sexta-feira, abril 27, 2007

A Força das Idéias


Rodrigo Constantino

"As perguntas só são inteligíveis quando sabemos onde procurar as respostas." (Isaiah Berlin)

Um dos grandes ícones do liberalismo foi sem dúvida o filósofo Isaiah Berlin, nascido na Letônia em 1909. No livro organizado por Henry Hardy, A Força das Idéias, constam diversos textos do autor sobre diferentes temas, desde uma autobiografia até análises do marxismo ou do Iluminismo. O título faz menção ao que o pensador sempre acreditou. Em Dois Conceitos de Liberdade, de 1958, Berlin mencionou o poeta alemão Heine para lembrar que não se deve subestimar a força das idéias: "Os conceitos filosóficos nutridos na quietude do escritório de um professor poderiam destruir uma civilização". Eis o poder que ele depositava nas idéias.

Isaiah Berlin sempre respeitou a pluralidade de idéias, assim como a pluralidade de culturas, mas deixava claro não ser um relativista. Ele acreditava numa pluralidade de valores que os homens podem procurar, mas não acreditava numa infinidade de valores. O número de valores humanos seria finito, e esses valores seriam objetivos, ou seja, sua natureza e sua busca fazem parte do que significa ser humano. Todos os seres humanos devem ter alguns valores comuns, senão deixam de ser humanos. Por isso pluralismo não é relativismo: "Os valores múltiplos são objetivos, parte da essência da humanidade em vez de criações arbitrárias das fantasias subjetivas dos homens". Deve-se, portanto, respeitar os sistemas de valores que não são necessariamente hostis uns aos outros. Daí se segue a tolerância pregada pelos liberais.

Para Berlin, o inimigo do pluralismo é o monismo – "a antiga crença de que há uma única harmonia de verdades a que tudo, se for genuíno, deve se ajustar no final". A conseqüência dessa crença é que aqueles que sabem devem comandar aqueles que não sabem. Trata-se da antiga crença platônica dos reis-filósofos, que tinham o direito de dar ordem aos outros. Os déspotas "esclarecidos" vão roubar da maioria as suas liberdades essenciais em nome do conhecimento superior que possuem. Se antigamente pessoas eram sacrificadas em nome de deuses, recentemente muitos foram sacrificados em nome de ídolos: os ismos. Socialismo, nacionalismo, fascismo, comunismo – os revolucionários adeptos dessas ideologias se julgam detentores da verdade absoluta, e acreditam que, para criar o mundo ideal que somente eles sabem o caminho, os ovos têm que ser quebrados, senão não se pode fazer a omelete. Os ovos acabam quebrados mesmo, como se verifica pelo rastro infindável de cadáveres sacrificados no altar dessas ideologias. Mas a omelete permanece infinitamente distante. Isso não importa para os fanáticos "donos da verdade".

Um dos grandes legados do pensamento de Isaiah Berlin foi sua defesa da distinção entre liberdade negativa e positiva. Por liberdade negativa, ele entendia "a ausência de obstáculos que bloqueiam a ação humana". Existe, claro, os obstáculos naturais, criados pelo mundo exterior, pelas leis biológicas ou psicológicas que regem os seres humanos. Mas sua preocupação estava centrada na falta de liberdade política, quando os obstáculos são criados pelo homem. O grau de liberdade depende então do grau em que cada um é livre para trilhar este ou aquele caminho sem ser impedido de agir desse modo por instituições ou disciplinas criadas pelo homem. Não é apenas a liberdade de fazer tudo aquilo que se aprecia, tampouco de atender todos os desejos existentes. O que ele tinha em mente era o número de caminhos que um homem pode trilhar, quer deseje trilhá-los, quer não. Esse seria o "primeiro dos dois sentidos básicos de liberdade política".

O outro sentido central de liberdade é a liberdade para, ou seja, a pergunta de quem controla o indivíduo. A questão principal é se o próprio indivíduo determina suas ações, ou se segue ordens de alguma outra fonte de controle. A liberdade positiva, partindo do pressuposto que um determinado grupo sabe melhor o que cada indivíduo quer, pode levar a algumas das formas mais assustadoras de opressão e escravização.

Berlin combateu o determinismo também. Sua tese era de que existem duas razões principais para se defender a doutrina do determinismo humano. A primeira seria uma extrapolação das ciências naturais descobertas pelos cientistas. Muitos philosophes do século XVIII sustentavam isso. A questão não seria se os homens estão livres ou não de leis naturais, mas sim se sua liberdade se dissipa totalmente com elas. A segunda razão para crer no determinismo seria devolver a responsabilidade por muitas coisas que as pessoas fazem a causas impessoais. Assim, eximem-se de culpa. As pessoas não teriam como evitar seus erros. Isaiah cita como exemplo o marxismo, baseado num determinismo histórico, mostrando inclusive a contradição de se arriscar numa perigosa revolução quando o futuro já está determinado. Tanto risco assim apenas para tentar antecipar o que é certo faz sentido?

O filósofo trata de vários outros assuntos, mas o mais importante é ter em mente que Isaiah Berlin se mostrou sempre preocupado com o fundamento do conhecimento, apostando no potencial transformador das idéias. A busca do alicerce dos conceitos, enfrentando suas contradições, foi uma marca do pensador. Ele sugeria que o pensamento sistemático desempenha papel determinante na construção da vida em sociedade. A experiência seria peça crucial nesta construção, para que a abstração não condenasse os pilares da obra toda. Berlin era incapaz de se esconder por trás da opacidade do jargão ou de uma retórica pretensiosa. Para ele, a tarefa da filosofia era "desenredar e trazer à luz as categorias e os modelos ocultos em termos dos quais os seres humanos pensam, para revelar o que é obscuro ou contraditório neles, para discernir os conflitos entre eles que impedem a construção de modos mais adequados de organizar, descrever e explicar a experiência". Em resumo, a meta da filosofia é sempre a mesma: "Ajudar os homens na compreensão de si mesmos e assim operar na claridade, e não loucamente, no escuro".

14 comentários:

  1. Anônimo12:46 PM

    Meu Caro Constantino:

    Você é Liberal, eu sou Direita, o que nos torna próximos.
    Qual o Partido e, na falta do mesmo, cite um político brasileiro que endossa seu pensamento e no qual vc votaria???

    Existe Centro, Partido Liberal ou Direita no Brasil???

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  2. Anônimo2:39 PM

    Caro Anonymous, deixei mensagem para vc no post abaixo.

    Por favor crie um pseudonimo, facilita o diálogo.

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  3. Eu não conhecia a obra A Força das Idéias. Já valeu a leitura do texto. Muito bom!

    Esse conceito de "liberdade negativa" e "liberdade positiva" me chamou mais a atenção do que "o potencial transformador das idéias".

    Rodrigo, eu não compreendi a frase: O outro sentido central de liberdade é a liberdade para, ou seja, a pergunta de quem controla o indivíduo.
    Pode explicar melhor?

    Abraço!

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  4. Entendo que ele quis falar da liberdade PARA fazer algo, e não a simples liberdade de NÃO TER coerção. Essa liberdade PARA fazer algo é a positiva, e por isso entra a questão de QUEM controla o indivíduo: é ele mesmo, o Estado, os vizinhos, o Papa?

    Rodrigo

    PS: Não existe partido liberal no Brasil, ainda.

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  5. Interessante! Acabo de constatar que morrerei em R$ 50,00 para ler o livro. Mas pelo seu artigo já vi que vale a pena!

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  6. Anônimo7:19 PM

    Primeiramente, perguntas:

    O que são as idéias? Nós produzimos nossas idéias? Existe algum fator que determina nossas idéias?

    Umas das teorias mais extraordinárias de Marx é que os meios de produção(modus vivendi) determinam nossas idéias. Nós estamos de tal forma enganjados no sistema, que não percebemos o fato de não produzirmos mais nossas próprias idéias. Essa filosofia, caro Rodrigo, Berlin nunca alcançaria. Como podem as idéias terem poder se são determinadas?

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  7. Anônimo7:22 PM

    Para quem deveras quer conhecer filosofia, compre O Capital, é até menos que R$50,00.

    Obs: não sou marxista, embora respeite um dos maiores gênios da história da humanidade, o Marx filosófico, não o Marx do Manifesto comunista.

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  8. Somente um louco diz que idéias são predeterminadas, ainda mais pelos "meios de produção". Ora, posso te mostrar milhares de pessoas com os mesmos "meios de produção" que pensam totalmente diferente. Aliás, Marx não era proletário, mas pensava como um? hehehe

    E vc, pensa com base em que? Por que posta aqui, se não pensa, e é predeterminado pelo seu meio de produção?

    Dureza...

    Rodrigo

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  9. PUTZ! Das Kapital???

    hahahahahaha

    Esse blog tá poluído...

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  10. Anônimo7:32 PM

    Você está de tal forma enganjado pelo sistema, de tal forma cego pelo seu liberalismo, que não consegue ver verdades discrepantes do seu ponto de vista...
    Acho que você não consegue compreender o substrato do Marx filosófico...
    Cuidado você está quase um fundamentalista, combatendo idéias com assertivas cheias de preconceito: "PUTZ! Das Kapital???

    hahahahahaha

    Esse blog tá poluído..."
    Não é assim que se pratica a disputatio... Tá parecendo conversa sobre futebol.

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  11. Carlos, repudiar Marx não é preconceito algum, é PÓS!

    E o colega estará melhor comprando por R$ 50 Berlin do que RECEBENDO R$ 50 para ler Das Kapital.

    No mais, explica pra mim: se o pensamento é predeterminado pelos meios de produção:

    1) como vc está aqui? Não pensa, é autômato, por que devemos te escutar?

    2) como Marx, que não era proletário, falou por estes, sem nem ter entrado numa fábrica e viver à custa de um amigo rentier?

    3) como tanta gente com os meios de produção iguais pensam de forma tão diferente?

    Até vc responder essas questões, será ignorado, pois é o que merece por vir aqui falar besteira.

    Rodrigo

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  12. Anônimo7:54 PM

    Eu vou tentar simplificar para você que é um economista, não um filósofo.
    Que é o mundo das idéias? Destituído de sentido metafísico, seiria a projeção das nossas percepções do mundo sensível. Nós jamais conseguiremos ver as coisas-em-si-mesmo, essa expressão é Kantiana. O que nós apreendemos no mundo jamais será como ele realmente é, será apenas representação.
    Ora caro rodrigo, o mundo sensível é o reflexo da nossa organização social, é a infra-estrutura em si, nada há no mundo das sensibilidades ulterior ao que produzimos.
    Cite sociedades com meios de produção diferentes que pensam igual. Aí eu explicarei.
    Como poderia Marx descrever com minudência sobre a vida proletariada, se não os conhecesse, estaria ele tendo alucinações, sonhos?
    Não faça pesquisas na wikipedia e afirme com tanta certeza. Quem vc acha que distribuiu o Manifesto Comunista? David Ricardo?

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  13. Anônimo8:23 PM

    Venho retificar uma palavra usada nos posts anteriores.
    Marx usa o verbo affekt (afetar em alemão) em vez de feststeller(determinar em alemão) para se referir ao efeito da infra-estrutura sobre a super-estrutura. Portanto não determina, mas afeta, se Kant pudesse dizer algo sobre isso ele diria:
    "mesmo com as afetações, o âmago do idivíduo estaria a salvo, a razão pura, assim todo ser é dotado de livre-arbítrio". No fervor da discussão usei o verbo errado, gostaria de ressaltar que Stálin usou o verbo feststeller e deu no que deu, as interpretações de Marx são árduas.

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  14. Anônimo8:24 PM

    A referência é:
    Lettre à Annenkov, 28/12/1846.

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