sábado, julho 23, 2011

A falência do Estado social


Rodrigo Constantino, para a revista VOTO

O que a crise européia demonstra é a falência de um modelo de sociedade, qual seja, aquele calcado na demasiada concentração de poder no governo. O sonho igualitário vem de longa data. A “justiça social” seria a façanha de um governo contra as injustiças criadas pelo livre mercado. Todos devem ter “direito” a uma vida digna, e o Estado é o instrumento desta conquista.

Não há nada novo aqui. A República platônica já esboçava os primeiros desenhos desta mentalidade. A desconfiança com o mercado vem de longa data. Intelectuais que jamais compreenderam o poder desta “ordem espontânea” sempre desprezaram o lucro e a competição, preferindo criar modelos “justos” em suas abstrações filosóficas. O papel aceita qualquer coisa. A realidade não.

Os experimentos modernos desta sanha igualitária levaram aos regimes comunistas totalitários, deixando um rastro enorme de sangue, terror e miséria. As “viúvas de Stalin“ se viram desamparadas após a queda do Muro de Berlim e do império soviético. Muitos buscaram refúgio na seita ambientalista que, apelando ao eco-terrorismo, criava a oportunidade para ataques contínuos ao capitalismo. Seu grande defeito agora era criar riqueza demais e ameaçar o planeta. Outros encontraram no Estado social europeu uma “terceira via” para preservar seus devaneios igualitários.

Este modelo encontra-se próximo do esgotamento. A principal causa está nos mecanismos perversos de incentivo. O Estado se tornou, nas palavras de Bastiat, “a grande ficção pela qual todos tentam viver à custa de todos”. Em verdadeiros leilões de promessas irrealistas, governo atrás de governo foi ofertando privilégios e benesses. Enquanto a demografia ajudava e os choques de produtividade permitiam algum crescimento econômico, a ciranda da felicidade seguiu seu rumo. Até bater no muro da realidade.

As contas públicas explodiram. Os governos acumularam dívidas quase do tamanho de sua produção nacional, e em alguns casos extremos o endividamento público ultrapassa o PIB. Os trabalhadores conseguiram inúmeras regalias, engessando o mercado de trabalho e retirando competitividade de suas economias. Os salários deixaram de ser atrelados à produtividade, como se fosse possível criar riqueza por decretos estatais. A fome insaciável do governo por recursos levou a uma arrecadação tributária insana, superando a metade do PIB em alguns casos.

Enquanto o próprio povo demandava mais do “deus” governo, não percebia que o poder de dar tudo também é o poder de tirar tudo. Os cidadãos se tornaram súditos, labutando metade do ano apenas para contribuir com o bolo total a ser distribuído com critérios claramente clientelistas e eleitoreiros. Uma casta se formou dos mais privilegiados, os funcionários públicos, os sindicalistas e os empresários próximos ao governo. E este poderia sempre emitir mais dívida ou arrecadar mais para sustentar o modelo.

Mas há um limite. Quando o governo controla a emissão de moeda, o limite costuma se dar pela hiperinflação, que destrói o sistema monetário e derruba o governo. Só que na Europa a coisa não é tão simples. O Banco Central Europeu mantém certa independência, e traz consigo tradição ortodoxa do Bundesbank, o banco central alemão que, por já ter vivido a hiperinflação, não costumava brincar com fogo. Sem contar com a saída fácil da impressora de moeda, os governos tiveram que apelar para o endividamento excessivo mesmo. Até acender todos os alertas dos credores.

O que permitiu que esta farra durasse tanto tempo foi, em parte, a criação do euro. O projeto do euro foi essencialmente político, para tentar acalmar uma região acostumada com guerras ininterruptas. Mas o euro trouxe muitos desequilíbrios econômicos. Ele possibilitou uma convergência nas taxas de juros de países com fundamentos muito distintos. A Grécia podia captar recursos pagando quase o mesmo que a Alemanha. A eficiência de um criava um “almoço grátis” para o outro. Não havia muito incentivo para as formigas, se as cigarras podiam desfrutar de uma dolce vita sem pagar a fatura.

Durante a fase de excesso de liquidez nos mercados mundiais, os pilares podres do modelo foram ignorados. Mas quando a maré baixou, aqueles que nadavam nus ficaram expostos. Eis a situação atual. A crise já se alastrou pela Europa. Com fundamentos frágeis, com as finanças públicas fora de controle, com cargas tributárias abusivas, com regulamentação em demasia, sem dinamismo de crescimento, a Europa enfrenta um árduo desafio. A própria sobrevivência do euro está em xeque. Calotes serão inevitáveis. Haverá muito sofrimento e, partindo de um elevado desemprego, as tensões sociais serão preocupantes.

A monarquia francesa tentou se perpetuar no poder comprando o apoio da nobreza. Não percebeu que o golpe fatal viria de baixo, de um povo desesperado e cansado de tanto abuso. Hoje, os governos do Estado social tentam sobreviver fazendo basicamente o mesmo, distribuindo mais dinheiro para a nomenklatura incrustada no poder. Até quando conseguirão fazer isso sem despertar a fúria incontrolável da turma do andar de baixo?

14 comentários:

  1. Muito bom este artigo, Rodrigo! Eu sou editor do Barrazine, uma revista digital focada no público da Barra. Você cedria permissão para reproduzi-lo, citando a fonte?

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  2. Espere mais 10 dias, pois nem saiu na revista ainda.

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  3. Galinaceo1:36 PM

    Europa ou Brasil menino????Estamos caminhando para o mesmo destino!!!Haja lei trabalhista,sindicato dos empregados,sindicato patronal"outra merda",bolsa disso,bolsa daquilo.Regulamentação de tudo.Receita obriga nota eletrônica,mas temos de imprimir a de papel e guardar.Socorro!!!!!No Brasil todo mundo que eu conheço só pensa em concurso público.Estamos perdidinhos.

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  4. Ótimo artigo! Não estou nada otimista para o desfecho da crise fiscal na UE. Pra mim, foi apenas o estopim para revelar tamanha discrepância entre os países, a união monetária aniquilou os países menos competitivos e favoreceu enormemente as exportações alemãs.

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  5. ToninCoxinha8:39 PM

    E os malucos já começam a empunhar as suas armas fazendo vítimas, e reunindo outros malucos sob o mesmo estandarte!

    Ainda é cedo para falar do atentado da Noruega, mas parece que o cara está ligado a neonazistas.

    É tudo "incomodantemente" parecido com os anos que precederam a Segunda Guerra.

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  6. Anônimo8:42 PM

    Rodrigo
    Você devia mandar esses artigos que escreve para jornais como NYT, Washington Post e outros, suas análises são excelentes!

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  7. Gustavo11:02 AM

    Da pra ver que o Anonymous nao eh muito informado sobre a midia americana. O NYT e Washington Post sao dominados pelos petralhas de la, e qualquer um com pensamento parecido com o do Rodrigo seria imediatamente vetado. Mas ele poderia tentar no Wall Street Journal.

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  8. Mateus11:51 AM

    Constantino, qual a tua análise sobre a situação dos países escandinavos, os "mestres" do estado de bem-estar social?

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  9. Anônimo1:05 PM

    Muito bonito o discurso libertário, faz decolar sentimentos entalados na garganta, mas ele pressupõe demais uma tal civilidade existente e suficiente na sociedade, mas, que pena, oprimida. O povo libertado já demonstrou muitas vezes estar despreparado para qualquer corda mais longa. Quer um exemplo melhor que o terror pós-revolução francesa? Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

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  10. Geraldo2:48 PM

    Sobre um dos comentários aqui:
    Por que escrever "EH" quando se pode escrever "É"? Não entendo, tem uma letra a mais ali então é trabalho a mais para escrever! Que espécie de abreviação sonsa é essa que te dá mais trabalho só para escrever errado!

    Certamente eu escrevo muita coisa errada também, mas não de propósito.

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  11. Excelente Artigo, e acho que tambem o jogo será muito duro para as pretenções de Obama.A Crise será dura. Os republicanos estão dizendo basta.

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  12. Gustavo8:12 PM

    Para o Geraldo que me criticou ali em cima, sou obrigado a escrever EH, e todas as palavras sem acentuar, pois comprei meu notebook no exterior, devido aos impostos absurdos daqui, e ele nao tem os nossos acentos. Claro que eu poderia configurar para seguir o layout daqui, mas dai todas as outras teclas ficariam trocadas.
    Eh melhor tomar conhecimento de todos os fatos antes de sair criticando.

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  13. Anônimo8:14 PM

    @Geraldo

    Isso pode ser costume de outros tempos. Quando em 99 em usava um sistema operacional diferente do Windows e tinha problemas para acentuar eu me acostumei a escrever H para substituir o acento. No caso da comunicação on line você ainda vai ler muita gente que manteve o costume. O costume era tamanho que eu programei o processador de textos para substituir internetês pelo português correto. Eu digito mais rápido assim.

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