domingo, abril 29, 2007

Doutrinando Crianças



Rodrigo Constantino

“Quem quer enganar o povo e governar em proveito próprio tem interesse em mantê-lo na ignorância.” (Napoleão Bonaparte)

A doutrinação ideológica começa cedo por aqui, nesse país que ainda não chegou nem mesmo na Idade da Razão. O romantismo do “homem cordial”, a linda imagem do “bom selvagem” corrompido pela sociedade, é ainda a mentalidade predominante no Brasil – o que explica muito do nosso atraso. Em resumo, a idolatria a Rousseau em vez da admiração a Adam Smith contaminou os “intelectuais” brasileiros. Eis que minha filha, com cinco anos de idade apenas, está agora “aprendendo” que os índios eram bonzinhos, foram dominados pelos homens brancos maus, e que o progresso é algo terrível. Homens destroem árvores para construir, onde já se viu! Todos devem viver em ocas, pelo visto. Certos estavam os pobres indiozinhos, que viviam apenas com o que a mãe natureza oferecia gratuitamente. Verdade?

Evidentemente, nada mais falso. Como explicar para as crianças que essa visão idílica dos índios não passa de uma grotesca mentira? A autoridade de um professor é algo sedutor em tão tenra idade, e os homens escolhem rápido o apelo à autoridade em vez da reflexão própria. Também pudera, com cinco aninhos! Ensinar a pensar, a não aceitar “verdades” independente de quem as profere, a questionar sempre e buscar com o tempo o conhecimento, é o antídoto necessário para evitar o crescimento de mais um ser autômato que repetirá os dogmas do “politicamente correto” no futuro. Mas exige esforço e paciência, pois repetir que o professor, uma espécie de “deus” para as crianças, pode estar enganado, não é tarefa fácil. É como mexer com a divindade dos crentes!

Mas voltando aos índios, será que o professor sabe como viviam os astecas, por exemplo? Estamos falando dos mais avançados, claro. Será que ele tem idéia dos sacrifícios de crianças como oferendas aos deuses após uma boa colheita, para que a chuva voltasse como presente divino? Será que ele tem conhecimento de como vivam os seguidores de Ataualpa? Ou os de Montezuma, aquele que arrancava corações com as próprias mãos, segundo dizem? Está certo que Pizarro e Cortés não eram nada santos, e que em nome da fé cristã e da “evangelização” dos selvagens dizimaram os índios. Mas como vivam esses índios antes? De acordo com a imagem de “bom selvagem” de Rousseau, ou em um regime opressor, violento e cruel? Claro que a segunda opção. As tribos indígenas eram violentas, especialmente umas com as outras. Os índios reais passam longe dos índios que românticos idealizam do conforto da civilização.

No fundo, este tipo de mentalidade romântica herdada de Rousseau advém de um claro desprezo pelo progresso e tudo que os homens conseguiram alcançar na vida, particularmente depois da Idade da Razão. A racionalidade incomoda aqueles que colocam o “sentir” acima do “pensar”. Rousseau dizia que “um homem pensante é um animal depravado”. Há inclusive certo ódio ao próprio homem, considerando-se então que os animais são melhores. Quanto mais perto do seu estágio selvagem, melhor seria o homem. A visão encontra paralelo em mitos religiosos, como o próprio Jardim do Éden, onde aquelas criaturas puras e inocentes viviam felizes até comer o fruto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. O conhecimento leva à desgraça dos homens. O ideal é ser como os chimpanzés, “puros” e “inocentes”. Claro, tudo isso fica mais fácil de defender quando se está escrevendo no conforto de um gostoso ar condicionado, obra da razão humana que os índios ignoravam. Uma dose de hipocrisia não mata ninguém!

A vida verdadeira dos índios não tem semelhança com os mitos românticos criados pelos homens modernos. Era uma vida de ignorância profunda em diversos aspectos, fazendo com que uma boa colheita fosse associada ao sacrifício de crianças oferecidas aos deuses. Era uma vida curta também, na média, se comparada aos padrões dos países civilizados de hoje. Afinal, era uma vida sem o acesso facilitado a diversos remédios que são vendidos em qualquer farmácia por aí. Era violenta muitas vezes, sempre com a ameaça de guerras entre diferentes tribos. Tem que sentir muito ódio da civilização e do próprio homem para enaltecer essa vida. Ou, claro, tem que ser bastante hipócrita.

Creio que muitos gostam de falar dos índios como falam dos animais nos zoológicos, e inclusive defendem reservas para mantê-los eternamente no atraso. É curioso observá-los assim, longe da civilização. Isso se a maioria vivesse de fato nessas condições, pois muitos andam em carros importados, possuem parabólicas e viram até deputados, voltando ao cocar somente quando é preciso lutar por mais verbas estatais em nome da “preservação indígena”. Os índios atualmente são verdadeiros latifundiários, controlando gigantescas reservas ricas em recursos naturais, que acabam exploradas ilegalmente com o aval dos chefes indígenas, mancomunados com corruptos da FUNAI. Mas falam em salvar a cultura indígena, como se estes devessem estar fora da possibilidade de progresso. Ora, em nome da “tradição” ocidental, deveriam então resgatar a escravidão, a perseguição religiosa, o crime para o adultério e por aí vai. Alguém quer defender este absurdo?

Por trás do culto da personalidade do herói salvador e messiânico está esse romantismo enraizado na mentalidade brasileira. O romântico revolucionário é um eterno adolescente, que projeta o mal sobre os outros, aceita suas paixões como prova da verdade divina e quer derrubar as estruturas da sociedade. Como coloca o embaixador Meira Penna em O Dinossauro, “característico do romantismo é a opção preferencial pelos pobres, pelos boêmios, os fracassados, os falidos, os vagabundos”. Os males são responsabilidade da “sociedade”, e os criminosos são apenas vítimas. Eis o mito romântico que Rousseau inaugurou, e que explica hoje essa distorção de valores em nosso país, transformando assassinos frios em coitadinhos, vítimas dessa cruel sociedade. O progresso precisa ser combatido também, pois representa “um passo para a decrepitude do homem”, segundo Rousseau.

David Hume considerava Rousseau um “monstro que se considera a pessoa mais importante do mundo”, e Voltaire o classificou como “vagabundo malicioso”, “malandro insolente” e “monstro da vaidade e baixeza”. Sua coletivista idéia de “Vontade Geral” transformava os indivíduos em frações sacrificáveis de um todo. Foi ele o pai do totalitarismo moderno. Arrogava-se ser o homem mais virtuoso do mundo, mas abandonou os seus quatro filhos num orfanato, e ainda teve a pretensão de ensinar sobre educação, sendo ainda respeitado por isso. O “bom selvagem” era bem selvagem, ao que parece, mas nada bom. E esse é o ícone do filósofo que é admirado ou mesmo idolatrado pelos “intelectuais” brasileiros. É sua visão de mundo que faz com que os índios sejam vistos como puros e virtuosos, enquanto o homem branco é podre e malvado. É esse tipo de mentalidade que minha filha de cinco anos é obrigada a “aprender” na escola. Escola privada ainda por cima! Nem quero pensar o que ocorre nas públicas. Eis o segredo para os que desejam manter o poder para sempre: começar já doutrinando as indefesas crianças.

Entrevista Minha no Café Colombo

O programa ouviu, durante o Fórum da Liberdade, no Rio Grandeo do Sul, o economista Rodrigo Constantino, que está lançando o livro “Egoísmo racional – o individualismo de Ayn Rand”, pela Documenta Histórica Editora. A obra é uma introdução ao pensamento de Ayn Rand, filósofa pouco conhecida no Brasil mas best seller fora daqui. Um bom bate-papo sobre temas polêmicos como economia e filosofia liberal com um dos mais promissores jovens intelectuais. Confira a entrevista.

http://cafecolombo.com.br/2007/04/28/egoismo-e-individualismo-no-cafe-colombo-2/

Ação Humana - Mises Traduzido

Agora o blog Ação Humana está trazendo artigos do Mises traduzidos. Confira em:

http://www.acao-humana.blogspot.com/

sexta-feira, abril 27, 2007

Os Cupins


Rodrigo Constantino

“Os problemas sociais têm origem no fato de os indivíduos serem diferentes, serem egoístas e, ainda assim, desejarem viver juntos e em liberdade.” (Og Francisco Leme)

Um dos maiores liberais que o Brasil já teve foi Og Francisco Leme, cujo legado, através de sua ativa participação no Instituto Liberal, gera efeitos positivos até hoje. Sua forma clara de escrever, com notória objetividade, possibilitou que muitos pudessem finalmente compreender a essência do liberalismo. Seu livro mais famoso chama-se Entre os Cupins e os Homens, de onde boa parte do conteúdo abaixo foi retirada.

Logo no começo, Og Leme define liberdade de acordo com seu conceito negativo, como ausência de coerção. Coerção, por sua vez, é “tudo aquilo que obriga o indivíduo a fazer ou deixar de fazer algo que espontânea e normalmente, em face de seus interesses pessoais, não faria ou não deixaria de fazer”. Como o Estado representa a concentração de poder coercitivo, o pensamento liberal automaticamente assume que quanto menos Estado, melhor.

A visão de mundo do autor encara o homem tanto como ser social como anti-social. Ele tanto coopera, como compete; aplaude e inveja; ajuda e agride. As condutas antagônicas são parte da essência da natureza humana. Os indivíduos, diferente dos insetos gregários, são egoístas, no sentido de buscar os próprios interesses. Ao mesmo tempo, pretendem viver juntos, em sociedade, mas mantendo o máximo possível de liberdade. Eis o problema que surge: como conciliar as duas coisas? Para ele, a resposta está na “geração de um acordo comunitário que propicie a criação de uma entidade acima de todos eles – fracos e fortes – e que ‘imparcialmente’ zele pelos interesses da comunidade”.

Aceitando que cada homem é único e tem suas próprias aspirações, o mínimo que se pode exigir dessa sociedade é que “não atravanque a sua aventura de vida”, ou seja, “que lhe dê passe livre para buscar-se a si mesmo”. Esta aventura de partir em busca de si próprio requer liberdade e igualdade perante a lei. Como Og Leme lembra, a “busca de identidade é a busca de diferenças”, citando como exemplo de uma delas a impressão digital única. A sociedade deve ser, portanto, tolerante e compreensível com as diferenças entre indivíduos. Mas ela é recompensada por isso. Como nos ensina a história, grande parte dos feitos que geraram progresso e amplos benefícios gerais se deveu aos atos de poucos indivíduos, à coragem e até excentricidade de algumas poucas pessoas. Elas teriam corrido o risco de acreditar em suas diferenças, na sua forma peculiar de ver o mundo. Nem mesmo é preciso citar exemplos, pois são numerosos demais. O mundo é uma história de minorias diferentes alterando o futuro da grande maioria. Quanto mais liberdade individual, melhor.

A condição para o homem é a liberdade. Através de sua consciência, ele irá escolher o que quer, o que considera seu projeto de vida a ser realizado. Numa sociedade de cupins, formigas ou abelhas, o problema não existe. Ele foi previamente resolvido pela programação genética. Cada animal exerce uma função predeterminada na colônia, dividida em hierarquias que lembram as nossas militares. No filme Formiguinhaz, o personagem principal desabafa: “Que diabo! esperam que eu faça tudo pela colônia... e quanto às minhas necessidades?”. O mesmo personagem diz: “Quando a gente é filho do meio numa família de cinco milhões, não recebe muita atenção”. Essas passagens remetem ao fato de que formigas são iguais e obedecem a uma regra onde a colônia é o grande fim. Isso bate de frente com as necessidades humanas de individualidade. Os anseios individuais falam mais alto, e a questão é encontrar meios democráticos para que o custo da privação individual seja minimizado. Mas deve ficar claro que, diferente dos insetos gregários, os indivíduos humanos são a finalidade em si, e não o “bem-geral” da sociedade.

O altruísmo seria, segundo o autor, parte da natureza dos cupins, mas não dos homens. A imposição tirânica do altruísmo “significa a violação da própria condição humana, pois nega ao homem a busca de si mesmo”. Mas nas sociedades livres, através de interações espontâneas, a busca dos próprios interesses costuma resultar no benefício da totalidade dos homens. O individualismo seria, então, “um gerador mais eficaz de sinergia do que o coletivismo”. Temos vasta experiência empírica para comprovar isso. Se a premissa é de que a livre interação é ruim porque o homem é egoísta, faz menos sentido ainda concentrar poder em poucos homens através do Estado. Tamanha contradição jamais foi devidamente explicada pelos defensores de um modelo coletivista, com concentração de poder tal como numa colônia.

A extrema arrogância por parte daqueles que pretendem ter a pretensão de afirmar o que é importante para os outros, o que cada indivíduo deseja, ou o que vem a ser o “bem comum” é típica dos coletivistas. A postura liberal é mais humilde, compreendendo justamente que cada um tem interesses próprios, e sabe melhor do que ninguém quais são estes. O coletivista pretende impor um determinado padrão de preferências aos demais, partindo da premissa de que o “povo” não sabe nada, e precisa de seu auxílio, mesmo que não solicitado. Há uma confusão entre o desejo do próprio coletivista e o “interesse geral”. O coletivista costuma sempre se colocar na posição do legislador. Ele é a colônia! O já citado filme Formiginhaz tratou do assunto, quando o vilão grita que a colônia é ele mesmo. No filme, a formiga principal sonha com a “insetopia”, um lugar onde as formigas serão livres para decidirem o que querem, e não irão mais fazer tudo igual. Alguns humanos, que vivem neste local, podendo ter escolhas próprias, trocar voluntariamente em um mercado livre, e focar em seus próprios interesses, querem o oposto: a Utopia, exatamente onde vivem as formigas mecanizadas trabalhando como escravas para o bem da colônia, definido sabe-se lá por quem!

Og Leme não acredita que seja possível o ideal anarquista de se viver sem governo algum, pois haveria uma tendência à concentração de poder, dando origem a algum poder tirânico em substituição ao de liberdade “plena”. O liberal, portanto, “se contenta em defender limites rigorosos para a jurisdição do Estado”, reconhecendo que ele é um “mal necessário”, e deve ser então o menor possível. O liberal é, nesse aspecto, um anarquista frustrado. Ele sabe que o governo pode ser uma ameaça grande à liberdade, mas entende que sua completa ausência é também uma grande ameaça. No entanto, o liberal sabe qual a meta objetivada: o máximo possível de liberdade para os indivíduos, já que cada um deles é um fim em si, e não um meio para algo maior, como numa colônia. Afinal, homens não são cupins. Felizmente!

A Força das Idéias


Rodrigo Constantino

"As perguntas só são inteligíveis quando sabemos onde procurar as respostas." (Isaiah Berlin)

Um dos grandes ícones do liberalismo foi sem dúvida o filósofo Isaiah Berlin, nascido na Letônia em 1909. No livro organizado por Henry Hardy, A Força das Idéias, constam diversos textos do autor sobre diferentes temas, desde uma autobiografia até análises do marxismo ou do Iluminismo. O título faz menção ao que o pensador sempre acreditou. Em Dois Conceitos de Liberdade, de 1958, Berlin mencionou o poeta alemão Heine para lembrar que não se deve subestimar a força das idéias: "Os conceitos filosóficos nutridos na quietude do escritório de um professor poderiam destruir uma civilização". Eis o poder que ele depositava nas idéias.

Isaiah Berlin sempre respeitou a pluralidade de idéias, assim como a pluralidade de culturas, mas deixava claro não ser um relativista. Ele acreditava numa pluralidade de valores que os homens podem procurar, mas não acreditava numa infinidade de valores. O número de valores humanos seria finito, e esses valores seriam objetivos, ou seja, sua natureza e sua busca fazem parte do que significa ser humano. Todos os seres humanos devem ter alguns valores comuns, senão deixam de ser humanos. Por isso pluralismo não é relativismo: "Os valores múltiplos são objetivos, parte da essência da humanidade em vez de criações arbitrárias das fantasias subjetivas dos homens". Deve-se, portanto, respeitar os sistemas de valores que não são necessariamente hostis uns aos outros. Daí se segue a tolerância pregada pelos liberais.

Para Berlin, o inimigo do pluralismo é o monismo – "a antiga crença de que há uma única harmonia de verdades a que tudo, se for genuíno, deve se ajustar no final". A conseqüência dessa crença é que aqueles que sabem devem comandar aqueles que não sabem. Trata-se da antiga crença platônica dos reis-filósofos, que tinham o direito de dar ordem aos outros. Os déspotas "esclarecidos" vão roubar da maioria as suas liberdades essenciais em nome do conhecimento superior que possuem. Se antigamente pessoas eram sacrificadas em nome de deuses, recentemente muitos foram sacrificados em nome de ídolos: os ismos. Socialismo, nacionalismo, fascismo, comunismo – os revolucionários adeptos dessas ideologias se julgam detentores da verdade absoluta, e acreditam que, para criar o mundo ideal que somente eles sabem o caminho, os ovos têm que ser quebrados, senão não se pode fazer a omelete. Os ovos acabam quebrados mesmo, como se verifica pelo rastro infindável de cadáveres sacrificados no altar dessas ideologias. Mas a omelete permanece infinitamente distante. Isso não importa para os fanáticos "donos da verdade".

Um dos grandes legados do pensamento de Isaiah Berlin foi sua defesa da distinção entre liberdade negativa e positiva. Por liberdade negativa, ele entendia "a ausência de obstáculos que bloqueiam a ação humana". Existe, claro, os obstáculos naturais, criados pelo mundo exterior, pelas leis biológicas ou psicológicas que regem os seres humanos. Mas sua preocupação estava centrada na falta de liberdade política, quando os obstáculos são criados pelo homem. O grau de liberdade depende então do grau em que cada um é livre para trilhar este ou aquele caminho sem ser impedido de agir desse modo por instituições ou disciplinas criadas pelo homem. Não é apenas a liberdade de fazer tudo aquilo que se aprecia, tampouco de atender todos os desejos existentes. O que ele tinha em mente era o número de caminhos que um homem pode trilhar, quer deseje trilhá-los, quer não. Esse seria o "primeiro dos dois sentidos básicos de liberdade política".

O outro sentido central de liberdade é a liberdade para, ou seja, a pergunta de quem controla o indivíduo. A questão principal é se o próprio indivíduo determina suas ações, ou se segue ordens de alguma outra fonte de controle. A liberdade positiva, partindo do pressuposto que um determinado grupo sabe melhor o que cada indivíduo quer, pode levar a algumas das formas mais assustadoras de opressão e escravização.

Berlin combateu o determinismo também. Sua tese era de que existem duas razões principais para se defender a doutrina do determinismo humano. A primeira seria uma extrapolação das ciências naturais descobertas pelos cientistas. Muitos philosophes do século XVIII sustentavam isso. A questão não seria se os homens estão livres ou não de leis naturais, mas sim se sua liberdade se dissipa totalmente com elas. A segunda razão para crer no determinismo seria devolver a responsabilidade por muitas coisas que as pessoas fazem a causas impessoais. Assim, eximem-se de culpa. As pessoas não teriam como evitar seus erros. Isaiah cita como exemplo o marxismo, baseado num determinismo histórico, mostrando inclusive a contradição de se arriscar numa perigosa revolução quando o futuro já está determinado. Tanto risco assim apenas para tentar antecipar o que é certo faz sentido?

O filósofo trata de vários outros assuntos, mas o mais importante é ter em mente que Isaiah Berlin se mostrou sempre preocupado com o fundamento do conhecimento, apostando no potencial transformador das idéias. A busca do alicerce dos conceitos, enfrentando suas contradições, foi uma marca do pensador. Ele sugeria que o pensamento sistemático desempenha papel determinante na construção da vida em sociedade. A experiência seria peça crucial nesta construção, para que a abstração não condenasse os pilares da obra toda. Berlin era incapaz de se esconder por trás da opacidade do jargão ou de uma retórica pretensiosa. Para ele, a tarefa da filosofia era "desenredar e trazer à luz as categorias e os modelos ocultos em termos dos quais os seres humanos pensam, para revelar o que é obscuro ou contraditório neles, para discernir os conflitos entre eles que impedem a construção de modos mais adequados de organizar, descrever e explicar a experiência". Em resumo, a meta da filosofia é sempre a mesma: "Ajudar os homens na compreensão de si mesmos e assim operar na claridade, e não loucamente, no escuro".

quinta-feira, abril 26, 2007

A Democracia na América


Rodrigo Constantino

"Democracia e socialismo não têm nada em comum além de uma palavra: igualdade; Mas note a diferença: enquanto a democracia procura a igualdade na liberdade, o socialismo procura igualdade na restrição e servidão." (Alexis de Tocqueville)

Alexis de Tocqueville escreveu seu clássico Democracia na América buscando contribuir para a preservação da liberdade na França, durante a conturbada transição da aristocracia para a democracia. Apesar do tempo transcorrido, o livro continua atual e válido em vários aspectos. Tocqueville reconhece a importância do caráter nacional americano para a liberdade existente no país, e dá crédito aos religiosos puritanos pela moldagem desse caráter. Ele nasceu em 1805 em Paris, numa família aristocrática que foi vítima da Revolução Francesa. Viajou para os Estados Unidos em busca de um escrutínio cuidadoso de todos os elementos da vida americana. O que ele constatou lhe marcou profundamente, e rendeu o excelente clássico.

Entre as observações que fez sobre o país, consta a extraordinária força das associações voluntárias no dia a dia da vida americana, como uma força social muito mais potente e extensiva que o Estado. Se os franceses se voltavam para o Estado, e os ingleses para a aristocracia, os americanos formavam livres associações uns com os outros quando precisavam ou demandavam alguma coisa. Assim praticavam o autogoverno. Não dependiam do governo, mas se organizavam para alcançar os próprios objetivos. Ele concluiu que a lei da associação é a primeira lei da democracia. Ele disse: "Entre as leis que governam as sociedades humanas, há uma que parece ser mais precisa e clara do que todas as outras. Se os homens devem continuar a civilizar-se ou tornar-se civilizados, a arte de associação deve crescer e melhorar, na mesma proporção em que aumentam as condições de igualdade". Muitos países subdesenvolvidos apresentam instabilidade política justamente por conta desse problema: a igualdade na participação política cresce muito mais rápido do que essa "arte de associação". Tocqueville foi enfático: "A ciência da associação é a mãe da ciência; o progresso de todo o resto depende do progresso que ela realiza".

Os americanos imaginam, segundo observou Tocqueville, que está em seu próprio interesse fazer contribuições para o bem-estar comum e o bem público. O futuro deles e de seus próprios filhos se beneficia disso. O bem público está assim associado ao próprio interesse de cada um. Não é preciso falar em altruísmo, pois a própria busca da satisfação dos interesses particulares já leva um povo mais avançado culturalmente a cuidar dos bens comuns. O americano sente que a coisa pública é sua também, é de todos. Disso deriva a defesa de uma igualdade perante a lei. Isso diverge da postura patrimonialista predominante no mundo latino por tantos anos, onde o Estado é visto como um bem privado a ser conquistado para a Grande Família à custa do restante. Enquanto um americano gritaria para alguém tentando furar fila: "quem você pensa que é?", dando ênfase à igualdade das leis, um brasileiro provavelmente gritaria de volta, caso fosse criticado por furar fila: "você sabe com quem está falando?", ressaltando o peso do privilégio.

A importância que o católico Tocqueville deu ao fator religioso, especialmente o protestante, no sucesso relativo dos Estados Unidos, foi enorme. Conforme resume Michael Novak em seu The Universal Hunger for Liberty, seriam basicamente cinco aspectos mundanos da utilidade religiosa: restrição aos vícios e ganhos na paz social; idéias fixas, estáveis e gerais sobre as dinâmicas da vida; o foco na questão de igualdade perante a lei; uma nova concepção de moralidade como uma relação pessoal com Deus, e, portanto, um motivo para agir de forma correta mesmo quando ninguém está observando; e, através da elevada honra dedicada ao laço do matrimônio, uma regulação tranqüila das regras no casamento e em casa. Uma rede de confiança inspirada pela fidelidade, alimentada dentro do lar familiar e criando filhos felizes, aumentaria as chances de sucesso de um governo republicano.

Esta visão de cunho religioso se aproxima mais daquilo que os conservadores costumam defender, não necessariamente alinhado com o que os liberais pregam. Mas isso não impede que liberais reconheçam na instituição familiar um importante aliado na construção de uma sociedade de confiança, ainda que as bases para tanto não dependam necessariamente do aspecto religioso. O pensador mais famoso em fazer esta ligação causal entre religião e sucesso capitalista foi o sociólogo Max Weber, ressaltando a importância da ética protestante, particularmente a calvinista, no espírito do capitalismo. A predestinação e a conseqüente interpretação do êxito material como prova da graça divina seriam estimulantes poderosos.

Na obra de Tocqueville a escravidão é duramente criticada. Para ele, ela desonra o trabalho, introduz ociosidade na sociedade, ignorância e orgulho, pobreza e luxúria. A distinção entre o sul e o norte dos Estados Unidos poderia ser explicada, em parte, pela influência da escravidão no sul. As bases da teoria social americana estariam presentes, segundo Tocqueville, no norte do país, cujos primeiros imigrantes pertenciam a classes prósperas no país de origem. Praticamente todos tinham recebido educação avançada, e esses imigrantes teriam levado junto boa dose de ordem e moralidade. Mas, acima de tudo, o espírito de empreendedorismo era a marca registrada deles, em contraste com os demais imigrantes. Não haviam abandonado o país de origem por necessidade ou à força, e deixaram para trás posições sociais invejáveis. Estavam em busca de satisfação intelectual, do triunfo de uma idéia, da liberdade. Não aceitavam a perseguição religiosa da terra natal de forma alguma. Este berço faria toda a diferença depois, na fase adulta da nação.

"Eu penso que não existe um país no mundo onde, em proporção a população, existe tão poucas pessoas ignorantes como na América", escreveu Tocqueville. A educação primária estava ao alcance de todos. A maioria dos ricos começou como pobres lá, prosperando por conta própria. Era a terra das oportunidades. Na juventude, eram homens ocupados com o trabalho, portanto. Enquanto tinham gosto para os estudos mais profundos, não tinham tempo, e quando conseguissem o tempo, teriam perdido o gosto. Na América, certo nível comum de conhecimento foi estabelecido, o qual todas as mentes alcançavam. Em outras palavras, surgia uma enorme classe média. O elemento aristocrático, por outro lado, sempre fraco desde o começo, foi praticamente destruído, sem ter praticamente influência alguma no curso dos acontecimentos. Entende-se então um dos motivos pelos quais alguns europeus, especialmente franceses, alimentaram ressentimento pelo país. Insistem que se trata de um povo de "bárbaros", pois no fundo não suportam a idéia de que o título hereditário de nobreza não vale mais nada lá. Ainda hoje é possível verificar resquícios disso, pela animosidade que gera o fato de o homem mais rico do mundo ser apenas certo Bill, que abandonou a universidade para empreender.

Com todas as suas imperfeições – muitas inclusive agravadas desde então, o fato é que a construção dos Estados Unidos tem muito a ensinar para o mundo. Analisar as raízes do sucesso americano, observando o que pode ser replicável mundo afora, separando as idiossincrasias dos valores universais, é trabalho que agrega muito valor na busca da liberdade e do progresso. Alexis de Tocqueville deu um pontapé inicial nesse esforço. O resultado foi um excelente estudo que ainda serve como base para muitas conclusões importantes. Entre elas, destaca-se a livre associação entre indivíduos, independente do mecanismo estatal.

quarta-feira, abril 25, 2007

O Valor Subjetivo


Rodrigo Constantino

"A soma do conhecimento de todos os indivíduos não existe em lugar algum como um todo integrado." (Hayek)

O que forma o valor de um determinado produto? Para muitos, o valor natural na troca é determinado pelos custos relativos de produção. Ao menos é o que sustenta a economia clássica. Pode-se notar esta visão objetiva do valor tanto em Adam Smith como em Karl Marx, que disso extraiu o conceito de "mais-valia". O economista James Buchanan fez um profundo estudo sobre o tema em seu livro Custo e Escolha, analisando inúmeras visões distintas para chegar à sua conclusão. Vamos passar por algumas dessas análises.

Partindo de Adam Smith, tem-se que um castor deveria ser trocado por ou ter o valor de dois cervos, caso matá-lo custasse o dobro do trabalho de matar um cervo. Esta visão não é apenas extremamente simplista, ela é errada. O preço, que é um valor realizado de troca, não só pode divergir como realmente divergirá do valor do custo realizado. Esta teoria ignora um componente crucial da formação de preços, que é a demanda, sempre subjetiva. Ora, não importa quanto custa construir uma fábrica de gelo no Alaska, o valor deste produto será muito baixo por lá. Afinal, não há muita utilidade para gelo lá.

A introdução da teoria de utilidade marginal iria revolucionar a teoria de valor após 1870. Segundo os teóricos da utilidade marginal, o valor de troca é, em todos os casos, determinado pela utilidade marginal, pela demanda. A oferta é fixa no ponto de troca do mercado, portanto, os valores relativos ou preços são estabelecidos exclusivamente através das utilidades marginais relativas. Os valores seriam fixados à margem, o que resolve o paradoxo do diamante ser mais caro que a água, apesar da utilidade maior desta. O valor em uso e o valor em troca já não eram mais possivelmente contraditórios. Para Buchanan, "nascia então o cálculo econômico".

A economia da utilidade marginal geralmente é denominada de "economia do valor subjetivo", em contrapartida à teoria clássica de custo de produção, que era objetiva, no sentido em que se supunha que as mensurações externas dos custos comparativos fossem capazes de gerar prognósticos sobre o valor normal de troca de mercadorias. Enriquecendo ainda mais a teoria de valor subjetivo, os economistas austríacos desenvolveram ensaios convincentes sobre o assunto, especialmente Mises e Hayek. Para Buchanan, "a teoria econômica de um modo geral certamente poderia ter evitado várias confusões modernas se os ensaios de Hayek tivessem tido maior disseminação e compreensão mais ampla". Em um estudo de 1937, ele já tinha enunciado as características fundamentais da metodologia subjetivista. A economia subjetivista representa uma negação expressa da objetividade dos dados que norteiam a escolha econômica. O indivíduo que faz a escolha seleciona determinadas opções preferidas segundo seus próprios critérios. Isso bate de frente com os modelos de "equilíbrio" dos neoclássicos, que tendem a tratar a informação de uma forma objetiva.

Para os austríacos, custo é o valor subjetivo que o agente atribui aos fins aos quais renuncia quando decide empreender um determinado curso de ação. Não existem, portanto, custos objetivos que tendam a determinar o valor dos fins. Como explica Jesús Huerta de Soto em sua obra sobre a Escola Austríaca: "São os preços dos bens finais de consumo, como materialização no mercado das avaliações subjetivas, que determinam os custos nos quais se está disposto a incorrer para produzi-los, e não ao contrário como tão freqüentemente dão a entender os economistas neoclássicos nos seus modelos". Mises, em seu clássico Human Action, resume de forma brilhante: "Os custos são iguais ao valor vinculado à satisfação que se deve sacrificar para alcançar a meta visada". Custo é um fenômeno de avaliação pessoal, e não algo independente dos agentes de mercado.

James Buchanan lamenta o relativo ostracismo dessas idéias: "O conceito de custo de oportunidade – que surgiu em decorrência das abordagens de bom senso e dos austríacos subjetivistas –, o conceito que floresceu por duas décadas na escola inglesa, parece ter sido derrotado em sua luta por um lugar entre os paradigmas da economia moderna". Não é fácil explicar esse triste fato. A argumentação não foi refutada e, conforme concorda Buchanan, "permanece válida". Buscar a ressurreição dessa sólida, porém ignorada teoria, é o objetivo de Buchanan ao escrever o livro. O custo de qualquer escolha tem múltiplas dimensões. O custo previsto influencia a escolha, e a escolha feita irá definir o custo. O valor atribuído pelo indivíduo às alternativas preteridas ao fazer uma escolha será crucial na formação final do custo, e tal valor é subjetivo.

Essa noção tem profundo impacto em diversos ramos da economia, incluindo a escolha dos gastos públicos, ou a mentalidade de que lucro empresarial é a exploração do trabalhador. O preço, ou valor de um produto, incluindo o salário, não é algo que possa ser obtido de forma objetiva, ignorando-se as preferências subjetivas dos agentes econômicos. Logo, o verdadeiro "equilíbrio" será atingido sempre que as partes realizam uma troca voluntária, já que naquele determinado momento, julgam-na mutuamente benéfica. O valor é subjetivo, e por isso as escolhas voluntárias dos indivíduos são o mecanismo mais eficiente de transmissão de informação na economia. Com base nisso que os austríacos já tinham mostrado a impossibilidade de cálculo racional numa economia socialista. Não existe modelo econométrico, por mais complexo que seja, que possa substituir a informação das preferências subjetivas, pulverizada em milhões de indivíduos. A Gosplan, na falida União Soviética, pode atestar na prática esta teoria. Somente a livre formação de preços, obtida pelo funcionamento do mercado sem manipulação por parte do governo, pode garantir a verdadeira eficiência da economia.

segunda-feira, abril 23, 2007

A Origem do Estado


Rodrigo Constantino

“Poucas pessoas são motivadas a questionar a legitimidade das instituições estabelecidas.” (George H. Smith)

O Estado tem sua origem na conquista, e se mantém através da exploração. Eis a tese que Franz Oppenheimer defende em seu livro The State. Essa tese encontra eco em diferentes autores, incluindo Nietzsche, que acreditava que o Estado se origina na forma mais cruel de conquista. David Hume notou que muitos se submetem ao governo que se encontra já estabelecido no país onde vivem, sem pesquisar com muita curiosidade as origens de seu estabelecimento inicial. Poucos governos suportariam um exame rigoroso deste tipo. Com o tempo, o governo irá adquirir uma áurea de legitimidade, e a maioria das pessoas vai obedecê-lo por puro hábito. O consentimento é possível somente quando há escolha, e nenhum governo pode permitir que a obediência seja uma questão de escolha.

Para Oppenheimer, existem basicamente duas formas de organização da vida social: o meio econômico, que é pacífico por depender de trocas voluntárias; e o meio político, que é baseado na dominação e, portanto, é essencialmente violento, por ser uma apropriação não solicitada do trabalho dos outros. O Estado surgiria numa sociedade quando algumas pessoas utilizam os meios políticos para vantagem própria. Essas pessoas estariam numa situação vantajosa para forçar certas ações aos demais, e as relações passam a ser calcadas em subordinação e comando. O Estado seria então o primeiro de todos os aparatos de dominação. Independente do desenvolvimento desse Estado, Oppenheimer repete constantemente que sua forma básica e sua natureza não mudam. Desde o Estado primitivo feudal até a constituição moderna do Estado, ele ainda é a institucionalização dos meios políticos por um determinado grupo para expropriar a riqueza econômica de outros.

Parece auto-evidente que em qualquer grupo de pessoas, grande ou pequeno, existe a necessidade de uma autoridade que julga conflitos e, em situações extraordinárias, assume a liderança. Mas para Oppenheimer, essa autoridade não é o Estado, no sentido que ele usa a palavra. Ele define Estado como uma organização de uma classe dominante sobre outras classes. Esta organização de classes pode surgir somente através da conquista e subjugação. A formação de classes em tempos históricos não ocorreu através de gradual diferenciação na competição econômica pacífica, mas foi o resultado de conquista violenta. A idéia comum entre burgueses e socialistas estava no conceito do Estado como uma “coleção de privilégios” mantida em violação à lei natural, enquanto a sociedade era vista como uma forma de união humana em conformidade com a lei natural. Os senhores feudais, em contrapartida, desejavam manter o status quo, o uso do aparato estatal para seus próprios interesses.

Em todos os lugares onde o desenvolvimento de tribos atingiu uma forma mais elaborada, segundo Oppenheimer, o Estado cresceu pela subjugação de um grupo por outro. Sua justificação básica, sua raison d’etre, estava e está na exploração econômica desses subjugados. Os nômades conquistavam grupos e mantinham escravos. Eles foram os inventores da escravidão, e, portanto, plantaram as sementes do Estado, a primeira exploração econômica do homem pelo homem. Fazia mais sentido poupar os inimigos capturados e usá-los como escravos no pasto, daí a transição da matança dos vencidos para sua escravização. Com a introdução de escravos na economia tribal das hordas, os elementos essenciais do Estado já estão presentes, exceto a delimitação dos limites territoriais. O Estado aparece como uma forma de domínio, e sua base econômica é a exploração do trabalho humano. Sempre que a oportunidade aparece, e o homem possui a força para tanto, ele prefere o meio político ao econômico para preservar sua vida.

Após a conquista, os estágios diferentes vão gradualmente levando a uma mudança de percepção dos conquistados. Eles começam a se acostumar com a horda conquistadora, e passam a vê-la como seus protetores em relação às ameaças externas. Os hábitos vão se misturando, a língua vai virando uma só, e surge o sentimento de unidade, que cresce com o sofrimento comum, a vitória comum, a derrota comum. Ambos os diferentes grupos étnicos acabam juntos numa mesma terra, e as disputas que surgem com outros clãs ou outras vilas fortalecem esta união. Os senhores assumem o direito de arbitrar, e quando necessário, forçar seu julgamento sobre os servos. O conceito de nacionalismo vai evoluindo, e aparece a necessidade cada vez mais freqüente de interferir, punir ou exigir obediência pela coerção. Assim se desenvolvem os hábitos que serão utilizados pelo governo, conforme explica Oppenheimer.

O interesse comum em manter a ordem e a paz produz um forte sentimento de solidariedade, que pode ser chamado de uma consciência em pertencer ao mesmo Estado. O homem passa então a racionalizar tal desejo, e justifica a moralidade do método político usado para a formação do Estado. O grupo que controla o meio político passa então a desfrutar de certa legitimidade.

Não é preciso concordar com toda a teoria de Oppenheimer sobre a origem de Estado para perceber que este irá sempre ser sinônimo de coerção, de força. Enquanto o meio econômico é o meio das trocas voluntárias entre indivíduos, o meio político é o meio da imposição através do monopólio do uso da força. Quando estudamos casos históricos de Estados e suas origens, esta noção fica mais clara ainda. Portanto, o ideal será sempre tentar reduzir ao máximo possível a esfera política, o poder do Estado e seu escopo, cedendo o máximo de espaço possível ao meio econômico, pacífico por definição. Qual é este limite para a ação do Estado é algo que está aberto ao debate, mas somente um ódio muito grande da liberdade pode explicar a defesa de um tamanho acima do mínimo possível para garantir a paz e a ordem, assim como as liberdades individuais. Se Estado é força e sua origem está na conquista, defender o menor tamanho possível para este “monstro” é dever de todos aqueles que amam a liberdade.

Esquerda e Direita


Rodrigo Constantino

"Aqueles que desistiriam da liberdade essencial para comprar um pouco de segurança temporária não merecem liberdade nem segurança." (Benjamin Franklin)

O uso de rótulos objetivando simplificar a posição política de um grupo pode gerar muita confusão. Afinal, expressar em uma única palavra todo tipo de crença defendida por um partido ou doutrina é tarefa árdua, que muitas vezes acaba lançando uma névoa nos olhos das pessoas em vez de clarear sua visão. Assim, coisas absurdas ocorrem, como colocar Hitler e Stalin em espectros políticos opostos, aproximando Hitler de Mises em vez de Stalin, somente por conta do rótulo "direita" e "esquerda" criado. Tentando melhorar a compreensão sobre tais conceitos, Murray Rothbard escreveu um pequeno livro chamado justamente Esquerda e Direita, no qual ele fornece instrumentos para dissipar a confusão gerada pelas nomenclaturas.

Logo no começo, Rothbard faz uma distinção clara entre conservadores e libertários, mostrando que os primeiros sempre se caracterizaram pelo pessimismo quanto às suas perspectivas de longo prazo, enquanto a "atitude adequada ao libertário é a de inextinguível otimismo quanto aos resultados finais". Para ele, o "erro do pessimismo é o primeiro passo descendente na escorregadia ladeira que leva ao conservantismo".

A Velha Ordem, que Rothbard entende como sendo a forma do feudalismo ou do despotismo oriental, caracterizado pela tirania e exploração, é ainda o grande e poderoso inimigo da liberdade. O capitalismo floresceu mais cedo e com maior eficácia precisamente onde o Estado central era fraco ou inexistente. Ele cita como exemplo as cidades italianas e a Holanda do século XVII. A Velha Ordem teve seu domínio abalado pela expansão da indústria e do comércio, a sociedade do status deu lugar, em parte, à "sociedade do contrato".

Surgiram, neste contexto, duas grandes vertentes políticas na Europa, centradas nesse novo fenômeno revolucionário. De um lado, o liberalismo, com a esperança, o radicalismo pela liberdade, a defesa do progresso da humanidade. Do outro, o conservantismo, o partido da reação, que almejava restaurar a hierarquia, o estatismo, a teocracia, a servidão e a exploração de classes da Velha Ordem. Uma vez que a razão estava do lado dos liberais, os conservadores "turvavam a atmosfera ideológica apelando para o romantismo, a tradição, a teocracia e o irracionalismo". Quem compreendeu esta distinção foi Lord Acton, que escreveu que "o liberalismo deseja aquilo que deve ser, sem levar em conta o que é". Para ele, "o liberalismo é em essência revolucionário".

Para Rothbard, os socialistas estavam divididos, no começo, entre conservadores autoritários, que glorificavam o estatismo e o coletivismo, e os liberais, que queriam destruir o aparelho do Estado. Ao rejeitar a propriedade privada, entretanto, e especialmente o capital, os socialistas tornavam-se presas de uma contradição crucial: se o Estado deve desaparecer após a revolução, como poderá então o "coletivo" gerir sua própria propriedade, sem que ele próprio se transforme num gigantesco Estado de fato? Esta aversão ao capital e à propriedade privada afastou esses socialistas dos libertários, que enaltecem a função tanto do capital como da propriedade privada para a garantia da liberdade.

O fascismo e o nazismo, segundo Rothbard, representaram o ápice alcançado, em alguns países, "pela guinada moderna rumo ao coletivismo de direita no âmbito dos negócios internos". Para o autor, portanto, há uma clara distinção entre comunismo e fascismo: enquanto o primeiro desalojou e destronou de modo implacável as elites dominantes estabelecidas, o último consolidou no poder as classes dominantes tradicionais. O fascismo foi um "movimento contra-revolucionário, que cristalizou um conjunto de privilégios de monopólio sobre a sociedade".

Em seguida, Rothbard analisa o New Deal americano, após a grande depressão, mostrando que tal programa não tinha nada de revolucionário ou progressista, no sentido libertário. Na verdade, era um programa coletivista, com base no planejamento central do Estado. Entre seus componentes estavam a criação de uma rede de cartéis compulsórios para a indústria e agricultura, a expansão de crédito pelo governo, a elevação artificial de salários, a regulamentação governamental etc. O New Deal não significou, resume Rothbard, "uma ruptura qualitativa com o passado dos Estados Unidos". Foi uma simples extensão quantitativa da teia de privilégios concedidos pelo Estado. Nos aspectos econômicos, ele foi muito parecido com o nazismo, onde o governo controlava praticamente tudo. Ambos foram contrários ao ideal do laissez-faire, defendido pelos libertários.

Com o aumento da competição livre, algumas empresas buscam abrigo no Estado, pregando proteção através de tarifas e monopólios. Como lembra Rothbard, "o privilégio de monopólio só pode ser criado pelo Estado, não podendo resultar de operações do mercado livre". Este é um fato não apenas ignorado atualmente, mas invertido, já que muitos culpam o livre mercado pela existência de monopólios, e demandam a intervenção estatal para atacar este mal. É como defender o uso de sanguessugas para a cura da leucemia. Deve ficar bem claro que o libertário combate o mercantilismo com toda a sua força.

Lutar contra os grilhões da burocracia centralizada, a educação uniforme do povo e a brutalidade e opressão exercidas pelos agentes subalternos do Estado, eis o que motiva os libertários na busca pela liberdade. Nesta trajetória, os reacionários que buscam um retrocesso à Velha Ordem estão fadados ao fracasso. Para tanto, a principal tarefa do libertário é "desvencilhar-se de seu desnecessário e debilitante pessimismo". Os rótulos de "esquerda" e "direita" podem confundir mais que esclarecer nesse caso. Existem aqueles que lutam pela liberdade individual, pelo progresso, pelo avanço. E existem aqueles que criam obstáculos a isso, defendendo o retrocesso, o coletivismo, o resgate da Velha Ordem. Os verdadeiros defensores da liberdade irão triunfar no final das contas.

domingo, abril 22, 2007

Liberalismo e Religião


Rodrigo Constantino

“O resultado final da disputa entre liberalismo e totalitarismo não será decidido pelas armas, mas por idéias.” (Ludwig von Mises)

O liberalismo trata dos aspectos mundanos não por desprezo aos bens espirituais, mas por convicção de que as mais elevadas e profundas demandas do espírito não podem ser tratadas pela regulação de qualquer força exógena. Elas partem de dentro de cada indivíduo. Mesmo aqueles que abraçam um ideal de vida ascético, fazendo até mesmo voto de pobreza e pregando o desapego material como ideal de vida, não podem rejeitar o liberalismo por objetivar o bem-estar material dos outros, que podem não concordar com tais estilos de vida. A busca pelo prazer material destes não atrapalha em nada a escolha pela vida humilde daqueles.

Os liberais, como explica Mises em Liberalism, estão cientes do fato de que os homens agem de forma não razoável de vez em quando. Se os homens sempre agissem de forma razoável, seria supérfluo exortá-los a serem guiados pela razão. O liberalismo não diz que os homens sempre agem de forma inteligente, mas sim que eles deveriam agir através da compreensão de seus próprios interesses, de forma inteligente. A essência do liberalismo seria, segundo Mises, essa vontade de conceder à razão na esfera da política social a mesma aceitação que é concedida em todas as demais esferas da ação humana. Nosso poder de compreensão é bastante limitado, mas tudo que o homem é e que o coloca acima dos demais animais ele deve à sua razão. Por que então abdicar do uso da razão justamente na esfera da política social e confiar em sentimentos ou impulsos vagos e obscuros?

O campo de preocupação do liberalismo é totalmente restrito aos aspectos da vida nesse mundo. O reino da religião, por outro lado, não é deste mundo. Portanto, o liberalismo e a religião podem ambos existir lado a lado sem que suas esferas se toquem. Se chegarem ao ponto de colisão, não é por culpa do liberalismo, já que este não pretende transgredir sua própria esfera. Ele não invade o domínio da fé religiosa ou da doutrina metafísica. Entretanto, ele pode encontrar a Igreja como uma força política demandando o direito de regular de acordo com seu julgamento não apenas da relação do homem com o mundo do além, mas também dos aspectos desse mundo. Quando este ponto é atingido, as linhas que demarcam os territórios precisam ser traçadas.

A vitória do liberalismo, conforme coloca Mises, foi tão avassaladora que a Igreja teve que desistir, de uma vez por todas, de reclames mantidos por séculos. Os heréticos sendo queimados, as perseguições da Inquisição, as guerras religiosas – tudo isso pertence ao passado, onde o liberalismo deu o ar de sua graça. Ninguém consegue entender hoje como alguém poderia ser levado diante de julgamento apenas por praticar uma devoção que considerava correta entre quatro paredes de sua própria casa. E vários ainda foram torturados ou mortos por conta disso! Ainda assim, uma razoável magnitude de intolerância perdura. E o liberalismo deve ser intolerante com todo tipo de intolerância. Como dizia Sir Karl Popper, “não devemos aceitar sem qualificação o princípio de tolerar os intolerantes senão corremos o risco de destruição de nós próprios e da própria atitude de tolerância”. A cooperação pacífica e voluntária entre os homens não deve ser perturbada por fanáticos religiosos.

O liberalismo proclama a tolerância com toda fé religiosa ou crença metafísica, pela convicção de que esse é o único meio de se manter a paz. E porque ele defende a tolerância com todas as opiniões de todas as igrejas e cultos, ele deve lembrar sempre os limites dessas crenças, evitando que avancem na esfera desse mundo de forma intolerante com os que não compartilham da mesma crença. Eis um princípio básico de um Estado laico, que separa a religião dos assuntos do governo, como os “pais fundadores” americanos já pregavam. Não custa lembrar que Thomas Paine afirmou que “é um grande perigo para a sociedade uma religião tomar partido em disputas políticas”, exortando seus concidadãos a “desprezar e reprovar” esta mistura entre ambos.

Mises considera difícil entender porque estes princípios de tolerância do liberalismo fazem inimigos entre os adeptos de diferentes tipos de fé religiosa. Se por um lado não se permite a conversão de crentes pela coerção, por outro lado se protege cada credo do proselitismo coercitivo de outras seitas. O liberalismo não tira nada da fé que pertença à sua esfera adequada. No fundo, as próprias seitas religiosas costumam pregar a tolerância, mas apenas quando são minoritárias. Trata-se de uma estratégia de sobrevivência. Uma vez assumindo a posição majoritária na sociedade, costuma ser intolerante com as demais seitas. Não gosta de competição. A tolerância defendida pelo liberalismo não tem este caráter de oportunismo. Ela é calcada em princípios, e aceita as mais absurdas crenças, por mais heterodoxas que possam ser, incluindo todo tipo de superstição tola. Somente a tolerância pode criar e preservar as condições da paz social sem a qual a humanidade iria retornar à barbárie e penúria de séculos atrás.

Ludwig von Mises resume de forma muito objetiva: “Contra aquilo que é estúpido, sem sentido, errôneo, e mal, o liberalismo luta com suas armas da mente, e não com a força bruta e repressão”. O liberalismo tolera todo tipo de religião enquanto esta ficar restrita ao seu campo adequado de atuação. Que toda religião tolere o liberalismo também!

sexta-feira, abril 20, 2007

A Liberdade de Escolha


Rodrigo Constantino

“A sociedade que colocar a igualdade – no sentido de igualdade de resultado – acima da liberdade irá acabar sem igualdade nem liberdade.” (Milton Friedman)

Após escrever Capitalism and Freedom, Milton Friedman fez uma série para a televisão chamada Free to Chose, que virou depois um livro com o mesmo nome. Ele trata o sistema político e o econômico de forma simétrica, ambos considerados mercados nos quais o resultado é determinado pela interação entre indivíduos buscando seus próprios interesses. O livro contou com a influência de nomes como James Buchanan, Gordon Tullock e Gary Becker. A televisão é mais dramática e apela às emoções, mas Friedman preferia justamente um instrumento mais eficaz para a persuasão verdadeira, que não pode ser obtida em uma noite, mas somente através de profunda reflexão, considerando-se vários argumentos. E o que não falta no livro são argumentos!

Logo no começo, Friedman afirma que o grande insight de Adam Smith foi perceber que ambas as partes se beneficiam numa troca, contanto que a cooperação seja estritamente voluntária. Caso contrário, simplesmente não há troca. Desta forma, um indivíduo buscando seu ganho próprio será guiado por uma “mão invisível” a promover um fim que não fazia parte de suas intenções. Em seguida, Friedman cita John Stuart Mill, em uma brilhante passagem onde o autor afirma que o “único propósito pelo qual a força pode ser corretamente usada sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra sua vontade, é prevenir mal aos outros”. A coerção não deve visar ao seu próprio bem, portanto. Nos aspectos que interessam somente a ele, sua independência deve ser absoluta. Juntando as coisas, Friedman conclui que a liberdade econômica é um requisito essencial para a liberdade política. Permitindo que os indivíduos cooperem uns com os outros sem coerção ou direção central, reduz-se a área sobre a qual o poder político é exercido. A combinação de poder econômico e político nas mesmas mãos, em contrapartida, é uma receita certa para a tirania.

Sobre a grande depressão do começo dos anos 1930, Milton Friedman fez uma análise muito diferente do consenso dos economistas, que gostam de culpar o livre mercado pela crise. Para ele, “a depressão foi produzida por um fracasso do governo em uma área – moeda – onde ele tinha exercido autoridade desde o começo da República”. Entretanto, a responsabilidade do governo na depressão não foi reconhecida, e a culpa recaiu sobre o capitalismo de livre mercado. Como um dos nefastos resultados dessa visão errônea, encontra-se a substituição da visão de que o governo deveria ter como papel central a garantia da liberdade individual, pela visão de que seu papel era servir como um pai responsável através da coerção e ajuda aos demais.

Segundo Friedman, não se conhece sociedade que tenha alcançado prosperidade e liberdade a menos que a troca voluntária tenha sido seu princípio organizacional dominante. A troca voluntária é “uma condição necessária tanto para prosperidade como liberdade”. Como já foi dito, se a troca entre duas partes é voluntária, ela não irá ocorrer a menos que ambos acreditem estar se beneficiando com ela. Muitas falácias econômicas derivam do esquecimento desta simples verdade. Há uma tendência a assumir que existe uma torta fixa, e que o ganho de uma parte tem que ser a perda da outra. Além disso, os preços, quando formados através dessas trocas voluntárias, exercem funções cruciais em organizar a atividade econômica. Eles transmitem informação, fornecem um incentivo para que os métodos mais eficientes de produção sejam adotados, e por fim determinam quanto cada um recebe do produto – a distribuição de renda. Qualquer coisa que interfira na livre formação de preço irá prejudicar a transmissão de informação acurada, levando a resultados ineficientes. E se os preços não podem livremente determinar a distribuição de renda, eles não podem ser utilizados para os demais propósitos corretamente. A única alternativa é o comando, alguma autoridade tendo que decidir quem produz o que e quanto é produzido. Sabe-se muito bem como esse modelo termina. Basta estudar o caso soviético.

O grande problema para o alcance e manutenção de uma sociedade livre é precisamente como assegurar que as forças coercitivas delegadas ao governo para preservar a liberdade fiquem limitadas a esta função, em vez de se tornarem uma ameaça à liberdade. Quando se demanda intervenção estatal para atacar as “falhas de mercado”, esse risco costuma ser ignorado. Esquece-se das falhas do próprio governo, e dos efeitos negativos que sua intervenção gera para terceiros. Por isso deveria ser desenvolvida a prática de se analisar tanto os benefícios como os custos da intervenção estatal. Normalmente, o foco fica restrito aos benefícios, principalmente os de curto prazo.

Como exemplo de intervenção indesejada, Friedman cita as restrições tarifárias impostas ao comércio internacional, sempre à custa dos consumidores. Tais tarifas são eufemisticamente chamadas de “proteção”, e os grupos de interesse que a demandam falam sempre no “bem geral”, na necessidade de preservar empregos e promover a segurança nacional. Como brinca Firedman, se tudo que importa é ter empregos, basta empregar pessoas para cavar buracos e depois fechá-los. O objetivo real deve ser por empregos produtivos, que irão significar mais bens e serviços para o consumo depois. A conclusão de Friedman é curta e objetiva, quando diz que a “proteção” realmente quer dizer “exploração do consumidor”.

Milton Friedman descarta o “argumento” de que o livre comércio só é vantajoso quando outros países também o praticam. Ele explica que competição no masoquismo não é uma política sensata para a economia internacional. Ainda que a reciprocidade na abertura comercial seja desejável, não é necessária, não anula o fato de que uma abertura unilateral também será vantajosa, ainda que menos. O autor lembra que o livre comércio costuma levar à paz, enquanto as guerras tarifárias podem acabar em guerras reais, já que o conflito, não a cooperação, passa a vigorar. Por fim, Friedman defende o câmbio totalmente livre também, lembrando que este é apenas outro preço que transmite relevantes informações ao mercado, não devendo sofrer, portanto, influência artificial do governo.

O livro segue com inúmeros argumentos sobre diferentes assuntos importantes, como saúde, educação, previdência, meio-ambiente, sindicatos, salário mínimo, inflação etc. Em todos esses temas, Milton Friedman oferece sólidos argumentos que forçam uma reflexão, sempre na linha da preservação da liberdade de escolha individual, limitando ao máximo o poder coercitivo do Estado. Ele lamenta, no final, que se tem ignorado uma verdade básica: que a grande ameaça para a liberdade é a concentração de poderes. Em um mundo onde o governo invade cada vez mais a esfera das escolhas privadas, essa lição é fundamental. Espera-se que as pessoas façam bom uso de sua liberdade de escolha, escolhendo ler com atenção o livro de Milton Friedman. O mundo seria um lugar melhor e mais livre.

quinta-feira, abril 19, 2007

Um Engov, Por Favor!


Rodrigo Constantino

Ler os jornais hoje sem o auxílio de um santo Engov é tarefa hercúlea. Comecemos pela parte econômica: Luciano Coutinho é o novo presidente do BNDES. O melhor que se pode dizer sobre a gravidade da escolha é repetir as palavras de Maria de Conceição Tavares, a eterna defensora do retrocesso, que chorou de felicidade com o Plano Cruzado: "Estou satisfeita, ele é um dos nossos". Nada mais é preciso dizer. Se ela está feliz, o povo deve ficar triste. Os "desenvolvimentistas" adoram magia e detestam realidade. A escolha de Lula deixa clara a intenção de usar o banco para acelerar artificialmente o crescimento econômico, plantando as sementes do fracasso futuro. O saudoso Roberto Campos, que ajudou a criar o então BNDE, arrependeu-se depois, receoso de ter criado um Frankstein. O BNDES deveria ser privatizado!

Migremos para o campo. O MST, aquele bando de criminosos chamado por eufemismo de "movimento social" pela mídia, ameaça intensificar a violência se não for incluído no novo pacote de privilégios do governo Lula. A chantagem é direta: ou sua "reforma agrária" entra no PAC, ou as invasões vão aumentar. Eis como funciona o país: chantagem e violência rendem dividendos do governo. As invasões criminosas do MST e demais movimentos similares são financiadas com o dinheiro dos pagadores de impostos. Quem esqueceu a destruição do Congresso pelo grupo de vândalos liderados por Bruno Maranhão, rico amigo de Lula, cujo movimento recebeu milhões do governo?!

Partamos para o tema político agora: Lula cria nova Pasta para Mangabera Unger. Outro eterno defensor do atraso, Mangabera era tido como o "guru" de Ciro Gomes, aquele que culpava o "neoliberalismo" inexistente pelos males do país. Suas "soluções" seriam o caminho da desgraça ainda maior para o povo. Mas isso não é o pior! Esse tipo de mentalidade estaria totalmente em sintonia com a do PT de Lula. O chocante é que em 2005, poucos meses atrás, esse mesmo Mangabera declarou que o "governo Lula é o mais corrupto de nossa história". Ele chegou a fazer um apelo pelo impedimento do presidente. E eis que, poucos meses depois, é agraciado com um cargo estranho, chamado Secretaria de Ações Especiais de Longo Prazo. Se a política já costuma gerar mal estar nas pessoas íntegras, a política do PT embrulha totalmente o estômago de qualquer um que tem um mínimo de vergonha na cara.

Chegando agora na política internacional, vemos que os venezuelanos terão curso de 4 horas por semana de socialismo. Chávez, o camarada de Lula, pretende garantir uma "formação socialista" aos trabalhadores do setor público, depois estendida aos do setor privado. Deformar é preciso, para manter o poder! A notícia deveria servir de alerta para todos aqueles que repetem o chavão de que a educação é uma verdadeira panacéia, ignorando a questão de qual educação é esta. Quando o governo tem excessivo poder sobre a educação, não temos educação, mas sim doutrinação ideológica. Basta ver Cuba para entender esta obviedade. O povo "educado" é na verdade uma massa de autômatos treinada para repetir os slogans socialistas. Não custa lembrar que o PT quer replicar este modelo de "educação" no Brasil, e escolheu o Piauí como laboratório experimental. Os parasitas regozijam-se com o sangue dos ignorantes e miseráveis!

Por fim, falemos da recente tragédia em Virgínia, que chocou o mundo. Um psicopata frio e calculista, ressentido e invejoso, resolve matar inocentes numa universidade. O que a mídia tira disso? Alimentada pelo antiamericanismo patológico, logo conclui que a "cultura das armas" é a verdadeira culpada por essa desgraça. Reportagens mostram como os jogos americanos incentivam a violência. Curiosamente, esquecem da enorme quantidade de crianças que jogam estes jogos, sem jamais praticar um ato de violência. Esquecem também que os filmes japoneses são bem violentos, e nem por isso as taxas de homicídio são altas lá. Os canadenses também gostam desses filmes e jogos. Mas são apenas fatos, que precisam ser ignorados para se manter a ideologia. Atos isolados de alguns malucos são usados como traço cultural de um povo todo. Viva a perfídia!

Fora isso, fala-se da facilidade em comprar armas, do lobby da indústria armamentista, e de como isso é uma das grandes causas do atentado. Essa turma ainda não aprendeu que armas não matam, e sim homens! Na Suíça, os cidadãos guardam suas armas de Exército em casa, e o país é um dos mais calmos do mundo. Dentro dos Estados Unidos mesmo, estados que vetam a venda de armas são mais violentos que outros onde a venda é permitida. Simplesmente não há correlação histórica positiva entre proibição da venda de armas e redução da violência. Pelo contrário: ela é negativa! Falar em causalidade então seria uma tolice enorme. E não custa lembrar que aqueles condenando a "cultura da violência" nos Estados Unidos vivem no país recordista mundial de homicídios. É mais ou menos como um assassino chamar de bandido um ladrão de galinhas!

Enfim, aturar a falta de compromisso com a lógica e a verdade na mídia brasileira não é para qualquer um, sem falar do próprio conteúdo das notícias. Agüentar o governo Lula já é um esforço homérico. Que dizer de uma mídia que ainda tenta pintar flores numa lata de lixo! Só mesmo consumindo muito Engov...

quarta-feira, abril 18, 2007

Em Defesa da Globalização


Rodrigo Constantino

“O comércio exterior é o melhor antídoto contra o monopólio, principalmente nos países em desenvolvimento!” (Jagdish Bhagwati)

Uma das maiores autoridades em comércio internacional do momento, Jagdish Bhagwati coloca em detalhes seus argumentos em defesa da globalização no livro que carrega este título. Seu foco é a globalização econômica, e em sua opinião, a abertura comercial foi o “núcleo do milagre do Leste Asiático”. Divergindo de muitos outros liberais, entretanto, ele considera que a liberalização “apressada e imprudente” dos fluxos financeiros foi o núcleo da interrupção deste “milagre”. A seguir veremos os principais pontos expostos no livro.

Para começar, é importante frisar que a proteção industrial média nos países pobres ainda é bem maior do que nos países ricos. Muitos gostam de condenar o protecionismo dos países desenvolvidos, o que é desejável, mas ignoram o que ocorre no próprio quintal.

Como uma das causas para o sentimento antiglobalização, Bhagwati destaca o temor de uma maior volatilidade dos preços e dos empregos com a maior abertura comercial. Porém, ele afirma que análises empíricas sugerem que a rotatividade no emprego não cresceu expressivamente nos Estados Unidos e no Reino Unido a despeito da globalização. Na verdade, esses países transportaram partes mais voláteis da economia, como a agricultura, para outros países que se beneficiam disso, por causa das suas vantagens comparativas, enquanto o foco maior em serviços garante menor volatilidade no emprego e na economia dos países desenvolvidos. É uma situação claramente de ganhos mútuos.

Muitos repetem automaticamente que a globalização aumenta a diferença entre ricos e pobres. Não obstante tal afirmação ser bastante questionável, esses críticos deveriam estar mais preocupados com o nível geral de riqueza, trabalhando para que a pobreza fosse reduzida em termos absolutos. A conclusão de Bhagwati sobre este ponto é contundente, quando ele diz que “pode-se concluir que o comércio mais livre esteja associado a um crescimento maior e que um crescimento maior esteja associado à redução da pobreza”. Segundo o Banco de Desenvolvimento Asiático, a pobreza baixou de cerca de 28% em 1978 para 9% em 1998, na China. São inúmeros exemplos que apontam na mesma direção: a globalização tem sido uma grande ferramenta para a diminuição da miséria no mundo.

Sobre as multinacionais, muitas vezes locomotivas da globalização, Bhagwati alerta que são responsáveis por uma gigantesca percentagem dos investimentos estrangeiros diretos nos países pobres, e que a reputação delas vale mais que o conceito de “tirar proveito” da frouxidão das leis muitas vezes presente nos países mais pobres. A questão do trabalho “explorado” vem logo à mente, mas o economista lembra que os salários devem ser ajustados de acordo com as diferenças de produtividade. Basta comparar os salários pagos pelas multinacionais com aqueles pagos pelas empresas locais de um determinado país pobre que fica claro a falácia dessa acusação de exploração. Afinal, os salários das multinacionais são quase sempre superiores aos oferecidos pelas empresas locais. Pesquisas apontam que este prêmio costuma ficar em 10% ou mais. Bhagwati conclui sobre esta questão: “Ao aumentar a demanda de mão-de-obra nos países hospedeiros, é praticamente certo que as multinacionais acabem por melhorar o nível em geral dos salários, aumentando, assim, a renda dos trabalhadores nesses países”.

Em relação à elevada carga horária, ele explica que essas longas jornadas costumam ser voluntárias, pois muitos jovens querem juntar dinheiro o mais rápido possível. Trata-se de uma opção, não de uma exploração. Não custa lembrar que muitos da classe média ou alta, mesmo em países ricos, trabalham voluntariamente várias horas por dia.

A presença dessas multinacionais acarreta também o que os economistas chamam de spillover, que seriam externalidades positivas criadas pelo aprendizado das técnicas, gerenciamento, práticas mais avançadas de gestão, enfim, toda a difusão de fatores que propiciam maior produtividade às empresas. Há uma verdadeira “corrida para cima” com a globalização, como não poderia deixar de ser, já que a competição doméstica tem o mesmo efeito em relação a uma situação de monopólio. Quanto menos concorrência, menos eficiência também. Eis um fato bastante lógico e empiricamente provado, como se pode atestar, por exemplo, comparando a riqueza da Coréia do Sul, comercialmente aberta, com sua miserável irmã do norte, fechada para o mundo.

Nas palavras do próprio autor: “O comércio liberal, como sempre insistimos, promove a prosperidade, encoraja a paz entre as nações e é um elemento indispensável da liberdade individual”. Essa mensagem precisa urgentemente ser transmitida mundo afora, principalmente nos países mais atrasados, que ainda abrigam enorme quantidade de jovens adeptos de um irracional sentimento antiglobalização. O conhecimento dos fatos precisa combater a doutrinação ideológica para que os países mais pobres possam surfar nessa imensa onda que é a globalização.

domingo, abril 15, 2007

O Caminho da Servidão


Rodrigo Constantino

“O livre mercado é o único mecanismo que já foi descoberto para o alcance da democracia participativa.” (Milton Friedman)

Um dos livros mais famosos de Hayek é sem dúvida O Caminho da Servidão, que ele resolveu dedicar a todos os socialistas. O alerta feito no livro pode ser razoavelmente resumido na seguinte frase de David Hume: “Raramente se perde qualquer tipo de liberdade de uma só vez”. A perda da liberdade costuma ser gradual, seguir uma determinada trajetória, o caminho da servidão. É disso que Hayek fala no livro, tentando despertar do sono a vítima em potencial dessa servidão.

Segundo Hayek, não é possível existir liberdade pessoal e política quando a liberdade econômica é progressivamente abandonada. A transformação gradual de um sistema com uma rígida hierarquia organizada para outro onde o homem pode ao menos tentar moldar sua própria vida, onde ele ganha a oportunidade de conhecer e escolher entre diferentes formas de vida, está bastante associada ao crescimento do comércio. Somente quando a liberdade industrial abriu o caminho para o livre uso do conhecimento, onde tudo podia ser testado, a ciência realizou seus grandes avanços que nos últimos 200 anos mudaram o mundo. O trabalhador do ocidente passou a desfrutar de um conforto material que poucos séculos antes teria parecido impossível imaginar.

Os escritores franceses que determinaram os fundamentos do socialismo moderno não tinham dúvida de que suas idéias poderiam ser colocadas em prática somente por um forte governo ditatorial. Ninguém melhor que Tocqueville, outro francês, notou que a democracia era uma instituição essencialmente individualista, em um conflito irreconciliável com o socialismo. Ele afirmou que a democracia e o socialismo não têm nada em comum além de uma palavra: igualdade. Mas eis a diferença: “enquanto a democracia procura igualdade na liberdade, o socialismo procura igualdade nas restrições e servidão”. A demanda por uma distribuição igualitária da renda é incompatível com a demanda pela liberdade. Um socialismo alcançado e mantido por meios democráticos parece definitivamente pertencer ao mundo das utopias.

Entre os meios práticos usados pelos que pregam o fim socialista, está o planejamento central. Ele é defendido por aqueles que desejam substituir a “produção para o lucro” pela “produção para o uso”. Seus defensores demandam uma direção central de toda a atividade econômica, de acordo com um único plano, considerando que os recursos da sociedade devem ser “conscientemente direcionados” para o serviço de determinados fins por eles traçados. Isto vai contra o argumento liberal em favor do melhor uso possível das forças de competição como meio de coordenação dos esforços humanos. A competição, além de mais eficiente, é o único método pelo qual as atividades podem ser ajustadas sem intervenção coercitiva ou autoridade arbitrária.

Para Hayek, as várias formas de coletivismo, como o comunismo, socialismo ou fascismo, diferem entre elas na natureza do objetivo o qual desejam direcionar os esforços da sociedade. Mas todas elas divergem do liberalismo e individualismo em desejarem organizar toda a sociedade e todos os seus recursos para este fim, recusando-se a reconhecer as esferas autônomas nas quais os fins dos indivíduos são supremos. O crescimento da civilização tem sido acompanhado por uma diminuição da esfera na qual as ações individuais estão limitadas por regras fixas. Os liberais entendem que aos indivíduos deve ser permitido, dentro de certos limites definidos, seguirem seus próprios valores e preferências ao invés da de outro qualquer. Hayek resume: “É este reconhecimento do indivíduo como o último juiz de seus fins, a crença de que tanto quanto possível suas próprias visões devem governar suas ações, que forma a essência da posição individualista”.

Quando a democracia começa a ser dominada por um credo coletivista, ela irá se autodestruir. Se um enorme planejamento central passa a ser demandado, o único meio possível para praticá-lo é através de uma ditadura. A coerção e o uso da força serão os métodos mais eficientes para aplicar esses ideais. A vontade arbitrária da maioria não irá respeitar as diferentes preferências individuais, e haverá demanda por um governante central capaz de obrigar as minorias dissidentes a seguir o ideal coletivista. A concentração de poder será inevitável. “Não é a fonte, mas a limitação do poder que o previne de ser arbitrário”, diz Hayek. Por isso o império da lei é a grande distinção entre países livres e países com governos arbitrários.

Por este motivo, basicamente, que a ausência de liberdade econômica levará inexoravelmente ao término da liberdade pessoal e política. Quando o governo tem poderes arbitrários para decidir sobre pequenas coisas nos mínimos detalhes, como quanto deve ser produzido de certo produto, qual o preço que deve ser cobrado e quem deve ter o direito de produzir, o império da lei acaba trocado pelo poder discricionário do governante. Sem leis gerais apenas, o governo acaba podendo invadir qualquer esfera da vida individual, criando privilégios e, por conseguinte, discriminados. Os indivíduos não conseguem prever direito quais as conseqüências legais de seus atos. Todos acabam reféns do Estado, tendo que cultivar uma “amizade com o rei”, já que este pode, a qualquer momento, criar uma nova regra arbitrária e prejudicar injustamente alguém. Quanto mais o Estado planeja, mais difícil fica o planejamento dos indivíduos. Daí a extrema necessidade de uma igualdade perante a lei, que deve ser objetiva.

O sistema de propriedade privada, que impede o governo de desfrutar das propriedades alheias ao seu bel prazer, é a mais importante garantia da liberdade, não apenas para aqueles que possuem propriedade, mas também para aqueles que não possuem. Basta observar o que aconteceu com o povo na União Soviética para deixar isso claro. Quando o Estado assume os meios de produção, a escravidão e a miséria são o resultado. Poucos poderosos podem decidir todo o resultado da economia. Hayek então pergunta: “Quem irá negar que um mundo onde os ricos são poderosos ainda é um mundo melhor que onde somente os já poderosos podem adquirir riqueza?”. De forma simplificada, devemos fazer uma escolha entre desigualdade material, já que indivíduos são desiguais, ou o caminho da servidão.

sexta-feira, abril 13, 2007

A Mão Invisível


Rodrigo Constantino

“Quanto mais o Estado intervém na vida espontânea da sociedade, mais risco há, se não positivamente mais certeza, de a estar prejudicando.” (Fernando Pessoa)

Quando se fala em divisão de trabalho, logo vem à mente o nome de David Ricardo. Porém, antes dele, o filósofo escocês Adam Smith já havia tratado do assunto com profundidade em seu clássico An Inquiry Into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, publicado em 1776. Logo no primeiro capítulo do livro, ele explica em detalhes as grandes vantagens de cada indivíduo focar em uma tarefa específica, possibilitando enorme ganho de produtividade. Este se deve basicamente a três fatores: o aumento das habilidades de cada trabalhador focado em sua exclusiva tarefa; economia de tempo normalmente perdido na transferência de uma espécie de trabalho para outra; e pela invenção de maior número de máquinas que facilitam o trabalho e permitem que um único homem possa fazer o trabalho de vários.

Esta divisão de trabalho, de onde tantas vantagens são derivadas, não é originalmente um efeito da sabedoria humana que antecipa os benefícios e intencionalmente cria esta situação. Antes, é um processo gradual e lento, conseqüência da propensão da natureza humana em trocar uma coisa por outra. Os homens não são inteiramente independentes na satisfação de todas as suas necessidades, e acabam dependendo das trocas entre si. O grande insight de Adam Smith foi perceber que seria tolice esperar aquilo que se necessita dos outros através de sua benevolência apenas. Será mais bem sucedido aquele que despertar o interesse próprio do outro, mostrar que é por sua própria vantagem que ele deve oferecer aquilo que o outro demanda. “Não é da benevolência do açougueiro que esperamos nosso jantar, mas de sua preocupação com seu próprio interesse”, é a famosa mensagem de Smith que resume bem isso. Não esperamos seu esforço em nos atender pelos aspectos humanitários, mas sim pelo seu amor próprio, e não devemos falar com ele sobre nossas necessidades, mas sim sobre suas próprias vantagens.

O realismo em relação a esta tendência individualista dos homens já está presente na outra obra famosa de Adam Smith, Teoria dos Sentimentos Morais, que foi publicada em 1759. Nela, Smith supõe um terremoto que devasta a longínqua China, e imagina como um humanitário europeu, sem qualquer ligação com aquela parte do mundo, seria afetado ao receber a notícia dessa terrível calamidade. Antes de tudo, ele iria expressar intensamente sua tristeza pela desgraça de todos esses infelizes. Faria “reflexões melancólicas sobre a precariedade da vida humana e a vacuidade de todos os labores humanos, que num instante puderam ser aniquilados”. Mas quando toda essa bela filosofia tivesse acabado, “continuaria seus negócios ou seu prazer, teria seu repouso ou sua diversão, com o mesmo relaxamento e tranqüilidade que teria se tal acidente não tivesse ocorrido”. Em contrapartida, o mais frívolo desastre que se abatesse sobre ele causaria uma perturbação mais real. Uma simples dor de dente poderia lhe incomodar de verdade mais que a ruína de centenas de milhares de pessoas distantes. Não adianta sonhar com um homem diferente, mas irreal.

A certeza de que será capaz de trocar seu excedente produzido pelo excedente produzido por outros e que ele necessita, encoraja cada homem a se dedicar a uma ocupação particular, e buscar a excelência no talento que ele possa ter para uma espécie particular de negócio. Eis um dos belos efeitos da divisão do trabalho, que possibilita o florescimento da genialidade, perfeição e talento distinto em determinadas tarefas, através do hábito e educação, com indivíduos focados em negócios específicos.

Cada indivíduo irá buscar aplicar da melhor forma possível seu capital, objetivando a própria satisfação. E direcionando seus esforços e capital para aquela indústria que produza o maior valor possível, ele pretende apenas gerar seu próprio ganho, e nisso ele é guiado por uma “mão invisível” que promove um resultado que não fazia parte de sua intenção. Cada um buscando satisfazer os próprios interesses, e o resultado final acaba sendo benéfico para a grande maioria. Adam Smith reconheceu que nunca soube de algo tão bom produzido por aqueles que afetam as trocas em nome do “bem-geral”. Grandes e fantásticas foram as inovações advindas do poder dessa “mão invisível”. A criação de um simples – porém útil – lápis, seguiu esta trajetória. Foi possível pelo labor de inúmeros indivíduos, cada um focando em uma determinada tarefa para o benefício próprio. Não havia a priori um planejamento central cuidando de sua criação. O grafite, o aço, a borracha, as máquinas necessárias, tudo foi surgindo, sendo descoberto, criado por infinitos homens que apenas desejavam satisfazer as próprias demandas, sem noção de que um dia aquilo tudo levaria ao surgimento do lápis. Este “milagre” humano está presente na grande maioria das criações que tanto progresso trouxe para a humanidade.

Esta lógica serve para criticar muitos tipos de intervenção do governo no comércio, como o protecionismo defendido pelos mercantilistas da época. Se a produção doméstica pode ser feita tão barata quanto a estrangeira, então a regulação é inútil, e caso não possa, ela será ineficiente. Todo pai de família compreende esta máxima, de não tentar fazer em casa aquilo que custará mais do que comprar de fora. Através da “mão invisível” da economia, cada um irá investir na indústria onde possa receber os melhores retornos, onde exista vantagem comparativa, e o resultado geral tende a ser maior. A lógica serve para derrubar também os argumentos dos defensores de um grande planejamento central, que deposita numa suposta clarividência de poucos o destino da nação. Quando a mão visível do Estado destrói a “mão invisível” do livre mercado, o progresso acaba enterrado também.

quinta-feira, abril 12, 2007

Direito Natural de Propriedade



Rodrigo Constantino

“Cabe aos homens tal direito aos bens que lhe pertencem, que ninguém tem o direito de lhos tirar, em todo ou em parte, sem o seu consentimento” (John Locke)

O filósofo inglês John Locke nasceu em 1632, e suas idéias políticas acabaram tendo profundo impacto no mundo. Influenciou o Iluminismo, assim como os “pais fundadores” dos Estados Unidos. Locke desenvolveu uma visão alternativa a de Hobbes sobre o estado de natureza, e argumentou que o governo só é legítimo se recebe o consentimento do povo. A proteção dos três direitos individuais inalienáveis – vida, liberdade e propriedade – seria o foco principal do governo. Tal visão acabaria sendo um importante pilar para muitos liberais.

Em seu Segundo Tratado Sobre o Governo, Locke diz que “o maior e principal objetivo dos homens se reunirem em comunidades, aceitando um governo comum, é a preservação da propriedade”. Sem o governo para lhe garantir isso, o indivíduo não poderia desfrutar direito de sua propriedade, já que seria muito arriscada e insegura sua situação, sempre sujeita ao avanço dos demais. Para Locke, este direito deriva de uma lei da natureza, clara e inteligível para a razão. Ainda assim, é preciso um juiz equânime e indiferente, com autoridade reconhecida para ajuizar sobre as controvérsias de acordo com a lei estabelecida. Os homens, sendo parciais, podem ser levados a excessos por conta das paixões, “enquanto a negligência os torna por demais descuidados nos negócios dos outros”.

As leis devem ser objetivas e igualmente válidas para todos. Não cabe ao poder legislativo arrogar a si o direito de governar por meio de decretos extemporâneos e arbitrários. Os homens devem, portanto, ser governados por leis explícitas, caso contrário, a propriedade e a tranqüilidade “continuariam na mesma incerteza em que se encontravam no estado de natureza”. Numa linha semelhante à de Aristóteles, que defendia o governo de leis e não de homens, Locke entende que os homens ficariam em uma situação ainda pior que no estado de natureza caso pusessem nas mãos de um ou de poucos o poder de toda uma multidão. Neste caso, seriam forçados a obedecer a decretos exorbitantes, frutos de “vontades bizarras” ou pensamentos repentinos, sem regras claras e fixas que lhes guiem.

Sem que os homens tivessem direito aos bens que lhes pertencem, onde estes pudessem ser tirados sem consentimento, não haveria nenhuma propriedade verdadeira, uma vez que outros teriam o direito de tirá-la quando lhe aprouvesse. A propriedade dos homens não estaria segura se quem os governa “tiver o poder de tirar de um indivíduo a parte que quiser de sua propriedade e dela dispor conforme lhe aprouver”. E conclui de forma mais objetiva: “Se alguém se arrogar o poder de lançar impostos sobre o povo, baseado na própria autoridade sem a autorização do povo, estaria violando a lei fundamental da propriedade e subverteria o objetivo do governo”.

O direito do uso da força para derrubar um governo autoritário e sem legitimidade também é defendido por Locke no livro. Ele deixa isso claro quando afirma que “em quaisquer estados e condições, o remédio autêntico contra a força sem autoridade é opor-lhe a força”. Afinal, usar a força desacompanhada da autoridade, “coloca sempre quem dela abusa em estado de guerra como agressor, e o expõe a ser pago na mesma moeda”. Esta idéia iria influenciar os revolucionários americanos, cansados do abuso de poder da monarquia inglesa. Sem representação não há tributação.

Sem o direito natural de propriedade, qualquer um pode virar escravo, e faltarão argumentos sólidos para combater isso. Ora, se a vontade da maioria for escravizar a minoria, com base em que alegaremos que se trata de uma injustiça? Alguns críticos afirmam erroneamente que o excesso de zelo pela propriedade privada é coisa de quem pretende proteger os ricos e suas posses dos pobres. Mas Locke deixa claro que tal acusação não faz sentido, quando afirma que entende por propriedade “aquilo que os homens têm, quer na própria pessoa, quer nos bens materiais”. A primeira propriedade que todos têm, inclusive os mais pobres, é o próprio corpo. Se o direito a esta propriedade não é natural, então será possível justificar até mesmo a escravidão. Basta que a maioria assim decida.

Não custa lembrar que os judeus eram minoria na Alemanha nazista. Sem partir da premissa de que eles tinham direito natural de propriedade sobre eles próprios, ficaria difícil acusar de injustiça o Holocausto, já que era a vontade da maior parte do povo que seguia Hitler. Creio que este exemplo dá melhor noção da importância deste conceito de direito natural de propriedade, defendido por Locke e contrário à idéia de que justiça é apenas a vontade da maioria. E sob uma tirania deste tipo, que anula totalmente o direito natural de propriedade, Locke entendia que o oprimido tinha o direito de se rebelar. Ele pergunta: “Seria, pois, admirável a paz entre o poderoso e o fraco, quando o carneiro, sem resistência oferecesse a garganta ao lobo voraz?”.

Deixo a palavra final com o próprio autor: “A razão básica que leva os homens a se juntarem em sociedade é a preservação da propriedade; e a finalidade para a qual elegem e dão autoridade a um poder legislativo é possibilitar a existência de leis e regras definidas que sejam guardiãs e protetoras da propriedade dos membros da sociedade, limitando assim o poder e controlando o domínio de cada parte e de cada membro”.

quarta-feira, abril 11, 2007

Um Grito de Liberdade



Rodrigo Constantino

“Quando fazemos planos para a posteridade, convém lembrarmo-nos de que a virtude não é hereditária.” (Thomas Paine)

Quando se fala da Revolução Americana, um dos primeiros nomes que vem à cabeça é o de Thomas Paine. Seu panfleto Senso Comum, escrito no começo de 1776, foi um enorme catalisador dos acontecimentos que levaram à criação da nação mais livre da história. Ele foi lido por mais de meio milhão de pessoas, e influenciou bastante os fatos que se seguiram. Nele, Paine faz duras acusações à monarquia inglesa, chamando inclusive o rei de tirano, e faz também uma bela defesa da liberdade individual.

Influenciado por Newton e Locke, Thomas Paine era um racionalista, filho do Iluminismo, que defendeu a liberdade religiosa. Começou a trabalhar aos 13 anos de idade, ao lado do pai, e foi um autodidata. Foi um pensador com profunda necessidade de ação, e chegou a ir preso em 1793 na França, quando Robespierre e os jacobinos chegaram ao poder. Encarava a causa da independência americana como uma causa de toda a humanidade, pela defesa da liberdade. Escreveu seu panfleto sob a influência apenas da razão e do princípio, conforme ele mesmo declarou.

Logo no começo, Paine tenta desfazer a confusão comum então – e infelizmente ainda existente – que mistura sociedade com governo. Eis as primeiras palavras do texto: “Alguns escritores de tal modo confundiram sociedade e governo, que entre os dois deixaram pouca ou nenhuma distinção; entretanto, não só são diferentes como possuem origens diversas”. Para ele, a sociedade é fruto de nossas necessidades, enquanto o segundo é produzido pela nossa maldade. “O governo, mesmo no seu melhor estado, não é mais que um mal necessário; e, em seu pior estado, é um mal intolerável”. A segurança seria o verdadeiro propósito e fim do governo, e por isso ele é necessário. Mas por ser sempre coerção, pode ser considerado um mal. Entre um mal maior – a ausência de governo – e um mal menor, fica-se com o menor. Mas não se deve esquecer a origem do governo, que é “um modo que se faz necessário em virtude da incapacidade de a virtude moral vir a governar o mundo”.

Em seguida, Paine faz um ataque fulminante tanto à monarquia como à sucessão hereditária. Ele afirma que o governo dos reis foi introduzido no mundo pelos pagãos, e que os filhos de Israel copiaram o costume. Uma invenção próspera do Diabo, segundo ele, para a promoção da idolatria. Os pagãos prestavam honras divinas aos seus reis falecidos, e o mundo cristão foi mais além ainda, prestando honras divinas aos seus reis vivos. Paine desabafa: “Que heresia o título de sagrada majestade aplicada a um verme que no meio do seu esplendor se desfaz em pó!”. Para Paine, a monarquia é “uma degradação e rebaixamento de nós mesmos”.

Pior ainda, em sua opinião, era a sucessão hereditária, um “insulto e uma imposição à posteridade”. Ele tinha muito claro a idéia de direitos iguais ao nascimento, que seria o marco da Declaração de Independência escrita por Thomas Jefferson. Ninguém pode ter então, por nascimento, o direito “de pôr em perpétua preferência, relativamente às demais, sua família”. Thomas Paine cita o próprio caso de Guilherme, o Conquistador, que era um bastardo francês, e se fez rei da Inglaterra contra a vontade dos nacionais, apoiado por bandidos armados. Não poderia haver nada de divino nisso. “A pura verdade é que a antiguidade da monarquia inglesa não resiste a um exame”. E conclui: “Em resumo, a monarquia e a sucessão cobriram de sangue e de cinzas o mundo inteiro”.

Referindo-se ao evento ocorrido em 1773 em Boston, que ficou conhecido como a “Festa do Chá”, Paine incitou seus concidadãos a rejeitar o domínio inglês, alegando que seria covardia ignorar os fatos. Não pretendia, segundo ele, provocar a vingança, mas sim arrancá-los do “sono fatal e tíbio”, para que pudessem caminhar determinadamente a um objetivo fixado: a independência. Ele escreve: “Repugna à razão, à ordem universal das coisas, a todos os exemplos das eras precedentes, supor que este continente possa continuar por mais tempo submetido a um poder externo”. Paine considerava o mais poderoso argumento em defesa da independência o fato de que somente esta poderia manter a paz e evitar uma guerra civil.

Por fim, Thomas Paine tenta, através de seu discurso em torno dos objetivos comuns, unir os diferentes partidos. Não eram poucos os conservadores da época, ou “legalistas”, que defendiam uma saída diplomática com a Grã-Bretanha. Mas eis o apelo que Paine faz a todos: “Extingamos os nomes de whigs e tories, e que entre nós sejam ouvidos apenas os de bom cidadão, amigo leal e resoluto e virtuoso defensor dos direitos da humanidade e dos Estados livres e independentes da América”.

Com seu panfleto, Thomas Paine foi capaz de mobilizar muitos americanos para a causa da independência. Não obstante, este grande defensor da liberdade, assim como importante ator na conquista da independência, acabou sua vida sendo vítima de hostilidades por parte de muitos americanos. Um dos motivos foi seu livro A Idade da Razão, publicado em 1794 e 1796, com teses radicais e anticlericais. Foi classificado como “infiel” por muitos, e se dizia infeliz nos Estados Unidos no final de sua vida. Já em Senso Comum, defendeu a completa separação entre Igreja e Estado, e pregou que quanto mais diversidade de opinião religiosa existisse, melhor. Para ele, “é um grande perigo para a sociedade uma religião tomar partido em disputas políticas”. Cada habitante da América deveria “desprezar e reprovar” a mistura de religião com política. Estava de acordo com as idéias iluministas. Estava em sintonia com os ideais dos demais “pais fundadores”, aplicados na independência americana. Mas a liberdade, especialmente a religiosa, não era e ainda não é algo que todos defendem. O grito de liberdade de Thomas Paine, portanto, foi parcialmente abafado. Mas a parte que ecoou foi suficiente para incentivar a revolução mais liberal que já aconteceu na história.

segunda-feira, abril 09, 2007

Lembrete: Lançamento do Livro

Nessa terça-feira, dia 10, o lançamento do meu terceiro livro, "Egoísmo Racional: O Individualismo de Ayn Rand", na livraria Argumento do Leblon (R. Dias Ferreira) a partir das 19:30.

Quem tiver interesse em comprar o livro, basta mandar um email para mim (constantino.rodrigo@gmail.com) que acertamos os detalhes do pagamento e mando por correio no mesmo dia.

Obrigado,

Rodrigo

PS: Ainda estou tentando resolver os problemas com meu perfil do Orkut, que aparentemente foi recuperado, mas ainda estou sem o controle dele.

sábado, abril 07, 2007

Os Filhos da Liberdade


Rodrigo Constantino

“O maior e principal objetivo dos homens se reunirem em comunidades, aceitando um governo comum, é a preservação da propriedade.” (John Locke)

O grande divisor de águas entre a era da servidão e a era da liberdade foi a Revolução Americana. Ali seria selado o direito do povo a um governo que respeitasse as liberdades individuais como nunca antes visto. A famosa passagem da Declaração de Independência de 1776 deixa isso claro:

“Consideramos estas verdades evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade”.

A independência americana foi resultado de um povo que não aceitava a subordinação facilmente. Após o término da Guerra dos Sete Anos, em 1763, a Grã-Bretanha estava com uma dívida que chegava a 130 milhões de libras, e os contribuintes britânicos, sobrecarregados com tributos de 20%, não pretendiam aceitar novos impostos. À necessidade de aumento da receita por parte do império britânico, parecia claro ao Parlamento que as colônias teriam de arcar com parte dos custos.

A primeira tentativa foi a Lei da Receita de 1764, conhecida como a Lei do Açúcar. A despeito da insatisfação colonial, o Parlamento persistiu na tentativa de aumentar as receitas provenientes da América do Norte, sancionando a Lei do Selo em 1765. Isso despertou a fúria dos colonos, e houve forte reação por parte de grupos organizados de comerciantes coloniais, conhecidos como “Filhos da Liberdade”. Os gritos ecoavam que “sem representação não há tributação”. A lei foi revogada em março de 1766, mas o Parlamento não havia abandonado o plano de aumentar a receita através das colônias. Vieram as Leis Townshend, de 1767, que aumentavam as taxas alfandegárias sobre produtos britânicos básicos importados pelos americanos. Seguiram-se boicotes altamente eficazes, e o governo britânico recorreu à força militar. Acabaram revogadas também. Por fim, a Companhia das Índias Orientais adquiriu o monopólio sobre a importação de chá para as colônias, e isto culminou na famosa “Festa do Chá” de Boston. Era a gota d’água, e o próprio rei Jorge III reconheceu que “ou as colônias se submetem ou triunfam”. A sorte estava lançada.

A causa da independência ficou explícita através de um panfleto político do autodidata Thomas Paine, escrito em janeiro de 1776 e chamado Senso Comum. Nele, Paine atacou a monarquia, e referiu-se ao rei como “o tirano da Grã-Bretanha”. Para ele, a escolha era simples: permanecer sob o jugo de um tirano ou conquistar a liberdade. No panfleto, Paine, um racionalista que começara a trabalhar ao lado do pai aos 13 anos, deixou claro que o papel do governo era garantir a segurança, e destacou que “o governo, mesmo no seu melhor estado, não é mais que um mal necessário”, sendo um mal intolerável em seu pior estado. O próprio autor afirmou que escreveu o panfleto sob a influência somente da razão e do princípio.

Outro nome de extrema relevância para a independência americana é Thomas Jefferson, que ficou famoso como o autor da Declaração de Independência, assim como o terceiro presidente americano. Jefferson era filho de um proprietário de terra abastado, vitorioso pelo seu próprio esforço, que ganhou a vida como topógrafo. Fez campanha pela separação entre a Igreja e o Estado e pela liberdade religiosa. Reconheceu que a bibliografia básica que o inspirou a escrever a Declaração era proveniente de nomes como Aristóteles, Cícero, Locke e Sidney. Este último era muito respeitado nas colônias americanas, e foi contemporâneo e amigo de William Penn, fundador da Pensilvânia. Apoiou os ideais que serviram de base à emancipação e à liberdade religiosa. Como os pensadores iluministas, para quem era uma inspiração, Algernon Sidney defendia o questionamento à autoridade.

A fermentação política nas colônias ocorria no contexto do Iluminismo, e a Declaração de Independência foi inspirada nas idéias iluministas, assim como serviu para lhes dar forma. Os pensadores iluministas tinham um compromisso com o progresso e o questionamento racional, inspirados pelas descobertas de Newton, que permitiram um avanço na compreensão do mundo natural. O conhecimento é acessível a todos, e a investigação racional é estimulada, o que tirou um pouco da mística da Igreja e do Estado. Estes não eram mais vistos como inquestionáveis. O homem é motivado pelo interesse próprio, e cabe ao governo protegê-lo dos demais homens. Como disse Locke em seu Segundo Tratado Sobre o Governo, “cabe aos homens tal direito aos bens que lhe pertencem, que ninguém tem o direito de lhos tirar, em todo ou em parte, sem o seu consentimento”. Afinal, “sem isso, não haveria nenhuma propriedade verdadeira, uma vez que outros tivessem o direito de tirá-la quando lhe aprouvesse, sem consentimento”.

Nas colônias, a Declaração de Direitos de 1689 dos ingleses era bastante conhecida, e representava o texto-chave da Revolução Gloriosa. O rei Jaime II acabou abdicando ao trono e fugindo sem lutar depois de despertar a inimizade da nação ao promover o catolicismo romano, a despeito das leis do Parlamento contrárias a isso. O texto, muito popular nas colônias, acabou influenciando a Declaração de Direitos da Virgínia, escrita por George Mason, a quem Jefferson se referia como “o homem mais sábio de sua geração”. Mason era um fazendeiro vizinho de George Washington, e converteu-se à idéia da emancipação por repúdio à tributação excessiva.

Outro grande nome desta época revolucionária é Benjamin Franklin, o mais velho dos signatários da Declaração. Ele fez poucas, porém cruciais alterações no texto de Jefferson. No original, lia-se: “Consideramos estas verdades sagradas e inegáveis”. Franklin alterou-a para a famosa frase “consideramos estas verdades evidentes por si mesmas”, removendo o tom mais religioso e transformando a frase na afirmação de um fato racional em vez de uma providência divina. Não custa lembrar que Benjamin Franklin, mesmo acreditando em Deus, foi o autor da frase “o jeito de ver pela fé é fechar os olhos da razão”. Apesar das diferentes religiões dos “pais fundadores”, a divisão entre Igreja e Estado foi sempre uma prioridade para eles, e no Tratado de Trípoli, em 1797, isso fica claro quando consta que o governo dos Estados Unidos não é fundado na religião Cristã.

Está certo que os negros ainda não estavam incluídos nesses direitos individuais que os “pais fundadores” dos Estados Unidos tanto defenderam. Eles mesmos, membros de uma elite americana, eram proprietários de escravos. Era este o contexto da época, infelizmente. Mas é inegável que ali, na própria Declaração de Independência, estavam plantadas as sementes que levariam à abolição dos escravos. Os abolicionistas baseavam sua causa em princípios morais, retomando a idéia da lei natural advogada por Jefferson na Declaração, que era usada diretamente para defender seus argumentos.

O famoso caso Amistad de 1839 foi o primeiro no qual se apelou para a Declaração, e o ex-presidente americano John Quincy Adams fez uma defesa eloqüente dos africanos presos. Seu longo discurso diante da Suprema Corte contou com o seguinte argumento: “No momento em que se chega à Declaração de Independência e ao fato de que todo homem tem direito à vida e à liberdade, um direito inalienável, este caso está decidido”. Abraham Lincoln foi outro que apelou constantemente à Declaração para defender a causa abolicionista. O texto foi uma vez mais invocado por outro grande defensor da igualdade perante a lei, Martin Luther King Jr. Seu mais famoso discurso, sobre seu sonho de viver numa nação livre, faz alusão direta ao trecho da Declaração onde todos os homens são criados iguais, uma verdade evidente por si mesma. Outro abolicionista conhecido, David Walker, escreveu em 1823 um texto usando os trechos da Declaração, e questionando se os americanos compreendiam o que estava sendo dito ali. A luta pela liberdade feminina iria também se apoiar na própria Declaração de Independência, defendendo o direito de igualdade entre os sexos. Enfim, o legado da Declaração é enorme na conquista da liberdade individual.

A Revolução Americana representou um marco na história. Ali, homens sábios dariam um basta à tirania, influenciados por importantes pensadores iluministas. Suas idéias estavam de acordo com o sentimento popular. Os “Filhos da Liberdade” combateram o excesso de tributação, assim como a ausência de representação política. Não aceitaram ser apenas súditos da coroa. Lutaram pela separação entre a Igreja e o Estado, assim como pela liberdade religiosa. Entenderam que o governo serve para proteger as liberdades individuais, e que cada um deve ter sua propriedade preservada, assim como deve ser livre para buscar a felicidade à sua maneira. Buscaram limitar ao máximo o poder estatal, e através da Declaração de Direitos, protegeram os indivíduos da ameaça do próprio governo. Compreenderam que a descentralização do poder é fundamental, e por isso respeitaram o modelo federalista. Em resumo, criaram a primeira nação com bases realmente liberais!