veremos, de longe, o bonde passar...
“A informalidade é o ar rarefeito que indivíduos e empresas respiram devido à asfixia causada pela hipertrofia estatal.” (Rodrigo Constantino)
Nem mesmo a cegueira ideológica permite mais que os olhos não vejam o estrago que o excesso de burocracia estatal faz com o país. Não há indivíduo ou empresa que não prefira estar na legalidade. Se esta não é a situação da maioria das empresas brasileiras, isto deve-se somente ao lamentável fato do custo de tal legalidade ser proibitivo. Seguir todas as absurdas leis do país e pagar todos os impostos é simplesmente tarefa impossível para a maciça maioria.
Algumas reformas de cunho mais liberal realmente foram executadas no âmbito macro, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e a flexibilização do câmbio. Ainda assim, questões como o rombo previdenciário ou uma maior abertura comercial continuam faltando. E na esfera micro, o Brasil deixou muito a desejar. O empreendedorismo é tarefa para heróis por aqui, com tantas barreiras artificiais plantadas pelo governo no caminho. Sem uma drástica reforma nessa área, perderemos de vez o bonde do progresso.
O ambiente para a criação de negócios deve ser o mais amigável possível se um país pretende reduzir a miséria. É preciso, para tanto, uma certa quantidade de características básicas que estão longe da nossa realidade. Em um estudo com mais de 130 países, o IFC enfatizou os pontos micro necessários para o avanço econômico. São eles: facilidade em iniciar um negócio, em contratar e despedir funcionários, em fazer valer os contratos, em obter crédito e em encerrar a empresa em caso de falência. Tais critérios foram inspirados na excelente obra de Hernando de Soto, O Mistério do Capital, que deveria ser leitura obrigatória para nossos políticos e “intelectuais”. Sem essas condições, não adiantam as reformas macro, nem os investimentos em infra-estrutura e educação. Tais medidas macro são necessárias, porém não suficientes.
Nos países emergentes que estão ficando para trás no trem da prosperidade, faltam por completo essas condições necessárias ao florescimento dos negócios. Enquanto bastam dois dias para se abrir um negócio na Austrália, levam-se mais de 200 dias no Haiti ou Congo. Enquanto em Hong Kong e Cingapura não há exigência de capital mínimo, na Síria é obrigado um capital equivalente a 56 vezes a renda per capita. Enquanto na Dinamarca uma empresa pode contratar trabalhadores com contratos de tempo parcial, as leis trabalhistas são super rígidas no Brasil. Enquanto são necessários menos de seis meses para completar o procedimento de falência na Irlanda ou Japão, este processo se estende por cerca de dez anos no Brasil. Nos Estados Unidos, as hipotecas representam a maior fonte de crédito, enquanto no Brasil sequer há direito de propriedade bem definido para milhões de residências. E por aí vai.
Tudo isso, fora a astronômica carga tributária, faz com que os custos de ser um empresário no Brasil fiquem proibitivos. E para piorar a situação, esses custos prejudicam ainda mais os pobres, já que os ricos utilizam o suborno ou a influência para driblar as normas onerosas. Desta forma, fica praticamente inviável começar um próspero negócio do zero. As barreiras são infinitas. O empreendedor irá deparar-se com uma gama absurda de dificuldades, todas criadas pelo próprio governo. Levará meses para atravessar a fase de licenciamento do negócio. Terá que enfrentar uma custosa burocracia. Estará sujeito a todo tipo de norma que impede o funcionamento adequado da empresa. Não terá acesso à boa infra-estrutura, como estradas e rede de telecomunicações. Terá que contratar mão-de-obra desqualificada, ainda por cima pagando o dobro do salário acordado, por causa dos encargos. Enfrentará uma Justiça do Trabalho morosa e parcial, fruto de ranço ideológico que o enxerga como explorador. Não terá facilidade alguma em levantar capital, pelo baixo desenvolvimento do mercado de crédito e capitais no país. Não terá como obter insumos importados baratos, pelas elevadas tarifas protecionistas. Pagará quase 40% em impostos. E ainda por cima, se o negócio der errado, cuja probabilidade é enorme por conta do peso estatal e entraves burocráticos, levará dez anos para fechar a empresa, atravessando todo tipo de aporrinhação.
Com tal quadro, infelizmente a realidade nacional, somente um mentecapto não entende o fato de mais da metade da mão-de-obra estar na informalidade, assim como milhões de empresas. E apenas um doido varrido não vê que a solução passa por reformas liberais, com significativa redução do tamanho do Estado e de sua burocracia, para que o custo da legalidade seja menor. A culpa não é do informal, mas do modelo estatal. Sem um ambiente favorável aos negócios, o câncer burocrático, máquina de fazer miseráveis e concentrar injustamente a riqueza, se alastra ainda mais. No caso brasileiro, já está em metástase. Melhor agirmos rápido. Caso contrário, veremos, de longe, o bonde passar...
Insanos!
Rodrigo Constantino
“Mesmo o homem supersticioso tem direitos inalienáveis. Ele tem o direito de defender suas imbecilidades tanto quanto quiser. Mas certamente não tem direito de exigir que elas sejam tratadas como sagradas.” (H. L. Mencken)
Quais são os limites da liberdade de expressão? Ora, os que acham que a liberdade de expressão encontra seu limite em “ofensas” ou mesmo “blasfêmia”, não defendem liberdade de expressão, mas ditadura do politicamente correto. Os indivíduos estariam limitados a repetir o consenso. Isso não é liberdade. Liberdade de expressão pressupõe que iremos escutar coisas que não concordamos, que não gostamos, e sim, que até nos ofende.
As charges de Maomé impressas em um jornal dinamarquês alimentou um caloroso debate sobre a questão da liberdade de expressão. Infelizmente, os debates parecem gerar muito calor, e pouca luz. Alguns partem automaticamente para a condenação do jornal, como se fosse um tamanho absurdo o ato, que até justificaria a reação insana dos fanáticos, que depredaram embaixadas, jogaram bombas e mataram inocentes. Os desenhos podem até ser de mau gosto, o que é uma outra discussão. Mas apenas um demente pode achar que a reação é proporcional a ação.
Na verdade, isso mais parece um pretexto usado pelos lunáticos que pregam a Jihad. Eles querem acelerar um eventual choque de civilizações, e não ligam para a evidente hipocrisia dessa reação em cadeia agora. É um revival do episódio com o autor de Versos Satânicos, cujo assassinato foi incitado por aiatolá Kohmeini. E o mais lamentável de tudo isso é o fato de que até mesmo ocidentais apelam para o “relativismo cultural” para compreender e justificar tais barbaridades. Claro, o relativismo tem dois pesos e duas medidas, e serve apenas para um lado. O relativismo é relativo!
Não há justificativa plausível para tolerarmos a intolerância de alguns fundamentalistas religiosos. Como nos alerta Sir Karl Popper, “não devemos aceitar sem qualificação o princípio de tolerar os intolerantes senão corremos o risco de destruição de nós próprios e da própria atitude de tolerância”. Os fanáticos utilizam a liberdade e a democracia ocidentais como armas contra o próprio Ocidente. A reação violenta de alguns muçulmanos nos remete aos anos da Inquisição, onde a “blasfêmia” é motivo para a morte dos “hereges”. O objetivo dos seguidores radicais do Islã é claro, e está nos escritos: morte aos infiéis. O próprio profeta foi um guerreiro empedernido, e comandou quase 30 expedições militares, levando vários “infiéis” a morte.
A “lógica” dos defensores dos muçulmanos nesse triste episódio é incrível. Um líder do governo do Irã prega abertamente que o Holocausto não existiu, que Israel deve ser varrido do mapa, e declara que pretende investir na tecnologia nuclear ignorando a ONU, e isso é absolutamente aceitável. Se os Estados Unidos têm armas nucleares, por que o Irã não pode ter também? Eis o “argumento” deles. Mas quando um jornalista, de uma empresa privada, faz uns desenhos de Maomé, isso é o pior crime do mundo, e as atrocidades cometidas pelos malucos passam a ser culpa do próprio Ocidente. Simplesmente fantástico!
O autor do sucesso O Código Da Vinci, Dan Brown, escreveu um livro repleto de inverdades sobre o Vaticano. Entretanto, ninguém consideraria razoável que o Papa pedisse a pena de morte do autor, e que católicos saíssem jogando bombas em inocentes. O grau infinitamente mais civilizado com que o Ocidente reage às questões religiosas é prova da sua superioridade vis-à-vis o mundo islâmico, ainda fortemente tribalista e teocrático. Não cabe relativismos aqui. Estamos diante do atraso, presenciando uma tentativa de retrocesso à barbárie. Choca que alguns consumidores dos avanços ocidentais, tais como liberdade de expressão, Estado laico e democracia, tomem partido contra o próprio Ocidente, buscando escusas para os atos insanos desses fanáticos. Seria medo, ou pura hipocrisia?
Por fim, lembro do aviso de Gustave Le Bon: “Uma das características mais comuns das crenças é a intolerância. Quanto mais forte a crença, maior a intolerância. Homens dominados por uma convicção não são capazes de tolerar aqueles que não a aceitam”. Para o bem da Humanidade, espero que a suposta “blasfêmia” não seja mais considerada um crime, e que o direito de liberdade de expressão tenha mais valor que o fanatismo de alguns insanos.
“Mesmo o homem supersticioso tem direitos inalienáveis. Ele tem o direito de defender suas imbecilidades tanto quanto quiser. Mas certamente não tem direito de exigir que elas sejam tratadas como sagradas.” (H. L. Mencken)
Quais são os limites da liberdade de expressão? Ora, os que acham que a liberdade de expressão encontra seu limite em “ofensas” ou mesmo “blasfêmia”, não defendem liberdade de expressão, mas ditadura do politicamente correto. Os indivíduos estariam limitados a repetir o consenso. Isso não é liberdade. Liberdade de expressão pressupõe que iremos escutar coisas que não concordamos, que não gostamos, e sim, que até nos ofende.
As charges de Maomé impressas em um jornal dinamarquês alimentou um caloroso debate sobre a questão da liberdade de expressão. Infelizmente, os debates parecem gerar muito calor, e pouca luz. Alguns partem automaticamente para a condenação do jornal, como se fosse um tamanho absurdo o ato, que até justificaria a reação insana dos fanáticos, que depredaram embaixadas, jogaram bombas e mataram inocentes. Os desenhos podem até ser de mau gosto, o que é uma outra discussão. Mas apenas um demente pode achar que a reação é proporcional a ação.
Na verdade, isso mais parece um pretexto usado pelos lunáticos que pregam a Jihad. Eles querem acelerar um eventual choque de civilizações, e não ligam para a evidente hipocrisia dessa reação em cadeia agora. É um revival do episódio com o autor de Versos Satânicos, cujo assassinato foi incitado por aiatolá Kohmeini. E o mais lamentável de tudo isso é o fato de que até mesmo ocidentais apelam para o “relativismo cultural” para compreender e justificar tais barbaridades. Claro, o relativismo tem dois pesos e duas medidas, e serve apenas para um lado. O relativismo é relativo!
Não há justificativa plausível para tolerarmos a intolerância de alguns fundamentalistas religiosos. Como nos alerta Sir Karl Popper, “não devemos aceitar sem qualificação o princípio de tolerar os intolerantes senão corremos o risco de destruição de nós próprios e da própria atitude de tolerância”. Os fanáticos utilizam a liberdade e a democracia ocidentais como armas contra o próprio Ocidente. A reação violenta de alguns muçulmanos nos remete aos anos da Inquisição, onde a “blasfêmia” é motivo para a morte dos “hereges”. O objetivo dos seguidores radicais do Islã é claro, e está nos escritos: morte aos infiéis. O próprio profeta foi um guerreiro empedernido, e comandou quase 30 expedições militares, levando vários “infiéis” a morte.
A “lógica” dos defensores dos muçulmanos nesse triste episódio é incrível. Um líder do governo do Irã prega abertamente que o Holocausto não existiu, que Israel deve ser varrido do mapa, e declara que pretende investir na tecnologia nuclear ignorando a ONU, e isso é absolutamente aceitável. Se os Estados Unidos têm armas nucleares, por que o Irã não pode ter também? Eis o “argumento” deles. Mas quando um jornalista, de uma empresa privada, faz uns desenhos de Maomé, isso é o pior crime do mundo, e as atrocidades cometidas pelos malucos passam a ser culpa do próprio Ocidente. Simplesmente fantástico!
O autor do sucesso O Código Da Vinci, Dan Brown, escreveu um livro repleto de inverdades sobre o Vaticano. Entretanto, ninguém consideraria razoável que o Papa pedisse a pena de morte do autor, e que católicos saíssem jogando bombas em inocentes. O grau infinitamente mais civilizado com que o Ocidente reage às questões religiosas é prova da sua superioridade vis-à-vis o mundo islâmico, ainda fortemente tribalista e teocrático. Não cabe relativismos aqui. Estamos diante do atraso, presenciando uma tentativa de retrocesso à barbárie. Choca que alguns consumidores dos avanços ocidentais, tais como liberdade de expressão, Estado laico e democracia, tomem partido contra o próprio Ocidente, buscando escusas para os atos insanos desses fanáticos. Seria medo, ou pura hipocrisia?
Por fim, lembro do aviso de Gustave Le Bon: “Uma das características mais comuns das crenças é a intolerância. Quanto mais forte a crença, maior a intolerância. Homens dominados por uma convicção não são capazes de tolerar aqueles que não a aceitam”. Para o bem da Humanidade, espero que a suposta “blasfêmia” não seja mais considerada um crime, e que o direito de liberdade de expressão tenha mais valor que o fanatismo de alguns insanos.
A Praga do Coletivismo
Rodrigo Constantino
“The smallest minority on earth is the individual. Those who deny individual rights, cannot claim to be defenders of minorities.” (Ayn Rand)
Se me fosse questionado qual a maior praga da Humanidade, não hesitaria muito em responder que é o coletivismo. Entendo o coletivismo aqui como a supressão do indivíduo como um ser e uma finalidade em si mesmo. Como exemplo de diferentes vertentes do coletivismo, temos várias ideologias que deixaram um rastro enorme de sangue na História. O nazismo partia de uma visão coletivista de raças, enquanto o marxismo aderia ao prisma coletivista das classes. O nacionalismo colocava a nação como um fim em si, transformando seus indivíduos em simples meios para algo maior. Há ainda um coletivismo mais complexo, das culturas, que vê o indivíduo como nada mais que um produto delas. Entre estes tipos de coletivismo, pode haver intercâmbio, evidentemente. Mas o verdadeiro denominador comum deles é o inimigo, que claramente é o indivíduo.
Na ótica coletivista, os indivíduos são apenas representantes de suas classes, raças, credos, nações ou culturas. Não são seres ativos, moldando o próprio destino, ainda que sob influência de todas essas características. São autômatos, como marionetes sem qualquer autonomia, sem responsabilidade, ou seja, habilidade de resposta. Os valores, o futuro, os interesses, tudo foi determinado pelo coletivo. Neste tipo de mentalidade, há um verdadeiro assassinato do individualismo. Cada ideologia coletivista dá prioridade a uma única característica, entre infinitas que formam cada indivíduo. Para o nacionalista, o simples local de nascimento no mapa vale mais que qualquer outro valor. Para o marxista, um burguês sempre terá mais afinidade com outro burguês, partindo de um determinismo de classes. Para o fanático religioso, apenas o credo importa, e um pérfido pode ser mais querido que um sujeito honesto, caso a religião deste seja alguma outra qualquer. Nenhuma dessas ideologias considera de forma mais equilibrada as inúmeras características individuais, assumindo ainda que cada indivíduo é um fim em si mesmo. Assim, nazistas podem exterminar judeus em nome da “raça pura”, marxistas podem meter uma bala na cabeça dos burgueses em nome da “ditadura do proletariado”, nacionalistas podem sacrificar alguns indivíduos em nome da “prosperidade da nação”, religiosos podem lançar bombas em outros em nome da “fé redentora”, e por aí vai. É o coletivismo suprimindo o indivíduo.
Essa praga coletivista vem de longa data. Platão, no livro A República, traça o que seria o Estado ideal, ainda que não exeqüível na prática. Há um claro viés coletivista, colocando os indivíduos como nada mais que instrumentos para a felicidade da “república”, como se esta não fosse mais que o somatório dos indivíduos que a compõem. Caberia aos sábios, claro, determinar as regras todas, aniquilando as escolhas individuais. Normalmente, o coletivista parte do pressuposto que ele estará sempre do lado legislador, criando as regras e decidindo o rumo da felicidade alheia. O coletivista é prepotente, enquanto os individualistas respeitam as preferências individuais, com maior humildade. Voltando a Platão, temos passagens bastante autoritárias no livro, proferidas supostamente por Sócrates, como: “Deixaremos ao cuidado dos magistrados regular o número dos casamentos, de forma que o número dos cidadãos seja sempre, mais ou menos, o mesmo, suprindo os claros abertos pelas guerras, enfermidades e vários acidentes, a fim de que a república nunca se torne nem demasiado grande nem demasiado pequena”. Ou ainda: “Os filhos bem nascidos serão levados ao berço comum e confiados a amas de leite que terão habitações à parte em um bairro da cidade. Quanto às crianças enfermiças e às que sofrerem qualquer deformidade, serão levadas, como convém, a paradeiro desconhecido e secreto”. O avanço dos “iluminados” sobre a liberdade individual não acaba por aí: “As mulheres gerarão filhos desde os vinte até os quarenta anos; os homens logo depois de passado o primeiro fogo de juventude, até os cinqüenta e cinco”.
Platão foi muito além, defendendo o fim das propriedades dos guerreiros, e deixando todas as decisões importantes para os poucos sábios. Essa outra passagem deixa claro que a república estaria muito acima, em grau de importância, dos indivíduos: “Assim, em nossa república, quando ocorrer algo de bom ou de mau a um cidadão, todos dirão a um tempo meus negócios vão bem ou meus negócios vão mal”. Todos participarão das mesmas alegrias e das mesmas dores, segundo suas próprias palavras. Homens, desta forma, não são mais homens, mas cupins! A república platônica conquistou sempre uma legião de seguidores românticos. O fim da propriedade individual, tudo comum a todos. Nada mais coletivista. Nada mais absurdo!
Thomas More iria resgatar esse sonho coletivista com força em seu Utopia, bastante influenciado por Platão. A utopia de More muito se assemelha ao comunismo, tanto que este mereceu uma estátua na União Soviética. Infelizmente, o resultado prático é bem diferente do imaginado, e Utopus acabou em um gulag da Sibéria. Nessa passagem notamos a semelhança: “Esse grande sábio (Platão) já havia percebido que um único caminho conduz à salvação pública, a saber, a igual repartição dos recursos”. Para isso, seria suprimida a propriedade privada. Os marxistas foram em linha semelhante, com a máxima “de cada um de acordo com a capacidade, para cada um de acordo com a necessidade”. Ora, quem decide quais as necessidades individuais? E quem decide sobre as capacidades individuais? Claro, os “sábios”. Os defensores dessas atrocidades sempre se colocam como parte integrante dos “iluminados” que irão moldar a sociedade, controlar os demais indivíduos, meios para o “bem maior”. Com o tempo, ninguém mais pode nada, e todos precisam de tudo. Não há como o resultado ser diferente do terror soviético.
Tommaso Campanella surgiu apenas requentando o mesmo prato azedo, em sua Cidade do Sol. A mesma linha coletivista, tratando homens como abelhas, que trabalham para a felicidade da “colméia”. Campanella sugere roupas iguais, tudo igual, e os filhos também serão propriedade “comum”. Todos iguais, mas sempre uns mais iguais que os outros. Os tais “sábios” sempre entram em cena, para comandar o show. Os indivíduos são apenas ratos de laboratórios, ferramentas “científicas”.
Os nacionalistas representam também um enorme câncer coletivista. Friedrich List, no século XIX, já dizia que somente onde o interesse dos indivíduos estivesse subordinado ao da nação, haveria desenvolvimento decente. Como se nação tivesse interesse! List foi totalmente contrário ao individualismo de Adam Smith, e colocava a nação como um ente vivo, com desejos e interesses, que justificavam inclusive o sacrifício de uns “simples” indivíduos. Quem saberia dizer quais os interesses da tal nação? Com certeza, os sábios, List incluído. Assim, a glória futura da nação valeria mais que tudo. Hitler não foi lá muito inovador...
Existem outros infinitos exemplos dos males que a mentalidade coletivista gera, mas creio ter deixado claro o ponto. Somente quando os indivíduos forem tratados como um fim em si, como agentes ativos de suas próprias vidas, ainda que influenciados pelas diversas características mencionadas, mas com responsabilidades individuais, o mundo será mais justo. Cada um deve tentar ser feliz à sua maneira, respeitando a liberdade alheia. Devemos ter cuidado com os “sábios iluminados”, que conhecem o caminho “certo”. Os valores e as atitudes individuais são o que importam. Onde nasceu, qual religião pratica, a qual classe pertence, tudo isso me parece completamente secundário, ou pelo menos nenhuma dessas características merece o monopólio da relevância. Fora isso, jamais os fins justificam os meios. Eis o que defende o Liberalismo, na contramão das ideologias coletivistas, quase sempre genocidas. A melhor arma contra a praga do coletivismo é, sem dúvida, a defesa da ampla liberdade individual.
“The smallest minority on earth is the individual. Those who deny individual rights, cannot claim to be defenders of minorities.” (Ayn Rand)
Se me fosse questionado qual a maior praga da Humanidade, não hesitaria muito em responder que é o coletivismo. Entendo o coletivismo aqui como a supressão do indivíduo como um ser e uma finalidade em si mesmo. Como exemplo de diferentes vertentes do coletivismo, temos várias ideologias que deixaram um rastro enorme de sangue na História. O nazismo partia de uma visão coletivista de raças, enquanto o marxismo aderia ao prisma coletivista das classes. O nacionalismo colocava a nação como um fim em si, transformando seus indivíduos em simples meios para algo maior. Há ainda um coletivismo mais complexo, das culturas, que vê o indivíduo como nada mais que um produto delas. Entre estes tipos de coletivismo, pode haver intercâmbio, evidentemente. Mas o verdadeiro denominador comum deles é o inimigo, que claramente é o indivíduo.
Na ótica coletivista, os indivíduos são apenas representantes de suas classes, raças, credos, nações ou culturas. Não são seres ativos, moldando o próprio destino, ainda que sob influência de todas essas características. São autômatos, como marionetes sem qualquer autonomia, sem responsabilidade, ou seja, habilidade de resposta. Os valores, o futuro, os interesses, tudo foi determinado pelo coletivo. Neste tipo de mentalidade, há um verdadeiro assassinato do individualismo. Cada ideologia coletivista dá prioridade a uma única característica, entre infinitas que formam cada indivíduo. Para o nacionalista, o simples local de nascimento no mapa vale mais que qualquer outro valor. Para o marxista, um burguês sempre terá mais afinidade com outro burguês, partindo de um determinismo de classes. Para o fanático religioso, apenas o credo importa, e um pérfido pode ser mais querido que um sujeito honesto, caso a religião deste seja alguma outra qualquer. Nenhuma dessas ideologias considera de forma mais equilibrada as inúmeras características individuais, assumindo ainda que cada indivíduo é um fim em si mesmo. Assim, nazistas podem exterminar judeus em nome da “raça pura”, marxistas podem meter uma bala na cabeça dos burgueses em nome da “ditadura do proletariado”, nacionalistas podem sacrificar alguns indivíduos em nome da “prosperidade da nação”, religiosos podem lançar bombas em outros em nome da “fé redentora”, e por aí vai. É o coletivismo suprimindo o indivíduo.
Essa praga coletivista vem de longa data. Platão, no livro A República, traça o que seria o Estado ideal, ainda que não exeqüível na prática. Há um claro viés coletivista, colocando os indivíduos como nada mais que instrumentos para a felicidade da “república”, como se esta não fosse mais que o somatório dos indivíduos que a compõem. Caberia aos sábios, claro, determinar as regras todas, aniquilando as escolhas individuais. Normalmente, o coletivista parte do pressuposto que ele estará sempre do lado legislador, criando as regras e decidindo o rumo da felicidade alheia. O coletivista é prepotente, enquanto os individualistas respeitam as preferências individuais, com maior humildade. Voltando a Platão, temos passagens bastante autoritárias no livro, proferidas supostamente por Sócrates, como: “Deixaremos ao cuidado dos magistrados regular o número dos casamentos, de forma que o número dos cidadãos seja sempre, mais ou menos, o mesmo, suprindo os claros abertos pelas guerras, enfermidades e vários acidentes, a fim de que a república nunca se torne nem demasiado grande nem demasiado pequena”. Ou ainda: “Os filhos bem nascidos serão levados ao berço comum e confiados a amas de leite que terão habitações à parte em um bairro da cidade. Quanto às crianças enfermiças e às que sofrerem qualquer deformidade, serão levadas, como convém, a paradeiro desconhecido e secreto”. O avanço dos “iluminados” sobre a liberdade individual não acaba por aí: “As mulheres gerarão filhos desde os vinte até os quarenta anos; os homens logo depois de passado o primeiro fogo de juventude, até os cinqüenta e cinco”.
Platão foi muito além, defendendo o fim das propriedades dos guerreiros, e deixando todas as decisões importantes para os poucos sábios. Essa outra passagem deixa claro que a república estaria muito acima, em grau de importância, dos indivíduos: “Assim, em nossa república, quando ocorrer algo de bom ou de mau a um cidadão, todos dirão a um tempo meus negócios vão bem ou meus negócios vão mal”. Todos participarão das mesmas alegrias e das mesmas dores, segundo suas próprias palavras. Homens, desta forma, não são mais homens, mas cupins! A república platônica conquistou sempre uma legião de seguidores românticos. O fim da propriedade individual, tudo comum a todos. Nada mais coletivista. Nada mais absurdo!
Thomas More iria resgatar esse sonho coletivista com força em seu Utopia, bastante influenciado por Platão. A utopia de More muito se assemelha ao comunismo, tanto que este mereceu uma estátua na União Soviética. Infelizmente, o resultado prático é bem diferente do imaginado, e Utopus acabou em um gulag da Sibéria. Nessa passagem notamos a semelhança: “Esse grande sábio (Platão) já havia percebido que um único caminho conduz à salvação pública, a saber, a igual repartição dos recursos”. Para isso, seria suprimida a propriedade privada. Os marxistas foram em linha semelhante, com a máxima “de cada um de acordo com a capacidade, para cada um de acordo com a necessidade”. Ora, quem decide quais as necessidades individuais? E quem decide sobre as capacidades individuais? Claro, os “sábios”. Os defensores dessas atrocidades sempre se colocam como parte integrante dos “iluminados” que irão moldar a sociedade, controlar os demais indivíduos, meios para o “bem maior”. Com o tempo, ninguém mais pode nada, e todos precisam de tudo. Não há como o resultado ser diferente do terror soviético.
Tommaso Campanella surgiu apenas requentando o mesmo prato azedo, em sua Cidade do Sol. A mesma linha coletivista, tratando homens como abelhas, que trabalham para a felicidade da “colméia”. Campanella sugere roupas iguais, tudo igual, e os filhos também serão propriedade “comum”. Todos iguais, mas sempre uns mais iguais que os outros. Os tais “sábios” sempre entram em cena, para comandar o show. Os indivíduos são apenas ratos de laboratórios, ferramentas “científicas”.
Os nacionalistas representam também um enorme câncer coletivista. Friedrich List, no século XIX, já dizia que somente onde o interesse dos indivíduos estivesse subordinado ao da nação, haveria desenvolvimento decente. Como se nação tivesse interesse! List foi totalmente contrário ao individualismo de Adam Smith, e colocava a nação como um ente vivo, com desejos e interesses, que justificavam inclusive o sacrifício de uns “simples” indivíduos. Quem saberia dizer quais os interesses da tal nação? Com certeza, os sábios, List incluído. Assim, a glória futura da nação valeria mais que tudo. Hitler não foi lá muito inovador...
Existem outros infinitos exemplos dos males que a mentalidade coletivista gera, mas creio ter deixado claro o ponto. Somente quando os indivíduos forem tratados como um fim em si, como agentes ativos de suas próprias vidas, ainda que influenciados pelas diversas características mencionadas, mas com responsabilidades individuais, o mundo será mais justo. Cada um deve tentar ser feliz à sua maneira, respeitando a liberdade alheia. Devemos ter cuidado com os “sábios iluminados”, que conhecem o caminho “certo”. Os valores e as atitudes individuais são o que importam. Onde nasceu, qual religião pratica, a qual classe pertence, tudo isso me parece completamente secundário, ou pelo menos nenhuma dessas características merece o monopólio da relevância. Fora isso, jamais os fins justificam os meios. Eis o que defende o Liberalismo, na contramão das ideologias coletivistas, quase sempre genocidas. A melhor arma contra a praga do coletivismo é, sem dúvida, a defesa da ampla liberdade individual.
Liberdade de Expressão
Rodrigo Constantino
“É fácil ser um defensor da liberdade de expressão quando isso se aplica aos direitos daqueles com quem estamos de acordo.” (Walter Block)
Vivemos na era do politicamente correto, da ditadura da maioria e do relativismo moral exacerbado. Tais características impõem sérios riscos à liberdade de expressão, ferramenta das mais valiosas da humanidade, que garante nosso progresso contínuo. Pretendo justificar a seguir, com argumentos, tal assertiva.
Em primeiro lugar, devemos entender que a liberdade de expressão diz que o indivíduo pode expressar suas idéias sem medo de coerção ou agressão. Ninguém é obrigado a lhe ceder os veículos de comunicação necessários. Cabe ao Estado apenas garantir sua segurança ao se expressar. Dito isso, devemos ter em mente que tal liberdade trará consigo o risco de escutarmos idéias controversas, que poderemos considerar até mesmo sórdidas. A liberdade somente existirá se as minorias forem livres para pregarem suas idéias, por mais absurdas que possam parecer. Natan Sharansky, autor de The Case for Democracy, chegou a criar um método simples de se avaliar quão livre é uma nação, bastando verificar se o indivíduo pode ir em praça pública e contrariar com palavras o governo, ou o consenso.
Infelizmente, muitos confundem liberdade com democracia, e ignoram que essa pode até mesmo acabar com aquela. Quando democracia não passa de uma ditadura da maioria, onde essa, mesmo que formada por 51% do povo, manda arbitrariamente no restante, não há liberdade verdadeira. Liberdade existe quando as minorias também são livres, e por isso as regras devem ser sempre isonômicas, válidas igualmente para todos. A fim de evitar este risco da ditadura de maiorias instáveis, os americanos criaram, logo na Primeira Emenda, o direito de liberdade de expressão, estendido a todos. Vindo em forma de pacote, as pessoas aceitam tal liberdade quase irrestrita, mesmo que tenham, com isso, que aturar as idéias opostas às suas. Em resumo, no Liberalismo, até mesmo um socialista, que prega a destruição do Liberalismo, pode se expressar. Já no Socialismo, o liberal possivelmente acabará em um gulag ou paredon. Eis mais uma grande distinção moral entre os dois modelos.
Tal ideal de liberdade de expressão está longe de ser nossa realidade. O patrulhamento do politicamente correto anula totalmente esta liberdade. O teste é quando temos que agüentar o discurso contrário ao nosso, não quando garantimos a liberdade de repetirem, como vitrolas arranhadas, o consenso. E precisamos lembrar que a regra deve ser objetiva, válida igualmente para todos. Não é difícil citar exemplos contrários a tal modelo livre. A tentativa do governo do PT de impor uma cartilha politicamente correta foi o mais assustador passo na direção da supressão da liberdade de expressão. Mas fora isso, inúmeros outros casos demonstram pouca liberdade. Eu sinto enorme repúdio tanto pelo nazismo como pelo comunismo, ambos regimes genocidas e até mesmo similares em vários aspectos. Entretanto, é vetado por lei defender o nacional-socialismo ou ostentar a suástica, enquanto até mesmo o presidente da Câmara pertence ao Partido Comunista do Brasil, com a foice e o martelo como símbolo. Por que? Por que os nazistas não podem pregar suas idéias, e os comunistas, que mataram bem mais gente, podem? Eu, particularmente, adoraria que ninguém mais fosse tão mentecapto a ponto de defender qualquer um desses dois regimes. Mas não acho correto e justo usurpar a liberdade de expressão dos seus defensores. Creio que até os néscios devem ser livres para defenderem suas estultices!
O caso do racismo também é sintomático. Atualmente, um sujeito pode acabar até mesmo preso por chamar outro de preto, mesmo que ele seja preto. Ora, e se for chamado de “branquelo”? Onde isso vai acabar? Ninguém mais poderá contar piadas de judeu, português etc? Em que mundo queremos viver? Num mundo onde uma cúpula de burocratas decide o que pode e o que não pode ser dito, cedendo às pressões dos grupos de interesses? Ou em um mundo onde as regras são simples e isonômicas, e há liberdade de expressão até o limite das ameaças ou fraudes?
O relativismo moral entra também nesse conjunto que ameaça a liberdade de expressão. Como exemplo podemos citar o caso de Salman Rushdie, romancista que escreveu Versos Satânicos, e foi jurado de morte por radicais islâmicos porque teria “ofendido” Khomeini. Os relativistas logo afirmaram que o autor não respeitou as crenças islâmicas, justificando o injustificável: a ameaça de morte porque o indivíduo expressou suas idéias! O livro de Dan Brown, O Código Da Vinci, sucesso de vendas, desagradou bastante a Igreja Católica. Ora, será que vamos defender o direito do Vaticano de ameaçar o autor? Dois pesos e duas medidas, outro grande risco à liberdade.
Por fim, o cerceamento da liberdade de expressão coloca em risco o nosso progresso. É simples ver isso, bastando pensar como estaria o mundo se as idéias controversas do passado tivessem sido caladas pelo politicamente correto, pela defesa do status quo vigente. Darwin, Einstein, Galileu, Newton e vários outros não teriam tido a oportunidade de levantarem suas teorias, que ajudaram a mudar o mundo. Como diz Walter Block, “é imperativo que os inimigos da liberdade de expressão sejam vistos exatamente como são: oponentes do progresso da civilização”.
Pelo bem da humanidade, devemos abraçar essa idéia com força! Com a exceção de ameaças ou fraudes, os indivíduos devem ser livres para falarem aquilo que quiserem, não importa o quanto incomode ou choque a visão do consenso. Posso considerar um perfeito idiota o sujeito que achar tudo o que eu disse completamente idiota. Mas nesse mundo que defendo, com ampla liberdade de expressão, ambos poderemos expor nossas idéias. No dele, este artigo estaria vetado, e eu estaria perdido...
“É fácil ser um defensor da liberdade de expressão quando isso se aplica aos direitos daqueles com quem estamos de acordo.” (Walter Block)
Vivemos na era do politicamente correto, da ditadura da maioria e do relativismo moral exacerbado. Tais características impõem sérios riscos à liberdade de expressão, ferramenta das mais valiosas da humanidade, que garante nosso progresso contínuo. Pretendo justificar a seguir, com argumentos, tal assertiva.
Em primeiro lugar, devemos entender que a liberdade de expressão diz que o indivíduo pode expressar suas idéias sem medo de coerção ou agressão. Ninguém é obrigado a lhe ceder os veículos de comunicação necessários. Cabe ao Estado apenas garantir sua segurança ao se expressar. Dito isso, devemos ter em mente que tal liberdade trará consigo o risco de escutarmos idéias controversas, que poderemos considerar até mesmo sórdidas. A liberdade somente existirá se as minorias forem livres para pregarem suas idéias, por mais absurdas que possam parecer. Natan Sharansky, autor de The Case for Democracy, chegou a criar um método simples de se avaliar quão livre é uma nação, bastando verificar se o indivíduo pode ir em praça pública e contrariar com palavras o governo, ou o consenso.
Infelizmente, muitos confundem liberdade com democracia, e ignoram que essa pode até mesmo acabar com aquela. Quando democracia não passa de uma ditadura da maioria, onde essa, mesmo que formada por 51% do povo, manda arbitrariamente no restante, não há liberdade verdadeira. Liberdade existe quando as minorias também são livres, e por isso as regras devem ser sempre isonômicas, válidas igualmente para todos. A fim de evitar este risco da ditadura de maiorias instáveis, os americanos criaram, logo na Primeira Emenda, o direito de liberdade de expressão, estendido a todos. Vindo em forma de pacote, as pessoas aceitam tal liberdade quase irrestrita, mesmo que tenham, com isso, que aturar as idéias opostas às suas. Em resumo, no Liberalismo, até mesmo um socialista, que prega a destruição do Liberalismo, pode se expressar. Já no Socialismo, o liberal possivelmente acabará em um gulag ou paredon. Eis mais uma grande distinção moral entre os dois modelos.
Tal ideal de liberdade de expressão está longe de ser nossa realidade. O patrulhamento do politicamente correto anula totalmente esta liberdade. O teste é quando temos que agüentar o discurso contrário ao nosso, não quando garantimos a liberdade de repetirem, como vitrolas arranhadas, o consenso. E precisamos lembrar que a regra deve ser objetiva, válida igualmente para todos. Não é difícil citar exemplos contrários a tal modelo livre. A tentativa do governo do PT de impor uma cartilha politicamente correta foi o mais assustador passo na direção da supressão da liberdade de expressão. Mas fora isso, inúmeros outros casos demonstram pouca liberdade. Eu sinto enorme repúdio tanto pelo nazismo como pelo comunismo, ambos regimes genocidas e até mesmo similares em vários aspectos. Entretanto, é vetado por lei defender o nacional-socialismo ou ostentar a suástica, enquanto até mesmo o presidente da Câmara pertence ao Partido Comunista do Brasil, com a foice e o martelo como símbolo. Por que? Por que os nazistas não podem pregar suas idéias, e os comunistas, que mataram bem mais gente, podem? Eu, particularmente, adoraria que ninguém mais fosse tão mentecapto a ponto de defender qualquer um desses dois regimes. Mas não acho correto e justo usurpar a liberdade de expressão dos seus defensores. Creio que até os néscios devem ser livres para defenderem suas estultices!
O caso do racismo também é sintomático. Atualmente, um sujeito pode acabar até mesmo preso por chamar outro de preto, mesmo que ele seja preto. Ora, e se for chamado de “branquelo”? Onde isso vai acabar? Ninguém mais poderá contar piadas de judeu, português etc? Em que mundo queremos viver? Num mundo onde uma cúpula de burocratas decide o que pode e o que não pode ser dito, cedendo às pressões dos grupos de interesses? Ou em um mundo onde as regras são simples e isonômicas, e há liberdade de expressão até o limite das ameaças ou fraudes?
O relativismo moral entra também nesse conjunto que ameaça a liberdade de expressão. Como exemplo podemos citar o caso de Salman Rushdie, romancista que escreveu Versos Satânicos, e foi jurado de morte por radicais islâmicos porque teria “ofendido” Khomeini. Os relativistas logo afirmaram que o autor não respeitou as crenças islâmicas, justificando o injustificável: a ameaça de morte porque o indivíduo expressou suas idéias! O livro de Dan Brown, O Código Da Vinci, sucesso de vendas, desagradou bastante a Igreja Católica. Ora, será que vamos defender o direito do Vaticano de ameaçar o autor? Dois pesos e duas medidas, outro grande risco à liberdade.
Por fim, o cerceamento da liberdade de expressão coloca em risco o nosso progresso. É simples ver isso, bastando pensar como estaria o mundo se as idéias controversas do passado tivessem sido caladas pelo politicamente correto, pela defesa do status quo vigente. Darwin, Einstein, Galileu, Newton e vários outros não teriam tido a oportunidade de levantarem suas teorias, que ajudaram a mudar o mundo. Como diz Walter Block, “é imperativo que os inimigos da liberdade de expressão sejam vistos exatamente como são: oponentes do progresso da civilização”.
Pelo bem da humanidade, devemos abraçar essa idéia com força! Com a exceção de ameaças ou fraudes, os indivíduos devem ser livres para falarem aquilo que quiserem, não importa o quanto incomode ou choque a visão do consenso. Posso considerar um perfeito idiota o sujeito que achar tudo o que eu disse completamente idiota. Mas nesse mundo que defendo, com ampla liberdade de expressão, ambos poderemos expor nossas idéias. No dele, este artigo estaria vetado, e eu estaria perdido...
Inimigo do Povo
Rodrigo Constantino
Na peça Um Inimigo do Povo, escrita pelo norueguês Henrik Ibsen no século XIX, vemos um homem com a coragem moral de manter sua integridade e convicção apesar da enorme pressão popular contra sua pessoa. Apesar dos exageros normais da dramaturgia, trata-se de um caso interessante de um pensador livre, um indivíduo apenas, combatendo a ignorância da maioria, e não cedendo nem mesmo sob o risco de completo isolamento e até falência pessoal.
O personagem central da peça, Dr. Stockmann, após descobrir que os famosos banhos da cidade estavam contaminados, esperava obter grande respeito e admiração por parte dos demais habitantes. Afinal, sua descoberta mostrava os riscos para a saúde de todos. Mas Stockmann ignorara os fatores políticos e econômicos, já que os banhos eram a principal fonte de renda da cidade. Aos poucos, mesmo seus supostos aliados, que declaravam apoio pela frente, o atacaram pelas costas, se voltando contra ele. Toda a cidade passou a repudiar o autor da infeliz descoberta, preferindo ignorar os fatos, como se assim estes pudessem, num passe de mágica, desaparecer. Dr. Stockmann agiu diferente, e mesmo que sozinho, sem apoio, escolheu a verdade, e enfrentou a maioria. Acabou tachado como um inimigo do povo, na tentativa de ajudá-lo.
Durante o tenso desenrolar da trama, Dr. Stockmann sofre inclusive a tentação de suborno, mas nada deixa ficar entre os fatos e sua convicção moral. Após refletir sobre a reação da maioria, Stockmann diz ter feito uma descoberta ainda mais importante que a poluição dos banhos. Seria a poluição moral da comunidade civil, calcada na mentira, na hipocrisia. Ele passa a considerar o maior inimigo da verdade como sendo a maioria compacta, que luta contra a razão individual. A covardia, a busca por interesses, o medo, tudo isso impede a verdadeira independência de pensamento, de busca da verdade. E com isso, Stockmann faz sua mais nova descoberta: o homem mais forte do mundo é aquele que se sustenta sozinho. Algo que nos remete ao recado de Schopenhauer, ao afirmar que “quem tem de produzir o bom e o autêntico e evitar o ruim tem de desafiar o juízo das massas e de seus porta-vozes e, portanto, desprezá-los”.
Parece claro que a inocência de Stockmann beira o absurdo, e que sua convicção confunde-se com fanatismo até. Nenhum jogo de cintura havia nele, nenhuma capacidade de flexibilidade. Stockmann simplesmente não jogaria o jogo político do mundo, não iria contemporizar. Cabe aqui nos questionarmos quem realmente consegue viver apenas afirmando a total verdade sobre tudo, sem um mínimo de hipocrisia, ou de “meias verdades”. Ou quem poderia ignorar por completo quaisquer interesses, ou opinião alheia. De fato, Aristóteles já havia dito que o homem é um “animal cívico”, que só se completa como homem na polis. Ele nos lembra que “aquele que não precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou um bruto”. Stockmann talvez tivesse obtido melhores resultados com meios menos puros, radicais. Na vida real, é muito raro encontrar alguém com tanta convicção moral e independência, a ponto de ignorar por completo a pressão da “massa ignorante”. Somos animais sociais, políticos.
Mas isso não anula, ao meu ver, a beleza e importância da mensagem de Ibsen. Confrontar a falsidade geral, fugir da necessidade de pertencer a um “rebanho bovino”, tendo que aderir a um pensamento monolítico, faz-se crucial para qualquer indivíduo que ama a liberdade e a verdade. Não seguir uma ditadura do “politicamente correto”, não depender da aprovação alheia sempre, é um caminho necessário para pensadores livres. Colocar a verdade dos fatos acima dos interesses imediatos é fundamental para quem defende a honestidade. Mesmo que tal postura reduza o grau de “sociabilidade” do indivíduo algumas vezes. Mesmo que tais atitudes possam colocar um indivíduo íntegro como suposto inimigo do povo, que tantas vezes prefere ignorar a verdade a ter que enfrentá-la com coragem. No fundo, a Humanidade agradece a independência de pensamento desses raros e corajosos indivíduos. Pode ser um tanto idealista a imagem de um indivíduo seguro de si, convicto do seu dever moral, enfrentar tudo e todos para defender nada mais que a verdade. Mas é um idealismo que vale admirar, ao menos para reforçar o alerta contra a ditadura do consenso. Afinal, como nos dizia o dramaturgo brasileiro, Nelson Rodrigues, “a unanimidade é burra”.
Na peça Um Inimigo do Povo, escrita pelo norueguês Henrik Ibsen no século XIX, vemos um homem com a coragem moral de manter sua integridade e convicção apesar da enorme pressão popular contra sua pessoa. Apesar dos exageros normais da dramaturgia, trata-se de um caso interessante de um pensador livre, um indivíduo apenas, combatendo a ignorância da maioria, e não cedendo nem mesmo sob o risco de completo isolamento e até falência pessoal.
O personagem central da peça, Dr. Stockmann, após descobrir que os famosos banhos da cidade estavam contaminados, esperava obter grande respeito e admiração por parte dos demais habitantes. Afinal, sua descoberta mostrava os riscos para a saúde de todos. Mas Stockmann ignorara os fatores políticos e econômicos, já que os banhos eram a principal fonte de renda da cidade. Aos poucos, mesmo seus supostos aliados, que declaravam apoio pela frente, o atacaram pelas costas, se voltando contra ele. Toda a cidade passou a repudiar o autor da infeliz descoberta, preferindo ignorar os fatos, como se assim estes pudessem, num passe de mágica, desaparecer. Dr. Stockmann agiu diferente, e mesmo que sozinho, sem apoio, escolheu a verdade, e enfrentou a maioria. Acabou tachado como um inimigo do povo, na tentativa de ajudá-lo.
Durante o tenso desenrolar da trama, Dr. Stockmann sofre inclusive a tentação de suborno, mas nada deixa ficar entre os fatos e sua convicção moral. Após refletir sobre a reação da maioria, Stockmann diz ter feito uma descoberta ainda mais importante que a poluição dos banhos. Seria a poluição moral da comunidade civil, calcada na mentira, na hipocrisia. Ele passa a considerar o maior inimigo da verdade como sendo a maioria compacta, que luta contra a razão individual. A covardia, a busca por interesses, o medo, tudo isso impede a verdadeira independência de pensamento, de busca da verdade. E com isso, Stockmann faz sua mais nova descoberta: o homem mais forte do mundo é aquele que se sustenta sozinho. Algo que nos remete ao recado de Schopenhauer, ao afirmar que “quem tem de produzir o bom e o autêntico e evitar o ruim tem de desafiar o juízo das massas e de seus porta-vozes e, portanto, desprezá-los”.
Parece claro que a inocência de Stockmann beira o absurdo, e que sua convicção confunde-se com fanatismo até. Nenhum jogo de cintura havia nele, nenhuma capacidade de flexibilidade. Stockmann simplesmente não jogaria o jogo político do mundo, não iria contemporizar. Cabe aqui nos questionarmos quem realmente consegue viver apenas afirmando a total verdade sobre tudo, sem um mínimo de hipocrisia, ou de “meias verdades”. Ou quem poderia ignorar por completo quaisquer interesses, ou opinião alheia. De fato, Aristóteles já havia dito que o homem é um “animal cívico”, que só se completa como homem na polis. Ele nos lembra que “aquele que não precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou um bruto”. Stockmann talvez tivesse obtido melhores resultados com meios menos puros, radicais. Na vida real, é muito raro encontrar alguém com tanta convicção moral e independência, a ponto de ignorar por completo a pressão da “massa ignorante”. Somos animais sociais, políticos.
Mas isso não anula, ao meu ver, a beleza e importância da mensagem de Ibsen. Confrontar a falsidade geral, fugir da necessidade de pertencer a um “rebanho bovino”, tendo que aderir a um pensamento monolítico, faz-se crucial para qualquer indivíduo que ama a liberdade e a verdade. Não seguir uma ditadura do “politicamente correto”, não depender da aprovação alheia sempre, é um caminho necessário para pensadores livres. Colocar a verdade dos fatos acima dos interesses imediatos é fundamental para quem defende a honestidade. Mesmo que tal postura reduza o grau de “sociabilidade” do indivíduo algumas vezes. Mesmo que tais atitudes possam colocar um indivíduo íntegro como suposto inimigo do povo, que tantas vezes prefere ignorar a verdade a ter que enfrentá-la com coragem. No fundo, a Humanidade agradece a independência de pensamento desses raros e corajosos indivíduos. Pode ser um tanto idealista a imagem de um indivíduo seguro de si, convicto do seu dever moral, enfrentar tudo e todos para defender nada mais que a verdade. Mas é um idealismo que vale admirar, ao menos para reforçar o alerta contra a ditadura do consenso. Afinal, como nos dizia o dramaturgo brasileiro, Nelson Rodrigues, “a unanimidade é burra”.
Imposturas Intelectuais
Imposturas Intelectuais
Rodrigo Constantino
“Any intelligent fool can make things bigger, more complex, and more violent. It takes a touch of a genius - and a lot of courage - to move in the opposite direction.” (Albert Einstein)
De acordo com os solipsistas, a falsificabilidade de Popper não faria sentido, posto que provas inexistem. Mas a epistemologia randiana, em contrapartida, objetiva aprioristicamente determinados fatos, independentes do princípio da incerteza de Heisenberg. A própria etimologia de “fato” corrobora tal assertiva. Dependendo da esfera cognitiva, entretanto, poderemos cair na famosa incomensurabilidade de paradigma, segundo Kuhn. Restaria uma explicação somente através da topologia psicanalítica de Lacan. E assim a questão poderia se dar por encerrada, com razoável grau de certeza. Ou não.
Caro leitor, muita calma nessa hora! Se você não entendeu nada do que eu quis dizer acima, é bom sinal. Afinal de contas, realmente não quis dizer absolutamente nada. Esse artigo pretende desmascarar determinado tipo de pseudo-intelectual, que apela com assustadora freqüência aos estratagemas conhecidos para impressionar leigos.
Não estou sendo sequer original aqui, pois Alan Sokal adotou exatamente essa estratégia para desmascarar vários intelectuais. Sokal mandou para uma famosa revista um artigo com título complexo, e trechos mais obscuros que os utilizados acima. Seu artigo não só foi aceito, como gerou bastante reação positiva. Qual não foi a surpresa geral quando o autor confessou tratar-se de um emaranhado de frases soltas e sem sentido? A revolta foi grande, e Sokal decidiu transformar seus argumentos em livro, com o mesmo título desse meu artigo, refutando intelectuais do peso de um Lacan, Kuhn ou Feyerabend.
Segundo o próprio autor, “a obra trata da mistificação, da linguagem deliberadamente obscura, dos pensamentos confusos e do emprego incorreto dos conceitos científicos”. São desmontadas táticas, como o uso de terminologia científica ou pseudocientífica sem dar a devida atenção ao seu real significado, ou ostentar uma erudição superficial, usando termos técnicos fora de contexto, para impressionar. Fora isso, frases são manipuladas constantemente. Sokal, com o auxílio de Jean Bricmont, mostra que o “rei está nu”, com casos manifestos de charlatanismo. A reputação que certos textos têm em virtude de suas idéias serem “profundas”, em muitos casos, são apenas reflexo de serem na verdade incompreensíveis, pois não querem dizer absolutamente nada.
Os leitores precisam entender que a prolixidade não significa bom conteúdo, ou que a complexidade não quer dizer lógica. Precisam saber ainda que a erudição e abuso de citações não garantem o embasamento do argumento, e que o apelo à autoridade costuma ser um desvio para quem não sabe refutar concretamente um determinado ponto. Um debate intelectualmente honesto precisa contar com razoável grau de objetividade. Caso contrário, muito provavelmente estaremos diante de um embusteiro.
Deixo a conclusão para Isaiah Berlin, que em seu livro A Força das Idéias, ataca basicamente o mesmo ponto exposto aqui: "Uma retórica pretensiosa, uma obscuridade ou imprecisão deliberada ou compulsiva, uma arenga metafísica recheada de alusões irrelevantes ou desorientadoras a teorias científicas ou filosóficas (na melhor das hipóteses) mal compreendidas ou a nomes famosos, é um expediente antigo, mas no presente particularmente predominante, para ocultar a pobreza de pensamento ou a confusão, e às vezes perigosamente próximo da vigarice."
Rodrigo Constantino
“Any intelligent fool can make things bigger, more complex, and more violent. It takes a touch of a genius - and a lot of courage - to move in the opposite direction.” (Albert Einstein)
De acordo com os solipsistas, a falsificabilidade de Popper não faria sentido, posto que provas inexistem. Mas a epistemologia randiana, em contrapartida, objetiva aprioristicamente determinados fatos, independentes do princípio da incerteza de Heisenberg. A própria etimologia de “fato” corrobora tal assertiva. Dependendo da esfera cognitiva, entretanto, poderemos cair na famosa incomensurabilidade de paradigma, segundo Kuhn. Restaria uma explicação somente através da topologia psicanalítica de Lacan. E assim a questão poderia se dar por encerrada, com razoável grau de certeza. Ou não.
Caro leitor, muita calma nessa hora! Se você não entendeu nada do que eu quis dizer acima, é bom sinal. Afinal de contas, realmente não quis dizer absolutamente nada. Esse artigo pretende desmascarar determinado tipo de pseudo-intelectual, que apela com assustadora freqüência aos estratagemas conhecidos para impressionar leigos.
Não estou sendo sequer original aqui, pois Alan Sokal adotou exatamente essa estratégia para desmascarar vários intelectuais. Sokal mandou para uma famosa revista um artigo com título complexo, e trechos mais obscuros que os utilizados acima. Seu artigo não só foi aceito, como gerou bastante reação positiva. Qual não foi a surpresa geral quando o autor confessou tratar-se de um emaranhado de frases soltas e sem sentido? A revolta foi grande, e Sokal decidiu transformar seus argumentos em livro, com o mesmo título desse meu artigo, refutando intelectuais do peso de um Lacan, Kuhn ou Feyerabend.
Segundo o próprio autor, “a obra trata da mistificação, da linguagem deliberadamente obscura, dos pensamentos confusos e do emprego incorreto dos conceitos científicos”. São desmontadas táticas, como o uso de terminologia científica ou pseudocientífica sem dar a devida atenção ao seu real significado, ou ostentar uma erudição superficial, usando termos técnicos fora de contexto, para impressionar. Fora isso, frases são manipuladas constantemente. Sokal, com o auxílio de Jean Bricmont, mostra que o “rei está nu”, com casos manifestos de charlatanismo. A reputação que certos textos têm em virtude de suas idéias serem “profundas”, em muitos casos, são apenas reflexo de serem na verdade incompreensíveis, pois não querem dizer absolutamente nada.
Os leitores precisam entender que a prolixidade não significa bom conteúdo, ou que a complexidade não quer dizer lógica. Precisam saber ainda que a erudição e abuso de citações não garantem o embasamento do argumento, e que o apelo à autoridade costuma ser um desvio para quem não sabe refutar concretamente um determinado ponto. Um debate intelectualmente honesto precisa contar com razoável grau de objetividade. Caso contrário, muito provavelmente estaremos diante de um embusteiro.
Deixo a conclusão para Isaiah Berlin, que em seu livro A Força das Idéias, ataca basicamente o mesmo ponto exposto aqui: "Uma retórica pretensiosa, uma obscuridade ou imprecisão deliberada ou compulsiva, uma arenga metafísica recheada de alusões irrelevantes ou desorientadoras a teorias científicas ou filosóficas (na melhor das hipóteses) mal compreendidas ou a nomes famosos, é um expediente antigo, mas no presente particularmente predominante, para ocultar a pobreza de pensamento ou a confusão, e às vezes perigosamente próximo da vigarice."