quarta-feira, janeiro 09, 2013

Fim da linha em Paris


Rodrigo Constantino, revista VOTO

A França é um país com enorme riqueza cultural, mas que sempre alimentou idéias políticas e econômicas esquisitas. À exceção de pensadores brilhantes como Voltaire, Frederic Bastiat, Alexis de Tocqueville, Jean-François Revel, Raymond Aron, Guy Sorman e alguns outros, o fato é que quase todas as ideologias estatizantes possuem um DNA francês. O Estado é adorado por lá. Escrevi no capítulo “Décadence avec élégance” do meu livro “Privatize Já” (editora LeYa):

Se tem um importante país europeu onde a mentalidade estatólatra é predominante, esse país é a França. Desde os tempos de Luís XIV, a quem é atribuída a frase L’État c’est moi (o estado sou eu), a França é palco de regimes concentradores de poder e recursos no estado. O ministro de Luís XIV, Colbert, daria inclusive nome a esse modelo mercantilista controlador. Seu oposto, o laissez-faire, teria surgido como um grito de desespero dos empresários frente a essa asfixia causada pelo “colbertismo”.

Isso tudo me veio à mente nesses dias, quando o ator Gerárd Depardieu decidiu abrir mão de sua cidadania francesa e passou a ser um cidadão russo. Quando alguém prefere abandonar a “cidade das luzes” em troca da gélida Rússia sob o comando de Vladimir Putin é porque a coisa está realmente feia na França. E de fato está!

Muitos resolveram criticar não o governo francês e sua sede insaciável por recursos, mas o ator, acusado de antipatriotismo. Depardieu rebateu com uma carta aberta, alegando que trabalha desde cedo e que já pagou, segundo seus cálculos, quase US$ 200 milhões em tributos ao longo de sua vida. Realmente, se alguém acha pouco, é porque perdeu completamente o juízo.

O presidente socialista François Hollande venceu com uma plataforma populista de taxar mais ainda os ricos. Ao subir para 75% o imposto daqueles que ganham mais de um milhão de euros por ano, o governo francês está declarando que os ricos são escravos. Ninguém em sã consciência pode considerar razoável uma pessoa trabalhar três quartos do ano apenas para sustentar a máquina estatal.

Claro que muitos ricos possuem inúmeros privilégios e esquemas para burlar parte desse fardo absurdo. A França, nesse e em outros aspectos, parece-se muito com certo país tupiniquim da América do Sul. Subsídios estatais, brechas legais, favorecimentos de todo tipo, enfim, os grandes grupos aliados do “rei” conseguem sobreviver nesse capitalismo de compadres. Mas um ator, um esportista, um profissional liberal que ganha muito dinheiro nem sempre desfruta das mesmas regalias.

Com suas medidas cada vez mais socializantes, a França acabou criando uma casta de privilegiados e uma reduzida mobilidade social. As mesmas grandes empresas existem há décadas. Não há casos de empresas inovadoras que nascem em garagens e ficam gigantes. Não há casos de gigantes que vão à falência, como deveria ocorrer em um sistema capitalista de livre mercado. Os vencedores de antes se protegem com as muletas estatais da concorrência, engessando a economia.

John Bagot Glubb, em seu livro de 1978 “The Fate of Empires and the Search for Survival”, tenta definir um padrão comum de ascensão e declínio de impérios. Seus estudos apontam para os seguintes estágios: 1. Era da explosão com os pioneiros; 2. Era das conquistas; 3. Era do comércio; 4. Era da abundância; 5. Era do intelecto; 6. Era da decadência; 7. Era do declínio e colapso.

Outros pesquisadores, como Will Durant, chegaram a conclusões semelhantes: o próprio sucesso planta as sementes do fracasso. Após uma era da abundância, intelectuais começam a colocar em xeque os valores que permitiram tais conquistas, e vendem ilusões, utopias, sistemas abstratos desligados da realidade. Uma decadência moral toma conta do império, os heróis deixam de ser os empreendedores, e passam a ser artistas e intelectuais cujas vidas são exemplos de imoralidade. Os bárbaros vêm de dentro!

O Estado de bem-estar social é criado com os frutos das velhas conquistas, e prepara o terreno para os escombros a seguir. A França não está sozinha nessa trajetória. Mas ela pode ser vista como seu grande ícone. Os Estados Unidos vêm atrás, com mais tempo para desperdiçar, mas seguindo o mesmo caminho fadado ao fracasso.

Em crise existencial, a Europa pós-moderna, liderada pela França, possui estudantes de 30 anos e aposentados de 50 anos, e ainda se questiona por que o pequeno grupo de trabalhadores entre eles não consegue fazer as contas fecharem.

É triste ver a civilização ocidental, especialmente a França, representante de um incrível legado cultural, passar por isso. Mas estamos diante de uma profunda crise de valores, e enquanto estes não mudarem, o destino não parece nada promissor. A debandada de Gérard Depardieu é apenas um sintoma da doença. Se ela continuar sendo ignorada, a decadência será inevitável.

* * *

Esta é minha última coluna para a revista VOTO, após anos de colaboração. Não gostaria de me despedir do leitor de forma tão sombria, mas acredito que, ao deixar tal alerta, cumpro com minha obrigação moral de relatar o que enxergo, sem dourar a pílula. Tomara que eu esteja errado!       

15 comentários:

  1. Euclides4:28 PM


    Texto muito bom!

    Esses US$ 200 milhões pagos pelo Gérard Depardieu tratam-se apenas de impostos diretos, ainda há os indiretos, como, por exemplo, os 50% que vêm imbutido no preço de uma simples cerveja.

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  2. Anônimo7:47 PM

    Até porque... o estatismo é uma "COLBERTA" de retalhos! rs... nesta eu fui mal!

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  3. Anônimo8:53 PM

    Vc diz que a França é estatizante. Mas e a Rússia ? Um paraíso liberal ? Menos né !

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  4. Anônimo9:23 PM

    No caso do Brasil, vez ou outra saímos do fundo do buraco, subimos, mas antes de efetivamenre vermos a luz do dia, despencamos de volta.

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  5. Não entendo o porquê dele ter escolhido logo a Rússia.Por que não foi para a Alemanha ou Inglaterra?

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  6. Anônimo11:22 PM

    Olá Rodrigo,

    Falando em moral, vale lembrar a Bíblia, pois Salmo 33.12 diz: "Feliz a nação cujo Deus é o Senhor...". Esta felicidade atravessa o tempo, aquele tempo do adágio "pai rico, filho nobre, neto pobre".

    Tenho acompanhado teu trabalho e vejo que você, como liberal, é aberto a entender novos conceitos e opiniões. Não sei se a Bíblia é um conceito novo para você, mas desafio-te a lê-la e encontrar Nela um renovo moral que prima pelo livre mercado, pela livre iniciativa, pelo estudo (Pv 6.10-11, Pv 24-3.4), pela meritocracia (Pv 6.6, Pv 22.29), entre outros (Pv 20.4).

    2 Tessalonicenses 3:10-11 Porque, quando ainda estávamos convosco, vos mandamos isto, que, se alguém não quiser trabalhar, não coma também.

    Abraço.

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  7. bonjour Rodrigo

    felecitations uen fois encore pour vos excellentsq articles et livres.
    je vous livre une difinition du systeme politique et economqiue dont la France est le meilleur representan : l' INEPTOCRATIE
    "Inaptocratie : un système de gouvernement où les moins capables de gouverner sont élus
    par les moins capables de produire et où les autres membres de la société les moins aptes
    à subvenir à eux-mêmes ou à réussir, sont récompensés par des biens et des services qui
    ont été payés par la confiscation de la richesse et du travail d'un nombre de producteurs
    en diminution continuelle".
    a+

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  8. Anônimo9:35 AM

    Rodrigo, excelente texto, como sempre.

    Uma pergunta, contuto, me vem à mente: quais seriam os determinantes do crescimento econômico francês já que aparentemente nunca foi lá um país muito adepto de políticas econômicas de direita. Tem alguma literatura sugerida?

    Conheço pouco da história economica francesa, mas não quero pressupor que seria um caso de sucesso de políticas de esquerda como promoção de crescimento e desenvolvimento econômico.

    Att,

    João Bosco.

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  9. Anônimo10:23 AM

    Tem uns sujeitos que comentam aqui que desconhecem totalmente o Rodrigo, Russia paraiso liberal? de onde vem ideia tao estapafurdia?

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  10. Boa tarde Rodrigo>
    No link abaixo está sendo afirmado que na Europa tem mais mobilidade social ascendente que nos EUA. Foi o modelo de bem estar social que foi o responsavel por isto? abs
    http://www.nytimes.com/2012/01/05/us/harder-for-americans-to-rise-from-lower-rungs.html?pagewanted=all&_r=0

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  11. Anônimo12:31 PM



    Analfabetismo funcional detectado: "Anonymous said...
    Vc diz que a França é estatizante. Mas e a Rússia ? Um paraíso liberal ? Menos né !
    8:53 PM"

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  12. Diogo R Santos7:50 PM

    Alguns comentaristas parecem que não entenderam mesmo o texto. Mas é claro que liberdade é algo que não existe na Rússia de Putin, entretanto ver um dos atores de maior renome da França como o Depardieu, preferir ser russo do que francês é porque algo está errado no país governado por Hollande. Por isso o texto é oportuno.

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  13. Anônimo8:35 PM

    O caso mostra que o Depardieu é um idiota completo. Trocar a democrática França pela ditatorial Rússia é uma imbecialidade. É a mesma coisa se o Oliver Stone trocar os EUA pela Venezuela !!!

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  14. Anônimo1:09 AM

    Os dois anonymous se fazendo de bobo indiginados pelo ator ter trocado a Franca pela Russia sabem muito bem que ele o fez por estar cansado de pagar altos impostos na Franca. Ele ja declarou isso varias vezes.

    Parem de se fingir de bobo. Esta atitude mostra como a esquerda anticapialista esta se danando com os efeitos de sua economia estatizante na vida das pessoas. Eles nao tem competencia e talento para sobreviverem em uma sociedade de economia de livre mercado e sao obcecados por destruir pessoas talentosas que surgem deste tipo de sociedade.

    Realmente pode se dizer que a Franca é o pais estatista padrao latino de maior sucesso no mundo. So que nao esquecam que quem carrega nas costas a maioria latino-catolica na franca é a minoria protestante e judaica que sempre se destacou na engenharia, financas e comercio.

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  15. Eu mesmo10:09 AM

    Excelente!
    É... A Brigitte resolveu também trocar a França pela Rússia... Les français doivent se poser des questions ...

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