Rodrigo Constantino*
Pobre do país que não tem heróis.
Miserável país aquele que precisa de heróis. Será que Brecht estava certo
quanto a esta profunda desconfiança com relação à necessidade de se criar
heróis? O dramaturgo alemão nutria verdadeira ojeriza por mártires, pessoas
dispostas a morrer pela causa. Mas será que Martin Luther King Jr. estava
errado então, quando disse: “Se você não descobre uma causa pela qual valha à
pena morrer, é porque você não está pronto para viver”?
Confesso não ter forte opinião
formada sobre o assunto. Sempre tive uma tendência à iconoclastia, para ser
sincero. Derrubar mitos era um hobby
meu desde cedo. Sabendo-se que de muito perto nenhum ser humano resiste imune à
lupa da moral, pois somos todos criaturas imperfeitas, a tarefa não era das mais
impossíveis. Mas o iconoclasta é um destruidor com seu severo martelo, e o
mundo, os homens e as boas causas necessitam de construtores, pessoas dispostas
a enxergar o lado bom das coisas. Até que ponto os heróis, ainda que
imperfeitos, não são cruciais ao mundo?
Entendo o receio que desperta nos
mais céticos qualquer tipo de culto ao herói. Ele facilmente se transforma em
culto à personalidade, um passo próximo demais da tirania. Nietzsche, que era
um típico iconoclasta, coloca o dedo na ferida em O
Anticristo , ao alertar:
A
morte dos mártires, seja dito de passagem, foi uma grande desgraça na história;
seduziu... Os mártires prejudicaram a verdade... Ainda hoje não se necessita
senão de certa crueza na perseguição para proporcionar a quaisquer sectários
uma honrosa reputação. Como? Pode uma causa ganhar em valor se qualquer uma lhe
sacrifica a sua vida? É, pois, a cruz um argumento? Escreveram sinais de sangue
no caminho que percorreram, e a sua loucura ensinava que com o sangue se atesta
a verdade. Mas o sangue é a pior testemunha da verdade; o sangue envenena a
mais pura doutrina e transforma-a em loucura e em ódio nos corações. Quando
alguém se atira ao fogo pela sua doutrina, que prova isso? Mas verdade é que do
próprio incêndio surge a própria doutrina.
Creio que não podemos ignorar
estes riscos. Basta olhar para a história e verificar quanta atrocidade foi
praticada em nome de mártires, de “heróis imaculados” que criaram verdadeiras
seitas de seguidores fanáticos, deixando um rastro de sangue no caminho. Mas
acho que também existe o outro lado da história. Graças aos atos heróicos de
alguns indivíduos, o curso dos acontecimentos foi alterado para melhor. Podemos
pensar em todos os corajosos que enfrentaram déspotas e contribuíram para a
libertação de seus povos. Gandhi, os “pais fundadores” dos Estados Unidos, os
abolicionistas. Precisamos de heróis, afinal?
O liberalismo tem seus heróis.
Como não poderia deixar de ser, não há nada que se assemelhe ao culto à
personalidade que vemos em ideologias populistas e coletivistas. O liberalismo,
por definição, valoriza a liberdade individual e o indivíduo. Logo, não combina
com a glorificação de ícones, de “messias salvadores” que vieram criar um “novo
mundo”. Os maiores heróis do liberalismo sempre serão os milhões de anônimos,
as pessoas comuns que labutam diariamente, de forma honesta, e colaboram com o
progresso da sociedade. Isso não impede, porém, que os liberais possam
enaltecer alguns gigantes da causa. Penso ser até mesmo saudável que o façam,
com cautela, pois o bom exemplo serve de inspiração.
Os heróis da liberdade funcionam
como um farol que ilumina o norte, o caminho a ser seguido por outros que
desejam construir um mundo com mais liberdade, ainda que sempre imperfeito.
Sejam pensadores, que colaboraram com a robustez dos argumentos liberais; ou
estadistas, que meteram a mão na massa e, de forma menos pura, deram passos
importantes na direção certa, todos merecem o reconhecimento por sua parcela de
contribuição na infindável luta por mais liberdade. Hayek, Mises, Milton
Friedman, Karl Popper e tantos outros no primeiro time; Ronald Reagan e
Margaret Thatcher com merecido destaque no segundo. A lista, felizmente, é
longa.
O herói de um será o vilão do
outro, naturalmente. Não é possível chegar ao consenso aqui. Devemos concordar
em divergir, e que cada um alimente a admiração por seus próprios heróis. Mas
tendo a concordar com os pontos principais que o historiador Paul Johnson, em Os
Heróis , distingue como essenciais para o reconhecimento
dos heróis de hoje. São eles:
Primeiro,
pela absoluta independência mental, que surge da capacidade de pensar tudo por
si mesmo, e tratar com ceticismo qualquer consenso corrente sobre qualquer
questão. Segundo, após decidir-se de forma independente, agir – com decisão e
coerência. Terceiro, ignorar ou rejeitar tudo que os meios de comunicação
lançam sobre nós, desde que permaneçamos convencidos de que estamos agindo
certo. Finalmente, agir com coragem pessoal o tempo todo, independentemente das
conseqüências para nós mesmos.
Para Paul Johnson – e eu concordo
–, não há substituto para a coragem quando se trata de atos heróicos. Um maluco
que enfrenta uma matilha de cães raivosos não é corajoso, pois desconhece o
perigo. O viciado em adrenalina que testa a sorte o tempo todo, brincando com a
morte, tampouco é um corajoso, mas sim suicida. Coragem é quando sabemos dos
riscos envolvidos, sentimos medo, e mesmo assim decidimos agir. Nas palavras de
Paul Johnson, a coragem é “A mais nobre e melhor de todas as qualidades, e o
único elemento indispensável em todas as diferentes manifestações”.
O liberalismo, especialmente no
Brasil, um país com forte tradição antiliberal, precisa urgentemente de pessoas
com coragem para defendê-lo. A reação dos grupos de interesse será forte.
Sindicalistas e pelegos incrustados no poder, políticos corruptos, empresários
aliados do governo corrupto, funcionários públicos com fartos privilégios,
intelectuais engajados, a lista de pessoas atingidas pelas necessárias reformas
liberais é grande, e não devemos esperar outra coisa senão uma virulenta ou
mesmo violenta reação. Mas não devemos esmorecer. O preço da liberdade é a
eterna vigilância. Esta, por sua vez, exige coragem. E o liberalismo brasileiro
precisa de seus heróis. Mãos à obra!
*Artigo inédito do livro LIBERAL COM ORGULHO (Ed. Lacre, 2011)
Rodrigo, sei que este não é o locar pertinente para esse tipo de questinamento, mas fiz algumas pesquisas na internet, e nao encontrei nada consistente sobre o assunto.
ResponderExcluirTenho alguns compremissos no final do ano na europa, e gostaria de saber a sua opinião sobre a tendência do euro nesse até o final do ano.
Ja bateu os R$2.50, você acha que sobe até quanto e quando?
Obrigado
Dá pra comprar seu livro nos EUA? Não encontro na Amazon daqui.
ResponderExcluirQue pena que não dá pra comprar seus livros aqui nos EUA. Se um dia estiver por Washington, traga uns livros na mala que eu compro numa boa. Valeu, Rodrigo!
ResponderExcluir"Pobre do país que não tem heróis. Miserável país aquele que precisa de heróis."
ResponderExcluirNão vejo contradição nessa frase.
O país que não tem heróis é pobre.
O país que precisa de heróis é miserável.
Logo, o país que precisa de heróis (miserável) é justamente o país que não tem heróis (pobre).
Acredito que essa frase se refira àqueles países que condenam o culto aos heróis e se tornam miseráveis com isso.
Já o país que ao menos aprova o culto aos heróis é pobre mas não é miserável.
Se não houverem heróis encarnados em personalidades do passado tem-se que inventar deuses e heróis mitológicos para suprir essa deficiência.
A religião é uma forma de culto aos heróis: heróis da fé, quero dizer.
Enfim, uma das maiores forças impulsionadoras do indivíduo é justamente sua busca de glória e realização.
Se para cada tipo de personalidade humana no país houver um herói correspondente que ilustre o indivíduo numa série de regras para ele se pautar na sua busca, o país será de fato um pais rico, desde, é claro que as regras de um tipo de herói não interfira nas regras de outro tipo de herói.
O cristianimo esforçou-se para evitar essa colisão de interesses incitando seus seguidores a perdoarem e amarem seus inimigos, pois é impossível ser um herói que não interfira nos interesses de outro herói, como a polícia e o bandido, por exemplo.
O policial vê-se como herói e o bandido, idem.
É claro que para um ser herói deverá destruir o outro herói.
O liberalismo precisa de representatividade política em segundo lugar, e em primeiro lugar uma população com um mínimo de instrução, caso contrário é só sonho.
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