quinta-feira, setembro 09, 2010

Deu no Valor

O poder da mente

O investidor Pedro (nome fictício) comprou há quatro meses 5 mil ações preferenciais (PN, sem voto) classe A da Vale a R$ 47 cada, desembolsando ao todo R$ 235 mil. De lá para cá, o papel só fez cair, mas Pedro, que se define como um investidor de curto prazo, não consegue vendê-lo. Ele se aferra ao preço de compra e não aceita o prejuízo, esperando uma recuperação que não vem. "Ele não percebe que tem menos dinheiro e se prende ao preço de entrada", afirma Marcelo Coutinho, sócio presidente da empresa de educação financeira YouTrade, que contou a história de Pedro ao Valor.

Essa fixação é tão comum que a maioria dos investidores se desfaz da ação assim que ela retorna ao preço inicial, sem nenhum lucro e sem avaliar se há perspectiva de alta, acrescenta Coutinho. Na prática, é como se o investidor tivesse "carimbado mentalmente" o dinheiro utilizado na compra da ação, separando-o do resto de sua carteira e do conjunto de seu patrimônio.

Do ponto de vista racional, o que importa na hora de decidir pela venda da ação é a expectativa sobre o futuro do papel, e não o preço da compra, ressalta o gestor de recursos Rodrigo Constantino. "O problema é que o investidor não lembra que a ação pode ser transformada em dinheiro 'sem carimbo' e usada para comprar outra ação ou ativo com maior potencial", afirma, ressaltando que esse comportamento é muito perigoso em mercados com clara tendência de baixa.

A história de Pedro é, por isso, um caso típico das armadilhas da chamada "contabilidade mental", conceito que descreve como as pessoas contabilizam o próprio dinheiro, separando-o em compartimentos mentais sem nenhuma justificativa racional. Embora pouco perceptível, o conceito de contabilidade mental, desenvolvido em na década de 80 por economistas americanos, é figurinha fácil na maioria das decisões financeiras.

Por conta da contabilidade mental, por exemplo, o investidor muitas vezes analisa o desempenho individual de cada aplicação e acaba perdendo a visão do conjunto de seus investimentos, explica um estudo sobre o tema realizado por alunos da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), coordenado por Carlos Pinheiro, autor do livro "Como Investir em Ações".

A experiência clássica que comprova a existência da contabilidade mental traz duas questões, lembra Pinheiro. Imagine que uma pessoa decidiu assistir a um filme cujo valor do ingresso é R$ 15. Quando chega ao cinema, a pessoa percebe que perdeu os R$ 15 que tinha na carteira. Pergunta: a pessoa mesmo assim compra o ingresso? Mais de 80% das pessoas responderam que comprariam o ingresso. O cenário muda quando a pergunta é distinta. Imagine que a pessoa comprou antecipadamente o ingresso e, quando chega ao cinema, percebe que perdeu a entrada. A pessoa compraria um novo ingresso? Nesse caso, apenas 40% disseram que sim.

Se o custo para ver o filme é igual nos dois cenários (R$ 30) por que as pessoas respondem de forma diferente? No primeiro caso, o dinheiro ainda não havia sido "mentalmente contabilizado", ao passo que, no segundo, os recursos já haviam sido registrados como gasto com o cinema. "O dinheiro perdido não estava carimbado e, por isso, as pessoas não percebem que vão gastar em dobro com o ingresso", lembra Constantino.

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