terça-feira, janeiro 08, 2013

A crise é moral


Rodrigo Constantino, O GLOBO

            O Japão está em crise há décadas. A Europa está em grave crise. Os Estados Unidos cada vez se parecem mais com a Europa. Não seria exagero falar em uma grande crise das democracias modernas. O que pode explicar tal fenômeno?
            A esquerda vai apontar para os bodes expiatórios de sempre: o capitalismo, o liberalismo, o individualismo. E a esquerda vai errar o alvo, como sempre. Foi o capitalismo liberal com foco no indivíduo que tirou milhões da miséria e permitiu uma vida mais confortável a essa multidão. Quem está mais longe desse sistema, está em situação muito pior.
            O que explica as crises atuais então? Claro que um fenômeno complexo tem mais de uma causa. Mas eu arriscaria uma resposta por meio de um antigo provérbio conhecido: avô rico, filho nobre, neto pobre. Isso quer dizer, basicamente, que o próprio sucesso planta as sementes do fracasso, só que de outra geração.
            Somos os herdeiros de uma geração mimada, que colheu os frutos do árduo trabalho de seus pais, acostumados com vidas mais duras, com guerras, com diversas restrições. Essa geração, principalmente na década de 1960 e 70, pensou que bastava demandar, e todos os seus desejos seriam atendidos, sabe-se lá por quem.
            Acostumados com o conforto ocidental, essas pessoas passaram a crer que a opulência era o estado natural da humanidade, e não a miséria. Em vez de pesquisar as causas da riqueza das nações, como fez Adam Smith, eles acharam que bastava distribuir direitos e jogar a conta para o governo.
            O Estado se tornou, nas palavras de Bastiat, “a grande ficção pela qual todos tentam viver à custa de todos”. O conceito de escassez foi ignorado, e muitos passaram a acreditar na ilusão de que basta um decreto estatal para se obter crescimento e progresso. Vários olharam para esse deus da modernidade em busca de milagres.
            Foi assim que a impressão de moeda por bancos centrais passou a ser confundida com criação de riqueza. Ou que gastos públicos passaram a ser sinônimo de estímulo ao PIB, colocando o termo “austeridade” na lista dos inimigos mortais. O crédito sem lastro para consumo passou a ser visto como altamente desejável, e a poupança individual como algo prejudicial ao crescimento econômico.           
            Toda uma geração acreditou que era possível ter e comer o bolo ao mesmo tempo, esquecendo o alerta de Milton Friedman, de que não existe almoço grátis. Esmolas estatais foram distribuídas a vários grupos organizados, privilégios foram criados para várias “minorias” e o endividamento público explodiu.
O Estado de bem-estar social criou uma bomba relógio, mas ninguém quer pagar a fatura. Acredita-se que é possível jogá-la indefinidamente para frente. Os banqueiros centrais vão criar mais moeda ainda, os governos vão gastar mais e assumir novas dívidas, as famílias vão manter o patamar de consumo e tomar mais crédito, e todos serão felizes. E ai de quem alertar que isso não é possível: será um ultraconservador reacionário e radical.
A postura infantil se alastrou para outras áreas além da econômica. Os adultos agem como adolescentes e delegam ao governo a função de cuidar de seus filhos e de si próprios. O paternalismo estatal assume que indivíduos não são responsáveis, mas sim mentecaptos indefesos que necessitam de tutela.
Intelectuais de esquerda conseguiram convencer inúmeras pessoas de que elas não são responsáveis por suas vidas, e sim marionetes sob o controle de forças maiores e determinísticas. Roubou alguém? É vítima da sociedade desigual. É vagabundo? Culpa do sistema. Matou uma pessoa? A arma é a culpada, e a solução é desarmar os inocentes.
Notem que o mundo atual exime de responsabilidade o indivíduo de quase todas as atrocidades por ele cometidas. Sob a ditadura velada do politicamente correto, ninguém mais pode dar nome aos bois e colocar os pingos nos is. Os eufemismos são a regra, e a linguagem perdeu seu sentido. O criminoso vagabundo é a vítima, e sua vítima é o verdadeiro culpado: quem mandou ter mais bens?
Portanto, engana-se quem pensa que para sair dessa crise precisamos de mais do mesmo: mais crédito, mais dívida pública, mais gastos de governo, mais impostos sobre os ricos e mais impressão de moeda. Não! A receita proposta por Obama e companhia é o caminho da desgraça. Ela representa estender artificialmente a “dolce vita” dos filhos nobres (e mimados), como se o dia do pagamento nunca fosse chegar. Ele chega, inexoravelmente.
Os netos pobres seremos nós, ou nossos filhos, se essa trajetória não mudar logo. A crise não é apenas econômica; ela é moral.

18 comentários:

  1. - excelente texto, sintetiza muito bem a realidade da crise e descontrole da sociedade.se puder autorizar eu gostaria de divulgar seu texto no meu blog - com os devidos creditos de sua autoria.

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  2. Anônimo5:05 PM

    Não é que Obama desconheça a solução correta, mas é que ela é muito custosa politicamente. É mais fácil dar um jeitinho e jogar a conta (com adição de juros) na geração seguinte. Até lá ele não vai estar mais por aí mesmo... Pensamento de curto-prazo, sempre. Parece até que está importando a filosofia de algum país mais ao sul...

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  3. Anônimo6:09 PM

    Perfeito!

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  4. Nehemias Gueiros6:15 PM

    Caro Constantino. Excelente texto, sem dúvida, e sintetiza, de forma planetária, a situação financeira do establishment. Apenas tomo a liberdade de comentar que, com relação aos EUA, sua crítica à proposta de Obama para o segundo mandato à frente da Casa Branca deixou no leitor um vazio que pode ser interpretado como um elogio à plataforma republicana, cuja emenda é ainda pior do que o soneto. Não nos esqueçamos da herança pesada e perdulária que ele herdou de oito anos de governo Bush e duas guerras externas.

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  5. Anônimo8:10 PM

    Bobagem. Irlanda, Espanha e Islândia eram cultuados como exemplos do capitalismo liberal. Vc mesmo num artigo fez diversos elogios à Irlanda. Depois que quebrou, aí deixou de ser o "tigre celta" ? Que tinha uma das menores cargas tributárias do mundo ?

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  6. Anônimo8:24 PM

    Excelente texto! Claro e preciso, disse tudo sobre o que realmente nos conduziu a esse ponto. Entenda quem quiser!

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  7. E os filhos e netos apesar de estarem pobres e já terem se transformado em sem fábricas ou sem industrias e falidos, ainda continuam chefiando os cartéis legalizados das associações de classes patronais que continuam fazendo lobbies junto ao governo para que proteja os sem méritos e nem competências. E alguns que se diziam capitalistas na hora de privatizar os lucros já estão pedindo penico e até se associando à petralhada almejando cargos eletivos inclusive para governador em 2014. Até já aprendeu a mentir mais que a presidente, dizendo na telinha que conseguiu reduzir em 20% o custo da energia elétrica. Somos confiáveis? Jamais, pois por aqui nem o próprio STF faz valer as regras da lei e o próprio governo é um grande criador de insegurança jurídica. Quem é louco de investir em quem não é confiavel?

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  8. O problema é que o mundo caminha a passos largos no caminho da servidão. É patético chamar esse sistema que predomina na maior parte do mundo de capitalismo. Estamos vivendo a era do fascismo democrático.

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  9. Anônimo1:04 AM

    E o Brasil está neste barco furado...né presidenta.

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  10. Concordo com as " facilidades" destruindo as conquistas do passado. Sou engenheiro e vejo os jovens ricos em conhecimentos rápidos e prontos; poucos vão em busca de soluções e verificações práticas porém de esforço, eles querem mandar e controlar papéis...
    Parabéns pelo texto!

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  11. Anderson Velasco8:32 AM

    http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,procurador-decide-pedir-investigacao-de-acusacoes-de-valerio-contra-lula-,982004,0.htm

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  12. Vinicius9:08 AM

    Bom artigo, isso ai mesmo...... "avô rico, filho nobre, neto pobre" Meu pai me repete essa frase a vida inteira... Nada mais verdadeira, conheço algumas familias com essa "trajetoria"...




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  13. Anônimo12:37 AM

    Simples assim, "Somos uma geração do meio da história" Tayler Durden.

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  14. Thiago (Economia Brasileira)6:30 PM

    Rodrigo Constantino sempre LONGE da realidade do povo. O discurso nunca alcança a parcela social que fará o país mudar: O POVÃO. Os discursos sempre vêm validar o ponto de vista de gente que já está nervosa e é instruída (e tem algum conhecimento d autores liberais). Passar as idéias à prática exige um modo mais direto de ataque à ineficiência. E não qo povo é burro, mas o povo não tem paciência p "teorias". Propor ações de forma mais OBJETIVA ajudaria a ser aceito por quem importa. Falar contra Estado... "neto pobre".. e não oq... é muito metafísico. É vago. O discurso não mudou.. nem mudará. É uma pena.

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  15. Mauricio3:07 AM

    Excelente artigo! Vai no X da questão. O problema de fato é moral! A verdadeira e única revolução de que a sociedade precisa neste momento é a recolução da vergonha na cara!

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