Rodrigo Constantino
Em sua autobiografia A Era da Turbulência, o ex-presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, dedica vários parágrafos para falar da influência que a filósofa e novelista russa Ayn Rand exerceu em sua vida. Greenspan fez parte de um seleto grupo de seguidores do objetivismo – a filosofia de Ayn Rand – do qual participou também Nathaniel Branden. O grupo se reunia semanalmente para longos debates sobre diversos temas. Mais tarde, em 1966, Greenspan chegou a escrever alguns capítulos para um livro de Ayn Rand, chamado Capitalism: The Unknown Ideal, onde ele defende com convicção o livre mercado. A seguir, veremos alguns trechos de seu livro de memórias, onde fala desta influência de Rand.
Greenspan chegou até Ayn Rand através de sua primeira mulher, Joan, que era melhor amiga da esposa de Branden. A novela A Nascente fez enorme sucesso durante a guerra, e Greenspan o considerou "instigante". Ele diz: "Rand escreveu a história para ilustrar uma filosofia a que aderira, que enfatizava a razão, o individualismo e o auto-interesse esclarecido. Mais tarde, ela o denominou de objetivismo; hoje, seria chamado de libertarismo". Rand sofrera na pele os efeitos do coletivismo soviético, e defendia o capitalismo laissez-faire como a forma ideal de organização social. Ayn Rand sustentava, em pleno apogeu do poder soviético, que o sistema era intrinsecamente tão corrupto que acabaria implodindo. Como a história mostrou, ela estava, evidentemente, certa. O individualismo de Rand, em contrapartida, conquistava cada vez mais adeptos nos Estados Unidos. O abismo entre as duas posturas é gigantesco, quiçá intransponível.
Para Greenspan, Rand era "extremamente analítica, sempre disposta a dissecar uma idéia até seus fundamentos, e não se interessava por bate-papos inconseqüentes". Para ele, "ela parecia sempre disposta a considerar qualquer idéia, de qualquer pessoa, sob o ponto de vista exclusivo de seus méritos". Em outras palavras, Greenspan está descrevendo uma postura intelectualmente honesta da filósofa, já que a busca da verdade deve seguir justamente este caminho. Uma boa idéia deve se sustentar por seus próprios méritos, independente de quem a defende. Para Rand, a honestidade intelectual consiste em saber aquilo que alguém sabe, constantemente expandindo o próprio conhecimento, e jamais evadindo ou falhando em corrigir uma contradição. Isso significa o desenvolvimento de uma mente ativa como um atributo permanente.
Quando conheceu Ayn Rand, Greenspan estava imerso em dúvidas relativistas, chegando a postular, certa vez, que não havia mais absolutos. A reação de Ayn Rand causou profundo impacto em Greenspan. Ela deu um pulo e perguntou: "Como isso é possível?". E ainda emendou: "Você não existe?". Greenspan ainda defendia que não podia ter certeza. Não se dava conta ainda da gritante contradição em se alegar a inexistência de absolutos. Na autobiografia, ele reconhece: "Vi que ela estava demonstrando com muita eficácia a natureza contraditória da minha proposição". E acrescentou: "Conversar com Ayn Rand era como começar um jogo de xadrez, achando que eu era bom, e acabar sofrendo um xeque-mate. E, assim, me ocorreu que, muito do que eu concluíra que fosse verdadeiro talvez estivesse totalmente errado". Ponto para Rand. Uma mente é como um pára-quedas: só funciona quando está aberta.
Os elogios a Rand continuam, especialmente quando Greenspan afirma que ela "tornou-se força estabilizadora" em sua vida. Ele diz: "Ela era uma pensadora absolutamente original, dotada de grande acuidade analítica, imbuída de muita força de vontade e norteada por princípios arraigados, que sempre insistia muito na racionalidade como valor mais elevado". Greenspan reforça também a raiz aristotélica de Rand, lembrando que "sua idéia central era que existe uma realidade objetiva, distinta da percepção e capaz de ser conhecida".
No final do capítulo em que fala de Ayn Rand, Greenspan parece justificar sua guinada rumo ao meio político: "Quando aderi à campanha de Richard Nixon à presidência, em 1968, eu já havia decidido participar de iniciativas para promover o capitalismo de livre mercado como alguém de dentro, em vez de só como panfletário crítico". E explica seus motivos: "A existência de uma sociedade democrática, sujeita ao império da lei, implica falta de unanimidade sobre quase todos os aspectos da agenda pública. Fazer concessões a respeito de questões de interesse público é o preço da civilização, mas não significa a rejeição de princípios". Dificilmente Ayn Rand concordaria com isso, ainda que ambos tenham se mantido próximos até a morte da filósofa, em 1982. O fato é que cada um escolhe uma via para tentar fazer a diferença. Mas com certeza a via política exige mais sacrifícios do ponto de vista dos princípios e valores pessoais. No final do dia, qual meio exerce mais influência na sociedade? Difícil saber ao certo, mas tendo que opinar, eu diria que o foco restrito ao campo das idéias, como escolheu Ayn Rand, é mais poderoso a longo prazo, sem falar que permite maior preservação da coerência dos ideais. A política inexoravelmente suja as mãos do pensador, pois força contemporizações que muitos não estariam dispostos a fazer.
Greenspan finaliza o capítulo A Formação de um Economista com mais agradecimentos a Ayn Rand: "Eu era intelectualmente limitado até conhecê-la. Todo o meu trabalho, até então, era empírico e baseado em números, jamais orientados por valores. (...) Rand convenceu-me a observar os seres humanos, seus valores, como trabalham, o que fazem e por que fazem o que fazem; como pensam, e por que pensam assim. Isso ampliou meus horizontes muito além dos modelos econômicos que aprendera. (...) Tudo isso foi semeado em mim por Ayn Rand. Ela me apresentou uma vasta área para a qual até então eu me fechara".
Para maiores informações sobre esta pensadora que tanta influência exerceu numa das figuras mais influentes da segunda metade do século XX, sugiro a leitura do meu livro Egoísmo Racional: O Individualismo de Ayn Rand, onde tento fazer um resumo de suas principais idéias. O livro serve como uma introdução ao seu pensamento, não dispensando, claro, a leitura das obras originais, que são fantásticas.
Bom!
ResponderExcluirNos estados Unidos, Ayn Rand é fenômeno pop. Recentemente, um videogame foi lançado inspirado nos seus trabalhos. Bioshock, considerado pela crítica como um jogo de valor artístico, strictu sensu, mostra o que pode ser visto - e aí está o grande mérito - como uma utopia Randiana destruída por um populista e pela perda de seus próprios valores.
ResponderExcluirAyn Rand devia ser lida em todas as escolas brasileiras. Especialmente seu livro 'Anthem' não sei como foi traduzido no Brasil e 'A Virtude do Egoismo.' Assim a próxima geração teria a esperança de sair de baixo da tutela da indocrinação cristã-socialista que ensina o sacríficio, a baixa auto-estima, a vergonha e a inveja como moral.
ResponderExcluirRodrigo,
ResponderExcluirSou um admirador dos mestres Allan Greenspan e Ayn Rand.
Apreciei muito o seu presente artigo. Só me chamou a atenção o trecho em que você diz que "a política inexoravelmente suja as mãos do pensador, pois força contemporizações que muitos não estariam dispostos a fazer".
Então, pensador não pode fazer política enquanto ação humana no sentido do bem comum?
Estou enganado ou você está ratificando a infeliz frase do ator petista Paulo Betti, que disse que "não dá para fazer política sem botar a mão na merda"?
Foi isso mesmo que você quis dizer?
Não quero com isso criar polêmica, só quero tirar esta nuvem de dúvida do meu pensamento.
Corrija-me se eu estiver enganado.
Abraço
Gildo
Gildo
Gildo, um homem íntegro acaba expulso do meio político. É realmente difícil suportar o jogo sujo lá, na minha opinião. Não acho que o político TEM que meter a mão na merda, mas acho que ele terá que "flexibilizar" alguns princípios talvez. Acho que um liberal tem mais a fazer no campo das idéias mesmo, assumindo que políticos são eco da mentalidade do povo.
ResponderExcluirRodrigo