Idéias de um livre pensador sem medo da polêmica ou da patrulha dos "politicamente corretos".
quarta-feira, abril 05, 2006
A Sabedoria das Multidões
Rodrigo Constantino
“Collective decisions are most likely to be good ones when they’re made by people with diverse opinions reaching independent conclusions, relying primarily on their private information.” (James Surowiecki)
No livro The Wisdom of Crowds, James Surowiecki defende a tese de que as multidões desfrutam de mais sabedoria do que se imagina. Para um grupo de indivíduos apresentar tal sabedoria, entretanto, precisa preencher quatro condições: diversidade de opiniões, independência de julgamento, descentralização e agregação. Apesar de ser uma idéia contra-intuitiva a princípio, a suposta sabedoria das multidões não carece de lógica, além de mostrar evidências empíricas a seu favor.
O segredo é que os erros das estimativas individuais acabam se anulando em um grande número de opiniões. Mas para que isso ocorra, faz-se necessário satisfazer os requisitos acima. Caso contrário, não teremos erros aleatórios, mas sim um viés, onde as opiniões não são realmente independentes e individuais. Neste caso, estaríamos diante do que Gustave Le Bon dizia ao se referir à “psicologia das massas”, um grupo monolítico com pura emoção e nenhuma razão, adquirindo um senso de invencibilidade e irresponsabilidade incontroláveis. O autor reconhece que na maioria das coisas, média quer dizer apenas mediocridade. Mas no processo de tomada de decisão, freqüentemente pode significar excelência, quando satisfeitas as condições necessárias.
Surowiecki cita como exemplo a ferramenta de busca Google, cujo algoritmo baseia-se justamente na sabedoria das multidões, dando maior peso para as páginas mais visitadas na hora da pesquisa. A enciclopédia Wikipidia também seria baseada no princípio da sabedoria das multidões. Na verdade, o livre mercado é justamente isso, um processo onde as multidões, com suas escolhas individuais e independentes, selecionam as melhores alternativas de acordo com suas preferências. No começo do século XX, literalmente centenas de empresas disputavam para ver quem ofereceria a melhor alternativa para os consumidores em termos de automóveis. Havia uma gama enorme de variedades, inclusive com diferentes tecnologias. Poucas, entre essas centenas, sobreviveram. Eram as que melhor atendiam a demanda. As multidões de consumidores tinham decidido. O mesmo padrão se repete em diversas outras indústrias.
Para o melhor funcionamento deste processo, devemos ter a maior diversidade de alternativas possível, com novas idéias surgindo o tempo todo. Claro que, desta maneira, a maioria irá se tornar um fracasso. Mas as poucas vencedoras são as que farão a diferença. A habilidade de rápido reconhecimento e freio das idéias perdedoras é que torna o sistema eficiente.
A premissa adotada na teoria da sabedoria das massas é bastante atraente e sólida. Diz respeito ao conhecimento disperso, contido de forma totalmente pulverizada na sociedade. Nenhum ser ou pequeno grupo de pessoas poderia absorver todas as informações espalhadas entre milhões de indivíduos. O economista austríaco Hayek defende tal tese com perfeição, e sua influência não passa despercebida pelo autor do livro. Ela vai contra a visão platônica de um grupo de “sábios iluminados” que poderão escolher melhor pelo resto todo. A informação está totalmente dispersa, além das preferências serem subjetivas.
Um processo de livre escolha individual, em um ambiente de regras básicas e bem definidas, pode apresentar, portanto, resultados infinitamente melhores que aqueles oriundos de poucos “sábios”. Até mesmo na natureza, observando animais irracionais, vemos uma certa ordem espontânea surgir sem a figura do líder “iluminado”. Seria fazer muito pouco caso do homem, animal racional, supor que cada indivíduo é um completo mentecapto que necessita da direção traçada por um ser “clarividente”. Na livre interação entre indivíduos, respeitando-se as regras definidas previamente, há um claro incentivo à cooperação, assim como a confiança mútua passa a ser um valioso ativo. Preservando-se a diversidade, independência, descentralização e agrupamento cooperativo, não há porque acreditar que o resultado não será superior àquele obtido por um processo centralizado nas mãos de poucos “especialistas”. Há sabedoria nas multidões. E o livre mercado é o mecanismo de sua expressão.
Rodrigo,
ResponderExcluirSei não, mas esta resenha é contraditória à resenha do livro do Ortega. O que propõe no seu artigo é uma utopia no Brasil. As massas aqui é controlada pela mídia centralizada nas mãos de poucos empresários e políticos.
Sua reflexão aplica-se perfeitamente num EUA's, EUROPA's. Aqui é pura fantasia.
Parece contraditória, mas não é. O "homem-massa" de Ortega vai na linha da "unanimidade burra" de Nelson Rodrigues, que por sua vez tem ligação com a psicologia das massas, de Le Bon. São coisas diferentes. Pense no Maracanã. Aquilo, com a emoção contagiante e tudo mais, é o típico caso de psicologia das massas. Não antende às condições citadas, de independência de julgamento. Já no livre mercado, onde cada um decide isoladamente, de forma descentralizada e autônoma, não há esse mesmo contágio de "massas". Ambas as análises podem coexistir.
ResponderExcluirRodrigo, sou leitor assíduo do seus posts na comunidade 'Economia Brasileira'. Foi bom saber que existe esse blogspot.
ResponderExcluirÀ luz da teoria da sabedoria das massas, como poderiamos intepretar a escolha e o apoio, por parte do povo, a lideres autoritarios e anti-democraticos? Faço a pergunta pensando em nomes como Hitler, Getulio Vargas, Hugo Chavez.
Caro Paulo, boa pergunta! Creio que nesse caso trata-se justamente da psicologia das massas, abordada rapidamente acima. O conceito de massa é diferente do usado por mim nesse artigo, como multidões de independentes. Veja:
ResponderExcluir"Uma massa é como um selvagem; não está preparada para admitir que algo possa ficar entre seu desejo e a realização deste desejo. Ela forma um único ser e fica sujeita à lei de unidade mental das massas. No caso de tudo pertencer ao campo dos sentimentos, o mais eminente dos homens dificilmente supera o padrão dos indivíduos mais ordinários. Eles não podem nunca realizar atos que demandem elevado grau de inteligência. Em massas, é a estupidez, não a inteligência, que é acumulada. O sentimento de responsabilidade que sempre controla os indivíduos desaparece completamente. Todo sentimento e ato são contagiosos. O homem desce diversos degraus na escada da civilização. Isoladamente, ele pode ser um indivíduo; na massa, ele é um bárbaro, isto é, uma criatura agindo por instinto."
Rodrigo
Ok, Rodrigo. Perdoe o erro na concordância. "As massas aqui são". E não "é". Desculpe.
ResponderExcluirEntendi sua explicação, mas acho que está psicologia autônoma está maculada pela teoria "homem-massa" de Ortega y Gasset. Não consigo visualizar uma dissociação, num ambiente malsão como o nosso, da escolha individual em combate com a escolha "coletiva" da moda.
É o que afirmei anteriormente: somente em países livres e legalmentes desenvolvidos, que isto pode se aplicar. A pasteurização das escolhas por aqui, sempre recai na vala-comum.
Abraço!
Rodrigo, tudo bem?
ResponderExcluirEstou fazendo uma reportagem para a revista Superinteressante e gostaria de conversar com você. Será que pode me escrever, para que eu explique o tema da matéria?
Muito obrigada,
Abraço,
meu e-mail: raquel.cozer@abril.com.br
Rodrigo, concordo com sua visão resenhada do livro de Surowiecki. Tenho aplicado a técnica em pequenos grupos em ambientes empresariais e os resultados são fastásticos. De algum modo a média da opinião de um grupo, dentro de determinadas condições, pode propor soluções pŕaticas e gerar grande resultados
ResponderExcluirjá ouviu falar em oclocracia?
ResponderExcluirOlá Rodrigo.
ResponderExcluirEstou a ler o livro que refere, numa edição portuguesa.
Até agora, tem sido uma verdadeira surpresa. Especialmente o tipo de argumentação utilizada pelo autor, quando defende que as multidões/grupos revelam quase sempre uma inteligência superior à dos peritos.
Surpreendente, sem dúvida ...