terça-feira, novembro 16, 2010

Resgatando a Linguagem

Rodrigo Constantino, O Globo

“Quando as palavras perdem seu significado, as pessoas perdem sua liberdade.” (Confúcio)

O uso adequado das palavras é essencial para a compreensão da realidade. A “linguagem serve para que os homens se entendam e se aproximem”, escreveu Mário Vargas Llosa. Por isso mesmo, aqueles que desejam inviabilizar o pensamento costumam escolher como principal alvo os conceitos das palavras. Os manipuladores deturpam a linguagem para lançar uma nuvem de poeira no raciocínio de suas vítimas.
Em “1984”, George Orwell chamou de duplipensar a “capacidade de guardar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias e aceitá-las ambas”. O objetivo das autoridades seria a destruição do pensamento independente: "O poder está em se despedaçar os cérebros humanos e tornar a juntá-los da forma que se entender". Guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força.
Para Orwell, uma linguagem com regras aceitas e mutuamente compreendidas, era condição indispensável a uma democracia aberta. Karl Popper defendia como um dever de todo intelectual "o cultivo de uma linguagem simples e despretensiosa". E foi além: "Quem não pode falar de modo simples e claro deve calar-se e continuar trabalhando até que possa fazê-lo". Para Isaiah Berlin, a meta da filosofia era sempre “ajudar os homens na compreensão de si mesmos e assim operar na claridade, e não loucamente, no escuro".
Infelizmente, várias palavras importantes perderam seu significado com o tempo. Democracia é um bom exemplo. Basta lembrar que as ditaduras socialistas se diziam “repúblicas democráticas”, ou que para o presidente Lula há “excesso de democracia” na Venezuela de Chávez. Democracia não pode ser a simples tirania de uma maioria manipulada. Ela pressupõe certas instituições sólidas. A mais básica delas é a liberdade de imprensa, tão ameaçada atualmente. O “controle social” almejado por alguns não passa de um disfarce para a velha censura.
Outro conceito bastante deturpado é justamente o de “social”, termo vago que acabou perdendo totalmente seu sentido objetivo. “Social” passou a ser uma palavra mágica, que cria automaticamente uma finalidade desejável. Qualquer meio para este “nobre” fim passa a ser justificável. “Tudo pelo social!”, clamam os autointitulados “progressistas”, que no fundo lutam sempre contra o verdadeiro progresso, fruto do capitalismo liberal.
O austríaco Hayek chegou a realizar um estudo com várias expressões terminadas em “social”. Sua conclusão foi que o termo se tornou extremamente confuso, servindo mais para prejudicar a compreensão do que para elucidar. Quando alguém fala em “movimentos sociais”, por exemplo, o que isso quer dizer na prática? Em inúmeros casos, tais movimentos abusam das leis e praticam atos violentos. O MST invade propriedades privadas, alegando lutar pela “justiça social”. Basta usar a palavra mágica que todo tipo de crime parece liberado.
Outro exemplo de mau uso da linguagem é o termo “contribuinte”, eufemismo que se refere aos pagadores de impostos. Como já diz o nome, imposto não é voluntário. Não somos felizes contribuintes que entregamos rindo quase a metade de nossa renda ao governo. Os americanos usam a expressão correta “tax payer”. Eles falam também “fazer dinheiro”, e não “ganhar dinheiro”, como nós. “Ganhar” dá a entender que o salário é um presente, uma espécie de direito divino, e não a contraparte de uma troca voluntária entre patrão e empregado.
Palavras fazem diferença na cultura de um povo. Mas mesmo os americanos não ficaram livres das manipulações de conceitos. A esquerda lá foi tão eficiente que usurpou até mesmo o termo “liberal”, que passou a ser associado a políticas claramente antiliberais, que pregam sempre maior intervenção estatal na vida dos indivíduos. No Brasil, o termo perdeu totalmente seu sentido, e nossos males são sempre jogados na conta do tal “neoliberalismo”. Porém, como disse Roberto Campos, o “Brasil está tão distante do liberalismo – novo ou velho – como o planeta Terra da constelação da Ursa Maior!”
Para Irving Babbitt, “o sofista e o demagogo florescem numa atmosfera de definições vagas e imprecisas”. Mário Vargas Llosa pensa que "chamar novamente o pão de pão e o vinho de vinho é indispensável, entre outras coisas, para que a liberdade de expressão faça sentido". Se desejarmos ser livres, precisamos antes resgatar a linguagem de seu cativeiro atual. Caso contrário, continuaremos reféns dos demagogos de plantão, que falam em “liberdade” enquanto expandem cada vez mais os tentáculos do Leviatã estatal.

17 comentários:

  1. Exatamente, artigo perfeito, e a dona marilena chauí é a campeã desse tipo de palhaçada

    ResponderExcluir
  2. Phillip Grillo11:51 AM

    Excelente artigo!

    ResponderExcluir
  3. Brilhante Constantino. E em especial fico muito feliz porque de ultima hora no meu livro entrou uma parte do DICIONARIO TERMINOLOGICO DA ESQUERDA que tem na Internet.

    Tiveram umas palavras que eu mesmo coloquei o real significado quando ditas pelos vermelhinhos e adjacencias.

    Espero que goste, pretendo te enviar uma copia assim que chegar a publicacao em minhas maos.

    Abracos!

    ResponderExcluir
  4. Anônimo12:30 PM

    Demitiram uma faxineira na empresa que trabalho e a resposta dela, na lata, foi:
    "Vocês são responsáveis por eu não ter mais onde morar! Vocês tiraram minha casa de mim!"

    Ela quis dizer que sem o salário não conseguiria continuar pagando as prestações da casa...

    Ou seja, a culpa é sempre de alguém. A irresponsabilidade foi de quem a mandou embora e não dela que assumiu um compromisso que talvez não pudesse honrar.

    É, meus amigos, e isso vai piorar muito. Me desculpe o pessimismo, Rodrigo.

    ResponderExcluir
  5. Bom artigo! Discordo especificamente da vantagem de se usar no português "fazer dinheiro" em lugar de "ganhar dinheiro". Primeiro, "fazer dinheiro" pode significar também "imprimir papel moeada", o que ocasionariam certa ambigüidade. Em segundo, "ganhar" pode significar "conquistar" (ex: "o atleta ganhou a medalha de ouro") além de "ser presentado pela sorte" (ex: "ganhar na sena"). Não é claro para mim que "ganhar dinheiro" tenha a segunda conotação. Talvez uma solução melhor que ambas fosse "conquistar dinheiro".

    ResponderExcluir
  6. Outro apelido sem-vergonha: chamar a aposentadoria de benefício.
    Você rala uma vida e paga,paga não, é espoliado, de uma parte substancial de seu salário para receber um benefício?

    ResponderExcluir
  7. Adriano,
    MAKE MONEY significa para um trabalhador "WORK FOR MONEY" Ao passo que se se procurar traduzir GANHAR DINHEIRO o mais próximo que consigo é WIN MONEY.
    Como diz o blogueiro, no significado das palavras está o reflexo da cultura.

    ResponderExcluir
  8. Anônimo7:44 PM

    Ótimo artigo Rodrigo. Exemplo de como ao analisarmos o uso das palavras podemos vislumbrar as ações concretas.
    Cabe sempre lebrar a necessidade da esquerda de adjetivar termos como democracia para legitimar e mascarar o caráter de suas ações. Assim, a ação de promover a corrosão das instituições democráticas vira construção da democracia participativa, popular, etc.
    Lucas

    ResponderExcluir
  9. Um cara que se considera "esquerdista" não é nada. É só um cretino.

    ResponderExcluir
  10. Se o próprio presidente...

    ResponderExcluir
  11. Anônimo8:26 PM

    Primeiramente, artigo impecavel! Depois, eu acrescentaria um exemplo classico de ambiguidade dos esquerdas coletivistas que nao foi citado: Os racistas que defendem que a cor da pele seja criterio pra obter vantagem no intuito de combater o: Racismo! Querem que o simples resultado objetivo de provas nao seja o unico criterio pra disputa de concursos. As caracteristicas raciais seriam decisivas pra evitar o racismo. Nao existe pensamento mais ambiguamente absurdo que esse!

    ResponderExcluir
  12. Rubens Vaz1:17 AM

    Rodrigo,
    Sou seu seguidor no TT e admirador dos seus texto. Como trago alguma experiência em liguística e fui empurrado muito cedo na política, essa sua matéria de juntou de forma impecável os dois assuntos.
    Parabéns

    ResponderExcluir
  13. Artigo perfeito. Quando parte de alguém com notoriedade acadêmica, soa muito compreensível a todos. Quando está num blog de uma pessoa comum, é Teoria da Conspiração.

    Vcs estão indo na linha correta, mas falta ainda comentar muitas outras coisas. Dêem um pulo no canal de Jaime Maussan no Youtube /user/tercermilenio e vejam os últimos programas.

    Vejam os artigos sobre OVNIS espalhados em diversos sites (principalmente as recentes informações na mídia mundial), a Inglaterra financiando o terrorismo (holographicsociety.com).

    Peço licença ao Rodrigo para citar estes sites, assim como o site anovaordemmundial.com.

    Estamos falando de criptocracia e de escravidão pós-moderna. Os países são grandes fazendas, e nós, apenas gado.

    Parabéns, Rodrigo, mais uma vez. E desculpa a forma meia truculenta de me expressar. É meu jeitão mesmo. Pode moderar meus comentários, se quiser. Eu nunca confiro.

    Um abraço!

    ResponderExcluir
  14. Carlos Eduardo5:36 AM

    Trabalhismo, Nacionalismo, Ambientalismo, Racismo, Sagrado são outros exemplos de termos que abrem as portas para justificar ou defender burramente qualquer causa por mais absurda que seja.

    ResponderExcluir
  15. Anônimo6:55 AM

    Rodrigo, parabéns pelo texto. Primoroso.

    Mais recentemente, na ultima campanha política, um cadidato usou a expressão tergiversar, termo que normalmente se usa em linguagem juridica.

    Quem mais tergiversou foi justamente aquele que aplicou o termo.

    A manipulação começa com esse tipo de atitude.

    ResponderExcluir
  16. @Anonymous de 8:26: bem lembrado!
    Mas note que não é só cor da pele, nos EUA os asiáticos são os mais prejudicados na política de 'ações afirmativas', na hora de entrar num curso da área de exatas

    ResponderExcluir
  17. Diderot Valente9:46 AM

    Excelente mesmo.
    Parabéns

    ResponderExcluir