domingo, novembro 25, 2012

Crime e castigo

Ferreira Gullar, Folha de SP

VAMOS PENSAR juntos: você acha que seria viável uma comunidade humana sem leis, sem normas? Claro que não, porque onde não há normas a serem obedecidas, impera a lei do mais forte, o arbítrio.

Todos sabemos que a natureza não é justa, já que faz pessoas saudáveis e pessoas deficientes, pessoas belas e pessoas feias, talentosas, mas sem talento outras. Isso é o óbvio, mas nem todo mundo tem a inteligência de um Albert Einstein ou o talento musical de um Villa-Lobos. A justiça é, portanto, uma invenção humana, porque necessitamos dela.

De certo modo, a aplicação da Justiça decorre da necessidade de normas que regulem a sociedade -e que são resultado de uma espécie de acordo tácito, que torna todos, sem exceção, sujeitos a ela. Quem as viola deverá ser punido.

É chato ter que punir, mas, se não houver punição, as normas sociais correm o risco de não serem obedecidas, o que levará a sociedade à desordem total. Ao mesmo tempo, não é justo que todos sejam obrigados a obedecer às normas e que aqueles que não as obedeçam não paguem por isso.

Daí a instituição da Justiça na sociedade, que foi criada para que o cidadão que desrespeite as normas seja punido e passe a obedecê-las. A punição, portanto, não é represália, vingança da sociedade contra o transgressor: é o recurso de que ela dispõe para fazer justiça e manter o respeito às leis sem as quais o convívio social se torna inviável.

Faço essas óbvias considerações porque, como já observei aqui noutra ocasião, a impressão que se tem, muitas vezes, é de que punir é algo que só se deve fazer em último caso e do modo mais leve possível.

Participo, em parte, dessa opinião, desde que não implique em anular totalmente o objetivo da punição, que é manter a obediência dos cidadãos às normas que regem o convívio social. Se o princípio de justiça é de que todos são iguais perante a lei, a não punição de quem a viole é a negação desse princípio.

Isso é tanto mais grave quando se trata de pessoas ricas e poderosas que, em nosso país, dificilmente são punidas. Todos são iguais, mas há aqueles que são mais iguais.

Punir é, portanto, afirmar a vigência da lei e a equidade entre os cidadãos, sem o que as normas sociais perdem significação.

Isso fica ainda mais evidente se nos lembramos de como a punição funciona no futebol. Ali, como na vida social, todos estão sujeitos às mesmas normas, graças às quais o jogo se torna possível. E ali, como na vida, quem viola as normas deve ser punido, e com penas que variam de acordo com a gravidade da falta cometida. Se um jogador de um dos times chuta o adversário dentro da pequena área, a punição é o pênalti. Se o juiz não pune o infrator, o jogo perde a graça, e os torcedores se revoltam.

Na sociedade, também. Por isso, de vez em quando, vemos pessoas na rua se manifestando contra a falta de punição a indivíduos que, muitas vezes, não respeitam nem mesmo a vida humana.

A punição não é pura e simplesmente castigo pelo mal ou erro cometido. Nela está implícito o intuito de educar o infrator, de levá-lo a compreender que mais vale obedecer às normas sociais do que violá-las. Isso não significa, no entanto, que todo infrator, ao ser punido, passe a obedecer às normas sociais.

Sabemos que tal coisa nem sempre acontece, pois muitos deles jamais abandonam a prática do crime. Se isso não justifica tratar a todos como irrecuperáveis, tampouco implica em ver a punição como um abuso da sociedade contra o indivíduo. É igualmente inadmissível manter os presos em condições carcerárias sub-humanas.

Se faço tais considerações, é porque tenho a impressão de que nossos legisladores e os responsáveis pela efetivação da Justiça parecem ter esquecido o verdadeiro propósito da punição.

Sentem-se culpados em punir e, por essa razão, criam leis ou as aplicam de modo a, por assim dizer, anular a punição. Frequentemente, um prisioneiro deixa a prisão para visitar a família, some e volta ao crime. E você acha mesmo que um jovem de 16 anos não sabe que roubar e matar é errado? Mas nossas leis acham que não.

Tal procedimento não ajuda a ninguém. Quando um juiz de futebol pune o jogador que comete falta, não está praticando uma maldade, está seguindo a norma que permite que o jogo continue.

6 comentários:

  1. Anônimo11:23 AM

    Discordo quanto à lei do mais forte. Armas de fogo igualam e superam, o mais fraco ao mais forte. Vide caçadores de Elefantes e Leões.
    Com uma arma de fogo venço até o Anderson Silva.

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  2. Anônimo11:40 AM

    No caso, o mais forte é o que tem a arma melhor munido, que mais estrago causa ao adversário, ou ainda aquele que tem melhor da mira ou agilidade no gatilho...
    Dá no mesmo...

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  3. Anônimo2:42 PM

    'Peace means having a bigger stick than the other guy'

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  4. IvanFR7:38 PM

    Só se esquecem de que existe uma coisa chamada "discricionariedade" do juiz na punição (isso existe tanto no futebol como no judiciário).

    Quem nunca ouviu a frase, de algum comentarista: "esse juiz é muito chato, e apita tudo que pode, travando o jogo"...

    No código penal brasileiro, não existe pena única para nenhum crime. Em todos os crimes se lê: pena de tanto a tanto (mínima e máximo). No homicídio, por exemplo, a pena mínima é seis anos e a máxima 30 anos. Na aplicação da pena o juiz leva em conta principalmente a culpabilidade (o grau de reprovação) de quem cometeu o crime...

    Antes de escreverem esses artigos sobre crime e penas, apenas acho que o pessoal deveria pesquisar um pouco mais sobre como realmente funciona a coisa.

    Basta assistir às recentes sessões do STF para perceber que a "dosimetria" das penas não é algo simples de ser feito. Envolve inúmeras variantes...

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  5. Há de se compreender que o universo humano é habitado por todo tipo de pessoas que se expressam de acordo com sua capacidade de concepção do mundo que a envolve. Pelos comentários se percebe o quanto compreenderam o que foi escrito. O autor apenas se propôs a chamar a atenção sobre as condições judiciais em que nós brasileiros vivemos. Particularmente sobre punição. Mas se bem observarmos, chegamos a essa situação graças à ideologia em que o autor, ainda impregnado dela, não se mostra com curiosidade suficiente para buscar suas origens, suas causas. Crime e ideologia merecem de algum estudioso elementos suficientes para se chegar ao momento em que vivemos. Alguém já se pronunciou que prefere construir escolas à prisões, mas até agora as escolas estão esperando para serem construídas. Então...

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  6. Anônimo10:28 AM

    Punir só é uma coisa feia, bárbara, na hora de punir um vagabundo que mata, rouba, estupra
    Olhem o caso João Hélio: o assassino que arrastou e matou uma criança de cinco anos de idade de carro por vários quarteirões ganhou nova identidade e uma vida nova no exterior, bancado pelo governo.

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