segunda-feira, abril 13, 2009

O Caso Contra o Antitruste



Rodrigo Constantino

“As leis antitrustes foram criadas precisamente para serem usadas pelos concorrentes menores para arrasar concorrentes mais eficientes.” (Domenick Armentano)

Muitas pessoas assumem que o livre mercado leva naturalmente à concentração de poder em cartéis ou monopólios, e que cabe ao governo proteger os consumidores desse risco. Mas, na verdade, as medidas antitrustes do governo costumam prejudicar justamente os consumidores, dificultando a vida das empresas mais eficientes. É o que mostra Dominick Armentano em Antitrust: The Case for Repeal, do Mises Institute. Logo no prefácio do livro, o autor deixa claro que sua posição sobre o tema nunca foi ambígua: todas as leis antitrustes devem ser rejeitadas, e todo o aparato antitruste não pode ser reformado, devendo ser simplesmente abolido.

Armentano apresenta tanto argumentos lógicos como estudos de caso para sustentar seu ponto de vista. Um caso mais recente citado pelo autor é a acusação de monopólio envolvendo a Microsoft. O governo acusou a empresa de abusar de seu quase-monopólio no sistema operacional de computadores, para integrar seu browser numa “venda casada”. No entanto, a situação dominante da Microsoft era fruto de sua maior competitividade, sendo, portanto, legítima. Não existiam barreiras artificiais à entrada de novos concorrentes, e outras empresas ofereciam sistemas operacionais substitutos. Mas a Microsoft foi ganhando mercado, pois um sistema operacional mais padronizado era mais barato de ser produzido e distribuído, além de mais fácil de ser usado, o que favorecia os consumidores. As fabricantes de computador como Dell, Compaq e tantas outras eram livres para escolher o browser da Netscape. Mas, claramente, um sistema operacional com um navegador grátis já incluído era uma opção mais benéfica para os consumidores do que pagar um custo adicional para ter outro browser.

Quando as autoridades reclamaram da integração e do preço “predatório” da Microsoft, elas estavam condenando o processo competitivo de mercado, não qualquer monopolização. Robert Murphy, em Os Pecados do Capital, comenta sobre o caso da Microsoft, condenando a arbitrariedade da lei antitruste: “um juiz deve decidir se uma empresa pode ‘integrar’ dois produtos ou se deve vendê-los separadamente”. Murphy faz uma analogia com a Ford, mostrando como seria absurdo alguém questionar se a empresa deveria ter o poder de “integrar” o motor e os pneus de seus veículos ao vendê-los aos consumidores. Ele conclui: “Seria ridículo para uma concorrente reclamar que a Ford estava ‘vinculando’ de forma desleal seus pneus ao sucesso de seu motor, reduzindo, dessa forma, a concorrência no negócio de pneus”.

A competição é um processo dinâmico de descoberta e ajuste, sob condições de incerteza. Ela pode incluir tanto rivalidade entre empresas como cooperação. Dentro deste processo competitivo, a fatia de mercado de uma empresa é o resultado de sua eficiência. Um produtor pode “controlar” seu mercado somente se oferecer um produto melhor a um preço mais baixo, algo claramente vantajoso para os consumidores. O monopólio verdadeiro ocorre quando barreiras legais são criadas impedindo o acesso de novos concorrentes. Ou seja, o monopólio é um privilégio do governo, e não uma conseqüência do livre mercado. No capitalismo puro, uma empresa pode deter enorme fatia de um determinado mercado, mas apenas enquanto for a mais eficiente em atender a demanda. Historicamente, a regulação antitruste foi usada para atacar essas empresas mais eficientes, beneficiando empresas com custos mais elevados. Como isso pode favorecer os consumidores permanece um mistério!

A idéia por trás do modelo de “competição perfeita” dos livros-textos de economia ajuda a manter a crença na necessidade de políticas antitrustes para combater o tamanho excessivo de algumas empresas. Neste modelo, existem infinitas empresas oferecendo produtos homogêneos, e há informação perfeita também. Nada poderia estar mais longe da realidade. No mundo real, o problema econômico reside justamente em descobrir a demanda num processo dinâmico e incerto, com informação assimétrica. Algumas empresas podem ser mais bem sucedidas nesse processo, ganhando expressivas fatias de mercado. Uma empresa pode inclusive dominar quase todo o seu mercado específico, mas somente através de uma maior eficiência. O risco de rivais potenciais será constante, pois não existem barreiras legais à entrada de novos concorrentes. A empresa continuará “monopolista” somente enquanto for eficiente.

O caso da Alcoa é um bom exemplo disso. A empresa mantinha um grande domínio no mercado de seu principal produto, o lingote de alumínio. No entanto, essa posição era fruto de sua maior eficiência. A empresa foi acusada de “monopolização”, mas o preço do lingote havia caído de US$ 5 por libra em 1887, quando a Alcoa foi fundada, para US$ 0,22 por libra em 1937, ano em que foi processada. Que prática predatória de monopólio é esta que reduz em mais de 95% o preço final para o consumidor? Será que o consumidor precisa de regulação antitruste para ser “protegido” disso? O caso da Alcoa está longe de ser o único. A Standard Oil dominou 90% do mercado de refino de petróleo americano depois de 20 anos competindo no setor. Ela conseguiu esse domínio reduzindo o preço do querosene de 14 centavos para 2 centavos o litro. Pobres consumidores!

Um grave problema com as leis antitruste está na sua total arbitrariedade. São os preços mais baixos sempre predatórios? Quais custos são relevantes para determinar isso? Os custos médios? Os custos marginais? Os custos históricos? Os burocratas simplesmente não têm como saber se um preço é “predatório” ou não. A definição do preço é uma decisão estratégica para as empresas, e depende de muitos fatores diferentes. Permitir que o burocrata decida quando um preço é predatório significa delegar um poder arbitrário enorme a ele, ameaçando o livre mercado. Ora, uma empresa pode oferecer preços menores justamente por ser mais eficiente, ter ganhos de escala e atender melhor a demanda. Mas seu próprio sucesso será alvo de ataques. O governo irá condenar suas virtudes, não seus vícios. O consumidor sai perdendo.

O problema essencial da regulação antitruste está na pretensão de conhecimento dos burocratas do governo. O futuro é desconhecido, e as empresas tomam decisões com base nessa incerteza. Fusões e aquisições ocorrem com base em expectativas que podem não se concretizar. Mas o julgamento das autoridades do governo assume uma possibilidade de conhecimento que é inexistente. Além disso, como definir o que é o mercado relevante para medir o grau de concentração? Quais são os substitutos do produto? Qual o mercado relevante, por exemplo, para refrigerantes? Apenas refrigerantes, ou deve incluir cervejas, sucos, água e leite? Apenas produtos nacionais, ou deve incluir os importados? Como tais questões podem ser respondidas de forma objetiva?

Os burocratas não são clarividentes, e não desfrutam de nenhum mecanismo especial para avaliar tais pontos. Eles simplesmente não podem calcular o “custo social” e o “benefício social” de fusões e aquisições, pois esses custos e benefícios dependem das preferências subjetivas dos consumidores, e estas são desconhecidas. O processo dinâmico de mercado existe justamente para conhecê-las, por tentativa e erro, lembrando que elas mudam o tempo todo. Por isso mesmo o mercado deve permanecer livre, sem as intervenções governamentais.

Last but not least, há um importante argumento contra as leis antitruste, de cunho moral. Por sua própria natureza, tais leis interferem nos direitos de propriedade privada. Elas tentam regular trocas voluntárias privadas, e representam, portanto, uma violação do direito de propriedade. Adam Smith reconheceu que pessoas do mesmo setor raramente se encontram sem que a conversa acabe numa conspiração para aumentar preços. Mas mesmo diante de tal receio, ele entendeu que era impossível evitar tais encontros sem agredir a liberdade e a justiça. E concluiu que um sistema natural de livre competição ainda era o mecanismo mais eficiente para combater esses riscos.

Tanto do ponto de vista da eficiência, como do prisma moral, as leis antitruste merecem severas críticas. Não é fácil combatê-las, pois a mentalidade de que o mercado, se deixado em paz, leva ao monopólio está enraizada nas pessoas. Além disso, os benefícios com o fim dessas leis são difusos, enquanto as perdas são concentradas: os próprios burocratas têm total interesse em manter este aparato antitruste. Mas nada disso muda o fato essencial nessa questão: a regulação antitruste tem servido para impedir que o livre mercado possa premiar os mais eficientes. Essa intervenção, invariavelmente, produz um resultado pior para os próprios consumidores que deveriam ser protegidos.

11 comentários:

  1. No caso da Microsoft há uma distorção: os contratos OEM (Original Equipment Manufacturer). As vendas em varejo de Windows, onde o consumidor compra uma caixinha de plástico com CDs e livretos (com algum custo de fabricação, portanto), são uma parcela minúscula do total.

    Nestes contratos OEM os produtos da Microsoft tem custo ZERO, pois os clientes são os fabricantes de computadores. O único custo é de papel e tinta para imprimir um contrato de licenciamento, que é o mesmo para licenciar mil cópias ou um milhão de cópias. Quem faz as cópias, grava as mídias e instala o sistema é o fabricante.

    Com isso a Microsoft pode cobrar dos fabricantes em função da exclusividade, não do volume. Por exemplo, se você fabrica 1.000 computadores e vai colocar Windows em todos eles, a Microsoft cobra US$ 50 por PC. Se você fabricar 1.000.000 de computadores mas colocar Windows em "apenas" 990.000 (vendendo 10.000 sem sistema), a Microsoft vai cobrar US$ 100 por PC. Num computador que vai custar ao consumidor final cerca de US$ 400, isso faz toda a diferença. Como o Windows tem mais de 90% do mercado, você como fabricante acaba coagido a fechar um contrato de exclusividade.

    Nenhuma outra empresa do mundo está na mesma posição de força. Há também o caso dos padrões proprietários do Office, que mantém os dados do usuário (textos, planilhas, etc) reféns da Microsoft, forçando o usuário a comprar as versões mais novas mesmo o Office 97 o atenda perfeitamente. Não há competição em termos de funcionalidade, mas em termos de mero acesso aos dados. É como se houvesse um fabricante de telefone celular cujos aparelhos só falam com outros da mesma marca - se ele tiver 90% do mercado vai matar os concorrentes -- mesmo que estes fabriquem aparelhos superiores. A utilidade marginal de um aparelho "fora do padrão" fica prejudicada.

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  2. Não sei como "medir" preços predatórios ou bençãos aos consumidores por empresas que são mais eficientes.
    O que acho é que empresas maiores tem mais folego de colocar precos para baixo, muitas vezes abaixo de produção pra novas concorrentes, ou menores, para que continue com o monopólio e colocando DEPOIS o seu preço a belprazer...
    A proposta então é nao ter leis anti trustes, cartéis ou monopólios?

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  3. balkan, e o que impede um novo entrante de entrar DEPOIS, para aproveitar esses preços artificialmente mais elevados?

    Sim, a proposta é essa mesmo.

    Rodrigo

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  4. O caso da Microsoft é interessante, porque com o oligopólio dos Sistemas operacionais, ela impõe o produto que quiser, rodando sobre a plataforma operacional e pratica vendas casadas. Mas não é somente isso, a Microsoft tem um departamento jurídico formidável, ela pode praticar crimes contra o consumidor e, mesmo perdendo na justiça, ainda continuar na vantagem, visto que as multas e indenizações são muito inferiores aos lucros.

    Mas...Vocês se lembram quando a IBM tinha o OS/2, pai do Windows, pois é, ela deu o resto para Bill Gates e este "resto" se chamava Windows. O Windows estourou e o OS/2 sumiu. Na mesma época existiam Amiga OS, Mac os e, pasmém, Unix. Ninguém quis saber do mercado para Desktop, a Microsoft apostou e se transformou no monstro que é hoje. A Microsoft foi criada pela fraqueza da concorrência. Hoje temos o Linux, fragmentado, e o Mac OS X, elitizado, concorrendo com um produto padrão, de qualidade técnica inferior, mas com grande apelo diante do público consumidor.

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  5. Entao quer dizer que enquanto não houverem entrantes no mercado, os consumidores devem ficar a mercê de possíveis complôs... Não concordo.
    Entendo a posição anti-centralizadora dos de livre mercado e concordo que do jeito que está com corrupção e tudo mais não dá. Mas acho que o elo mais fraco sempre é o consumidor... E se não houver um órgão grande por exemplo como o Procon ou algo em favor do dele ou do bem comum, acho que isso pode perder o controle. Talvez possam ser órgãos naturalmente criados como ONGs.
    Quem tem mais "tempo" e recursos pra se organizar e montar estratégias em seu favor? Uma corporação de 400 pessoas? Ou vários consumidores independentes entre si...? (Obvio que existem n exemplos, mas estou falando em ordem de praticidade e quantidade de esforços...)

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  6. Interessante!!! Que confusão de conceitos! Uma coisa é a situação dominante da Microsoft, outra coisa foram as barreiras que ela utilizou para a entrada da Netscape, não de outros concorrentes! Ela usou e absou do seu poder de barganha com seus fornecedores para barrar o avanço da Netscape. Por exemplo, a Compaq ficou impedida de instala-lo por que senão iria ter sua licença cassada, ou seja, eles não eram "livres" como você imagina. Só para dar um exemplo. Quando ela viu que por esses meios ilicitos não iria ganhar a batalha, é que ela resolveu criar o IE. Neste caso o poder de monopolio, ou seja, possuir 90% do mercado de PC vez com ela simplesmente disponibilizasse de graça o navegador, e ela vez isso não para satisfazer o consumidor, mas para destruir a concorrente!!!

    Uma coisa pode ser a arbitrariedade da lei, outra totalmente diferente é o que as grandes empresas fazem para acabar com seus concorrentes!!!

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  7. Kelvin, "acabar com os concorrentes" é justamente parte da LIVRE CONCORRÊNCIA!

    A Microsoft não IMPEDIU nada. Ela não tem poder de coerção. Ela NEGOCIOU, e a Compaq considerou MAIS VANTAJOSO para seus clientes comprar com a Microsoft. Isso é concorrência!

    Rodrigo

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  8. Caro Rodrigo,

    Em 1995 a MS tinha 90% dos PCs com Windows. Considere que naquela época apenas o apple tinha um SO amigavel comparavel ao Windows (E como foi dito em algum lugar, o MACOS era pra elite, seja la o que isso queira dizer). O poder d coerção era exatamente esse, a Compaq só venderia seus computadores se estes tivessem Windows instalados, se a MS suspendesse a licença de uso do WIn a Compaq quebraria com certeza. A Compaq não avaliou VANJATENS para seus clientes, AVALIOU sua NECESSIDADE de existencia no Mercado. Não sendo burra ela manteve o WIN e suspendeu suas compras do Netscape Navigator. É ser simplista de mais achar que isso é NEGÓCIO, isso é sim coação usando as ferramentas de mercado livre!!! Quem tem poder de monopólio pode sim coagir...suspendendo fornecimento de seus produtos...quem depende deles fica a merce...e acaba se submentendo.

    Não vejo isso como concorrência, pois os poderes de coação são diferentes...

    Kelvin

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  9. Kelvin, vc está querendo punir a Microsoft por seu SUCESSO! Ora, era MÉRITO dela ter 90% do mercado. Era a ESCOLHA dos consumidores. E estes preferiam ter um browser grátis a ter que pagar por um.

    Vc quer impedir a Toyota de negociar pneus diretamente, para OBRIGAR a "competição" maior no negócio de pneus?

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  10. Kelvin, vc está querendo punir a Microsoft por seu SUCESSO! Ora, era MÉRITO dela ter 90% do mercado. Era a ESCOLHA dos consumidores. E estes preferiam ter um browser grátis a ter que pagar por um.

    Vc quer impedir a Toyota de negociar pneus diretamente, para OBRIGAR a "competição" maior no negócio de pneus?

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  11. Rodrigo, eu não comentei do mérito dela ter 90% do mercado, eu só disse que esse mérito, fato, possibilita a ela coagir seus consumidores. Entenda, ela fez isso ANTES de ter um IE gratis. Se tivesse sido como vc está afirmando, realmente não se estaria falando de coação...

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