Rodrigo Constantino
“A religião primitiva da humanidade surgiu principalmente de um medo dos acontecimentos futuros.” (David Hume)
O filósofo David Hume, em História Natural da Religião, trata das origens e das causas que produzem o fenômeno da religião. Hume encara todas as crenças religiosas como mero produto da natureza humana, ou seja, um resultado das paixões humanas mais primitivas e básicas, dos instintos naturais como medo e esperança. O filósofo não era ateu, e sim um deísta. Mas seus constantes ataques às crenças religiosas despertaram a ira de muitos crentes, e em 1761 todas as suas obras acabaram no Index da Igreja Católica. Mergulhando nos seus escritos, não é difícil entender o motivo: seus argumentos são poderosas armas contra a ignorância e a superstição. Sua mentalidade estava bem à frente do seu tempo, que ainda exalava extrema intolerância religiosa.
Para Hume, uma contemplação racional da natureza, com sua uniformidade, levaria à concepção de um criador único. Entretanto, ele reconhecia que “as primeiras idéias da religião não nasceram de uma contemplação das obras da natureza, mas de uma preocupação em relação aos acontecimentos da vida, e da incessante esperança e medo que influenciam o espírito humano”. Os homens seriam guiados por algumas paixões até às crenças religiosas, mas não pela curiosidade especulativa ou o puro amor à verdade, motivos refinados demais, segundo Hume, para um entendimento tão grosseiro. Hume diz: “As únicas paixões que podemos imaginar capazes de agir sobre tais homens incultos são as paixões ordinárias da vida humana, a ansiosa busca da felicidade, o temor de calamidades futuras, o medo da morte, a sede de vingança, a fome e outras necessidades”. Agitados por esperanças e medos, num cenário desordenado, os homens vêem “os primeiros sinais obscuros da divindade”.
Não escapou aos olhares atentos de Hume a característica humana de conceber todos os seres segundo sua própria imagem. Além disso, há uma tendência em transferir a todos os objetos as qualidades com as quais os homens estão familiarizados. Como exemplo, basta pensar nas faces humanas vistas na lua, as formas nas nuvens, ou a maldade e bondade que atribuímos a tudo que nos faz mal ou nos agrada, ainda que simples fenômenos naturais. Logo, a ansiedade em relação ao futuro desconhecido e a ignorância levam o homem à crença de que ele depende de poderes invisíveis, dotados de sentimentos e de inteligência. Segundo Hume, “quanto mais um homem vive uma existência governada pelo acaso, mais ele é supersticioso, como se pode particularmente observar entre os jogadores e os marinheiros”. O medo e as angústias que a incerteza gera são insuportáveis para muitos. Hume conclui que “os homens ajoelham-se bem mais freqüentemente por causa da melancolia do que por causa de paixões agradáveis”.
Uma característica que anda de mãos dadas com o medo é a adulação. O deus criado pelos homens por conta desse medo passa a ser visto como um protetor particular, e seus devotos tentarão por todos os meios obter seus favores. Transferindo as paixões humanas a este deus, os crentes imaginam que ele ama o louvor e as lisonjas também, e não pouparão nenhum elogio ou exagero em suas súplicas. “À medida que o temor e a miséria dos homens se fazem sentir mais”, diz Hume, “estes inventam, todavia, novas formas de adulação”. Os deuses criados são representados como seres semelhantes aos homens, sensíveis e inteligentes, movidos por amor e ódio, suscetíveis às oferendas e às súplicas, às pregações e aos sacrifícios. Para Hume, aqui está a origem da religião e, conseqüentemente, da idolatria. Os semideuses ou seres intermediários, por serem ainda mais familiares à natureza humana, convertem-se no principal objeto de devoção. Se os gregos tinham seus heróis semideuses, os católicos criaram seus santos.
As disputas quase sempre violentas entre as diferentes religiões foram analisadas por Hume também. Como “cada seita está convencida de que sua própria fé e seu próprio culto são totalmente agradáveis à divindade, e como ninguém pode conceber que o mesmo ser deva comprazer-se com ritos e preceitos diferentes e opostos, as diversas seitas acabam naturalmente em animosidade e descarregam umas contra as outras aquele zelo e rancor sagrados, que constituem as mais furiosas e implacáveis de todas as paixões humanas”. Como exemplos, Hume cita “o espírito estreito e implacável dos judeus”, os princípios ainda mais sangrentos dos seguidores de Maomé, e não poupa os cristãos, que teriam abraçado os princípios da tolerância por causa da “firme determinação dos magistrados civis, que se opuseram aos esforços contínuos dos padres e dos fanáticos”. Além disso, Hume considera que “os sacrifícios humanos dos cartagineses, dos mexicanos e de muitas nações bárbaras raramente superaram a Inquisição e as perseguições de Roma e de Madri”.
Apesar de deísta, Hume tinha muito receio do monoteísmo quando somado às superstições. Ele escreve: “A crença em um deus representado como infinitamente superior aos homens, ainda que seja completamente justa, é suscetível, quando acompanhada de terrores supersticiosos, de afundar o espírito humano na submissão e na humilhação mais vil, e de representar as virtudes monásticas da mortificação, da penitência, da humildade e do sofrimento passivo como as únicas qualidades que são agradáveis a deus”. Os flagelos, jejuns e covardia se tornam os meios para obter honras celestiais. Como um dos exemplos dessa inversão de valores, Hume cita o caso do Cardeal Belarmino, canonizado em 1930, que deixava as pulgas e outros insetos repugnantes grudarem nele, dizendo: “Ganharemos o céu como recompensa por nossos sofrimentos, mas estas pobres criaturas não têm mais que os prazeres da vida presente”. O sacrifício passa a ser visto como uma virtude em si. Sofrer é o caminho do paraíso.
Ainda atacando as crenças católicas, Hume afirma que “em todo o paganismo não há nenhum dogma que se preste mais ao ridículo que o da presença real, pois é tão absurdo que escapa a toda refutação”. Hume conta a piada de um comungante que recebeu, por engano, uma moeda no lugar da hóstia sagrada, e após esperar um tempo para ela se dissolver, tirou-a da boca e gritou ao sacerdote: “Espero que não tenhas cometido um erro; espero que não me tenhas dado Deus Pai; é tão duro e tão resistente que não há modo de o engolir”. Hume desabafa: “Essas são as doutrinas de nossos irmãos católicos”. Para o filósofo, no futuro provavelmente será “difícil convencer certas nações de que um homem, criatura de duas pernas, possa ter abraçado alguma vez tais princípios”. Pelo visto, esse dia ainda não chegou...
Diante de crenças tão tolas, a natureza humana e o bom senso acabam prevalecendo, na maioria dos casos. Hume diz: “Podemos observar que, apesar do caráter dogmático e imperioso de toda superstição, a convicção dos homens religiosos é, em todas as épocas, mais fingida que real, e apenas raramente e em certa medida se aproxima a firme crença e a firme convicção que nos governa nos assuntos comuns da vida. Os homens não ousam confessar, nem mesmo no seu íntimo, as dúvidas que os assaltam sobre estas questões: ostentam uma fé sem reservas e dissimulam ante si mesmos sua real incredulidade, por meio das mais categóricas afirmações e do mais absoluto fanatismo. Mas a natureza é mais forte que seus esforços e não permite que a luz obscura e pálida, surgida nessas sombrias regiões, iguale-se às impressões vívidas produzidas pelo senso comum e pela experiência”. Por esse motivo vemos carolas pregando a castidade e condenando o uso de preservativos, enquanto na prática ignoram esses absurdos. Acertam as contas depois. Afinal, somos todos pecadores mesmo!
A moral, mesmo a mais elevada, era vista por Hume como independente das religiões: “Ainda no caso das virtudes que são mais austeras e mais dependentes da reflexão, como o espírito público, o dever filial, a temperança ou a integridade, a obrigação moral, tal como a compreendemos, descarta toda a pretensão a um mérito religioso; e a conduta virtuosa não é mais que aquilo que devemos à sociedade ou a nós mesmos”. Para simplesmente pregar uma conduta moral, a religião não é absolutamente necessária. Por isso todas elas acabam criando vários dogmas absurdos. Para o crente, afinal, o que é puramente religioso é mais virtuoso. Se agir com integridade for uma demanda moral comum a todos, o religioso não pode se limitar a isso. Ele jejua ou se dá uns bons açoites, ajoelha no milho, sobe escadas de joelho, usa o cilício, qualquer coisa que, em sua opinião, tem uma relação direta com a assistência divina. Hume explica: “Por meio desses extraordinários sinais de devoção obtém, pois, o favor divino, e pode esperar, como recompensa, proteção e segurança neste mundo – e felicidade eterna no outro”.
“Tudo o que enfraquece ou perturba as disposições interiores do homem favorece os interesses da superstição; e nada os destrói mais do que uma virtude viril e constante, que nos preserva dos acidentes desastrosos e melancólicos ou que nos ensina a suportá-los”. Para Hume, “quando resplandece essa serenidade de espírito, a divindade jamais aparece sob falsas aparências”. Eis o antídoto contra as superstições. A barbárie e a arbitrariedade são “as qualidades, ainda que dissimuladas com outros nomes, que formam, como podemos observar universalmente, o caráter dominante da divindade nas religiões populares”. As religiões criam monstros, deuses cruéis que castigam, que punem, atormentando o sono dos crentes. Hume diz: “Quanto mais monstruosa é a imagem da divindade, mais os homens se tornam seus servidores dóceis e submissos, e quanto mais extravagantes são as provas que ela exige para nos conceder sua graça, mais necessário se faz que abandonemos nossa razão natural e nos entreguemos à condução e direção espiritual dos sacerdotes”.
O medo é uma arma muito eficaz no controle das pessoas. Se a religião oferece conforto por um lado, cria grilhões por outro. “A crença na vida futura abre perspectivas confortáveis que são arrebatadoras e agradáveis. Mas como esta desaparece rapidamente quando surge o medo que a acompanha e que possui uma influência mais firme e duradoura sobre o espírito humano!”
A razão humana, ainda que um privilégio de nossa espécie, não é usada muitas vezes contra as paixões mais básicas. Desta forma, as religiões prosperam. Deixo os comentários finais com este grande filósofo: “Observemos a maioria das nações e épocas. Examinemos os princípios religiosos que têm, de fato, vigorado no mundo. Dificilmente nos persuadiremos de que eles são mais do que devaneios dos homens. Ou talvez os consideremos mais uma brincadeira de macacos com a forma humana do que afirmações sérias, positivas e dogmáticas de um ser que se vangloria com o nome de racional”.
“A religião primitiva da humanidade surgiu principalmente de um medo dos acontecimentos futuros.” (David Hume)
O filósofo David Hume, em História Natural da Religião, trata das origens e das causas que produzem o fenômeno da religião. Hume encara todas as crenças religiosas como mero produto da natureza humana, ou seja, um resultado das paixões humanas mais primitivas e básicas, dos instintos naturais como medo e esperança. O filósofo não era ateu, e sim um deísta. Mas seus constantes ataques às crenças religiosas despertaram a ira de muitos crentes, e em 1761 todas as suas obras acabaram no Index da Igreja Católica. Mergulhando nos seus escritos, não é difícil entender o motivo: seus argumentos são poderosas armas contra a ignorância e a superstição. Sua mentalidade estava bem à frente do seu tempo, que ainda exalava extrema intolerância religiosa.
Para Hume, uma contemplação racional da natureza, com sua uniformidade, levaria à concepção de um criador único. Entretanto, ele reconhecia que “as primeiras idéias da religião não nasceram de uma contemplação das obras da natureza, mas de uma preocupação em relação aos acontecimentos da vida, e da incessante esperança e medo que influenciam o espírito humano”. Os homens seriam guiados por algumas paixões até às crenças religiosas, mas não pela curiosidade especulativa ou o puro amor à verdade, motivos refinados demais, segundo Hume, para um entendimento tão grosseiro. Hume diz: “As únicas paixões que podemos imaginar capazes de agir sobre tais homens incultos são as paixões ordinárias da vida humana, a ansiosa busca da felicidade, o temor de calamidades futuras, o medo da morte, a sede de vingança, a fome e outras necessidades”. Agitados por esperanças e medos, num cenário desordenado, os homens vêem “os primeiros sinais obscuros da divindade”.
Não escapou aos olhares atentos de Hume a característica humana de conceber todos os seres segundo sua própria imagem. Além disso, há uma tendência em transferir a todos os objetos as qualidades com as quais os homens estão familiarizados. Como exemplo, basta pensar nas faces humanas vistas na lua, as formas nas nuvens, ou a maldade e bondade que atribuímos a tudo que nos faz mal ou nos agrada, ainda que simples fenômenos naturais. Logo, a ansiedade em relação ao futuro desconhecido e a ignorância levam o homem à crença de que ele depende de poderes invisíveis, dotados de sentimentos e de inteligência. Segundo Hume, “quanto mais um homem vive uma existência governada pelo acaso, mais ele é supersticioso, como se pode particularmente observar entre os jogadores e os marinheiros”. O medo e as angústias que a incerteza gera são insuportáveis para muitos. Hume conclui que “os homens ajoelham-se bem mais freqüentemente por causa da melancolia do que por causa de paixões agradáveis”.
Uma característica que anda de mãos dadas com o medo é a adulação. O deus criado pelos homens por conta desse medo passa a ser visto como um protetor particular, e seus devotos tentarão por todos os meios obter seus favores. Transferindo as paixões humanas a este deus, os crentes imaginam que ele ama o louvor e as lisonjas também, e não pouparão nenhum elogio ou exagero em suas súplicas. “À medida que o temor e a miséria dos homens se fazem sentir mais”, diz Hume, “estes inventam, todavia, novas formas de adulação”. Os deuses criados são representados como seres semelhantes aos homens, sensíveis e inteligentes, movidos por amor e ódio, suscetíveis às oferendas e às súplicas, às pregações e aos sacrifícios. Para Hume, aqui está a origem da religião e, conseqüentemente, da idolatria. Os semideuses ou seres intermediários, por serem ainda mais familiares à natureza humana, convertem-se no principal objeto de devoção. Se os gregos tinham seus heróis semideuses, os católicos criaram seus santos.
As disputas quase sempre violentas entre as diferentes religiões foram analisadas por Hume também. Como “cada seita está convencida de que sua própria fé e seu próprio culto são totalmente agradáveis à divindade, e como ninguém pode conceber que o mesmo ser deva comprazer-se com ritos e preceitos diferentes e opostos, as diversas seitas acabam naturalmente em animosidade e descarregam umas contra as outras aquele zelo e rancor sagrados, que constituem as mais furiosas e implacáveis de todas as paixões humanas”. Como exemplos, Hume cita “o espírito estreito e implacável dos judeus”, os princípios ainda mais sangrentos dos seguidores de Maomé, e não poupa os cristãos, que teriam abraçado os princípios da tolerância por causa da “firme determinação dos magistrados civis, que se opuseram aos esforços contínuos dos padres e dos fanáticos”. Além disso, Hume considera que “os sacrifícios humanos dos cartagineses, dos mexicanos e de muitas nações bárbaras raramente superaram a Inquisição e as perseguições de Roma e de Madri”.
Apesar de deísta, Hume tinha muito receio do monoteísmo quando somado às superstições. Ele escreve: “A crença em um deus representado como infinitamente superior aos homens, ainda que seja completamente justa, é suscetível, quando acompanhada de terrores supersticiosos, de afundar o espírito humano na submissão e na humilhação mais vil, e de representar as virtudes monásticas da mortificação, da penitência, da humildade e do sofrimento passivo como as únicas qualidades que são agradáveis a deus”. Os flagelos, jejuns e covardia se tornam os meios para obter honras celestiais. Como um dos exemplos dessa inversão de valores, Hume cita o caso do Cardeal Belarmino, canonizado em 1930, que deixava as pulgas e outros insetos repugnantes grudarem nele, dizendo: “Ganharemos o céu como recompensa por nossos sofrimentos, mas estas pobres criaturas não têm mais que os prazeres da vida presente”. O sacrifício passa a ser visto como uma virtude em si. Sofrer é o caminho do paraíso.
Ainda atacando as crenças católicas, Hume afirma que “em todo o paganismo não há nenhum dogma que se preste mais ao ridículo que o da presença real, pois é tão absurdo que escapa a toda refutação”. Hume conta a piada de um comungante que recebeu, por engano, uma moeda no lugar da hóstia sagrada, e após esperar um tempo para ela se dissolver, tirou-a da boca e gritou ao sacerdote: “Espero que não tenhas cometido um erro; espero que não me tenhas dado Deus Pai; é tão duro e tão resistente que não há modo de o engolir”. Hume desabafa: “Essas são as doutrinas de nossos irmãos católicos”. Para o filósofo, no futuro provavelmente será “difícil convencer certas nações de que um homem, criatura de duas pernas, possa ter abraçado alguma vez tais princípios”. Pelo visto, esse dia ainda não chegou...
Diante de crenças tão tolas, a natureza humana e o bom senso acabam prevalecendo, na maioria dos casos. Hume diz: “Podemos observar que, apesar do caráter dogmático e imperioso de toda superstição, a convicção dos homens religiosos é, em todas as épocas, mais fingida que real, e apenas raramente e em certa medida se aproxima a firme crença e a firme convicção que nos governa nos assuntos comuns da vida. Os homens não ousam confessar, nem mesmo no seu íntimo, as dúvidas que os assaltam sobre estas questões: ostentam uma fé sem reservas e dissimulam ante si mesmos sua real incredulidade, por meio das mais categóricas afirmações e do mais absoluto fanatismo. Mas a natureza é mais forte que seus esforços e não permite que a luz obscura e pálida, surgida nessas sombrias regiões, iguale-se às impressões vívidas produzidas pelo senso comum e pela experiência”. Por esse motivo vemos carolas pregando a castidade e condenando o uso de preservativos, enquanto na prática ignoram esses absurdos. Acertam as contas depois. Afinal, somos todos pecadores mesmo!
A moral, mesmo a mais elevada, era vista por Hume como independente das religiões: “Ainda no caso das virtudes que são mais austeras e mais dependentes da reflexão, como o espírito público, o dever filial, a temperança ou a integridade, a obrigação moral, tal como a compreendemos, descarta toda a pretensão a um mérito religioso; e a conduta virtuosa não é mais que aquilo que devemos à sociedade ou a nós mesmos”. Para simplesmente pregar uma conduta moral, a religião não é absolutamente necessária. Por isso todas elas acabam criando vários dogmas absurdos. Para o crente, afinal, o que é puramente religioso é mais virtuoso. Se agir com integridade for uma demanda moral comum a todos, o religioso não pode se limitar a isso. Ele jejua ou se dá uns bons açoites, ajoelha no milho, sobe escadas de joelho, usa o cilício, qualquer coisa que, em sua opinião, tem uma relação direta com a assistência divina. Hume explica: “Por meio desses extraordinários sinais de devoção obtém, pois, o favor divino, e pode esperar, como recompensa, proteção e segurança neste mundo – e felicidade eterna no outro”.
“Tudo o que enfraquece ou perturba as disposições interiores do homem favorece os interesses da superstição; e nada os destrói mais do que uma virtude viril e constante, que nos preserva dos acidentes desastrosos e melancólicos ou que nos ensina a suportá-los”. Para Hume, “quando resplandece essa serenidade de espírito, a divindade jamais aparece sob falsas aparências”. Eis o antídoto contra as superstições. A barbárie e a arbitrariedade são “as qualidades, ainda que dissimuladas com outros nomes, que formam, como podemos observar universalmente, o caráter dominante da divindade nas religiões populares”. As religiões criam monstros, deuses cruéis que castigam, que punem, atormentando o sono dos crentes. Hume diz: “Quanto mais monstruosa é a imagem da divindade, mais os homens se tornam seus servidores dóceis e submissos, e quanto mais extravagantes são as provas que ela exige para nos conceder sua graça, mais necessário se faz que abandonemos nossa razão natural e nos entreguemos à condução e direção espiritual dos sacerdotes”.
O medo é uma arma muito eficaz no controle das pessoas. Se a religião oferece conforto por um lado, cria grilhões por outro. “A crença na vida futura abre perspectivas confortáveis que são arrebatadoras e agradáveis. Mas como esta desaparece rapidamente quando surge o medo que a acompanha e que possui uma influência mais firme e duradoura sobre o espírito humano!”
A razão humana, ainda que um privilégio de nossa espécie, não é usada muitas vezes contra as paixões mais básicas. Desta forma, as religiões prosperam. Deixo os comentários finais com este grande filósofo: “Observemos a maioria das nações e épocas. Examinemos os princípios religiosos que têm, de fato, vigorado no mundo. Dificilmente nos persuadiremos de que eles são mais do que devaneios dos homens. Ou talvez os consideremos mais uma brincadeira de macacos com a forma humana do que afirmações sérias, positivas e dogmáticas de um ser que se vangloria com o nome de racional”.