Idéias de um livre pensador sem medo da polêmica ou da patrulha dos "politicamente corretos".
segunda-feira, fevereiro 28, 2011
O extermínio dos Romanov
Meu artigo de hoje no OrdemLivre.org, uma resenha do livro "Os últimos dias dos Romanov", de Helen Rappaport.
sexta-feira, fevereiro 25, 2011
Salário Mínimo, Confusão Máxima
Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal
A questão do salário mínimo continua gerando confusão. A oposição anunciou que pediu para a OAB analisar juridicamente o projeto votado no Congresso e aprovado no Senado, questionando no STF a constitucionalidade da medida. O principal ponto diz respeito ao mecanismo de definição do salário mínimo até 2015, que sairia do Congresso e ficaria sob o controle do Executivo, por meio de decreto. Trata-se de uma mudança delicada do ponto de vista jurídico, e a “judicialização” do salário mínimo agora parece inevitável. O impasse promete gerar desgaste político para o governo Dilma, além de insegurança jurídica para muitos.
Para um liberal, tudo em torno do salário mínimo é estranho demais. Em primeiro lugar, há que se questionar se deveria existir mesmo um salário mínimo definido pelo governo, ainda mais na esfera federal. Antes que os mais sensacionalistas afirmem que sem o salário mínimo muitos trabalhariam quase como escravos, é preciso lembrar que cerca de metade dos trabalhadores no país já está na informalidade. Para quem jura que basta um decreto estatal para aumentar o salário, resta explicar porque não decretar logo um mínimo de, digamos, R$ 5.000. Se for para garantir uma “vida digna” para todos, e se o salário mínimo não tem impactos negativos para os próprios trabalhadores, por que os sindicalistas não abraçam logo esta bandeira? Estariam felizes com R$ 580 de salário?
Quando levamos a coisa ao absurdo, fica evidente que o salário mínimo não está isento de efeitos perversos, justamente para os mais pobres. É que o salário real não pode ser definido por decreto estatal; ele depende da oferta e da demanda, das inexoráveis leis econômicas, que tal como a lei da gravidade, não podem ser alteradas pela “vontade política”. Se o salário mínimo ficar muito acima do salário de mercado, o resultado será desemprego ou informalidade. Se José só pode ou aceita contratar João por R$ 500 mensais, por conta de sua baixa produtividade, então não adianta o governo decretar que ele deve pagar R$ 45 a mais: João vai ficar sem o emprego, ou vai fechar acordo com José “por fora”.
Um salário mínimo acima do salário de equilíbrio do mercado acaba prejudicando aqueles com baixa escolaridade, mais jovens, que aceitariam trabalhar por menos. Claro que é legítimo ficar espantado com um salário tão baixo, que não consegue garantir o mínimo de segurança e conforto. Mas o foco deveria ser atacar as raízes do problema, como a baixa escolaridade e produtividade, a excessiva carga tributária, a asfixiante burocracia etc. Como o governo não faz nada disso, prefere debater com a oposição alguns reais a mais ou a menos no salário mínimo, e se cabe ao Legislativo ou ao Executivo decidir.
Isso sem falar do maior problema de todos: a indexação ao salário mínimo que produz um rombo gigantesco nos gastos públicos, especialmente o previdenciário. O salário é mínimo, mas a confusão é máxima!
terça-feira, fevereiro 22, 2011
Onde estão as reformas?
Rodrigo Constantino, O GLOBO
Após quase dois meses de governo Dilma, o que podemos dizer sobre sua gestão? Muitos parecem satisfeitos, mas não é fácil entender os motivos. Talvez o relativo silêncio da presidente explique a maior benevolência com a atual ocupante do cargo. Mas esta parece uma razão muito frágil para postura tão obsequiosa.
Até aqui, a imagem de uma gerente eficiente que atua nos bastidores sem muito barulho tem sobrevivido. Mas o que está sendo feito de verdade? Fala-se do enorme corte de R$ 50 bilhões nos gastos públicos. Mas uma análise mais minuciosa levanta questões importantes.
Para começo de conversa, o ministro responsável pela medida é o mesmo da gestão anterior, o “ilusionista” Guido Mantega, responsável por truques contábeis para atingir a meta de superávit fiscal em 2010. Qual a sua credibilidade para assumir a tesoura agora?
Em segundo lugar, o propagado corte se dará em cima de um Orçamento inflado. Cortar expectativa de aumento de gasto não é o mesmo que reduzir efetivamente a despesa, algo que o setor público deveria fazer urgentemente. Os gastos em 2011 serão maiores do que foram em 2010. Isso sem falar dos malabarismos para expandir o crédito público subsidiado por meio do BNDES.
O inchaço da máquina estatal foi responsabilidade do governo Lula, do qual Dilma foi importante figura. A “herança maldita” vem daquele presidente que garantiu aos eleitores que Dilma era apenas outro nome para Lula. Durante a campanha, a própria Dilma afirmou que não faria ajuste fiscal. Seria um caso de “estelionato eleitoral” então?
Claro que as medidas de maior austeridade fiscal são necessárias. A inflação está em patamares elevados. O Banco Central já iniciou um ciclo de aumento dos juros para conter o dragão, e seria um erro utilizar somente a política monetária nesta batalha. O principal instrumento deve ser justamente a política fiscal, uma vez que os gastos públicos são a causa número um do problema. Mas o corte é tímido, se é que será colocado em prática na íntegra.
O que mais deveria ser feito então? A resposta está na ponta da língua de qualquer economista sério: as reformas estruturais. Enquanto estas mudanças mais profundas não forem realizadas, o governo ficará apenas apagando incêndio com copos d’água, empurrando o problema com a barriga. A presidente Dilma não esboça nenhuma intenção de enfrentar este desafio com coragem e determinação. Ao contrário, ela já deixou claro que não deverá pressionar o Congresso em relação a isso.
Conter o aumento do salário mínimo, passando por cima dos sindicalistas de sua base tradicional de apoio, foi uma conquista. Mas ainda é muito pouco. O rombo previdenciário é uma bomba-relógio, e o “bônus demográfico” cada vez ajuda menos. A população brasileira está envelhecendo, e as contas não fecham. Fingir que o problema não existe somente porque sua explosão não é iminente beira a total irresponsabilidade. Onde está o projeto da reforma previdenciária? Se depender do PT, o modelo de aposentadoria muda, mas para pior.
As leis trabalhistas de nosso país datam da Era Vargas, sob a visível influência do fascismo. As máfias sindicais concentram poder abusivo, e não há flexibilidade alguma entre patrão e empregado. A Justiça do Trabalho adota viés marxista em suas decisões, quase sempre penalizando as empresas. A burocracia é asfixiante e a carga tributária é absurda. Leva-se 120 dias para abrir uma empresa no Brasil, contra 14 dias nos países mais desenvolvidos. Consome-se cerca de 2.600 horas por ano apenas para atender as demandas de nosso manicômio tributário. Empreender num país desses é tarefa heróica. Onde está a reforma trabalhista? Onde está a reforma tributária?
A infraestrutura do país está em péssimo estado. O governo não investe direito porque gasta muito, e ainda prejudica a iniciativa privada com elevados impostos, juros altos e burocracia insana. Enquanto estas questões básicas forem ignoradas, não dá para ficar elogiando a “gerência eficiente” da presidente. É preciso cobrar mudanças concretas.
Entretanto, parece que nossa sonolenta oposição prefere se digladiar entre si, enquanto muitos empresários míopes surfam as ondas criadas pelos ventos externos favoráveis, que em qualquer momento podem mudar de direção. Trata-se de um equilíbrio instável, que pode levar a um cenário de rápida deterioração da economia. Este modelo não é de crescimento sustentável.
Em vez de elogiar a “eficiência” da presidente na gestão, todos deveriam, com um brado retumbante, perguntar: onde estão as reformas?
Após quase dois meses de governo Dilma, o que podemos dizer sobre sua gestão? Muitos parecem satisfeitos, mas não é fácil entender os motivos. Talvez o relativo silêncio da presidente explique a maior benevolência com a atual ocupante do cargo. Mas esta parece uma razão muito frágil para postura tão obsequiosa.
Até aqui, a imagem de uma gerente eficiente que atua nos bastidores sem muito barulho tem sobrevivido. Mas o que está sendo feito de verdade? Fala-se do enorme corte de R$ 50 bilhões nos gastos públicos. Mas uma análise mais minuciosa levanta questões importantes.
Para começo de conversa, o ministro responsável pela medida é o mesmo da gestão anterior, o “ilusionista” Guido Mantega, responsável por truques contábeis para atingir a meta de superávit fiscal em 2010. Qual a sua credibilidade para assumir a tesoura agora?
Em segundo lugar, o propagado corte se dará em cima de um Orçamento inflado. Cortar expectativa de aumento de gasto não é o mesmo que reduzir efetivamente a despesa, algo que o setor público deveria fazer urgentemente. Os gastos em 2011 serão maiores do que foram em 2010. Isso sem falar dos malabarismos para expandir o crédito público subsidiado por meio do BNDES.
O inchaço da máquina estatal foi responsabilidade do governo Lula, do qual Dilma foi importante figura. A “herança maldita” vem daquele presidente que garantiu aos eleitores que Dilma era apenas outro nome para Lula. Durante a campanha, a própria Dilma afirmou que não faria ajuste fiscal. Seria um caso de “estelionato eleitoral” então?
Claro que as medidas de maior austeridade fiscal são necessárias. A inflação está em patamares elevados. O Banco Central já iniciou um ciclo de aumento dos juros para conter o dragão, e seria um erro utilizar somente a política monetária nesta batalha. O principal instrumento deve ser justamente a política fiscal, uma vez que os gastos públicos são a causa número um do problema. Mas o corte é tímido, se é que será colocado em prática na íntegra.
O que mais deveria ser feito então? A resposta está na ponta da língua de qualquer economista sério: as reformas estruturais. Enquanto estas mudanças mais profundas não forem realizadas, o governo ficará apenas apagando incêndio com copos d’água, empurrando o problema com a barriga. A presidente Dilma não esboça nenhuma intenção de enfrentar este desafio com coragem e determinação. Ao contrário, ela já deixou claro que não deverá pressionar o Congresso em relação a isso.
Conter o aumento do salário mínimo, passando por cima dos sindicalistas de sua base tradicional de apoio, foi uma conquista. Mas ainda é muito pouco. O rombo previdenciário é uma bomba-relógio, e o “bônus demográfico” cada vez ajuda menos. A população brasileira está envelhecendo, e as contas não fecham. Fingir que o problema não existe somente porque sua explosão não é iminente beira a total irresponsabilidade. Onde está o projeto da reforma previdenciária? Se depender do PT, o modelo de aposentadoria muda, mas para pior.
As leis trabalhistas de nosso país datam da Era Vargas, sob a visível influência do fascismo. As máfias sindicais concentram poder abusivo, e não há flexibilidade alguma entre patrão e empregado. A Justiça do Trabalho adota viés marxista em suas decisões, quase sempre penalizando as empresas. A burocracia é asfixiante e a carga tributária é absurda. Leva-se 120 dias para abrir uma empresa no Brasil, contra 14 dias nos países mais desenvolvidos. Consome-se cerca de 2.600 horas por ano apenas para atender as demandas de nosso manicômio tributário. Empreender num país desses é tarefa heróica. Onde está a reforma trabalhista? Onde está a reforma tributária?
A infraestrutura do país está em péssimo estado. O governo não investe direito porque gasta muito, e ainda prejudica a iniciativa privada com elevados impostos, juros altos e burocracia insana. Enquanto estas questões básicas forem ignoradas, não dá para ficar elogiando a “gerência eficiente” da presidente. É preciso cobrar mudanças concretas.
Entretanto, parece que nossa sonolenta oposição prefere se digladiar entre si, enquanto muitos empresários míopes surfam as ondas criadas pelos ventos externos favoráveis, que em qualquer momento podem mudar de direção. Trata-se de um equilíbrio instável, que pode levar a um cenário de rápida deterioração da economia. Este modelo não é de crescimento sustentável.
Em vez de elogiar a “eficiência” da presidente na gestão, todos deveriam, com um brado retumbante, perguntar: onde estão as reformas?
Considerações importantes na escolha de um gestor
Rodrigo Constantino, Valor Econômico
Uma conferência recente de um grande banco de investimento, com os principais executivos das empresas brasileiras de capital aberto, suscitou reflexões acerca da competitividade da indústria de gestão de recursos no país.
O evento estava completamente lotado, com vários rostos novos enchendo o local. Com baixa barreira à entrada, diversas gestoras de recursos nasceram nos últimos anos. Com o grosso do capital nas mãos de poucos distribuidores, alguns negócios crescem exponencialmente, mas a taxa de mortalidade também é elevada.
Como sobreviver e oferecer bom retorno ao longo do tempo nesse setor tão dinâmico e concorrido? Abaixo, pretendo abordar dez pontos que julgo relevantes na hora de escolher um bom gestor de recursos.
1) O alinhamento de interesses é fundamental. Muitas gestoras começam a entregar resultados medíocres porque se transformam em negócios de taxa de administração, perdendo o foco na performance. O ideal é buscar gestores com boa parcela de seu patrimônio nos mesmos fundos dos clientes, e com parcela elevada de capital próprio no total gerido.
2) Investir em capital humano é crucial. Esse negócio depende basicamente das pessoas, e as gestoras que não souberem atrair os melhores, treiná-los e mantê-los motivados dificilmente terão condições de se destacar no longo prazo.
3) A ética das pessoas envolvidas na gestão é fator preponderante na hora de escolher o gestor. Alguns gestores podem parecer superiores aos demais por algum período, mas sem confiança em sua postura ética, cedo ou tarde alguma decepção grande será inevitável.
4) A meta deve ser correr uma maratona, não os cem metros. Os gestores devem ter em mente que um negócio bem-sucedido se constrói ao longo do tempo, gradativamente e com cautela. A tentação de crescer de forma muito acelerada deve ser evitada para se preservar o retorno e o foco no longo prazo.
5) O resultado dessa postura é uma administração cuidadosa do passivo. A concentração elevada em poucos e grandes distribuidores representa risco excessivo para o negócio, pois as reviravoltas no desempenho são inevitáveis, e os resgates em massa de clientes descompromissados podem afetar drasticamente as chances de sobrevivência.
6) Basta olhar em volta para ter ideia de quanta gente preparada, inteligente e disposta a trabalhar duro existe no setor. O corolário disso é que o gestor deve sempre manter extrema humildade, respeitando o mercado. Isso não quer dizer, naturalmente, que este estará sempre certo. Ser um pensador independente e assumir posturas contrárias aos movimentos de manada costumam render bons resultados, especialmente em apostas assimétricas. Mas a arrogância pode ser fatal nessa indústria.
7) Depender da "genialidade" de um gestor pode representar um perigo gigantesco. O melhor é contar com uma equipe capaz e disposta ao trabalho árduo, reconhecendo os limites do poder de previsão do futuro. O processo de decisão deve ser mais importante que o brilhantismo de um único indivíduo.
8) Existem diversas maneiras de se ganhar dinheiro nos mercados, e mais ainda de se perder. Acredito que mais de uma estratégia pode ser vencedora, e o mais importante é adequá-la ao perfil dos gestores. Dependendo da tolerância ao risco, da personalidade, do horizonte, tipos distintos de gestão podem fazer sentido. Tanto a abordagem macro quanto a micro, ou então um misto delas, podem funcionar. Não existe somente uma estratégia certa. O importante é focar nas vantagens competitivas da equipe.
9) O controle de custos é importante e pode ser observado em alguns detalhes aparentemente sem importância. Gestoras que se mostram descuidadas com o dinheiro, gastando muito com bobagens, estão desperdiçando recursos escassos e afetando o retorno dos clientes. É preciso estar preparado para o inverno, pois ele é inexorável nesta indústria, e mesmo os melhores gestores enfrentam momentos delicados de desempenho pífio.
10) Por fim, a sorte é sempre bem-vinda. Claro que quanto mais se trabalha, mais a sorte costuma aparecer. Gestão não é cassino, e quem busca adrenalina deve ir para Las Vegas. Mas é importante reconhecer o papel da sorte no resultado final, até para reforçar a postura humilde diante dos mercados.
Mais importante do que estar certo o tempo todo - tarefa impossível na prática - é ganhar muito quando acertar, e limitar bastante o prejuízo quando errar. Disciplina é crucial, pois os mercados podem permanecer irracionais por mais tempo do que o gestor solvente. Boa sorte a todos!
Uma conferência recente de um grande banco de investimento, com os principais executivos das empresas brasileiras de capital aberto, suscitou reflexões acerca da competitividade da indústria de gestão de recursos no país.
O evento estava completamente lotado, com vários rostos novos enchendo o local. Com baixa barreira à entrada, diversas gestoras de recursos nasceram nos últimos anos. Com o grosso do capital nas mãos de poucos distribuidores, alguns negócios crescem exponencialmente, mas a taxa de mortalidade também é elevada.
Como sobreviver e oferecer bom retorno ao longo do tempo nesse setor tão dinâmico e concorrido? Abaixo, pretendo abordar dez pontos que julgo relevantes na hora de escolher um bom gestor de recursos.
1) O alinhamento de interesses é fundamental. Muitas gestoras começam a entregar resultados medíocres porque se transformam em negócios de taxa de administração, perdendo o foco na performance. O ideal é buscar gestores com boa parcela de seu patrimônio nos mesmos fundos dos clientes, e com parcela elevada de capital próprio no total gerido.
2) Investir em capital humano é crucial. Esse negócio depende basicamente das pessoas, e as gestoras que não souberem atrair os melhores, treiná-los e mantê-los motivados dificilmente terão condições de se destacar no longo prazo.
3) A ética das pessoas envolvidas na gestão é fator preponderante na hora de escolher o gestor. Alguns gestores podem parecer superiores aos demais por algum período, mas sem confiança em sua postura ética, cedo ou tarde alguma decepção grande será inevitável.
4) A meta deve ser correr uma maratona, não os cem metros. Os gestores devem ter em mente que um negócio bem-sucedido se constrói ao longo do tempo, gradativamente e com cautela. A tentação de crescer de forma muito acelerada deve ser evitada para se preservar o retorno e o foco no longo prazo.
5) O resultado dessa postura é uma administração cuidadosa do passivo. A concentração elevada em poucos e grandes distribuidores representa risco excessivo para o negócio, pois as reviravoltas no desempenho são inevitáveis, e os resgates em massa de clientes descompromissados podem afetar drasticamente as chances de sobrevivência.
6) Basta olhar em volta para ter ideia de quanta gente preparada, inteligente e disposta a trabalhar duro existe no setor. O corolário disso é que o gestor deve sempre manter extrema humildade, respeitando o mercado. Isso não quer dizer, naturalmente, que este estará sempre certo. Ser um pensador independente e assumir posturas contrárias aos movimentos de manada costumam render bons resultados, especialmente em apostas assimétricas. Mas a arrogância pode ser fatal nessa indústria.
7) Depender da "genialidade" de um gestor pode representar um perigo gigantesco. O melhor é contar com uma equipe capaz e disposta ao trabalho árduo, reconhecendo os limites do poder de previsão do futuro. O processo de decisão deve ser mais importante que o brilhantismo de um único indivíduo.
8) Existem diversas maneiras de se ganhar dinheiro nos mercados, e mais ainda de se perder. Acredito que mais de uma estratégia pode ser vencedora, e o mais importante é adequá-la ao perfil dos gestores. Dependendo da tolerância ao risco, da personalidade, do horizonte, tipos distintos de gestão podem fazer sentido. Tanto a abordagem macro quanto a micro, ou então um misto delas, podem funcionar. Não existe somente uma estratégia certa. O importante é focar nas vantagens competitivas da equipe.
9) O controle de custos é importante e pode ser observado em alguns detalhes aparentemente sem importância. Gestoras que se mostram descuidadas com o dinheiro, gastando muito com bobagens, estão desperdiçando recursos escassos e afetando o retorno dos clientes. É preciso estar preparado para o inverno, pois ele é inexorável nesta indústria, e mesmo os melhores gestores enfrentam momentos delicados de desempenho pífio.
10) Por fim, a sorte é sempre bem-vinda. Claro que quanto mais se trabalha, mais a sorte costuma aparecer. Gestão não é cassino, e quem busca adrenalina deve ir para Las Vegas. Mas é importante reconhecer o papel da sorte no resultado final, até para reforçar a postura humilde diante dos mercados.
Mais importante do que estar certo o tempo todo - tarefa impossível na prática - é ganhar muito quando acertar, e limitar bastante o prejuízo quando errar. Disciplina é crucial, pois os mercados podem permanecer irracionais por mais tempo do que o gestor solvente. Boa sorte a todos!
domingo, fevereiro 20, 2011
Anvisa fascista!
Vídeo onde comento as investidas fascistas da Anvisa, que agora deseja banir do país os remédios para emagrecimento.
sexta-feira, fevereiro 18, 2011
Brincando com fogo
Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal
Eis a chamada no caderno de Economia do jornal O Globo hoje: “BNDES e Caixa têm reforço de R$ 8,6 bi”. Em seguida, avisa a matéria: “Com capitalização do governo, capacidade de empréstimo das instituições aumentará R$ 130 bi”. Há apenas um pequeno detalhe: esta capitalização se dará por meio da transferência de ações da Eletrobrás e Petrobrás do Tesouro para estes bancos estatais. Ou seja, nenhum centavo de nova poupança foi adicionado ao “pool” de recursos para empréstimos. Trata-se do governo criando dinheiro do nada, e tentando camuflar a expansão da alavancagem do sistema.
O excelente artigo do meu ex-professor Rogério Werneck também no jornal O Globo hoje, com o título “Ligação clandestina”, toca justamente neste ponto. Werneck mostra que o governo quer cortar gastos com uma mão, mas aumentá-lo com outra, por meio de mais empréstimos públicos subsidiados. Ele vai direto ao ponto: “Chegou a hora de fechar o orçamento fiscal paralelo que o governo tem mantido no BNDES, por meio de operações dissimuladas de capitalização da instituição pelo Tesouro”. Até o FMI já colocou o dedo na ferida, mas o ministro Mantega preferiu desqualificar o “burocrata ortodoxo” do fundo. Werneck pergunta, com propriedade: “Até quando o governo vai insistir nesse papelão?”
Além das patéticas tentativas de iludir o mercado, fica claro que o governo atual acredita, de fato, na expansão dos gastos públicos como alavanca da economia, independente do cenário. Keynes defenderia a expansão fiscal como medida anticíclica, mas os neo-keynesianos pensam que a gastança estatal é sempre vantajosa. Há crise e recessão? Então basta aumentar os gastos! Há crescimento acelerado e demanda por novos empréstimos? Então basta aumentar os gastos! E eis que essa turma prega sempre maiores gastos públicos, faça chuva ou faça sol.
Thatcher, em sua autobiografia, comenta a postura contraditória da esquerda inglesa, que defendeu maiores gastos públicos em 1980 porque ignorava o cenário negativo para a economia no ano, e em seguida pregou gastos ainda maiores para aquecer uma economia já claramente em recessão no ano seguinte. Como ela disse, sem dúvida há algo muito suspeito em uma solução que está sempre correta independente de qual é o problema. Para quem tem apenas um martelo, tudo se parece com um prego. E a esquerda só tem uma solução para tudo: gastar mais o dinheiro dos outros.
Com a inflação neste patamar, o governo está agindo como um malabarista banhado em gasolina e brincando com fogo.
Eis a chamada no caderno de Economia do jornal O Globo hoje: “BNDES e Caixa têm reforço de R$ 8,6 bi”. Em seguida, avisa a matéria: “Com capitalização do governo, capacidade de empréstimo das instituições aumentará R$ 130 bi”. Há apenas um pequeno detalhe: esta capitalização se dará por meio da transferência de ações da Eletrobrás e Petrobrás do Tesouro para estes bancos estatais. Ou seja, nenhum centavo de nova poupança foi adicionado ao “pool” de recursos para empréstimos. Trata-se do governo criando dinheiro do nada, e tentando camuflar a expansão da alavancagem do sistema.
O excelente artigo do meu ex-professor Rogério Werneck também no jornal O Globo hoje, com o título “Ligação clandestina”, toca justamente neste ponto. Werneck mostra que o governo quer cortar gastos com uma mão, mas aumentá-lo com outra, por meio de mais empréstimos públicos subsidiados. Ele vai direto ao ponto: “Chegou a hora de fechar o orçamento fiscal paralelo que o governo tem mantido no BNDES, por meio de operações dissimuladas de capitalização da instituição pelo Tesouro”. Até o FMI já colocou o dedo na ferida, mas o ministro Mantega preferiu desqualificar o “burocrata ortodoxo” do fundo. Werneck pergunta, com propriedade: “Até quando o governo vai insistir nesse papelão?”
Além das patéticas tentativas de iludir o mercado, fica claro que o governo atual acredita, de fato, na expansão dos gastos públicos como alavanca da economia, independente do cenário. Keynes defenderia a expansão fiscal como medida anticíclica, mas os neo-keynesianos pensam que a gastança estatal é sempre vantajosa. Há crise e recessão? Então basta aumentar os gastos! Há crescimento acelerado e demanda por novos empréstimos? Então basta aumentar os gastos! E eis que essa turma prega sempre maiores gastos públicos, faça chuva ou faça sol.
Thatcher, em sua autobiografia, comenta a postura contraditória da esquerda inglesa, que defendeu maiores gastos públicos em 1980 porque ignorava o cenário negativo para a economia no ano, e em seguida pregou gastos ainda maiores para aquecer uma economia já claramente em recessão no ano seguinte. Como ela disse, sem dúvida há algo muito suspeito em uma solução que está sempre correta independente de qual é o problema. Para quem tem apenas um martelo, tudo se parece com um prego. E a esquerda só tem uma solução para tudo: gastar mais o dinheiro dos outros.
Com a inflação neste patamar, o governo está agindo como um malabarista banhado em gasolina e brincando com fogo.
quinta-feira, fevereiro 17, 2011
Liberdade de Expressão
Rodrigo Constantino, O Globo
A liberdade de expressão anda bastante ameaçada nesta era do “politicamente correto”.
Durante o governo Lula, o PT chegou a preparar uma cartilha de termos que deveriam ser utilizados no lugar de outros, supostamente menos adequados.
Quando o governo, mesmo que amparado por uma maioria, arrogase o direito de impor até mesmo um uso “apropriado” da linguagem, é porque a liberdade individual já corre grande perigo.
Em um regime democrático legítimo, as minorias devem estar protegidas da tirania da maioria. O indivíduo deve ser livre para expressar suas ideias sem medo de coerção.
Ninguém é obrigado a lhe ceder os meios de comunicação necessários. Cabe ao governo apenas garantir sua segurança ao se expressar.
Tal liberdade trará consigo o risco de escutarmos ideias que consideramos até mesmo sórdidas.
A liberdade existirá somente se as minorias forem livres para pregar suas ideias, por mais absurdas que possam parecer.
Há um método simples de se avaliar quão livre é uma nação: basta verificar se o indivíduo pode, em praça pública, contrariar em segurança o governo ou o consenso.
Regimes autoritários, mesmo que “democráticos”, não toleram este tipo de atitude.
A fim de evitar este risco, os “pais fundadores” dos Estados Unidos criaram, logo na Primeira Emenda Constitucional, o direito de liberdade de expressão, estendido igualmente a todos. No modelo liberal, um socialista pode se expressar contra o liberalismo.
Já no socialismo, o liberal provavelmente acabará em um Gulag.
O patrulhamento do “politicamente correto” tem colocado a liberdade em risco.
Numa sociedade aberta, ser impopular é seguro, ao contrário do que ocorre em sociedades fechadas.
É fácil pregar a liberdade quando isto se aplica somente àqueles com quem concordamos.
O teste é quando precisamos tolerar o discurso contrário ao nosso, não quando garantimos a liberdade de todos repetirem, como vitrolas arranhadas, o consenso.
Mesmo um néscio deve ser livre para defender suas estultices.
O filósofo John Stuart Mill escreveu: “Se todos os homens menos um partilhassem a mesma opinião, e apenas uma única pessoa fosse de opinião contrária, a humanidade não teria mais legitimidade em silenciar esta única pessoa do que ela, se poder tivesse, em silenciar a humanidade”.
E acrescentou: “Se a opinião é correta, privam- nos da oportunidade de trocar o erro pela verdade; se errada, perdem, o que importa em benefício quase tão grande, a percepção mais clara da verdade, produzida por sua colisão com o erro”.
Todo silêncio que se impõe à discussão equivale à presunção de infalibilidade. O cerceamento da liberdade de expressão coloca em risco o progresso. Basta pensar como estaria o mundo se as ideias controversas do passado tivessem sido silenciadas pelo consenso da época.
Galileu, Newton, Darwin, Einstein, Freud e vários outros não teriam tido a oportunidade de expor suas teorias, que contrariavam a opinião dominante da época.
Quem ataca a liberdade de expressão está contra o progresso da civilização.
A liberdade de expressão anda bastante ameaçada nesta era do “politicamente correto”.
Durante o governo Lula, o PT chegou a preparar uma cartilha de termos que deveriam ser utilizados no lugar de outros, supostamente menos adequados.
Quando o governo, mesmo que amparado por uma maioria, arrogase o direito de impor até mesmo um uso “apropriado” da linguagem, é porque a liberdade individual já corre grande perigo.
Em um regime democrático legítimo, as minorias devem estar protegidas da tirania da maioria. O indivíduo deve ser livre para expressar suas ideias sem medo de coerção.
Ninguém é obrigado a lhe ceder os meios de comunicação necessários. Cabe ao governo apenas garantir sua segurança ao se expressar.
Tal liberdade trará consigo o risco de escutarmos ideias que consideramos até mesmo sórdidas.
A liberdade existirá somente se as minorias forem livres para pregar suas ideias, por mais absurdas que possam parecer.
Há um método simples de se avaliar quão livre é uma nação: basta verificar se o indivíduo pode, em praça pública, contrariar em segurança o governo ou o consenso.
Regimes autoritários, mesmo que “democráticos”, não toleram este tipo de atitude.
A fim de evitar este risco, os “pais fundadores” dos Estados Unidos criaram, logo na Primeira Emenda Constitucional, o direito de liberdade de expressão, estendido igualmente a todos. No modelo liberal, um socialista pode se expressar contra o liberalismo.
Já no socialismo, o liberal provavelmente acabará em um Gulag.
O patrulhamento do “politicamente correto” tem colocado a liberdade em risco.
Numa sociedade aberta, ser impopular é seguro, ao contrário do que ocorre em sociedades fechadas.
É fácil pregar a liberdade quando isto se aplica somente àqueles com quem concordamos.
O teste é quando precisamos tolerar o discurso contrário ao nosso, não quando garantimos a liberdade de todos repetirem, como vitrolas arranhadas, o consenso.
Mesmo um néscio deve ser livre para defender suas estultices.
O filósofo John Stuart Mill escreveu: “Se todos os homens menos um partilhassem a mesma opinião, e apenas uma única pessoa fosse de opinião contrária, a humanidade não teria mais legitimidade em silenciar esta única pessoa do que ela, se poder tivesse, em silenciar a humanidade”.
E acrescentou: “Se a opinião é correta, privam- nos da oportunidade de trocar o erro pela verdade; se errada, perdem, o que importa em benefício quase tão grande, a percepção mais clara da verdade, produzida por sua colisão com o erro”.
Todo silêncio que se impõe à discussão equivale à presunção de infalibilidade. O cerceamento da liberdade de expressão coloca em risco o progresso. Basta pensar como estaria o mundo se as ideias controversas do passado tivessem sido silenciadas pelo consenso da época.
Galileu, Newton, Darwin, Einstein, Freud e vários outros não teriam tido a oportunidade de expor suas teorias, que contrariavam a opinião dominante da época.
Quem ataca a liberdade de expressão está contra o progresso da civilização.
sexta-feira, fevereiro 11, 2011
Mubarak cai
Vídeo onde comento o fantástico acontecimento no Egito, com a pressão popular derrubando o ditador que estava há 30 anos no poder. É motivo para comemoração, mas também levanto algumas questões que demandam cautela e ceticismo em relação ao futuro do Egito.
Thatcher e o consenso
"To me consensus seems to be: the process of abandoning all beliefs, principles, values and policies in search of something in which no one believes, but to which no one objects; the process of avoiding the very issues that have to be solved, merely because you cannot get agreement on the way ahead. What great cause would have been fought and won under the banner 'I stand for consensus'?" (Margaret Thatcher)
Tradução livre:
"Para mim, consenso parece ser: o processo de abandonar todas as crenças, princípios, valores e políticas em busca de algo em que ninguém acredita, mas que ninguém rejeita; o processo de evitar justo os problemas que devem ser resolvidos, simplesmente porque não é possível obter um acordo sobre o caminho a seguir. Que grande causa teria sido lutada e vencida, sob a bandeira ‘Eu defendo o consenso’?"
E fica a ótima notícia: Meryl Streep será Margaret Thatcher no filme "The Iron Lady", sobre esta grande estadista inglesa.
Corte nos gastos públicos? Que corte?
Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal
O anúncio do corte de R$ 50 bilhões nos gastos públicos ganhou as manchetes dos principais jornais do país no primeiro momento. Hoje, porém, algumas matérias já questionam mais a medida. Após o impacto inicial com a magnitude do número, restam muitas questões ainda sem resposta. Além disso, uma análise mais profunda mostra que há, como de praxe, muita espuma e propaganda no comunicado do governo, na esperança de que os mercados possam ser facilmente ludibriados. Não podem.
A primeira pergunta que surge diz respeito à viabilidade do corte, uma vez que boa parte do orçamento do governo é obrigatória. Cortes em viagens e aluguel de carros não fazem nem cócegas no total dos gastos públicos. O ministro Guido Mantega, que, após seus malabarismos contábeis em 2010 já não desfruta de credibilidade alguma perante os mercados, não explicou exatamente onde e como será usada sua tesoura. Fica no ar uma enorme suspeita de que a execução deste corte será bem mais complicada do que quer aparentar o ministro. Os mercados provavelmente vão esperar para ver os resultados concretos.
Mas o que realmente incomoda é o uso de termos inadequados quando se trata de governo. Façamos um teste com o prezado leitor. Sua despesa ano passado foi de 100 unidades monetárias, e este ano sua estimativa inicial era gastar 110 unidades. O cenário aperta um pouco, a pressão por economia aumenta, e você decide gastar “apenas” 105 unidades. Será que faz sentido falar mesmo em corte de gastos? Um aumento de 5% nos gastos só poderia ser visto como corte por burocratas e políticos.
Uma das “heranças malditas” que o governo Lula deixou é justamente a gastança crescente e insustentável, que gera inflação maior. O crescimento da despesa total do governo central entre 2004 e 2010 foi de quase 9% ao ano acima da inflação, ou seja, em termos reais. Para 2011, o esperado, já com os “cortes” de R$ 50 bilhões, é um crescimento real acima de 3%! E o governo ainda fala em cortes! E a imprensa aceita! Cortar a ilusão de mais gastos não é o mesmo que cortar efetivamente os gastos. Está na hora de colocar os pingos nos is. Chega de truques contábeis e lingüísticos, ministro!
quinta-feira, fevereiro 10, 2011
Tecnologia e seres humanos
"Insecure in our relationships and anxious about intimacy, we look at technology for ways to be in relationships and protect ourselves from them at the same time. This can happen when one is finding one´s way through a blizzard of text messages; it can happen when interacting with a robot. I feel witness to a turning point in our expectations of technology and ourselves. We bend to the inanimate with new solicitude. We fear the risks and disappointments of relationships with fellow humans. We expect more from technology and less from each other… We´re using inanimate objects to convince ourselves that even when we are alone, we feel together. And then when we´re with each other, we put ourselves in situations where we feel alone – constantly on our mobile devices. It´s what I call a perfect storm of confusion about what´s important in our human connections." (Sherry Turkle, Alone Together)
Tradução livre:
"Inseguros em nossos relacionamentos e aflitos com a intimidade, nós olhamos para a tecnologia como formas de estarmos em relacionamentos e nos protegermos deles ao mesmo tempo. Isso pode acontecer quando se está em meio a uma enxurrada de mensagens de texto; pode acontecer quando interagimos com um robô. Sinto-me testemunha de um ponto de virada na nossa expectativa da tecnologia e de nós mesmos. Nós nos curvamos ao inanimado com nova solicitude. Temos medo dos riscos e decepções de relacionamentos com outros seres humanos. Esperamos mais da tecnologia e menos um do outro... Nós estamos usando objetos inanimados para nos convencermos de que, mesmo quando estamos sozinhos, nos sentimos juntos. E então quando estamos um com o outro, nos colocamos em situações em que nos sentimos sozinhos - constantemente em nossos dispositivos móveis. É o que eu chamo de uma perfeita tempestade de confusão sobre o que é importante em nossas relações humanas."
Tradução livre:
"Inseguros em nossos relacionamentos e aflitos com a intimidade, nós olhamos para a tecnologia como formas de estarmos em relacionamentos e nos protegermos deles ao mesmo tempo. Isso pode acontecer quando se está em meio a uma enxurrada de mensagens de texto; pode acontecer quando interagimos com um robô. Sinto-me testemunha de um ponto de virada na nossa expectativa da tecnologia e de nós mesmos. Nós nos curvamos ao inanimado com nova solicitude. Temos medo dos riscos e decepções de relacionamentos com outros seres humanos. Esperamos mais da tecnologia e menos um do outro... Nós estamos usando objetos inanimados para nos convencermos de que, mesmo quando estamos sozinhos, nos sentimos juntos. E então quando estamos um com o outro, nos colocamos em situações em que nos sentimos sozinhos - constantemente em nossos dispositivos móveis. É o que eu chamo de uma perfeita tempestade de confusão sobre o que é importante em nossas relações humanas."
quarta-feira, fevereiro 09, 2011
A sátira da vida
Rodrigo Constantino
Karl Kraus foi um importante aforista austríaco do século XX, tendo usado sua pena afiada para atacar diversas bandeiras politicamente corretas de seu tempo. Seu caráter inflexível e sua metralhadora giratória de críticas fizeram com que Kraus acumulasse grande número de inimigos ao longo de sua vida. As páginas de sua revista Die Fackel (“A Tocha”) denunciavam com extrema virulência inúmeros hábitos da época, culpando muitas vezes a imprensa por isso.
Sua sátira beira muitas vezes à misantropia, traçando uma linha tênue entre ela e o combate à hipocrisia do mundo. Como a ditadura do politicamente correto nunca esteve tão forte como hoje, creio que seja saudável um antídoto como Kraus para despertar reflexões interessantes. A seguir, pode-se ter idéia de algumas de suas ótimas tiradas, que selecionei em seu livro Aforismos:
“É considerado normal santificar a virgindade em geral e ansiar pela sua destruição em particular.”
“Em relação às mulheres, a ordem social nos deixa apenas a alternativa de sermos mendigos ou ladrões.”
“Primeiro se proteger das crianças, depois protegê-las!”
“O cristianismo enriqueceu o banquete erótico com o antepasto da curiosidade e o arruinou com a sobremesa do arrependimento.”
“Nada é mais tacanho do que o chauvinismo ou o ódio racial. Para mim, todos os seres humanos são iguais; há idiotas em toda parte e tenho o mesmo desprezo por todos. Nada de preconceitos mesquinhos!”
“Muitos têm o desejo de me matar. Muitos, o desejo de ter dois dedos de prosa comigo. Daqueles a lei me protege.”
“A força mais enérgica não chega perto da energia com que alguns defendem suas fraquezas.”
“O mundo é uma prisão em que é preferível a solitária.”
“O segredo do agitador consiste em parecer tão idiota quanto seus ouvintes, de modo que eles acreditem ser tão inteligentes quanto ele.”
“O psiquiatra sempre reconhece os loucos pelo fato de exibirem um comportamento agitado após a internação.”
“Que a palavra escrita seja a corporificação naturalmente necessária de um pensamento, e não o invólucro socialmente aceitável de uma opinião.”
“Há escritores que já conseguem dizer em vinte páginas aquilo para o que às vezes preciso de até duas linhas.”
“Um agitador toma a palavra. O artista é tomado por ela.”
“Por que muitos escrevem? Porque não têm caráter suficiente para não escrever.”
“Que são todas as orgias de Baco comparadas à embriaguez daquele que se entrega sem freio à abstinência?”
“Pai, perdoa-lhes, porque sabem o que fazem!”
“Eu e meu público nos entendemos muito bem: ele não ouve o que digo e eu não digo o que ele gostaria de ouvir.”
“Refreia as tuas paixões, mas toma cuidado para não dar rédeas soltas à tua razão.”
“A seriedade da vida é a brincadeira do adulto. Só que ela não se deixa comparar com as coisas razoáveis que enchem um quarto de criança.”
“O nacionalismo é um turbilhão em que qualquer outro pensamento desaparece.”
“O Diabo é um otimista se acredita que pode tornar os seres humanos piores.”
“Uma aparência de profundidade surge com freqüência pelo fato de uma cabeça rasa ser ao mesmo tempo uma cabeça confusa.”
“Uma das doenças mais disseminadas é a diagnose.”
“O tormento não me deixa escolha? Bem, eu escolho o tormento.”
“Muitos talentos conservam sua precocidade até idade avançada.”
“O desenvolvimento técnico deixará apenas um problema: a caducidade da natureza humana.”
“Os doentes são a maioria. Mas só poucos sabem que podem se gabar disso. Esses são os psicanalistas.”
“O mal nunca prospera melhor do que quando há um ideal à sua frente.”
“A diplomacia é um jogo de xadrez em que os povos são colocados em xeque.”
“Preciso estar outra vez entre seres humanos. Pois nesse verão, em meio às abelhas e aos dentes-de-leão, minha misantropia degenerou gravemente.”
Karl Kraus foi um importante aforista austríaco do século XX, tendo usado sua pena afiada para atacar diversas bandeiras politicamente corretas de seu tempo. Seu caráter inflexível e sua metralhadora giratória de críticas fizeram com que Kraus acumulasse grande número de inimigos ao longo de sua vida. As páginas de sua revista Die Fackel (“A Tocha”) denunciavam com extrema virulência inúmeros hábitos da época, culpando muitas vezes a imprensa por isso.
Sua sátira beira muitas vezes à misantropia, traçando uma linha tênue entre ela e o combate à hipocrisia do mundo. Como a ditadura do politicamente correto nunca esteve tão forte como hoje, creio que seja saudável um antídoto como Kraus para despertar reflexões interessantes. A seguir, pode-se ter idéia de algumas de suas ótimas tiradas, que selecionei em seu livro Aforismos:
“É considerado normal santificar a virgindade em geral e ansiar pela sua destruição em particular.”
“Em relação às mulheres, a ordem social nos deixa apenas a alternativa de sermos mendigos ou ladrões.”
“Primeiro se proteger das crianças, depois protegê-las!”
“O cristianismo enriqueceu o banquete erótico com o antepasto da curiosidade e o arruinou com a sobremesa do arrependimento.”
“Nada é mais tacanho do que o chauvinismo ou o ódio racial. Para mim, todos os seres humanos são iguais; há idiotas em toda parte e tenho o mesmo desprezo por todos. Nada de preconceitos mesquinhos!”
“Muitos têm o desejo de me matar. Muitos, o desejo de ter dois dedos de prosa comigo. Daqueles a lei me protege.”
“A força mais enérgica não chega perto da energia com que alguns defendem suas fraquezas.”
“O mundo é uma prisão em que é preferível a solitária.”
“O segredo do agitador consiste em parecer tão idiota quanto seus ouvintes, de modo que eles acreditem ser tão inteligentes quanto ele.”
“O psiquiatra sempre reconhece os loucos pelo fato de exibirem um comportamento agitado após a internação.”
“Que a palavra escrita seja a corporificação naturalmente necessária de um pensamento, e não o invólucro socialmente aceitável de uma opinião.”
“Há escritores que já conseguem dizer em vinte páginas aquilo para o que às vezes preciso de até duas linhas.”
“Um agitador toma a palavra. O artista é tomado por ela.”
“Por que muitos escrevem? Porque não têm caráter suficiente para não escrever.”
“Que são todas as orgias de Baco comparadas à embriaguez daquele que se entrega sem freio à abstinência?”
“Pai, perdoa-lhes, porque sabem o que fazem!”
“Eu e meu público nos entendemos muito bem: ele não ouve o que digo e eu não digo o que ele gostaria de ouvir.”
“Refreia as tuas paixões, mas toma cuidado para não dar rédeas soltas à tua razão.”
“A seriedade da vida é a brincadeira do adulto. Só que ela não se deixa comparar com as coisas razoáveis que enchem um quarto de criança.”
“O nacionalismo é um turbilhão em que qualquer outro pensamento desaparece.”
“O Diabo é um otimista se acredita que pode tornar os seres humanos piores.”
“Uma aparência de profundidade surge com freqüência pelo fato de uma cabeça rasa ser ao mesmo tempo uma cabeça confusa.”
“Uma das doenças mais disseminadas é a diagnose.”
“O tormento não me deixa escolha? Bem, eu escolho o tormento.”
“Muitos talentos conservam sua precocidade até idade avançada.”
“O desenvolvimento técnico deixará apenas um problema: a caducidade da natureza humana.”
“Os doentes são a maioria. Mas só poucos sabem que podem se gabar disso. Esses são os psicanalistas.”
“O mal nunca prospera melhor do que quando há um ideal à sua frente.”
“A diplomacia é um jogo de xadrez em que os povos são colocados em xeque.”
“Preciso estar outra vez entre seres humanos. Pois nesse verão, em meio às abelhas e aos dentes-de-leão, minha misantropia degenerou gravemente.”
terça-feira, fevereiro 08, 2011
Procura-se líder de oposição
Rodrigo Constantino, O Globo
A oposição brasileira parece à deriva, sem rumo. Enquanto PT e PMDB se digladiam por cargos num lamentável espetáculo de fisiologismo, o DEM corre o risco de rachar ao meio e o PSDB não consegue se definir como alternativa ao governo. Tucanos e petistas disputam a hegemonia da social-democracia retrógrada que predomina no debate ideológico do país. Nem mesmo as bem-sucedidas privatizações o PSDB consegue defender com convicção. Falta uma oposição que tenha um verdadeiro projeto alternativo a oferecer.
O que aconteceu na Inglaterra durante os anos 80 pode jogar uma luz na escuridão em que mergulhou nossa oposição. A era Thatcher foi uma verdadeira revolução, colocando o país novamente nos trilhos do progresso sustentável. Na fase precedente, a inflação chegava a dois dígitos após o descontrole dos gastos públicos, os sindicatos concentravam poder absurdo e os monopólios estatais haviam se transformado em enormes palcos de corrupção. A decadência inglesa era evidente.
Tal era a situação quando Thatcher assumiu o governo em 1979. Apesar de ser a primeira mulher a ocupar este importante cargo, ela jamais fez disso uma bandeira política. Quando perguntavam como ela se sentia sendo a primeira mulher naquela posição, ela respondia que não tinha como saber, pois nunca experimentara a alternativa. Thatcher foi uma mulher de grande coragem e fortes convicções, determinada a mudar a agenda keynesiana que havia afundado a economia inglesa. Mas a principal lição que se pode tirar de sua trajetória é que a vitória foi plantada antes da conquista do poder.
Sem o pano de fundo criado pelo incansável trabalho de divulgação de idéias enquanto oposição, os Conservadores dificilmente teriam derrotado as poderosas forças reacionárias que lutavam para preservar os privilégios do antigo regime. Nem mesmo Thatcher seria capaz de colocar abaixo o “Estado babá” se a mentalidade dos ingleses não estivesse preparada. Quando assumiu o poder, Thatcher já tinha um projeto de reformas pronto, divulgado de forma clara e direta, em linguagem simples. Isso impediu que suas medidas fossem vistas como radicais.
Os Trabalhistas entregaram um país com altos impostos, economia centralizada, inflação galopante, indústrias nacionalizadas, subsídios crescentes, regulação asfixiante, em suma, uma nação rumo ao socialismo fracassado. Thatcher abraçou com vontade a direção oposta, do livre mercado, do empreendedorismo, da meritocracia e do império da lei. As máfias sindicais seriam alvo de duros golpes. Os desafios eram gigantescos, mas não faltava confiança a Thatcher, pois ela sabia que estava fazendo o que era certo.
Acima de tudo, Thatcher sabia que teria de vencer a batalha no campo das idéias. O esforço para disseminar seus valores foi hercúleo antes da chegada ao poder.
Até mesmo dentro de seu partido suas crenças estavam longe de ser unanimidade, e seu trabalho foi intenso para resgatar a fé dos colegas na liberdade individual. O governo não deveria mais ser visto como um “messias salvador”, dizendo a todos como agir, controlando a economia e também as vidas privadas.
Já no governo, as pequenas ações mostrariam as mudanças de postura. Thatcher pagou do próprio bolso as reformas que fez no estúdio de sua residência oficial. O exemplo vinha de cima.
A austeridade fiscal não ficaria apenas na retórica. A despeito dos imensos obstáculos, os esforços seriam redobrados quando necessário. As “soluções mágicas” são tentadoras, pois empurram os problemas para frente. Mas Thatcher estava decidida a mudar realmente os fundamentos da economia, mesmo com elevado custo político no primeiro momento.
Ela foi uma estadista, não uma populista.
Os resultados são conhecidos. Os ingleses colheram os frutos da dolorosa fase de ajustes. O encontro com a realidade permitiu reformas estruturais que devolveram a competitividade à economia inglesa. O desemprego não caiu no começo, mas em 1990, quando Thatcher deixou o governo, a Inglaterra já possuía a menor taxa da Europa. Seu sucesso, porém, foi plantado antes. Em 1975 ela se tornou líder da oposição, e ajudou a divulgar as idéias de pensadores como Hayek. Sem esta iniciativa, seu legado dificilmente seria o mesmo.
Que isso sirva de lição para nossa sonolenta oposição. Um dia os ventos externos mudam a direção, e vamos precisar de um modelo alternativo, quando as várias ineficiências da gestão petista vierem à tona. O caminho certo deve ser defendido desde já. Procura-se um líder de oposição. Que falta nos faz uma Margaret Thatcher!
A oposição brasileira parece à deriva, sem rumo. Enquanto PT e PMDB se digladiam por cargos num lamentável espetáculo de fisiologismo, o DEM corre o risco de rachar ao meio e o PSDB não consegue se definir como alternativa ao governo. Tucanos e petistas disputam a hegemonia da social-democracia retrógrada que predomina no debate ideológico do país. Nem mesmo as bem-sucedidas privatizações o PSDB consegue defender com convicção. Falta uma oposição que tenha um verdadeiro projeto alternativo a oferecer.
O que aconteceu na Inglaterra durante os anos 80 pode jogar uma luz na escuridão em que mergulhou nossa oposição. A era Thatcher foi uma verdadeira revolução, colocando o país novamente nos trilhos do progresso sustentável. Na fase precedente, a inflação chegava a dois dígitos após o descontrole dos gastos públicos, os sindicatos concentravam poder absurdo e os monopólios estatais haviam se transformado em enormes palcos de corrupção. A decadência inglesa era evidente.
Tal era a situação quando Thatcher assumiu o governo em 1979. Apesar de ser a primeira mulher a ocupar este importante cargo, ela jamais fez disso uma bandeira política. Quando perguntavam como ela se sentia sendo a primeira mulher naquela posição, ela respondia que não tinha como saber, pois nunca experimentara a alternativa. Thatcher foi uma mulher de grande coragem e fortes convicções, determinada a mudar a agenda keynesiana que havia afundado a economia inglesa. Mas a principal lição que se pode tirar de sua trajetória é que a vitória foi plantada antes da conquista do poder.
Sem o pano de fundo criado pelo incansável trabalho de divulgação de idéias enquanto oposição, os Conservadores dificilmente teriam derrotado as poderosas forças reacionárias que lutavam para preservar os privilégios do antigo regime. Nem mesmo Thatcher seria capaz de colocar abaixo o “Estado babá” se a mentalidade dos ingleses não estivesse preparada. Quando assumiu o poder, Thatcher já tinha um projeto de reformas pronto, divulgado de forma clara e direta, em linguagem simples. Isso impediu que suas medidas fossem vistas como radicais.
Os Trabalhistas entregaram um país com altos impostos, economia centralizada, inflação galopante, indústrias nacionalizadas, subsídios crescentes, regulação asfixiante, em suma, uma nação rumo ao socialismo fracassado. Thatcher abraçou com vontade a direção oposta, do livre mercado, do empreendedorismo, da meritocracia e do império da lei. As máfias sindicais seriam alvo de duros golpes. Os desafios eram gigantescos, mas não faltava confiança a Thatcher, pois ela sabia que estava fazendo o que era certo.
Acima de tudo, Thatcher sabia que teria de vencer a batalha no campo das idéias. O esforço para disseminar seus valores foi hercúleo antes da chegada ao poder.
Até mesmo dentro de seu partido suas crenças estavam longe de ser unanimidade, e seu trabalho foi intenso para resgatar a fé dos colegas na liberdade individual. O governo não deveria mais ser visto como um “messias salvador”, dizendo a todos como agir, controlando a economia e também as vidas privadas.
Já no governo, as pequenas ações mostrariam as mudanças de postura. Thatcher pagou do próprio bolso as reformas que fez no estúdio de sua residência oficial. O exemplo vinha de cima.
A austeridade fiscal não ficaria apenas na retórica. A despeito dos imensos obstáculos, os esforços seriam redobrados quando necessário. As “soluções mágicas” são tentadoras, pois empurram os problemas para frente. Mas Thatcher estava decidida a mudar realmente os fundamentos da economia, mesmo com elevado custo político no primeiro momento.
Ela foi uma estadista, não uma populista.
Os resultados são conhecidos. Os ingleses colheram os frutos da dolorosa fase de ajustes. O encontro com a realidade permitiu reformas estruturais que devolveram a competitividade à economia inglesa. O desemprego não caiu no começo, mas em 1990, quando Thatcher deixou o governo, a Inglaterra já possuía a menor taxa da Europa. Seu sucesso, porém, foi plantado antes. Em 1975 ela se tornou líder da oposição, e ajudou a divulgar as idéias de pensadores como Hayek. Sem esta iniciativa, seu legado dificilmente seria o mesmo.
Que isso sirva de lição para nossa sonolenta oposição. Um dia os ventos externos mudam a direção, e vamos precisar de um modelo alternativo, quando as várias ineficiências da gestão petista vierem à tona. O caminho certo deve ser defendido desde já. Procura-se um líder de oposição. Que falta nos faz uma Margaret Thatcher!
Os rebeldes no Egito e a história do cisne negro
Rodrigo Constantino, Valor Econômico
"Não importa quantos cisnes brancos você veja ao longo da vida; isso nunca lhe dará certeza de que cisnes negros não existem." (Karl Popper)
Antes da descoberta da Austrália, as pessoas do Velho Mundo estavam convencidas de que todos os cisnes eram brancos, crença corroborada pela evidência empírica. No entanto, bastou verificar-se a existência de um cisne negro para derrubar essa crença. Isso ilustra os limites de nosso aprendizado por observações e impõe muita humildade àqueles que vivem de antecipar o futuro. Os recentes eventos no mundo árabe mostram uma vez mais que de onde menos se espera pode aparecer um "cisne negro".
Estrategistas atentos aos riscos do superaquecimento chinês, do elevado endividamento europeu ou da retomada do aperto monetário americano não faziam ideia de que o risco do momento viria de jovens egípcios rebeldes, cansados do regime autoritário de seu país. A região sempre foi um barril de pólvora, mas o Egito era visto como estável pela maioria dos especialistas. E foi justamente ali que a insegurança institucional se alastrou, gerando medo nos investidores do mundo todo.
O livro "A lógica do cisne negro", de Nassim Taleb, trata justamente desse tema. É um livro sobre a incerteza, sobre os raros eventos que mudam o rumo das coisas sem aviso prévio e sem que os modelos estatísticos possam antecipá-los. A ideia central de Taleb está relacionada à cegueira em relação ao fator randômico das diferentes áreas da vida. Cada um pode observar sua própria história de vida para verificar quanto os fatos ocorridos divergiram dos planos traçados anteriormente.
Aquilo que não sabemos pode ser algo muito mais relevante do que aquilo que sabemos. Os "pontos fora da curva" ocorrem com muito mais frequência do que antecipamos, e nossa incapacidade de prevê-los é nossa incapacidade de prever o curso da história. Basta verificar os erros grosseiros das previsões passadas para se ter mais humildade em relação às previsões do futuro. É preciso deixar um espaço enorme para os eventos imprevisíveis.
Taleb chama atenção para o "tripé da opacidade": a ilusão de compreensão, com todos achando que sabem o que se passa num mundo que é bem mais complexo do que percebem; a distorção retrospectiva, que transforma a história mais clara após os fatos, organizando-os de forma bem mais simplista do que a realidade; a sobrevalorização da informação factual. Em retrospecto, chegamos a questionar como outros foram capazes de ignorar o que estava para acontecer. Taleb conclui que nossas mentes são brilhantes máquinas para explicar os fenômenos ocorridos, mas geralmente incapazes de aceitar a ideia da imprevisibilidade acerca do futuro.
Um exemplo citado por Taleb é a alimentação de um peru desde o seu nascimento até o Dia de Ação de Graças. Supondo que ele recebeu certa quantidade de comida a cada dia, por mil dias, o gráfico de seu peso ou tamanho no tempo será praticamente uma reta, com pouca variância. De fato, a confiança em relação ao futuro, com base nos dados passados, aumenta a cada dia, ainda que ele esteja cada vez mais próximo da morte. Algo funcionou por vários dias de forma bastante regular, até que, de repente, deixa de funcionar de forma inesperada. O uso ingênuo de observações passadas como representativo do futuro é a causa de nossa incapacidade de compreensão do "cisne negro".
Em 1907, o capitão do Titanic afirmou que jamais estivera envolvido em qualquer acidente. Até que algo deu errado em 1912, e o navio afundou. Quanto realmente os dados passados podem ser utilizados para prever o futuro? Em 1982, os grandes bancos americanos perderam praticamente todo o ganho acumulado anteriormente. Tudo que fora gerado na história desses bancos foi perdido em um único ano! Eles haviam emprestado grandes somas para países da América Latina, e esses países deram o calote na mesma época. Um "evento excepcionalmente raro", conforme as estatísticas. No entanto, ocorreu.
O crash de 1987 nas bolsas é outro exemplo, ou então a bancarrota do LTCM em 1998, criado por "gênios" que encaravam as finanças como algo pertencente ao mundo "normal". O mundo é bem mais complexo do que pensamos ou modelamos. Deveríamos ser bem mais céticos com os "profetas", analisando sua taxa passada de erros. O conhecimento humano pode nos mostrar justamente os limites desse conhecimento, de nossa capacidade de prever o futuro. E isso, para investidores, deve significar uma postura bastante humilde diante dos mercados, com uma sólida política de controle de riscos (leia-se "stops").
"Não importa quantos cisnes brancos você veja ao longo da vida; isso nunca lhe dará certeza de que cisnes negros não existem." (Karl Popper)
Antes da descoberta da Austrália, as pessoas do Velho Mundo estavam convencidas de que todos os cisnes eram brancos, crença corroborada pela evidência empírica. No entanto, bastou verificar-se a existência de um cisne negro para derrubar essa crença. Isso ilustra os limites de nosso aprendizado por observações e impõe muita humildade àqueles que vivem de antecipar o futuro. Os recentes eventos no mundo árabe mostram uma vez mais que de onde menos se espera pode aparecer um "cisne negro".
Estrategistas atentos aos riscos do superaquecimento chinês, do elevado endividamento europeu ou da retomada do aperto monetário americano não faziam ideia de que o risco do momento viria de jovens egípcios rebeldes, cansados do regime autoritário de seu país. A região sempre foi um barril de pólvora, mas o Egito era visto como estável pela maioria dos especialistas. E foi justamente ali que a insegurança institucional se alastrou, gerando medo nos investidores do mundo todo.
O livro "A lógica do cisne negro", de Nassim Taleb, trata justamente desse tema. É um livro sobre a incerteza, sobre os raros eventos que mudam o rumo das coisas sem aviso prévio e sem que os modelos estatísticos possam antecipá-los. A ideia central de Taleb está relacionada à cegueira em relação ao fator randômico das diferentes áreas da vida. Cada um pode observar sua própria história de vida para verificar quanto os fatos ocorridos divergiram dos planos traçados anteriormente.
Aquilo que não sabemos pode ser algo muito mais relevante do que aquilo que sabemos. Os "pontos fora da curva" ocorrem com muito mais frequência do que antecipamos, e nossa incapacidade de prevê-los é nossa incapacidade de prever o curso da história. Basta verificar os erros grosseiros das previsões passadas para se ter mais humildade em relação às previsões do futuro. É preciso deixar um espaço enorme para os eventos imprevisíveis.
Taleb chama atenção para o "tripé da opacidade": a ilusão de compreensão, com todos achando que sabem o que se passa num mundo que é bem mais complexo do que percebem; a distorção retrospectiva, que transforma a história mais clara após os fatos, organizando-os de forma bem mais simplista do que a realidade; a sobrevalorização da informação factual. Em retrospecto, chegamos a questionar como outros foram capazes de ignorar o que estava para acontecer. Taleb conclui que nossas mentes são brilhantes máquinas para explicar os fenômenos ocorridos, mas geralmente incapazes de aceitar a ideia da imprevisibilidade acerca do futuro.
Um exemplo citado por Taleb é a alimentação de um peru desde o seu nascimento até o Dia de Ação de Graças. Supondo que ele recebeu certa quantidade de comida a cada dia, por mil dias, o gráfico de seu peso ou tamanho no tempo será praticamente uma reta, com pouca variância. De fato, a confiança em relação ao futuro, com base nos dados passados, aumenta a cada dia, ainda que ele esteja cada vez mais próximo da morte. Algo funcionou por vários dias de forma bastante regular, até que, de repente, deixa de funcionar de forma inesperada. O uso ingênuo de observações passadas como representativo do futuro é a causa de nossa incapacidade de compreensão do "cisne negro".
Em 1907, o capitão do Titanic afirmou que jamais estivera envolvido em qualquer acidente. Até que algo deu errado em 1912, e o navio afundou. Quanto realmente os dados passados podem ser utilizados para prever o futuro? Em 1982, os grandes bancos americanos perderam praticamente todo o ganho acumulado anteriormente. Tudo que fora gerado na história desses bancos foi perdido em um único ano! Eles haviam emprestado grandes somas para países da América Latina, e esses países deram o calote na mesma época. Um "evento excepcionalmente raro", conforme as estatísticas. No entanto, ocorreu.
O crash de 1987 nas bolsas é outro exemplo, ou então a bancarrota do LTCM em 1998, criado por "gênios" que encaravam as finanças como algo pertencente ao mundo "normal". O mundo é bem mais complexo do que pensamos ou modelamos. Deveríamos ser bem mais céticos com os "profetas", analisando sua taxa passada de erros. O conhecimento humano pode nos mostrar justamente os limites desse conhecimento, de nossa capacidade de prever o futuro. E isso, para investidores, deve significar uma postura bastante humilde diante dos mercados, com uma sólida política de controle de riscos (leia-se "stops").
segunda-feira, fevereiro 07, 2011
A Modest $500 Billion Proposal
By RAND PAUL, WSJ
After Republicans swept into office in 1994, Bill Clinton famously said in his State of the Union address that the era of big government was over. Nearly $10 trillion of federal debt later, the era of big government is at its zenith.
According to the Congressional Budget Office, this will be the third consecutive year in which the federal government is running a deficit near or greater than $1 trillion. The solution to the government's fiscal crisis must begin by cutting spending in all areas, particularly in those that can be better run at the state or local level. Last month I introduced legislation to do just that. And though it seems extreme to some—containing over $500 billion in spending cuts enacted over one year—it is a necessary first step toward ending our fiscal crisis.
My proposal would first roll back almost all federal spending to 2008 levels, then initiate reductions at various levels nearly across the board. Cuts to the Departments of Agriculture and Transportation would create over $42 billion in savings each, while cuts to the Departments of Energy and Housing and Urban Development would save about $50 billion each. Removing education from the federal government's jurisdiction would create almost $80 billion in savings alone. Add to that my proposed reductions in international aid, the Departments of Health and Human Services, Homeland Security and other federal agencies, and we arrive at over $500 billion.
My proposal, not surprisingly, has been greeted skeptically in Washington, where serious spending cuts are a rarity. But it is a modest proposal when measured against the size of our mounting debt. It would keep 85% of our government funding in place and not touch Social Security or Medicare. But by reducing wasteful spending and shuttering departments that are beyond the constitutional role of the federal government, such as the Department of Education, we can cut nearly 40% of our projected deficit and at the same time remove thousands of big-government bureaucrats who stand in the way of efficiency.
Examples of federal waste are more abundant than ever. For example, the Department of Energy's nuclear-weapons activities should be placed under the purview of the Department of Defense. Many of its other activities amount to nothing more than corporate handouts. It provides research grants and subsidies to energy companies for the development of new, cleaner forms of energy. This means nearly all forms of energy development here in the U.S. are subsidized by the federal government, from oil and coal to nuclear, wind, solar and biofuels. These subsidies often go to research and companies that can survive without them. This drives up the cost of energy for all Americans, both as taxpayers and consumers.
The Commerce Department is another prime example. Consistently labeled for elimination, specifically by House Republicans during the 1990s, one of Commerce's main functions is delivering corporate welfare to American firms that can compete without it. My proposal would scale back the Commerce Department's spending by 54% and eliminate corporate welfare.
My proposal would also cut wasteful spending in the Defense Department. Since 2001, our annual defense budget has increased nearly 120%. Even subtracting the costs of the conflicts in Iraq and Afghanistan, spending is up 67%. These levels of spending are unjustifiable and unsustainable. Defense Secretary Robert Gates understands this and has called for spending cuts, saying "We must come to realize that not every defense program is necessary, not every defense dollar is sacred or well-spent, and more of everything is simply not sustainable."
For those who take issue with any of the spending cuts I have proposed, I have two requests:
First, if you believe a particular program should be exempt from these cuts, I challenge you to find another place in the budget where the same amount can feasibly be cut and we can replace it.
Second, consider this: Is any particular program, whatever its merits, worth borrowing billions of dollars from foreign nations to finance programs that could be administered better at the state and local level, or even taken over by the private sector?
A real discussion about the budget must begin now—our economy cannot wait any longer. For 19 months, unemployment has hovered over 9%. After a nearly $1 trillion government stimulus and $2 trillion in Federal Reserve stimulus, the Washington establishment still believes that we can solve this problem with more federal spending and the printing of more money.
That's ridiculous, and the American people have had enough.
Many in Washington think that a one-year, $500 billion spending cut is too bold. But the attendees at the newly formed Senate Tea Party Caucus say, "Bring on the cuts! And then, bring on more!" My Republican colleagues say they want a balanced-budget amendment. But to have any semblance of credibility we must begin to discuss where we will cut once it passes. My proposal is a place to start.
Mr. Paul is a Republican senator from Kentucky.
After Republicans swept into office in 1994, Bill Clinton famously said in his State of the Union address that the era of big government was over. Nearly $10 trillion of federal debt later, the era of big government is at its zenith.
According to the Congressional Budget Office, this will be the third consecutive year in which the federal government is running a deficit near or greater than $1 trillion. The solution to the government's fiscal crisis must begin by cutting spending in all areas, particularly in those that can be better run at the state or local level. Last month I introduced legislation to do just that. And though it seems extreme to some—containing over $500 billion in spending cuts enacted over one year—it is a necessary first step toward ending our fiscal crisis.
My proposal would first roll back almost all federal spending to 2008 levels, then initiate reductions at various levels nearly across the board. Cuts to the Departments of Agriculture and Transportation would create over $42 billion in savings each, while cuts to the Departments of Energy and Housing and Urban Development would save about $50 billion each. Removing education from the federal government's jurisdiction would create almost $80 billion in savings alone. Add to that my proposed reductions in international aid, the Departments of Health and Human Services, Homeland Security and other federal agencies, and we arrive at over $500 billion.
My proposal, not surprisingly, has been greeted skeptically in Washington, where serious spending cuts are a rarity. But it is a modest proposal when measured against the size of our mounting debt. It would keep 85% of our government funding in place and not touch Social Security or Medicare. But by reducing wasteful spending and shuttering departments that are beyond the constitutional role of the federal government, such as the Department of Education, we can cut nearly 40% of our projected deficit and at the same time remove thousands of big-government bureaucrats who stand in the way of efficiency.
Examples of federal waste are more abundant than ever. For example, the Department of Energy's nuclear-weapons activities should be placed under the purview of the Department of Defense. Many of its other activities amount to nothing more than corporate handouts. It provides research grants and subsidies to energy companies for the development of new, cleaner forms of energy. This means nearly all forms of energy development here in the U.S. are subsidized by the federal government, from oil and coal to nuclear, wind, solar and biofuels. These subsidies often go to research and companies that can survive without them. This drives up the cost of energy for all Americans, both as taxpayers and consumers.
The Commerce Department is another prime example. Consistently labeled for elimination, specifically by House Republicans during the 1990s, one of Commerce's main functions is delivering corporate welfare to American firms that can compete without it. My proposal would scale back the Commerce Department's spending by 54% and eliminate corporate welfare.
My proposal would also cut wasteful spending in the Defense Department. Since 2001, our annual defense budget has increased nearly 120%. Even subtracting the costs of the conflicts in Iraq and Afghanistan, spending is up 67%. These levels of spending are unjustifiable and unsustainable. Defense Secretary Robert Gates understands this and has called for spending cuts, saying "We must come to realize that not every defense program is necessary, not every defense dollar is sacred or well-spent, and more of everything is simply not sustainable."
For those who take issue with any of the spending cuts I have proposed, I have two requests:
First, if you believe a particular program should be exempt from these cuts, I challenge you to find another place in the budget where the same amount can feasibly be cut and we can replace it.
Second, consider this: Is any particular program, whatever its merits, worth borrowing billions of dollars from foreign nations to finance programs that could be administered better at the state and local level, or even taken over by the private sector?
A real discussion about the budget must begin now—our economy cannot wait any longer. For 19 months, unemployment has hovered over 9%. After a nearly $1 trillion government stimulus and $2 trillion in Federal Reserve stimulus, the Washington establishment still believes that we can solve this problem with more federal spending and the printing of more money.
That's ridiculous, and the American people have had enough.
Many in Washington think that a one-year, $500 billion spending cut is too bold. But the attendees at the newly formed Senate Tea Party Caucus say, "Bring on the cuts! And then, bring on more!" My Republican colleagues say they want a balanced-budget amendment. But to have any semblance of credibility we must begin to discuss where we will cut once it passes. My proposal is a place to start.
Mr. Paul is a Republican senator from Kentucky.
sexta-feira, fevereiro 04, 2011
A ameaça chinesa
Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal
A CNI realizou um levantamento junto a mais de 1.500 empresários que indicou perda de clientes no exterior para os fabricantes chineses. Segundo essa sondagem, 67% dos entrevistados relataram que perderam clientes internacionais para a China. Em sondagem semelhante realizada em 2006, esse percentual era de 54%. As pequenas empresas são as que mais perderam clientes externos para os chineses.
Por outro lado, a China já é o maior destino das nossas exportações, representando mais de 15% do total. E somente a venda de minério de ferro responde por 17% da pauta. Muitos analistas falam em superaquecimento chinês, e medidas para conter a expansão de crédito já estão sendo tomadas. Se a economia chinesa se desacelerar de forma abrupta, isso terá um impacto bastante negativo para a nossa economia, cada vez mais dependente do crescimento chinês. No resultado do saldo comercial de janeiro, os produtos básicos, em relação ao mesmo mês de 2010, acusam crescimento de 56,3%; e os manufaturados, de apenas 8,6%.
A outra fonte da ameaça chinesa diz respeito à concorrência interna com seus produtos importados. O Brasil comprou 61% mais produtos da China em 2010. O governo Dilma, sob o comando do “mercantilista” Pimentel, pretende adotar novas medidas para conter este aumento das importações chinesas. Mas estas medidas, que visam à proteção de nossa indústria, representam um tiro no pé dos consumidores, forçados a pagar mais caro pelos produtos.
Em suma, a China representa tanto uma oportunidade como uma ameaça para as empresas brasileiras. O mais importante, neste contexto de “guerra mundial por empregos”, seria melhorar a produtividade de nossas empresas, por meio de menos impostos e burocracia, melhor infraestrutura e qualidade de mão-de-obra. Esta é a solução certa, que demanda esforços grandes do governo. A saída fácil, porém errada, seria apelar para medidas protecionistas. Infelizmente, está bem claro o caminho que o governo Dilma pretende seguir.
quinta-feira, fevereiro 03, 2011
Bônus Demográfico: Até Quando?
Rodrigo Constantino, para a revista Voto
“Os defensores do status quo em matéria previdenciária tiveram a oportunidade de escolher entre o sacrifício e o progresso fácil; escolheram o progresso fácil; terão o sacrifício.” (Fábio Giambiagi)
Será que um pai que ama de verdade seu filho faria vista grossa para um problema seu com drogas, na esperança de que aquilo que os olhos não vêem o coração não sente? Parece evidente que enfrentar a realidade, por mais dura que ela possa ser, é uma medida mais racional e adequada para quem realmente ama o filho. Infelizmente, quando o assunto é a Previdência Social, de profunda relevância para o futuro dos nossos filhos, muitos preferem agir como se o problema sequer existisse. Não é nada racional.
O chamado “bônus demográfico” tem ajudado países “jovens” como o Brasil há muito tempo. Os países mais “velhos”, como os europeus, enfrentam desafios homéricos com seus sistemas de pensão pública consumindo cada vez mais da produção nacional. Mas até quando esta situação favorável vai durar? Por quanto tempo mais os governantes brasileiros conseguirão fugir desta delicada questão? Os números mostram que reformas são necessárias com certa urgência. Protelar as medidas irá apenas aumentar os problemas no futuro. “No longo prazo estaremos todos mortos”, disse Keynes, máxima que muitos seguidores seus utilizam para a irresponsabilidade no presente. Mas o futuro já está chegando, e é preciso agir para evitar uma catástrofe.
Quem tem batido bastante nesta tecla é o economista Fábio Giambiagi, que trabalha com enorme cuidado o delicado tema da necessidade de reformas mais estruturais na Previdência. O ideal, para os liberais, seria o modelo de capitalização individual, onde cada indivíduo recebe de acordo com sua própria poupança. É o modelo mais justo, mas politicamente complicado de ser aprovado. O Chile é um claro exemplo que vem à mente, cujo sucesso é estudado no mundo todo. Mas em política, o ótimo é muitas vezes inimigo do bom. Com isso em mente, Giambiagi parte para um pragmatismo maior, fazendo concessões e lembrando o ensinamento de Amyr Klink, de que “no mar, o menor caminho entre dois pontos não é necessariamente o mais curto, mas aquele que conta com o máximo de condições favoráveis”.
Em seu livro “Reforma da Previdência: O Encontro Marcado”, Giambiagi enriquece o debate sobre a Previdência com fartos dados – muitos assustadores – e uma lógica inquestionável. Derruba inúmeros mitos sobre o problema, repetidos de forma automática sem a devida reflexão ou conhecimento. Alguns dados deixam claro que, se nada sério for feito, a tendência é explosiva e insustentável. O INSS, por exemplo, gastava com aposentadoria e pensões 2,5% do PIB em 1988, quando foi sancionada a nova Constituição. Vinte anos depois já gastava quase 8% do PIB. A velocidade do crescimento da população de idosos no Brasil deve acelerar bastante nos próximos anos, agravando muito o problema. Segundo o IBGE, existem atualmente quase 12 milhões de idosos no país, pessoas com 65 anos ou mais. Em 2030, esse número deve chegar a quase 25 milhões de pessoas, mais que o dobro. A demografia nacional não mais ajudará a ocultar a irresponsabilidade do modelo previdenciário. A Previdência é uma bomba-relógio, um acidente esperando para acontecer.
Muitos falam das fraudes como causas principais do rombo, mas tais teses não se sustentam com os dados. Desvios milionários podem parecer somas astronômicas do ponto de vista individual, mas significam pouco frente ao gasto de mais de R$ 250 bilhões com a Previdência. As raízes do problema são estruturais, encontram-se no modelo previdenciário em si, na distribuição de direitos sem a devida contrapartida, na idade média baixa das aposentadorias no Brasil, nos privilégios absurdos para funcionários públicos etc. Alguns, temendo um confronto com a realidade, repetem que o déficit da Previdência nem mesmo existe, apelando para malabarismos contábeis, como se alterando o nome da despesa ela deixasse de existir. O rombo existe, é crescente, e se nada for feito para alterar tal curso, as futuras gerações pagarão um elevado preço. Os aposentados de hoje estão hipotecando o futuro de seus filhos e netos.
A expectativa média de vida no Brasil pode ser mais baixa que a de países desenvolvidos, mas isso se deve, em boa parte, à elevada taxa de mortalidade infantil e de jovens. Entretanto, se a pessoa chega viva aos 60 anos, sua expectativa de vida passa da média de 72 anos ao nascimento para 81 anos. Ou seja, se um “garotão” de meia idade se aposenta com 50 anos, provavelmente ainda viverá uns 30 anos, sustentado por uma população ativa cada vez mais penalizada pelos pesados impostos necessários para fechar a conta. Na média, as pessoas no Brasil que se aposentam por tempo de contribuição vivem apenas em torno de um a dois anos menos do que na Suécia, mas se aposentam oito anos antes.
As aposentadorias atreladas ao salário mínimo geram um rombo ainda mais crescente, posto que este teve um aumento significativo desde o Plano Real. Some-se a isso o fato de cada vez mais mulheres estarem se aposentando, e a participação de idosos estar aumentando no total da população, e fica claro que a situação não é sustentável. O Brasil, quando comparado a outros países do mundo, encontra-se claramente num caso sui generis, com população ainda muito jovem, mas com gasto previdenciário relativamente elevado, a pior combinação possível. Como conclui Giambiagi, “um quadro em que seis de cada dez pessoas se aposentam com menos de 55 anos, em um país com todas as carências que o Brasil tem, é algo que faz qualquer estrangeiro arregalar os olhos de incredulidade”.
Giambiagi retorna ao tema no livro “Brasil: Raízes do Atraso”, onde aborda as “vacas sagradas” que funcionam como entraves ao crescimento da economia nacional. Entre essas “vacas”, uma das mais pesadas é justamente a questão previdenciária. Ele é enfático ao afirmar que “ou o Brasil acaba com a generosidade do seu sistema previdenciário, ou a generosidade do seu sistema previdenciário acaba com o Brasil”. Ele lembra, uma vez mais, que somos os campeões mundiais em gasto previdenciário, especialmente considerando a demografia. Enquanto os Estados Unidos gastam aproximadamente 6% do PIB para 12% de idosos na população, o Brasil é o inverso, gastando 12% do PIB para apenas 6% de idosos. Os países da OECD gastam, na média, pouco mais de 7% do PIB com aposentadorias, e mais de 16% da população está na faixa dos idosos. Quando o Brasil tiver esta parcela de idosos, quanto do PIB será destinado para pensões? Ninguém quer assumir o problema. Como Giambiagi coloca, “é como se tivéssemos um elefante na sala e todos fingissem que está tudo normal”.
O debate sobre a Previdência mexe com muitas emoções, e por isso acaba gerando mais calor que luz. Entretanto, as leis inexoráveis da economia não aceitam mágicas, tampouco toleram irresponsabilidade. Abdicar da razão e deixar a retórica dominar o debate é o caminho da desgraça. Sabemos que politicamente é muito complicado defender as reformas necessárias, pois os custos são imediatos enquanto os benefícios ficam dispersos no tempo. Mas a trajetória para este encontro certo pode ser melhor ou não, e isso fará toda a diferença do mundo, tanto para os que viverão até lá, como para seus descendentes. Deixar de fazer os sacrifícios necessários no presente é irresponsabilidade total. De nada irá adiantar negarmos os fatos. Eles continuarão existindo. Temos um encontro marcado com a reforma da Previdência, queiramos ou não. Quanto antes, melhor. Os esforços e sacrifícios serão infinitamente maiores depois, quando o bônus demográfico desaparecer.
Editorial do Estadão
"Democracia e oligarquia são incompatíveis entre si. Um oligarca como José Sarney, portanto, é incompatível com a democracia, da qual só lhe interessa o sistema eleitoral que manipula sem constrangimento para se perpetuar no poder."
Meus efusivos aplausos ao Estadão, por sua coragem de dizer a verdade num país controlado por oligarquias poderosas.
Meus efusivos aplausos ao Estadão, por sua coragem de dizer a verdade num país controlado por oligarquias poderosas.
terça-feira, fevereiro 01, 2011
The Constitutional Moment
Editorial do WSJ
"If men were angels, no government would be necessary. If angels were to govern men, neither external nor internal controls on government would be necessary. In framing a government which is to be administered by men over men, the great difficulty lies in this: you must first enable the government to control the governed; and in the next place oblige it to control itself."
Federal Judge Roger Vinson opens his decision declaring ObamaCare unconstitutional with that citation from Federalist No. 51, written by James Madison in 1788. His exhaustive and erudite opinion is an important moment for American liberty, and yesterday may well stand as the moment the political branches were obliged to return to the government of limited and enumerated powers that the framers envisioned.
As Judge Vinson took pains to emphasize, the case is not really about health care at all, or the wisdom—we would argue the destructiveness—of the newest entitlement. Rather, the Florida case goes to the core of the architecture of the American system, and whether there are any remaining limits on federal control. Judge Vinson's 78-page ruling in favor of 26 states and the National Federation of Independent Business, among others, is by far the best legal vindication to date of Constitutional principles that form the outer boundaries of federal power.
At the heart of the states' lawsuit is the individual mandate, which requires everyone to purchase health insurance or be penalized for not doing so. "Never before has Congress required that everyone buy a product from a private company (essentially for life) just for being alive and residing in the United States," Judge Vinson writes.
Congressional Democrats and the Obama Administration justified this coercion under the Commerce Clause, so it is fitting that Judge Vinson conducts a deep investigation into its history and intent, including Madison's notes at the Constitutional Convention and the jurisprudence of the first Chief Justice, John Marshall. The original purpose of the Commerce Clause was to eliminate the interstate trade barriers that prevailed under the Articles of Confederation—among the major national problems that gave rise to the Constitution.
The courts affirmed this limited and narrow understanding until the New Deal, when Congress began to regulate harum-scarum and the Supreme Court inflated the clause into a general license for anything a majority happened to favor.
In a major 1942 case, Wickard v. Filburn, the Court held that even growing wheat for personal use was an activity with a substantial economic effect on interstate commerce, thus justifying federal restrictions on the use of agricultural land meant to prop up commodity prices. It wasn't until the William Rehnquist Court, a half-century later, that the Justices began to recover some of the original limits, notably in the Lopez (1995) and Morrison (2000) cases.
Yet even in its most elastic interpretations, the Commerce Clause applied only to "clear and inarguable activity," Judge Vinson writes, the emphasis his. It never applied to inactivity like not buying health insurance, which has "no impact whatsoever" on interstate commerce. He argues that breaching this frontier converts the clause into a general police power of the kind that the Constitution reserves to the states. As the High Court put it in Lopez, obliterating this distinction would "create a completely centralized government."
The Administration contends that not purchasing insurance—inactivity—is really activity, because everyone will eventually need medical care and their costs will be transferred to the insured. But Judge Vinson dissects that as a "radical departure" from the Constitution and U.S. case law. It is "not hyperbolizing to suggest that Congress could do almost anything it wanted," he writes. "Surely this is not what the Founding Fathers could have intended."
He notes that no one can opt out of eating any more than they can from the medical system, so return to the Wickard example of wheat: "Congress could more directly raise too-low wheat prices merely by increasing demand through mandating that every adult purchase and consume wheat bread daily, rationalized on the grounds that because everyone must participate in the market for food, non-consumers of wheat bread adversely affect prices in the wheat market."
Unlike Judge Henry Hudson in Virginia, who also found ObamaCare to be unconstitutional, Judge Vinson addresses the Administration's fallback argument that the Constitution's Necessary and Proper Clause justifies the law even if the Commerce Clause doesn't. He writes that this clause "is not an independent source of federal power" and "would vitiate the enumerated powers principle." In other words, the clause can't justify inherently unconstitutional actions.
Judge Vinson also went beyond the Virginia case in striking down the entire ObamaCare statute—paradoxically, an act of judicial modesty. Democrats intentionally left out a "severability" clause if one part of the bill was struck down, and the Administration repeatedly argued that the individual mandate was "essential" to the bill's goals and mechanisms and compared it to "a finely crafted watch." Judge Vinson writes that picking and choosing among thousands of sections would be "tantamount to rewriting a statute in an attempt to salvage it."
***
We take a measure of vindication in the decision—David Rivkin and Lee Casey, the lawyers who argued the Florida case, first suggested in these pages that the individual mandate was unconstitutional. Judge Vinson's learned opinion has put down a Constitutional argument that will reverberate all the way to the Supreme Court.
Comento: Nem tudo está perdido! Enquanto existirem guardiões da Constituição como este juiz, haverá esperança!
"If men were angels, no government would be necessary. If angels were to govern men, neither external nor internal controls on government would be necessary. In framing a government which is to be administered by men over men, the great difficulty lies in this: you must first enable the government to control the governed; and in the next place oblige it to control itself."
Federal Judge Roger Vinson opens his decision declaring ObamaCare unconstitutional with that citation from Federalist No. 51, written by James Madison in 1788. His exhaustive and erudite opinion is an important moment for American liberty, and yesterday may well stand as the moment the political branches were obliged to return to the government of limited and enumerated powers that the framers envisioned.
As Judge Vinson took pains to emphasize, the case is not really about health care at all, or the wisdom—we would argue the destructiveness—of the newest entitlement. Rather, the Florida case goes to the core of the architecture of the American system, and whether there are any remaining limits on federal control. Judge Vinson's 78-page ruling in favor of 26 states and the National Federation of Independent Business, among others, is by far the best legal vindication to date of Constitutional principles that form the outer boundaries of federal power.
At the heart of the states' lawsuit is the individual mandate, which requires everyone to purchase health insurance or be penalized for not doing so. "Never before has Congress required that everyone buy a product from a private company (essentially for life) just for being alive and residing in the United States," Judge Vinson writes.
Congressional Democrats and the Obama Administration justified this coercion under the Commerce Clause, so it is fitting that Judge Vinson conducts a deep investigation into its history and intent, including Madison's notes at the Constitutional Convention and the jurisprudence of the first Chief Justice, John Marshall. The original purpose of the Commerce Clause was to eliminate the interstate trade barriers that prevailed under the Articles of Confederation—among the major national problems that gave rise to the Constitution.
The courts affirmed this limited and narrow understanding until the New Deal, when Congress began to regulate harum-scarum and the Supreme Court inflated the clause into a general license for anything a majority happened to favor.
In a major 1942 case, Wickard v. Filburn, the Court held that even growing wheat for personal use was an activity with a substantial economic effect on interstate commerce, thus justifying federal restrictions on the use of agricultural land meant to prop up commodity prices. It wasn't until the William Rehnquist Court, a half-century later, that the Justices began to recover some of the original limits, notably in the Lopez (1995) and Morrison (2000) cases.
Yet even in its most elastic interpretations, the Commerce Clause applied only to "clear and inarguable activity," Judge Vinson writes, the emphasis his. It never applied to inactivity like not buying health insurance, which has "no impact whatsoever" on interstate commerce. He argues that breaching this frontier converts the clause into a general police power of the kind that the Constitution reserves to the states. As the High Court put it in Lopez, obliterating this distinction would "create a completely centralized government."
The Administration contends that not purchasing insurance—inactivity—is really activity, because everyone will eventually need medical care and their costs will be transferred to the insured. But Judge Vinson dissects that as a "radical departure" from the Constitution and U.S. case law. It is "not hyperbolizing to suggest that Congress could do almost anything it wanted," he writes. "Surely this is not what the Founding Fathers could have intended."
He notes that no one can opt out of eating any more than they can from the medical system, so return to the Wickard example of wheat: "Congress could more directly raise too-low wheat prices merely by increasing demand through mandating that every adult purchase and consume wheat bread daily, rationalized on the grounds that because everyone must participate in the market for food, non-consumers of wheat bread adversely affect prices in the wheat market."
Unlike Judge Henry Hudson in Virginia, who also found ObamaCare to be unconstitutional, Judge Vinson addresses the Administration's fallback argument that the Constitution's Necessary and Proper Clause justifies the law even if the Commerce Clause doesn't. He writes that this clause "is not an independent source of federal power" and "would vitiate the enumerated powers principle." In other words, the clause can't justify inherently unconstitutional actions.
Judge Vinson also went beyond the Virginia case in striking down the entire ObamaCare statute—paradoxically, an act of judicial modesty. Democrats intentionally left out a "severability" clause if one part of the bill was struck down, and the Administration repeatedly argued that the individual mandate was "essential" to the bill's goals and mechanisms and compared it to "a finely crafted watch." Judge Vinson writes that picking and choosing among thousands of sections would be "tantamount to rewriting a statute in an attempt to salvage it."
***
We take a measure of vindication in the decision—David Rivkin and Lee Casey, the lawyers who argued the Florida case, first suggested in these pages that the individual mandate was unconstitutional. Judge Vinson's learned opinion has put down a Constitutional argument that will reverberate all the way to the Supreme Court.
Comento: Nem tudo está perdido! Enquanto existirem guardiões da Constituição como este juiz, haverá esperança!