terça-feira, outubro 30, 2007

Subsídios Agrícolas



Rodrigo Constantino

Para o Instituto Liberal

Os países da OCDE pagaram em subsídios agrícolas US$ 268 bilhões em 2006, equivalentes a 27% do total da receita obtida pelo setor rural. Os subsídios europeus continuam sendo os mais generosos. Na União Européia, representaram 32% da receita do setor rural. Na Noruega e na Islândia, os subsídios chegaram a 60%. Nos Estados Unidos, corresponderam a 11% do total. Na Europa, entre os beneficiados encontram-se a rainha Elizabeth II, da Inglaterra, e o príncipe Alberto I, de Mônaco. Algumas importantes lições podem ser extraídas desses fatos:

  • O protecionismo significa sempre o privilégio de alguns poucos produtores influentes no meio político à custa de todos os consumidores, que passam a pagar mais caro pelos produtos;
  • Como a lógica econômica não muda na travessia do oceano, aquela medida que é prejudicial para os consumidores europeus também é prejudicial para os brasileiros, ou seja, o protecionismo existente em nosso quintal segue o mesmo princípio: prejudicar consumidores e beneficiar poucos produtores importantes;
  • Os brasileiros têm total direito de reclamar desses subsídios agrícolas, prejudiciais à sua economia, mas devem ter em mente que o Brasil pratica um protecionismo ainda maior, com taxas mais elevadas. Quem duvida, basta checar qual o preço que um carro importado da Coréia chega no Brasil, e comparar com o preço que chega nos Estados Unidos. O mesmo vale para computadores e vários outros produtos importantes;
  • Como fica claro, os europeus recebem três vezes mais subsídios que os americanos, em relação ao faturamento do setor, mostrando que o foco obsessivo da esquerda com o Tio Sam, quando é para condenar subsídios, deriva apenas de uma patologia;
  • Por fim, nota-se que somente a esquizofrenia explica o comportamento de uma esquerda que condena os subsídios agrícolas enquanto recebe com honras o socialista francês Bovè, maior ícone desses privilégios concedidos à custa do produtor rural brasileiro. Talvez seja muito exigir coerência de uma esquerda que culpa o embargo americano pela miséria cubana ao mesmo tempo que chama o comércio com americanos de exploração...

sábado, outubro 27, 2007

Carteira de Estudante


Rodrigo Constantino

O Brasil é mesmo o país do “jeitinho”, das regras que são criadas para não pegar, da mentalidade de que o governo é pai do povo. A carteira de estudante, que concede desconto de até 50% em inúmeros eventos ligados ao lazer, esporte e cultura, é um filhote disso. Com uma boa intenção – incentivar os jovens na busca por cultura, e um péssimo meio – o governo, o resultado acaba sendo apenas mais do mesmo: esquemas vantajosos para os “espertos” e a conta nas costas dos “otários”.

Comprei logo no primeiro dia disponível dois ingressos para o show do The Police, que será realizado no Maracanã, aqui no Rio. O mais barato que tinha, no gramado, saía por R$ 190, com mais 20% de acréscimo pela entrega em domicílio pelo www.ingresso.com.br. Como adquiri dois ingressos, gastei a “bagatela” de R$ 456 para poder ir ao show. Em Nova York, no famoso Madison Square Garden, os ingressos mais baratos custam $ 55, ou seja, algo próximo de R$ 100. Em outras palavras: os “ricos” brasileiros acabam tendo que pagar praticamente o dobro do que pagam os “pobres” americanos da Big Apple para ir ao mesmo evento. Blame it on UNE!

Sempre que comento com amigos minha revolta com essa carteira de estudante, invariavelmente um deles pergunta se eu tenho interesse em fazer uma. Não sou mais estudante! Não importa. Parece que é a coisa mais fácil do mundo conseguir uma. Faz sentido. Poder demais – o poder de pagar a metade por muitas coisas – em poucas mãos, de burocratas de sindicatos, do local que pariu vários da raça esquerdista que hoje está no poder. E como todos sabem – ou deveriam saber – nada como esquerda e burocracia, burocracia e corrupção. Tudo isso se retro-alimenta numa simbiose incrível. O único problema é que os artistas, sempre favorecidos pelas gordas verbas estatais – e por isso esquerdistas até a alma, acabam rompendo o elo perfeito, pois sofrem na parte mais sensível do corpo deles, o bolso. Sim, os “altruístas” que pregam o socialismo também são filhos de Deus, e adoram aquilo que somente o capitalismo pode oferecer: demanda dos consumidores e seus dólares. Como uma multidão paga apenas meia-entrada, os artistas são penalizados, e o esquerdismo fica num impasse, com o racha entre diferentes privilegiados. Mas nada que as infindáveis tetas estatais não possam resolver, com mais um pouco de verba pública para filmes que ninguém deseja ver.

Claro que o fato de muitos pagarem metade do preço faz com que o preço cheio seja bem maior do que seria. Os organizadores dos eventos fazem suas contas com base em faturamento total, não na “função social” dos eventos. Para uma legião de malandros, tem que existir sempre a turma dos “otários”, que não aceitam participar do esquema e acabam pagando a conta. O governo, evidentemente, não produz riqueza, e todo privilégio que ele garante sai de algum lugar, de algum desfavorecido. Se há entrada “grátis” no ônibus, por exemplo, alguém paga por ela. Não existe almoço grátis, já dizia o bom velhinho de Chicago. No fundo, o governo vai apenas criando privilégios e jogando a conta para os outros, mais dispersos. Ganha votos assim. É o meio político. É podre mesmo, não tem jeito.

E eis que os jovens – e muitos “coroas” também – poderão alimentar bastante sua cultura nesse grande evento cultural: o show de uma banda de rock. Sim, o leitor não achou que o resultado prático desse privilégio fosse o aumento de jovens estudantes nos teatros, achou? Seria ingenuidade demais, esperada somente daqueles que ainda acreditam em Lula. E esses não existem mais. Logo, é óbvio que todos iriam usar a vantagem concedida para pegar um cineminha básico, talvez para ver Harry Porter, muito útil para a formação dos nossos jovens. Ou então para ir ao show do The Police, fazendo com que eu, um dos “otários” que não tem a carteirinha, pagasse o dobro do que os nova-iorquinos pagam. Mas sempre pode ser pior. Os jovens poderiam estar indo assistir filmes como Olga ou Diários de Motocicleta, que fazem propaganda comunista com o nosso dinheiro. De fato, o show do The Police chega a parecer uma peça de Shakespeare em termos culturais se comparado a isso...

O leitor pode então questionar: “Você defende a extinção da carteira de estudante?”. Ora, para que pensar tão pequeno?! Sim, eu defendo a extinção deste privilégio indevido, assim como defendo a extinção do próprio Ministério da Cultura e do MEC. O povo não precisa deles, e Gilberto Gil faz um estrago bem menor apenas cantando.

sexta-feira, outubro 26, 2007

A Felicidade de Epicuro


Rodrigo Constantino

“O fruto mais saboroso da auto-suficiência é a liberdade.” (Epicuro)

Ao lado de Platão e Aristóteles, Epicuro foi um dos grandes filósofos da Grécia Antiga. A escola que ele fundou permaneceu aberta por quase oito séculos. Suas idéias influenciaram muitos pensadores modernos, principalmente desde o Iluminismo. Entretanto, as críticas à sua filosofia de vida foram ainda maiores. Muitas delas, a meu ver, injustas, como as que alegam um caráter libertino e irresponsável de sua filosofia. Não me considero um epicurista, mas tampouco acho que o Jardim de Epicuro seja o “jardim das aflições”. Pretendo explicar sucintamente os motivos.

De forma resumida, a doutrina de Epicuro é uma filosofia do prazer. Achar o caminho de maior felicidade e tranqüilidade, evitando a dor, era a máxima epicurista. No entanto, não se trata da busca de qualquer prazer, tal como o associado ao hedonismo. Epicuro não faz uma defesa do carpe diem ou da libertinagem irresponsável. O prazer em questão não é nunca trivial ou vulgar. Na carta a Meneceu, Epicuro afirma que “nem todo o prazer é digno de ser desejado”, da mesma forma que nem toda dor deve ser evitada incondicionalmente. A deturpação do conceito de prazer usado por Epicuro foi algo que ocorreu durante a sua vida, e ele teve, portanto, a oportunidade de rebater: “Quando dizemos então, que o prazer é a finalidade da nossa vida, não queremos referir-nos aos prazeres dos gozadores dissolutos, para os quais o alvo é o gozo em si. É isso que crêem os ignorantes ou aqueles que não compreendem a nossa doutrina ou querem, maldosamente, não entender a sua verdade. Para nós, prazer significa: não ter dores no âmbito físico e não sentir falta de serenidade no âmbito da alma”. Em outras palavras, a ataraxia.

O Utilitarismo de Bentham e Mill irá numa linha muito parecida a de Epicuro. John Stuart Mill afirma que “desde Epicuro até Bentham, todos os partidários da teoria da utilidade designaram pelo termo não algo que contrastasse com prazer, mas o prazer em si mesmo, bem como a ausência de dor; e, em vez de opor o útil ao agradável ou belo, sempre declararam que o termo designava precisamente estas coisas, entre outras". O uso popular, entretanto, estaria associado ao conceito de frivolidade, de “meros prazeres instantâneos”, contrário ao que se pretendia dizer. Mill explica: "Quando assim atacados, os epicuristas sempre responderam que não são eles, mas seus acusadores, que representam a natureza humana sob uma luz degradante, já que a acusação supõe os seres humanos como incapazes de sentir um prazer distinto do que sentem os suínos".

Como se vê, a acusação de que o epicurista busca de maneira desenfreada os prazeres imediatos do corpo não faz sentido. Tampouco pega no epicurista a imagem de egoísta insensível fechado para o mundo. A satisfação egoísta a qualquer custo jamais poderia ser associada à filosofia de Epicuro, que depositava enorme importância na amizade. Para ele, “a faculdade de granjear amizades é de longe a mais eminente entre todas aquelas que contribuem para a sabedoria da felicidade”. De fato, Epicuro demonstrou isso em sua vida, alimentando várias amizades. Por que, então, sua filosofia despertou tamanha reação negativa?

O doutor Sean Gabb, diretor da Libertarian Alliance, arrisca uma resposta em seu texto Epicurus: Father of the Enlightment, onde ele sustenta a tese de que a filosofia epicurista é precursora do liberalismo clássico. Para Gabb, esta filosofia mexeu com poderosos interesses na época, já que o terror religioso vinha sendo cada vez mais utilizado para controlar as massas. A promessa de uma vida eterna e perfeita após a morte sempre foi um consolo poderoso para muitos, assim como a ameaça de punição eterna era poderosa arma. Uma filosofia que se dedica totalmente a esta vida – a única certa – não poderia ficar isenta de violentos ataques. Epicuro comprou uma briga e tanto ao afirmar coisas do tipo: “É sem valor pedir aos deuses aquilo que nós mesmos podemos realizar”. Muitas religiões pregam o sofrimento durante a vida como nobre, como ingresso para uma vida maravilhosa após a morte. Não é de espantar, portanto, ver os ataques passionais que uma filosofia defendendo a busca da felicidade mundana recebeu. Mas Epicuro estava mais preocupado em defender o que considerava útil aos homens nesta vida, do que dar, “sob o caloroso aplauso da multidão”, o seu “acordo em tolices”.

Sendo o temor pela punição eterna uma das maiores causas de submissão às autoridades políticas e religiosas, parecia claro que a filosofia de Epicuro encontraria muitos inimigos. Afinal, para Epicuro, quando nós existimos, a morte não existe, e quando chegar a morte, nós não somos mais nada. Ele simplesmente não parecia muito preocupado com a morte, mas sim com a vida. E quando as pessoas estão voltadas para a felicidade em vida, torna-se mais difícil serem dominadas e controladas pelo medo da morte. Claro que surge a questão moral de quais seriam então os freios para os desejos na vida. Por que não matar ou roubar se isso parecer útil? Epicuro não dá, aparentemente, uma resposta satisfatória a esta pergunta. Ele diz apenas que “a vida do insensato é ingrata”, em “constante agitação”, e que o homem justo está livre desses distúrbios.

Não consta que ele tenha agido de forma injusta em sua vida, assim como muitos dos seus seguidores. Por outro lado, vários religiosos praticaram atos bárbaros justamente em nome da fé. Não creio que o bom comportamento dependa de fé divina, de forma alguma. Respeitar os outros pode ser, afinal, do próprio interesse pessoal. A vida é melhor para todos, inclusive nós mesmos, quando há este tipo de convívio. Será que os crentes que julgam estar somente na fé divina o freio para atos injustos, iriam sair matando e estuprando se começassem a duvidar da existência de Deus? Não estariam dando um atestado de perversão os que pensam assim, dependendo somente do medo de punição divina para não praticar o mal? No mais, apelar para o argumento de coerção divina é apelar para a utilidade da religião, não sua verdade. E como disse Mill, “a verdade de uma opinião faz parte de sua utilidade”. Para ele, “nenhuma crença contrária à verdade pode ser realmente útil”. Concordo com Epicuro nisso: não é preciso crer no sobrenatural ou na punição eterna para evitar fazer o mal. Ser bom com os outros é bom para si próprio. Afinal, devemos esperar ser tratados pelos outros como temos os tratado, uma lembrança que data de um século antes de Cristo.

Por que, então, não me considero um epicurista? Parte da resposta pode ser encontrada naquilo que Adam Smith, em Teoria dos Sentimentos Morais, disse sobre Epicuro:

"Segundo Epicuro, a virtude também não mereceria ser buscada por si mesma, nem seria em si um dos objetos fundamentais de apetite natural; seria desejável apenas graças à sua tendência a evitar dor e proporcionar bem-estar e prazer. Na opinião dos outros três (Platão, Aristóteles e Zenão), ao contrário, a virtude seria desejável não apenas como meio de proporcionar os outros objetivos primários do desejo natural, mas como algo que em si mesmo seria mais valioso do que todos estes. Pensavam que, sendo o homem nascido para a ação, sua felicidade deve consistir não apenas no que há de agradável nas suas paixões passivas, mas sobretudo na conveniência de seus esforços ativos."

O Utilitarismo faz sentido muitas vezes, já que a maioria busca maximizar a própria felicidade mesmo. Mas se a utilidade entrar em conflito com a virtude, esta deve prevalecer. Antes dos resultados, vem o direito natural. Antes de se esquivar da dor e angústia, vem a busca da verdade. Antes do melhor, vem o justo. A liberdade individual não é por mim defendida por ser a forma mais eficiente de maximizar felicidade – ainda que o seja, mas sim por ser a moralmente correta. Além disso, uma filosofia que coloca o prazer como padrão de moralidade diz que qualquer coisa que leva ao prazer é desejável. Não faz, portanto, distinção entre essas coisas. Se para alguém o prazer está em invadir uma propriedade e para outro está em defender tal propriedade, não há um critério objetivo nesta filosofia que mostre quem está certo moralmente. O Utilitarismo seria, nesse aspecto, amoral.

Prefiro, então, a filosofia de Ayn Rand. O Objetivismo sustenta que o bem deve ser definido por um padrão racional de valor, que o prazer não é uma primeira causa, mas apenas uma conseqüência, que somente o prazer que procede de um julgamento racional de valor pode ser considerado moral. Dizer que o prazer deve ser o padrão da moralidade significa dizer que quaisquer valores que você escolhe, consciente ou inconscientemente, racional ou irracionalmente, são corretos e morais. A vida será então guiada por sentimentos ao acaso, não pela mente. A filosofia de Ayn Rand é o oposto disso, pois defende que ninguém pode atingir a verdadeira felicidade desta maneira arbitrária e randômica. Talvez Epicuro não fosse discordar disso, no fundo. Afinal, ele acreditava que “no princípio de tudo, encontra-se a razão, o maior dos nossos bens”, e que “dela resultam por si só todas as outras virtudes”. Mas o fato é que, tal como a conhecemos, a filosofia de Epicuro não chegou a formular um sistema completo como o Objetivismo, explicando, partindo de axiomas, o código moral racional.

Dito isso, não vejo com aversão a filosofia de Epicuro, diferente de muitos, particularmente os mais religiosos que chegam a adotar uma “ética” do sofrimento. A Declaração de Independência Americana é clara ao mencionar o direito de cada um buscar a própria felicidade. Thomas Jefferson, em uma carta de 1819 para um amigo, chegou a se declarar um epicurista. Mises, em Human Action, afirma que a filosofia de Epicuro inaugurou uma emancipação espiritual, moral e intelectual da humanidade. Todos aqueles que consideram, assim como eu, a felicidade nesta vida uma importante meta, e condenam as ameaças sobrenaturais e superstições que escravizam o indivíduo, possuem algo de Epicuro também. Podemos não abraçar toda a sua filosofia. Mas isso não nos impede de extrair o que ela tem de correto. Não é, como afirmam alguns, uma defesa da libertinagem irresponsável. Alguns irresponsáveis libertinos é que podem buscar refúgio em Epicuro, mas estariam fazendo isso injustamente. Trata-se de colocar a felicidade nessa vida como um objetivo de extrema importância. E quem não deseja evitar a dor e ser feliz nesse mundo?

quinta-feira, outubro 25, 2007

Reagan Segundo Greenspan


Rodrigo Constantino

Em A Era da Turbulência, o livro de memórias de Alan Greenspan, o ex-presidente do Federal Reserve dedica uma boa parte de um capítulo ao tempo em que conviveu com o então presidente americano Ronald Reagan. A seguir, pode-se ter uma idéia do que Greenspan pensa a respeito de Reagan:

"O que me atraía em Reagan era a clareza de seu conservadorismo. Ele também costumava explorar outra frase em sua oratória política: ‘Os governos existem para nos proteger uns contra os outros. O governo vai além de seus limites quando decide proteger-nos de nós mesmos.’ Um homem que se expressa nesses termos não deixa dúvidas quanto às suas crenças."

"Mas Reagan parecia bem disposto e, quando o avião decolou, ele estava fazendo perguntas amistosas sobre Milton Friedman e sobre outras pessoas que ambos conhecíamos. A partir daí, a conversa foi fácil. Acho que ouvi mais histórias inteligentes durante aquele vôo do que em qualquer outro período de cinco horas, em toda a minha vida."

"O temperamento dele me fascinava. A resplandecência e a benevolência que ele trouxe para a presidência nunca perderam a intensidade, mesmo quando teve de enfrentar uma economia disfuncional e o perigo global de guerra nuclear. Armazenadas em sua cabeça talvez houvesse quatrocentas histórias e frases. (...) Sob o governo Reagan, os americanos deixaram de achar que os Estados Unidos eram uma ex-grande potência e reconquistaram a autoconfiança."

"Por trás do humor, transparecia a antiga desconfiança de Reagan em relação aos economistas, que promoviam o que ele considerava interferência destrutiva do governo nos mercados. Ele era, evidentemente, adepto do laissez-faire. Ele queria abrir a economia. Embora sua percepção da economia não fosse profunda nem sofisticada, ele compreendia a tendência de autocorreção dos mercados abertos e a grande capacidade de criação de riqueza do capitalismo. Confiava no poder da mão invisível de Adam Smith, para não só encorajar a inovação, mas também para produzir resultados que ele, em geral, considerava justos."

"Reagan comparava a redução do tamanho do governo à aplicação da disciplina paterna: ‘Sabe, podemos fazer sermões aos filhos sobre suas extravagâncias, até perder o fôlego, ou podemos combater esses abusos simplesmente reduzindo a mesada deles.’"

"A pedra angular dos cortes de impostos de Reagan foi um projeto de lei que havia sido proposto pelo congressista Jack Kemp e pelo senador William Roth. Ele exigia a redução de 30% na carga tributária sobre pessoas jurídicas e pessoas físicas, com o objetivo de arrancar a economia daquele estado de letargia, que agora entrava em seu segundo ano. (...) Em breve, a reunião terminava e Reagan se retirava, fortalecido na determinação de pressionar pelo corte de impostos. Como se sabe, o Congresso acabou aprovando sua própria versão do plano econômico. No entanto, como a contenção de gastos foi tímida demais, o déficit continuou sendo um problema aflitivo e crescente."

Em resumo, a visão de Greenspan sobre Reagan é a de um homem simples mas com clareza moral, fiel às suas convicções, focado nos seus poucos princípios essenciais, que acreditava na liberdade dos indivíduos, no funcionamento do livre mercado e num governo bastante limitado em seu escopo. Humildemente, eu concordo plenamente com esta imagem que Greenspan guardou do ex-presidente, que conheceu bem de perto.

PS: Em 2003, Greenspan, ainda presidente do Fed, fez um discurso sobre o legado de Reagan. Eis o link para o discurso:
http://www.federalreserve.gov/BOARDDOCS/SPEECHES/2003/200304092/default.htm

quarta-feira, outubro 24, 2007

A Culpa do Ocidente


Rodrigo Constantino

“A prosperidade do Ocidente foi gerada por seus próprios povos e não foi tirada de outros.” (Peter Thomas Bauer)

Peter Thomas Bauer nasceu em Budapeste, na Hungria, em 1915, e acabou indo estudar economia em Cambridge. Lord Bauer dedicou boa parte de sua carreira à London School of Economics, foi um admirador de Thatcher, e membro da Mont Pelerin Society, fundada por seu amigo Hayek. Bauer sempre combateu o planejamento central, defendendo o livre mercado em uma época onde o modismo era ser socialista. Sua obra é vasta, e um dos seus primeiros trabalhos mostra como os barões do capitalismo “selvagem” americano eram, na verdade, como os grandes inovadores da atualidade, desbravando terrenos e criando várias oportunidades e empregos. Ele costuma ser lembrado como um oponente ao mecanismo estatal de ajuda ocidental aos países pobres. O foco aqui será sobre o pensamento de Bauer acerca da suposta culpa do Ocidente na pobreza do Terceiro Mundo, termo condenado pelo autor.

O estudo da história mostra como muitas acusações feitas ao Ocidente não passam de falácias. A idéia de que a riqueza ocidental é fruto da exploração dos países pobres não se sustenta com um mínimo de reflexão e observação dos fatos. Os países mais pobres são justamente aqueles que, até bem pouco tempo atrás, sequer tinham contato com os países ricos ocidentais. A acusação de que os britânicos tiraram a borracha da Malásia, por exemplo, inverte um fato importante: foram os ingleses que levaram a borracha para lá. Segundo Bauer, não havia seringueiras na região antes dos ingleses plantarem, como o próprio nome botânico sugere: Hevea brasiliensis. Assim, se a Malásia se tornou importante produtora da borracha, isso foi possível graças aos ingleses. Como eles podem ser acusados de exploradores nesse caso? Como afirma Bauer, “longe de ter drenado riqueza de países menos desenvolvidos, a indústria britânica ajudou a criá-la por lá, como o comércio externo promoveu o avanço econômico em grandes áreas do Terceiro Mundo onde não tinha nenhuma riqueza para ser drenada”.

São justamente os países mais isolados do comércio ocidental que apresentam pior quadro de miséria e fome. A noção de culpa dos países ocidentais é uma acusação originada no próprio Ocidente. O marxismo, por exemplo, partindo da crença de que as diferenças de renda são anomalias e injustas, passam a idéia de exploração. A crença de que a riqueza é estática, de que a economia é um jogo de soma zero, onde para um ganhar o outro tem que perder, influenciou muito esta culpa ocidental. Muitos observam a riqueza nesses países, a miséria mundo afora, e concluem, sem a devida reflexão, que uma coisa só pode ser causa da outra. Esta visão é muito cômoda para os governantes dos países pobres, pois permite a desculpa perfeita para a manutenção de um modelo centralizador e fechado. Os países ricos são os bodes expiatórios que justificam as atrocidades domésticas.

Se os críticos sinceros dedicassem mais tempo à observação dos fatos, logo abandonariam a tese da exploração ocidental. Na África e na Ásia, as áreas mais prósperas são aquelas com maior contato comercial com o Ocidente. O contato com os países ricos foi, portanto, um dos principais agentes de progresso, não de atraso. Os aborígenes, pigmeus e povos do deserto, “protegidos” da “exploração” ocidental, são infinitamente mais pobres que os demais. Hong Kong, por outro lado, representa um incrível caso de sucesso e acelerada criação de riqueza. Aliás, Hong Kong é citada por Bauer com bastante admiração. Não é difícil entender os motivos. A análise de seu exemplo derruba de uma só vez inúmeras falácias repetidas. Hong Kong foi colônia britânica por muitos anos. É um lugar extremamente populoso, mostrando que o número de pessoas não é o que importa, e sim sua conduta. Alguns países com vastas terras e pouca gente vivem na miséria, enquanto Hong Kong é rica. Isso mostra que o controle de natalidade em si não é solução para nada. Com a mentalidade adequada, liberdade econômica e instituições corretas, qualquer povo pode sair da miséria e prosperar. Por fim, Hong Kong, assim como Cingapura, não possui recursos naturais. Mas isso não impediu o progresso nessas regiões, já que este depende de atitudes, não de recursos naturais.

Os que tentam culpar o Ocidente pela pobreza do Terceiro Mundo ignoram questões que expõem imediatamente sua contradição. Como pode ser, por exemplo, que a riqueza dos povos da Suíça ou Estados Unidos tenha sido tirada, digamos, dos aborígenes ou dos pigmeus? De fato, quem tirou o que desses grupos? Como levar a sério esta acusação se é sabido que mais de três quartos da economia americana não depende de recursos naturais, mas de serviços? Os americanos compram dezenas de bilhões de dólares de petróleo da Venezuela por ano a preço de mercado. Se esta montanha de dinheiro não reduz a miséria por lá, como culpar os americanos, e não a própria Venezuela? Culpar o colonialismo pela pobreza do Terceiro Mundo pode ser confortante, mas isso não faz com que seja verdadeiro. O Afeganistão, Tibete, Nepal e Libéria não foram colônias ocidentais, e, no entanto, são extremamente pobres. Já a Austrália e Hong Kong foram colônias, e são ricos. Os próprios Estados Unidos foram colônia inglesa, e se transformaram na nação mais próspera do mundo.

Se o colonialismo não explica a pobreza do Terceiro Mundo, ele não explica também a riqueza ocidental. A Suíça e os países escandinavos são ricos, mas nunca tiveram colônias. A Espanha e Portugal, por outro lado, foram bem menos prósperos, mesmo com várias colônias. A União Soviética colonizou vários países, e isso não impediu seu completo fracasso. A Coréia do Norte, que se isolou do mundo, é um dos países mais miseráveis do planeta, enquanto sua irmã sulista prosperou justamente pelo comércio com o Ocidente. Não deixa de ser curioso que muitos dos que acusam o Ocidente de explorador culpam, ao mesmo tempo, o embargo americano pela miséria cubana. No fundo, eles sabem que praticar comércio com os americanos não é fonte de exploração, mas sim de progresso.

Criticar a colonização em si, assim como a escravidão, é algo absolutamente válido. No entanto, é preciso ser honesto nas críticas. O Ocidente não inventou tais práticas. Pelo contrário: elas já existiam muito antes. Os maiores donos de escravos africanos eram os próprios africanos, por exemplo. A escravidão foi uma realidade por quase toda a existência humana, e teve seu término decretado justamente pelo Ocidente. O colonialismo é prática antiga na humanidade, e veio justamente do Ocidente o basta para tal modelo.

Aqueles que alimentam sinceramente a culpa ocidental estão preocupados com seu estado emocional, mas não com os resultados inspirados nesses sentimentos. As políticas adotadas com base nesta visão de culpa ocidental costumam causar mais dano aos pobres do Terceiro Mundo. Até mesmo a ajuda internacional através dos governos ocidentais é ineficaz e acaba perpetuando os modelos fracassados desses países. Se o Ocidente tem alguma culpa pela situação nos países pobres, esta se deve às ideologias coletivistas oriundas do Ocidente, não ao comércio e ao seu modelo capitalista. Mas os povos de países pobres não podem ser tratados como crianças indefesas e incapazes de decidir. Cabe ao povo de cada nação escolher seu rumo. Em vez de ficar culpando o Ocidente por seus males, fariam algo infinitamente mais inteligente se tentassem copiar o que deu certo lá. E isso é conhecido: o capitalismo de livre mercado.

sexta-feira, outubro 19, 2007

As Mulheres Não Precisam da Tutela Estatal


Rodrigo Constantino

"Quanto mais o Estado intervém na vida espontânea da sociedade, mais risco há, se não positivamente mais certeza, de a estar prejudicando." (Fernando Pessoa)

A Comissão de Direitos Humanos do Senado aprovou projeto de lei que amplia de quatro para seis meses a licença-maternidade. Algumas ressalvas tornam a lei menos perversa para as mulheres: as empresas privadas não são obrigadas (ainda) a conceder o prazo maior; e as que aderirem receberão incentivos fiscais do governo. Dito isso, podemos focar na essência da lei, que expressa uma mentalidade predominante no país, muito perigosa para o progresso. A lei força, de cima para baixo, um comportamento que, na prática, reduz a empregabilidade feminina. Da boa intenção pode resultar um prejuízo justamente para aquelas que deveriam se beneficiar com a medida. Se um empregador se depara com a necessidade de escolher entre um homem e uma mulher na hora da contratação, será inclinado a optar pelo homem, assumindo uma produtividade similar de ambos. Afinal, quem deseja assumir o risco de ficar metade de um ano sem o empregado, tendo que pagar – ao menos em boa parte – por isso?

O brasileiro tem dificuldade de entender que as verdadeiras conquistas dos trabalhadores não são decretadas pelo governo, mas obtidas pela própria dinâmica e lógica do mercado. O trabalhador brasileiro desfruta de muito mais "conquistas" legais que o americano, que nem direito a férias remuneradas tem. Mas creio que ninguém seria louco de afirmar que o trabalhador brasileiro vive melhor que o americano. Na verdade, a enorme informalidade da mão-de-obra no Brasil se deve justamente aos absurdos encargos e privilégios impostos pela lei. O caso da licença-maternidade vai na mesma linha: as americanas têm direito a até 12 semanas de licença, mas esta não é remunerada. O mesmo ocorre na Austrália e Nova Zelândia, países que têm gerado muita riqueza nas últimas décadas. Não há relatos de milhares de mulheres americanas tentando entrar no Brasil para trabalhar aqui e aproveitar essas "conquistas" todas. Por outro lado, milhares de brasileiras tentam a sorte nos Estados Unidos, até mesmo como imigrantes ilegais, em busca de melhores oportunidades. Isso mesmo sem uma licença-maternidade de seis meses, ou todas as demais regalias que o governo oferece, no papel, ao trabalhador brasileiro.

No seu livro de memórias recente, Alan Greenspan, o ex-presidente do Federal Reserve, dá uma verdadeira lição sobre o assunto, quando explica os motivos por ter contratado muitas mulheres em sua empresa de consultoria: "Minha opção por contratar economistas do sexo feminino não foi motivada pela liberação das mulheres. Apenas fazia muito sentido para os negócios. Eu valorizava igualmente homens e mulheres, e constatei que, como muitos empregadores não pensavam do mesmo modo, boas economistas eram mais baratas que bons economistas". Eis um excelente exemplo da lógica econômica funcionando para eliminar preconceitos. O machismo – tal como o racismo – é ineficiente economicamente. O próprio mercado trabalha contra eles, beneficiando aqueles que não têm preconceitos. Mas quando o governo, imbuído de boas intenções ou em busca de votos dos privilegiados, tenta impor cotas ou vantagens para certas minorias, ele acaba distorcendo o próprio mercado, e prejudicando aqueles que deveriam se beneficiar. Uma cota racista pode acabar prejudicando os próprios negros competentes, assim como privilégios femininos podem acarretar em menor empregabilidade das mulheres.

Por fim, quando o governo se mete nessas questões, acaba afetando as decisões mais íntimas dos indivíduos. Humanos reagem a incentivos também. Nada mais particular do que a escolha sobre o tamanho da família, a quantidade de filhos. Países onde a mentalidade paternalista predomina, como nas nações mais socialistas, tais escolhas acabam totalmente influenciadas pelos mecanismos de incentivos do governo. O melhor exemplo é a China, mas existem vários outros. Quando o governo diz que a mulher pode ficar metade do ano em casa, sem trabalhar, mas recebendo por isso, ele está estimulando a maternidade. Esta não deveria ser uma função sua. As decisões sobre a quantidade de filhos, o tempo de trabalho, o papel da ajuda masculina etc. são escolhas familiares. E as famílias não precisam da tutela do Estado.

O governo não é pai de ninguém. Sua função é garantir a segurança dos cidadãos e a isonomia das leis, assim como a voluntariedade das trocas entre indivíduos. Quando ele tenta tutelar certos grupos, ele está justamente ferindo estes princípios. Está criando privilégios, que ferem a isonomia das leis, e está forçando trocas, contra sua voluntariedade. O direito das mulheres evoluiu muito nas últimas décadas, justamente porque os privilégios masculinos foram sendo derrubados. Isso é ótimo! Devemos mesmo lutar pela igualdade perante as leis, para todos! Homens, mulheres, negros, brancos, ricos, pobres, todos devem respeitar as mesmas leis, sem privilégios. Mas isso não é o mesmo que usar a lei para criar novos privilégios, dessa vez para as mulheres. Elas não precisam disso. As mulheres, assim como os homens, não precisam da tutela do Estado.

quinta-feira, outubro 18, 2007

Operação Persona


Rodrigo Constantino

"Se pudermos impedir o Governo de desperdiçar o trabalho do povo, sob o pretexto de cuidar dele, este será feliz." (Thomas Jefferson)

A Polícia Federal, sob o governo Lula, adora mega-operações cinematográficas com prisões de dezenas de pessoas simultaneamente. Um espetáculo para o público acreditar na eficiência da lei – ignorando que depois quase todos acabam soltos. A última delas, chamada "Operação Persona", envolveu a multinacional Cisco, acarretando na prisão de 40 pessoas – enquanto os 40 quadrilheiros do "mensalão" petista continuam em plena liberdade. Não vem ao caso aqui debater se a prisão foi legítima ou não, nem mesmo entrar no complicado tema da sonegação fiscal, já que o cidadão brasileiro fica cada vez mais revoltado por ser obrigado a deixar quase a metade do que ganha nas mãos dos políticos corruptos. Sonegar passa a ser quase um imperativo moral para quem não deseja ser cúmplice de tanta canalhice feita em Brasília. Mas aqui o foco será outro. Vamos apenas falar da magnitude da carga tributária. Na verdade, vamos deixar que o próprio representante do governo fale.

O coordenador-geral de pesquisas e investigações da Receita Federal, Gerson Schaan, afirmou que a fraude em questão reduzia pela metade o preço dos produtos. Vejam só que coisa! Os "malvados" criminosos não são acusados de invadir propriedade privada, como os membros do MST fazem sempre, usando verba estatal e sendo apoiado por muitos do PT. Também não são culpados por fazer guerrilhas em prol de ditaduras, para serem depois agraciados com milionárias indenizações estatais. Nada disso! O grande crime deles foi ter vendido produtos demandados pelos consumidores pela metade do preço que seria vendido se os impostos fossem incluídos. Ou seja, para bancar o "mensalão" e a pensão do filho bastardo de Renan Calheiros, além dos invasores do MST, os consumidores devem pagar o dobro do preço normal. Insumos importantes para as empresas brasileiras acabam saindo pelo dobro do preço pago pelas concorrentes americanas, tudo por causa dos imorais impostos cobrados. O leitor decide quem é o maior criminoso: aquele que foge dos impostos abusivos para vender um importante produto pela metade do preço; ou aquele que, sob a ameaça do uso da força, toma a metade dos ganhos da empresa, forçando o consumidor a pagar o dobro pelo produto, para usar depois o dinheiro na compra de votos dos deputados, em obras superfaturadas e no financiamento dos bandidos do MST.

PS: O império da lei é sem dúvida importante, e uma bandeira inclusive liberal. Mas devem ser leis justas, isonômicas, que preservam a liberdade individual. Quem usa o argumento do império da lei para condenar a sonegação em questão, precisa ser coerente, e condenar então qualquer sonegação. Antes de concordar, é bom lembrar que estamos falando de todos os camelôs e empregados informais, que totalizam quase a metade da mão-de-obra no país. Trabalhar sem carteira assinada para fugir das "conquistas trabalhistas" e ganhar um pouco mais é uma atitude da mesma natureza que ter caixa dois numa grande empresa ou criar esquemas para driblar os impostos. A doméstica que pede para receber por fora e a empresa que importa milhões por fora estão fazendo a mesma coisa, apenas em magnitude diferente. Vamos prender todos? Haja prisão nesse país! Talvez seja melhor entender que o problema está no próprio governo, que torna o custo da legalidade proibitivo...

segunda-feira, outubro 15, 2007

A Influência de Rand em Greenspan



Rodrigo Constantino

Em sua autobiografia A Era da Turbulência, o ex-presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, dedica vários parágrafos para falar da influência que a filósofa e novelista russa Ayn Rand exerceu em sua vida. Greenspan fez parte de um seleto grupo de seguidores do objetivismo – a filosofia de Ayn Rand – do qual participou também Nathaniel Branden. O grupo se reunia semanalmente para longos debates sobre diversos temas. Mais tarde, em 1966, Greenspan chegou a escrever alguns capítulos para um livro de Ayn Rand, chamado Capitalism: The Unknown Ideal, onde ele defende com convicção o livre mercado. A seguir, veremos alguns trechos de seu livro de memórias, onde fala desta influência de Rand.

Greenspan chegou até Ayn Rand através de sua primeira mulher, Joan, que era melhor amiga da esposa de Branden. A novela A Nascente fez enorme sucesso durante a guerra, e Greenspan o considerou "instigante". Ele diz: "Rand escreveu a história para ilustrar uma filosofia a que aderira, que enfatizava a razão, o individualismo e o auto-interesse esclarecido. Mais tarde, ela o denominou de objetivismo; hoje, seria chamado de libertarismo". Rand sofrera na pele os efeitos do coletivismo soviético, e defendia o capitalismo laissez-faire como a forma ideal de organização social. Ayn Rand sustentava, em pleno apogeu do poder soviético, que o sistema era intrinsecamente tão corrupto que acabaria implodindo. Como a história mostrou, ela estava, evidentemente, certa. O individualismo de Rand, em contrapartida, conquistava cada vez mais adeptos nos Estados Unidos. O abismo entre as duas posturas é gigantesco, quiçá intransponível.

Para Greenspan, Rand era "extremamente analítica, sempre disposta a dissecar uma idéia até seus fundamentos, e não se interessava por bate-papos inconseqüentes". Para ele, "ela parecia sempre disposta a considerar qualquer idéia, de qualquer pessoa, sob o ponto de vista exclusivo de seus méritos". Em outras palavras, Greenspan está descrevendo uma postura intelectualmente honesta da filósofa, já que a busca da verdade deve seguir justamente este caminho. Uma boa idéia deve se sustentar por seus próprios méritos, independente de quem a defende. Para Rand, a honestidade intelectual consiste em saber aquilo que alguém sabe, constantemente expandindo o próprio conhecimento, e jamais evadindo ou falhando em corrigir uma contradição. Isso significa o desenvolvimento de uma mente ativa como um atributo permanente.

Quando conheceu Ayn Rand, Greenspan estava imerso em dúvidas relativistas, chegando a postular, certa vez, que não havia mais absolutos. A reação de Ayn Rand causou profundo impacto em Greenspan. Ela deu um pulo e perguntou: "Como isso é possível?". E ainda emendou: "Você não existe?". Greenspan ainda defendia que não podia ter certeza. Não se dava conta ainda da gritante contradição em se alegar a inexistência de absolutos. Na autobiografia, ele reconhece: "Vi que ela estava demonstrando com muita eficácia a natureza contraditória da minha proposição". E acrescentou: "Conversar com Ayn Rand era como começar um jogo de xadrez, achando que eu era bom, e acabar sofrendo um xeque-mate. E, assim, me ocorreu que, muito do que eu concluíra que fosse verdadeiro talvez estivesse totalmente errado". Ponto para Rand. Uma mente é como um pára-quedas: só funciona quando está aberta.

Os elogios a Rand continuam, especialmente quando Greenspan afirma que ela "tornou-se força estabilizadora" em sua vida. Ele diz: "Ela era uma pensadora absolutamente original, dotada de grande acuidade analítica, imbuída de muita força de vontade e norteada por princípios arraigados, que sempre insistia muito na racionalidade como valor mais elevado". Greenspan reforça também a raiz aristotélica de Rand, lembrando que "sua idéia central era que existe uma realidade objetiva, distinta da percepção e capaz de ser conhecida".

No final do capítulo em que fala de Ayn Rand, Greenspan parece justificar sua guinada rumo ao meio político: "Quando aderi à campanha de Richard Nixon à presidência, em 1968, eu já havia decidido participar de iniciativas para promover o capitalismo de livre mercado como alguém de dentro, em vez de só como panfletário crítico". E explica seus motivos: "A existência de uma sociedade democrática, sujeita ao império da lei, implica falta de unanimidade sobre quase todos os aspectos da agenda pública. Fazer concessões a respeito de questões de interesse público é o preço da civilização, mas não significa a rejeição de princípios". Dificilmente Ayn Rand concordaria com isso, ainda que ambos tenham se mantido próximos até a morte da filósofa, em 1982. O fato é que cada um escolhe uma via para tentar fazer a diferença. Mas com certeza a via política exige mais sacrifícios do ponto de vista dos princípios e valores pessoais. No final do dia, qual meio exerce mais influência na sociedade? Difícil saber ao certo, mas tendo que opinar, eu diria que o foco restrito ao campo das idéias, como escolheu Ayn Rand, é mais poderoso a longo prazo, sem falar que permite maior preservação da coerência dos ideais. A política inexoravelmente suja as mãos do pensador, pois força contemporizações que muitos não estariam dispostos a fazer.

Greenspan finaliza o capítulo A Formação de um Economista com mais agradecimentos a Ayn Rand: "Eu era intelectualmente limitado até conhecê-la. Todo o meu trabalho, até então, era empírico e baseado em números, jamais orientados por valores. (...) Rand convenceu-me a observar os seres humanos, seus valores, como trabalham, o que fazem e por que fazem o que fazem; como pensam, e por que pensam assim. Isso ampliou meus horizontes muito além dos modelos econômicos que aprendera. (...) Tudo isso foi semeado em mim por Ayn Rand. Ela me apresentou uma vasta área para a qual até então eu me fechara".

Para maiores informações sobre esta pensadora que tanta influência exerceu numa das figuras mais influentes da segunda metade do século XX, sugiro a leitura do meu livro Egoísmo Racional: O Individualismo de Ayn Rand, onde tento fazer um resumo de suas principais idéias. O livro serve como uma introdução ao seu pensamento, não dispensando, claro, a leitura das obras originais, que são fantásticas.

domingo, outubro 14, 2007

Os Mitos Históricos


Rodrigo Constantino

“Não é suficiente dizer que a história é juízo histórico, é necessário acrescentar que todo juízo é um juízo histórico ou, simplesmente, história.” (Benedetto Croce)

Um dos mais influentes mitos sobre a história diz respeito à idéia de que o capitalismo, em sua infância, não passou do advento de um sistema possível pelo sofrimento de vários indivíduos que antes viviam confortavelmente. A relevância disso surge porque a experiência passada – ou o que entendemos por ela – é o pilar das crenças acerca das políticas e instituições que defendemos no presente. O que consideramos ter sido seus efeitos no passado molda nossas visões sobre a aprovação ou desaprovação de diferentes instituições. Conforme diz Hayek, os mitos históricos têm, provavelmente, desempenhado um papel tão importante na formação de opiniões quando os fatos históricos. A busca honesta pelos fatos históricos, separando-os dos mitos propagados, se torna um objetivo indispensável para quem deseja a verdade.

Logo de cara, deparamos com a questão delicada sobre quais perguntas merecem ser feitas, já que o julgamento de valor individual influencia até isso. Aquele que ignora este desafio de interpretação sob a luz de valores pessoais irá provavelmente se iludir, tornando-se vítima de seus próprios preconceitos inconscientes. Quem acredita ser possível reunir diversos fatos passados e então traçar conexões causais dos complexos eventos sociais sem o uso de uma teoria prévia, está fadado ao curso da ilusão. Explicações “óbvias”, como lembra Hayek, freqüentemente não passam de superstições aceitas, que não recebem a devida reflexão. A imagem de que o surgimento do capitalismo, como sistema descrito pelos socialistas, se deveu à exploração de uma classe de proletários, pode ser visto como um bom exemplo de tais superstições. Um exame mais cuidadoso dos fatos refuta facilmente esta crença.

A aversão emocional ao capitalismo, tão difundida ainda hoje, está relacionada a esta visão de que o crescimento da riqueza através da ordem competitiva produziu uma redução no padrão de vida dos mais fracos da sociedade. Será mesmo verdade isso? O fato é que a vida sempre foi dura para a grande maioria, e antes do advento do capitalismo, nem mesmo havia a esperança de melhoria. A população ficara estagnada por muitos séculos, até começar a aumentar vertiginosamente. O proletariado que o capitalismo é acusado de ter “criado” não era uma proporção da população que teria existido sem este sistema e que foi degradado por ele; era um adicional populacional que pôde crescer justamente pelas inúmeras oportunidades de empregos que o capitalismo possibilitou. É evidente que os motivos não foram altruístas, como ainda hoje não o são. Ainda assim, era um momento único na história onde um grupo de pessoas considerava de seu próprio interesse usar seus lucros de forma a fornecer novos instrumentos de produção a serem operados por aqueles que, sem eles, não poderiam produzir a própria subsistência.

O capitalismo trouxe consigo, portanto, enorme avanço material para muitos. O que um operário pode desfrutar de conforto material hoje era algo inimaginável até para nobres no passado. Este aumento na riqueza despertou a demanda por novas aspirações antes impossíveis de se imaginar. Aquilo que por séculos foi visto como um estado natural e inevitável passava a ser encarado como incongruente com as novas oportunidades oferecidas. Claro que a vida dos novos operários não era nada fácil. Ninguém ousaria negar este fato. O ponto é que poucos se questionam sinceramente como era a vida antes da revolução industrial. Como vivam de fato os camponeses? Ainda que as várias horas trabalhadas nas fábricas fossem degradantes – especialmente vistas pelo conforto do progresso atual – a verdade é que a migração era vista como vantajosa para aqueles que abandonavam o campo. Era um avanço para eles! Entre trabalhar várias horas e morrer de inanição, não resta muita dúvida qual a escolha preferível. Não parece honesto comparar uma realidade dura com uma alternativa inexistente, utópica, fantasiosa. Muitos repudiam o fato de mulheres e até crianças terem ido trabalhar nas fábricas, mas ignoram que era um ato voluntário, pois a alternativa era ainda pior. O capitalismo veio para salvar estes miseráveis, não para explorá-los. Muitos dos que puderam condenar os abusos depois nem sequer estariam vivos, não fosse o progresso da industrialização. Como ingratos, cospem no prato que comeram.

A história dos Estados Unidos corrobora com esta análise. A nação já foi praticamente toda ela agrícola, e hoje uma minúscula parcela da população trabalha no meio rural. A migração para as indústrias e, depois, para o setor de serviços, foi natural, ou seja, voluntária. A maior produtividade do trabalho nas indústrias permitiu maiores salários para os operários, que desejavam migrar do campo para as cidades. O mesmo pode ser observado atualmente na revolução industrial que a China vive. Milhões de camponeses tentam abandonar os campos para trabalhar horas e horas nas indústrias, por salários que, do ponto de vista ocidental, parecem uma exploração, mas que para esses chineses significa um salto considerável frente à realidade atual, herança socialista. Os chineses que trabalham nas indústrias recebem, em média, até três vezes mais que os trabalhadores rurais. As multinacionais que instalam fábricas na China e são acusadas de exploradoras costumam pagar ainda mais.

Os salários dependem, evidentemente, da produtividade do trabalho. Não se melhora a condição de vida dos trabalhadores por decretos estatais. Se assim fosse, não haveria mais miséria no mundo. De fato, há mais miséria justamente onde esta mentalidade, de que cabe ao governo decretar as conquistas trabalhistas, predomina. Os ganhos dos trabalhadores dependem de sua produtividade, e esta normalmente depende do grau de liberdade econômica do país. O capitalismo, com sua revolução industrial e inovações tecnológicas, atua como o grande aliado dos trabalhadores. Máquinas não são inimigas do emprego. Pelo contrário: são seus grandes aliados! Ao menos é o que mostra a lógica econômica, sustentada pelos fatos históricos. Resta decidir se os fatos são mais importantes, ou se são os mitos históricos, que pintam o capitalismo como grande inimigo dos trabalhadores. A verdade ou a superstição: façam suas escolhas.

sexta-feira, outubro 12, 2007

O Nobel da Paz


Rodrigo Constantino

Acaba de ser anunciado o mais novo vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2007. Ninguém menos que Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos. O prêmio foi por seu trabalho de divulgação mundial das mudanças climáticas do planeta, cuja obra mais famosa foi seu documentário Uma Verdade Inconveniente, onde supostamente apresentou evidências para sustentar a acusação de que o homem é o grande culpado pelo aquecimento global.* Todos aqueles que abraçam com fé a causa celebraram a notícia. Eles acreditam que esse prêmio colocará ainda mais na pauta de debates a questão do aquecimento. Tomara que sim! Mas receio que o debate verdadeiro não seja do real interesse de muitos que aderiram a este eco-terrorismo, assim como desconfio que um Nobel da Paz em nada ajude o lado desses “ambientalistas”. Explico.

Em primeiro lugar, seria útil entender a origem do Prêmio Nobel da Paz. Em 1889, os irmãos Nobel, do ramo de petróleo, completaram um duto de 42 milhas através de uma montanha na Rússia. O que fez toda a diferença pela conquista foi o uso de 400 toneladas da dinamite criada por Alfred Nobel. Quando Ludwig Nobel morreu, alguns jornais europeus o confundiram com o irmão Alfred, que foi reportado como morto. Lendo seu obituário prematuro, Alfred ficou abalado ao descobrir que era condenado como um criador de munições, o “rei da dinamite”, um sujeito que tinha feito uma fortuna através da morte de vários inocentes. Ele resolveu então reescrever seu testamento, deixando seu dinheiro para a criação de prêmios que iriam perpetuar seu nome da forma mais honrosa possível. Tinha início então uma seqüência de prêmios que objetivava, na verdade, criar uma boa imagem perante o público, fazer propaganda de ações “politicamente corretas” que as massas vissem com bons olhos. A dinamite era substituída pelo Nobel da Paz!

A lista de vencedores do Prêmio Nobel da Paz conta com gente séria e merecedora de reconhecimento, sem dúvida. Martin Luther King Jr. é um exemplo que vem à mente, entre outros. Por outro lado, alguns nomes da lista simplesmente não fazem sentido algum. Por exemplo: o que o ex-presidente americano Jimmy Carter está fazendo nessa lista? Um presidente que, na melhor das hipóteses pode ser chamado de medíocre, enquanto na pior delas pode ser visto como alguém negligente diante da ameaça comunista, merece o Prêmio Nobel da Paz por qual motivo? A justificativa fala em seu esforço pelos “direitos humanos” e para promover o desenvolvimento social no mundo. O que?! Se durante o seu governo tudo o que ele conseguiu foi atrasar o desenvolvimento americano, ele merece um prêmio por pregar utopias esquerdistas mundo afora? Não vamos esquecer que recentemente até o presidente Lula foi cogitado como um possível candidato ao prêmio, por ficar falando bravatas na ONU sobre impostos para combater a fome mundial. Um presidente de um país ainda repleto de pobres, dando aulas aos ricos sobre como solucionar a fome no mundo. É fantástico! É um caso típico para o Nobel da Paz: discursos lindos que nada fazem de concreto e positivo na prática. Pelo contrário...

Outro agraciado pelo prêmio foi Kofi Annan, ex-secretário geral da ONU. Annan comandou a ONU durante o programa de Petróleo-por-Comida, para lidar com a ameaça do Iraque. Hoje se sabe que este programa foi um verdadeiro antro de corrupção, favorecendo os barões do petróleo, os ditadores e seus amigos. O filho do próprio Kofi Annan foi citado como um dos favorecidos pelo esquema multibilionário. E por falar em corrupção, lembramos de comunismo, que nos remete a outro estranho vencedor do prêmio: Gorbachev. Líder da União Soviética durante sua acelerada decadência, Gorbachev recebeu o prêmio pelo fim da Guerra Fria. Não é Reagan, vejam bem!, quem merece o prêmio, mandando Gorbachev derrubar aquele nefasto muro e investindo no setor militar de forma a debilitar os devaneios soviéticos. Nada disso! O prêmio foi para aquele que, internamente, discursava sobre medidas para salvar o comunismo na Rússia. Um comunista, herdeiro do regime mais genocida que existiu no planeta, foi Nobel da Paz. Se Picasso ganhou o Prêmio Lênin da Paz, depois de fazer uma litografia com a famosa pomba para o Congresso Mundial da Paz em Paris, como presente para o carniceiro Stalin, nada mais me choca. Alguns “pacifistas” poderiam estar tranquilamente em Guantánamo!

Mas isso não é tudo. Creio que o pior mesmo, o mais estarrecedor de todos, foi quando o Prêmio Nobel da Paz foi parar nas mãos de ninguém menos que Yasser Arafat, o então líder do grupo terrorista OLP. Arafat e paz são duas palavras que simplesmente não se misturam, tal como água e óleo na prática. Os atos terroristas da OLP ocorriam com o financiamento que Arafat conseguia no exterior, enquanto sua mulher e filha vivam confortavelmente em Paris. Arafat, apesar da propaganda enganosa, fez de tudo para evitar um acordo de paz com Israel. Quando Israel cedia em praticamente todas as exigências palestinas, Arafat demandava mais, ou seu grupo terrorista iniciava nova onda de ataque à inocentes. A paz não interessava muito aos terroristas, por motivos óbvios. Um sujeito como Arafat receber o Nobel da Paz era o golpe fatal que restava para desmoralizar de vez este prêmio.

E eis que chegamos em 2007, com Al Gore sendo o novo vencedor do Nobel da Paz. Os “ambientalistas” que odeiam o progresso capitalista comemoram bastante. Ponto para a causa dos que demandam mais e mais controle do governo em nome do combate ao aquecimento global. Será mesmo? Não sei quanto a estes “melancias” – verdes por fora e vermelhos por dentro, mas eu não gostaria de receber um mesmo prêmio que Yasser Arafat recebeu. Diga-me com quem andas que te direi quem és. Algumas companhias desse prêmio dão calafrios! Mas algo me diz que os mais fanáticos seguidores da causa de Al Gore não se importam nada em ter Arafat no rol dos vencedores do mesmo prêmio. Pelo contrário: eles gostam! É, no fundo, faz sentido...

* Para quem realmente tem interesse em se informar sobre o tema aquecimento global, evitando conclusões precipitadas e dogmáticas sem a devida reflexão, sugiro o documentário The Great Global Warming Swindle, cujo link no YouTube é: http://www.youtube.com/watch?v=1JCVjg7H94s

quarta-feira, outubro 10, 2007

A Mensagem de Greenspan


Trechos extraídos da Introdução de A Era da Turbulência, de Alan Greenspan:

Sobre a reação ao atentado de 11 de Setembro, defendendo uma solução de baixo para cima:

"Eu não tenho dúvida de que a resposta mais adequada não consistiria em gestos grandiosos, dispendiosos e precipitados. Em épocas de grandes emergências nacionais, todos os congressistas se sentem obrigados a apresentar projetos de lei; os presidentes também são pressionados a agir com rapidez. Nessas condições, é possível que se adotem políticas públicas imediatistas, ineficazes e até contraproducentes, como o racionamento da gasolina imposta pelo presidente Nixon durante o primeiro choque de petróleo da OPEP, em 1973, que, naquela primavera, gerou filas diante de postos de abastecimento em algumas áreas do país."

"Aos poucos, passei a acreditar que a maior força da economia americana era sua resiliência – a capacidade de absorver rupturas e de recuperar-se dos choques – por meios e em ritmo que jamais seria possível imaginar – muito menos impor."

As causas da resiliência americana:

"Nas últimas duas décadas, a economia americana se tornou cada vez mais resiliente a choques. A desregulamentação dos mercados financeiros, a maior flexibilidade dos mercados de trabalho e, mais recentemente, os grandes avanços da tecnologia da informação aumentaram nossa capacidade de absorver rupturas e de nos recuperarmos do choque."

Crítica ao meio político:

"O pacote que finalmente emergiu em março de 2002, além de atrasado em alguns meses, tinha pouco a ver com o bem-estar geral – não passava de uma mixórdia constrangedora de fisiologismo partidário. No entanto, a economia ajustou-se a si mesma."

Ataque ao protecionismo:

"As barreiras tarifárias caíram nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, em conseqüência do reconhecimento geral de que o protecionismo anterior à guerra resultara em espiral descendente do comércio – em face da reversão da divisão internacional do trabalho, que contribuiu para o quase colapso da atividade econômica mundial."

O planejamento central:

"O momento definitivo do capitalismo de mercado, contudo, foi a queda do Muro de Berlim, em 1989, revelando a situação de ruína econômica que predominava no outro lado da cortina de ferro, muito além das expectativas dos mais esclarecidos economistas ocidentais. O planejamento central se escancarou como fracasso irremissível, fator que, reforçado pela desilusão crescente em relação às políticas econômicas intervencionistas das democracias ocidentais, contribuiu para a expansão discreta do capitalismo de mercado em boa parte do mundo."

Baixa inflação:

"Os mecanismos de mercado que equalizam os níveis globais reais de poupança e de investimento reduziram de maneira marcante as taxas de juros reais. (...) Em outras palavras, a oferta de dinheiro em busca de retorno ou rendimento cresceu muito mais rápido que a demanda por investimentos. Combinada com a globalização, com os aumentos de produtividade propiciados pelas inovações tecnológicas e com o deslocamento das forças de trabalho das economias sob planejamento central para os mercados competitivos, esse excesso de poupança contribuiu para reduzir as taxas de juros e as taxas de inflação em quase todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento."

Fed e Ouro:

"A política monetária dos bancos centrais não foi a principal causa do declínio persistente da inflação e das taxas de juros de longo prazo. (...) No entanto, ... nenhuma dessas forças tende a ser permanente. É difícil eliminar a inflação num mundo com moedas fiduciárias."

Livre comércio:

"O restabelecimento no último quarto de século dos mercados abertos e do livre comércio arrancou da pobreza acabrunhante muitas centenas de milhões de pessoas. (...) Resumindo em uma linha a história do último quarto de século, o enredo sucinto será a redescoberta do poder do capitalismo de mercado."

Mão Invisível:

"A difusão do império da lei comercial e, sobretudo, da proteção do direito de propriedade fomentou o espírito empreendedor em todo o mundo, o que, por sua vez, levou à criação de instituições que agora orientam anonimamente parcela cada vez maior da atividade humana – versão internacional da ‘mão invisível’ de Adam Smith."

Keynes:

"O intervencionismo keynesiano ainda era o paradigma esmagadoramente dominante naquela época, embora já estivesse em fase de declínio. (...) Os malfadados controles de salários e preços do presidente Nixon, em 1971, se incluem entre os últimos vestígios do intervencionismo do pós-guerra no mundo desenvolvido."

Império da lei:

"Não me lembro de nenhuma situação em que a expansão do império da lei e o aprimoramento dos direitos de propriedade não contribuíram para o aumento da prosperidade material."

A grande escolha:

"Em face da integração crescente da economia global, os cidadãos do mundo se defrontam com uma escolha árdua: de um lado, abraçar os benefícios mundiais dos mercados globais e das sociedades abertas, que arrancam as pessoas da pobreza e as lançam na escalada em busca de melhores qualificações, como meio de melhorar seus padrões de vida, ao mesmo tempo em que se mantêm atentas às questões fundamentais de justiça; de outro, rejeitar essa oportunidade e aferrar-se ao nativismo, ao tribalismo, ao populismo e a todos os demais ismos, em que se refugiam as comunidades, quando se vêem sitiadas em sua própria identidade e não conseguem perceber melhores escolhas."

E isso tudo apenas na introdução! O livro promete...

segunda-feira, outubro 08, 2007

Egoísmo Racional à Venda!




Ainda tenho exemplares de Egoísmo Racional para vender. O preço é R$ 20, com frete incluído. Quem tiver interesse, basta enviar um email para constantino.rodrigo@gmail.com

Grato,

Rodrigo

domingo, outubro 07, 2007

O Vale das Quimeras


Rodrigo Constantino

“Sem um capitalismo de primeira linha não pode existir bem-estar ou, menos ainda, um Estado beneficente.” (Mauricio Rojas)

Com a queda do Muro de Berlim e do império soviético, abrindo as cortinas de ferro para o mundo e mostrando o fracasso do socialismo, os socialistas órfãos se viram desesperados atrás de alguma ideologia nova. Foram encontrar refúgio no Estado de Bem-Estar Social, a “terceira via” que preserva a fé num governo benevolente e clarividente, desconfiando ainda da iniciativa privada. Particularmente na América Latina, esta crença encontrou inúmeros adeptos. Num estado de frustração e de carências sociais, a tentação de acreditar numa varinha mágica que, num piscar de olhos, crie tudo que nos falta é quase irresistível. Bastaria “vontade política” para que o governo, através de um ato generoso, resolvesse os males que nos assolam. Tais ilusões criam enormes expectativas quanto ao “messias salvador”, e a frustração apenas aumenta com seu fracasso inevitável. O atalho milagroso acaba sendo uma via sem saída da demagogia populista.

A Suécia é um ícone sempre citado pelos adeptos desta “terceira via”. Entretanto, há muita informação ignorada sobre o modelo sueco. O novo livro de Mauricio Rojas, um chileno naturalizado sueco, que é membro do Parlamento da Suécia e foi professor de história econômica da Universidade de Lund, vem justamente resgatar fatos importantes comumente esquecidos pelos fervorosos defensores do modelo de welfare state sueco. O Instituto Liberal presta um grande serviço ao país traduzindo A Suécia Depois do Modelo Sueco, onde Rojas explica a transição do modelo de um Estado beneficente para um Estado possibilitador. Rojas lamenta a crença naquilo que é, na verdade, um mito: “Triste destino esse de ter fé em quimeras políticas em vez de acreditar naquelas instituições da liberdade econômica que deram, primeiro à Europa Ocidental e aos Estados Unidos, e depois a um número cada vez maior de países, um bem-estar que nem sequer em sonhos se teria podido imaginar há dois séculos atrás”. Para o autor, o modelo sueco é “a última utopia de uma esquerda que depois da queda dos totalitarismos comunistas foi ficando com as mãos cada vez mais vazias”.

O próprio povo sueco já vem abandonando faz algum tempo esse modelo maximalista do Estado beneficente. Os seus custos foram elevados demais, mesmo para um país de população pequena – apenas nove milhões de pessoas - e educada, que não sofreu as conseqüências devastadoras das guerras que destruíram os demais países da Europa. Além disso, a herança do que podemos chamar de período liberal da história da Suécia, que vai desde a instauração da plena liberdade de indústria e comércio em 1864 até o início da hegemonia social-democrata em 1932, foi o que possibilitou uma expansão tão assustadora do governo na vida do povo, oferecendo mais e mais à custa de pesados impostos. A carga tributária total, por exemplo, duplicou entre 1960 e 1989, passando de 28 para 56 por cento da renda nacional. Mas algum dia o fardo seria excessivo demais. E este dia de ajustes necessários já chegou.

Uma das conseqüências mais óbvias do avanço estatal na economia foi a rápida expansão da economia planificada à custa da economia de mercado. A partir de 1950, praticamente todo emprego líquido criado na Suécia se deu no setor público. O aumento da burocracia e a concomitante queda da liberdade econômica logo geraram resultados nefastos. A Suécia, que era o quarto país mais rico do mundo em termos de renda real per capita em 1970, ocupou em 2003 o 14º lugar no ranking da OCDE. Entre 1975 e 2003 a economia sueca cresceu 68% enquanto a norte-americana aumentou 141%. A estagnação era um resultado inexorável da gradual asfixia do setor privado. As grandes empresas suecas, em sua maioria, são empresas que já eram grandes no passado. O modelo sueco, focado demais na igualdade, não deixava muito espaço para a mobilidade.

Além disso, deve-se ter em mente o alerta que Hayek fez, afirmando que a mudança mais importante que um controle extensivo do governo produz é uma mudança psicológica, uma alteração no caráter das pessoas. A vida dos cidadãos suecos se viu amplamente politizada, já que a liberdade de escolha estava severamente restrita. O meio de conseguir as coisas era o meio político, da barganha e da luta por privilégios. O monopólio estatal sobre a organização de serviços básicos como educação, saúde e assistência social fez com que as decisões mais íntimas das famílias fossem submetidas à influência política. Teve até um caso de um idoso que entrou na justiça defendendo seu “direito” de ter prostitutas pagas pelo governo! O ressentimento entre jovens – que assumem a conta – e idosos aumenta exponencialmente. Esta realidade contrasta absurdamente com um provérbio curiosamente sueco, que diz que “o melhor lugar para achar uma mão que ajude é no final do seu braço”. O paternalismo excessivo cria inúmeros parasitas.

A passividade diante de um Estado paternalista que “cuida” dos cidadãos nos mais variados aspectos cria um moral hazard brutal na sociedade. Os escândalos de corrupção cresceram de forma impressionante, chocando a nação. Em caso sintomático envolveu quase uma centena de funcionários do poderoso monopólio estatal da venda de bebidas alcoólicas, cuja chefe era nada menos que a esposa do primeiro-ministro.

Outra seqüela importante do welfare state acaba sendo a xenofobia, já que os beneficiados pelo esquema de privilégios temem a invasão de imigrantes pobres em busca das mesmas regalias grátis. Com pesados impostos, os mais ricos e produtivos acabam fugindo para países mais amigáveis, levando ao conhecido brain drain, enquanto vários imigrantes necessitados tentam entrar no país para aproveitar vastos serviços públicos gratuitos. Nas vizinhas escandinavas, como Noruega e Dinamarca, já existem partidos xenófobos influentes, que fizeram da “questão da imigração” o tema fundamental. Este crescente sentimento de reclusão é uma realidade preocupante nos países com inchado welfare state.

A partir de 1990 os ventos começariam a soprar em nova direção na Suécia. O abandono sucessivo do modelo de Estado beneficente ocorreu durante esta década. A crise econômica estava em patamares preocupantes, e a taxa total de desemprego subiu de 2,6% em 1989 para 12,6% em 1994. A crise fiscal que se seguiu foi extremamente aguda. O déficit público explodiu, alcançando 12,3% da renda nacional em 1993. A exclusão em bairros marginais assustou uma população acostumada com um elevado grau de igualdade. Em 1991 era eleito para primeiro-ministro Carl Bildt, do Partido Conservador. Pela primeira vez a social-democracia foi derrotada por uma coalizão que manifestava abertamente o desejo de mudar profundamente o sistema vigente.

Entre as várias reformas adotadas, está o saneamento das contas fiscais através da redução do gasto público, que chegou a cair mais de quinze pontos percentuais em relação à renda nacional. A dívida pública baixou de 80 para 53 por cento da renda nacional entre 1994 e 2000. Além disso, a liberdade de escolha foi radicalmente ampliada, como no caso da educação, utilizando-se os vouchers desde 1992, garantindo a liberdade dos pais dos alunos para decidir onde colocar seus filhos para estudar. Do lado da oferta, houve uma ampla liberdade de estabelecer escolas independentes e de competir com o setor público. O sistema de pensão também foi reformado, e foi estabelecido o direito de decidir com plena liberdade a aplicação de uma parte da poupança entre uma grande variedade de fundos. O capitalismo era estimulado assim, despertando interesse popular inusitado pelas variações na bolsa de valores. O Riksbank, banco central sueco, passou a focar na estabilidade de preços com uma meta de inflação de apenas 2%. Inúmeras privatizações ocorreram também, reduzindo a intervenção estatal em importantes setores. Segundo o World Fact Book, da CIA, as firmas privadas já são responsáveis por 90% da produção industrial do país.

A pluralidade e diversificação são inimigas do igualitarismo, que nos remete ao “fordismo”, cuja filosofia pode ser expressa por Henry Ford ao dizer que os consumidores poderiam livremente escolher o automóvel de sua preferência, desde que fosse um Ford Modelo T de cor preta. Colônias de insetos gregários não combinam com liberdade de escolha individual. O povo sueco vem se mostrando cada vez mais cansado desta perda de liberdade. O custo da suposta igualdade ficou elevado demais. No vale das quimeras, onde o governo garante uma vida “digna” a todos sem muito esforço, o resultado na prática é sempre um rio de lágrimas. Para Mauricio Rojas, este modelo paternalista se tornou incompatível com o desenvolvimento da sociedade, e “hoje já pertence ao mundo das recordações e dos mitos”. *

* Outra fonte muito boa de informação sobre a realidade sueca pode ser encontrada no artigo The Sweden Mith, do economista Stefan Karlsson, publicado no Mises Institute. Nele, o economista, que trabalha na Suécia, mostra como o afastamento de guerras desde 1809 foi um dos fatores mais importantes no relativo sucesso da Suécia, assim como as reformas de livre mercado adotadas nos anos 1860. Entre 1870 e 1950, a Suécia se transformou num dos países mais ricos do mundo. Mas entre 1950 e 1975, os gastos do governo subiram de 20% para 50% do PIB. As mudanças tornaram o país menos competitivo em termos globais. A moeda, o krona, acabou sendo desvalorizada. A inflação começou uma escalada contínua. Portanto, usar a Suécia como ícone de sucesso do modelo de welfare state é uma falácia. Na verdade, a Suécia enriqueceu por conta tanto do liberalismo como de sua neutralidade militar, e o inchaço estatal plantou as sementes do relativo fracasso. Reformas liberais têm sido adotadas para reduzir o estrago causado pelo tamanho do Estado. Correlação não é causalidade. A Suécia desfruta de boa qualidade de vida a despeito do welfare state, não por causa dele.

sexta-feira, outubro 05, 2007

Tropa de Elite


Rodrigo Constantino

Finalmente vi o tão falado filme Tropa de Elite, no dia da estréia oficial nos cinemas. Gostei muito. O que mais me impressionou no filme foi seu realismo, a forma direta como trata de delicados temas – como o da violência carioca. Após ver o filme, parece-me incompreensível o rótulo de “fascista” que muitos esquerdistas deram ao filme. Sim, entendo que tudo aquilo que não é socialista vira “fascista” ou “nazista” para essa turma. Não obstante o fato de que na prática é tudo farinha do mesmo saco – socialismo, comunismo, fascismo e nacional-socialismo, todos antiliberais e coletivistas – fica a constatação de que o filme não tem absolutamente nada que nos remeta ao fascismo. A não ser, claro, que ser contra a extinção do “caveirão” seja sinônimo de fascismo...

O filme mostra um Capitão Nascimento vivendo angústias pessoais, e não um monstro que adora torturas. O filme não faz apologia à tortura hora alguma, como alguns disseram. Ele apenas relata a vida dura dos policiais do Bope, e a podridão que é o sistema policial na cidade. Em resumo, ele descreve uma realidade lamentável da cidade “maravilhosa”, onde todo o sistema funciona para se perpetuar, incluindo policiais corruptos, traficantes, políticos e consumidores de drogas da classe média e alta. A tropa de elite da PM é tratada como um pequeno grupo ainda blindado contra a corrupção que devorou o restante da polícia, graças provavelmente ao sentimento de honra de seus membros. O ambiente hostil, cujo câncer da corrupção já chegou ao estágio de metástase, não colabora nem um pouco com a adoção de práticas corretas no combate ao crime. Isso não quer dizer que os métodos aplicados pelo Bope sejam dignos de aplausos. Apenas mostra como a realidade é: guerra é guerra. E o Rio vive, especialmente nesses locais, uma verdadeira guerra civil, com a total ausência do império da lei.

Um suíço vendo o filme ficaria chocado, com razão. E é importante pensar nisso, pois nos força uma reflexão: a que ponto nós chegamos?! Como sapos escaldados, vamos nos acostumando com a escalada da violência, achando normal a situação deplorável da cidade. Mas de vez em quando, como se despertos de um pesadelo, a revolta e indignação chegam a tal patamar que um Capitão Nascimento, assassino de assassinos, passa a ser visto com complacência – quando não admiração. É como um grito de desespero, colocando para fora nossa angústia. As favelas viraram verdadeiras fortalezas do crime, desde quando Brizola as tornou intocáveis pela polícia. Se antes era relativamente fácil extirpar o câncer, fica cada vez mais complicado fazer isso agora. A mentalidade de que bandidos são “vítimas da sociedade” não ajuda nada. As ONGs como a Viva Rio, que vivem pregando a paz enquanto atacam a polícia e defendem os bandidos, tampouco contribui. E o fato de ONGs desse tipo terem sido tratadas como hipócritas no filme, assim como os ricos que pedem paz entre uma carreira de cocaína e outra, ajudou bastante para os ataques que recebeu da “esquerda festiva carioca”. Defender o fim da ação policial nos morros não é solução!

Eu sou um defensor da legalização das drogas. Não encaro isso como uma panacéia para nossos males, lembrando que vários países possuem consumo de drogas proibidas, mas nem por isso vivem no caos em que vivemos. Mas vejo a proibição das drogas como uma das grandes causas da violência, origem do tráfico. O Capitão Nascimento passa a mesma idéia no filme, quando desabafa que está de “saco cheio” de ter que subir morro e ver as crianças que morrem por conta do tráfico só porque os “playboys” querem enrolar um baseado. Entre Al Capone e os acionistas da Inbev, eu fico com a segunda opção, sem dúvida. Não consigo entender porque alguns preferem dar dinheiro para o PCC, Comando Vermelho e FARC em vez de dar lucros para uma Souza Cruz da vida, que gera empregos formais e paga impostos. A maconha deveria ser vendida por empresas deste tipo, não por traficantes.

Dito isso, a mensagem do filme, que trata como hipócritas os consumidores de drogas riquinhos, permanece válida. Afinal de contas, essas drogas estão proibidas, e este fato faz toda a diferença. Afinal, consumi-las realmente abastece os traficantes, dando munição para eles, contribuindo para a morte de inocentes na guerra do tráfico. Os defensores da legalização devem atuar no campo das idéias, buscando mudar este quadro. Mas enquanto isso não ocorre, devem entender que cada baseado aceso é mais bala de fuzil na mão de traficante assassino. Creio que esse é um motivo e tanto para abandonar o consumo até este ser legalizado.

Por fim, gosto sempre de lembrar da máxima de que cinema é a maior diversão. Muitos filmes tentam passar mensagens políticas ou ideológicas, faz parte do negócio. Mas no fim do dia, um bom filme, em minha opinião, é aquele que diverte como um bom entretenimento. Por isso gosto dos filmes de ação de Hollywood, com orçamento milionário, muitas explosões e perseguições inacreditáveis de carros. E neste quesito, Tropa de Elite merece uma ótima nota. O filme prende o expectador na cadeira, atento a cada cena eletrizante. As cenas são bem realistas. A violência está presente, mas não em doses absurdas. E cá entre nós: a violência existe mesmo em nossa cidade e em nossas favelas. Será que retratar a vida como ela é virou coisa de “fascista” agora? Pelo menos o filme despertou um debate saudável sobre os temas. E quem não gosta de debates sim, são os verdadeiros fascistas!

terça-feira, outubro 02, 2007

A Sociedade Aberta


Rodrigo Constantino

“Não é possível discutir racionalmente com alguém que prefere matar-nos a ser convencido pelos nossos argumentos.” (Karl Popper)

O filósofo Bertrand Russell definiu a obra-prima de Sir Karl Popper, A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, como “um trabalho cuja importância é de primeira linha e que deve ser largamente lido por sua crítica de mestre aos inimigos da democracia, antigos e modernos”. O livro faz um ataque contundente a Platão, assim como uma análise mortal de Hegel e Marx. Creio que um dos grandes valores do livro é levar o debate político para a divisão entre coletivistas e individualistas, ao invés de esquerda e direita. Popper combate duramente os autoritários coletivistas, independente do espectro político. Seu foco é a transição da sociedade tribal, ou sociedade fechada, para uma sociedade aberta. Na primeira, há uma submissão às forças mágicas, enquanto a última “põe em liberdade as faculdades críticas do homem”.

Um dos maiores inimigos da sociedade aberta é o historicismo. Para Popper, “o futuro depende de nós mesmos, e nós não dependemos de qualquer necessidade histórica”. Os historicistas, ao contrário, acreditam ter descoberto leis históricas que permitem profecias sobre o curso dos acontecimentos históricos. Os homens não seriam donos do próprio destino, segundo esses pensadores. Esta postura alivia os homens do ônus de suas responsabilidades, pois não importa o que façam, o futuro já está definido. Como exemplo está a doutrina do “povo escolhido”, ou o determinismo econômico de Marx. A doutrina historicista costuma ser profética, conduzindo à rejeição da aplicabilidade da ciência e da razão aos problemas da vida social. Em última instância, é a doutrina do poder, da dominação e da submissão.

Como sinônimo desse modelo, temos o tribalismo, ou seja, “a ênfase sobre a suprema importância da tribo, sem a qual o indivíduo nada é em absoluto”. O coletivismo, seja ele de classe, raça, credo ou nação, fica acima do indivíduo, que nada significa. Esse tribalismo tem como traço marcante uma rigidez social, sendo a vida determinada por tabus sociais e religiosos. Cada um tem seu lugar definido, um lugar “natural”, que lhe foi destinado pelas forças que regem o mundo. A sociedade ideal de Platão, exposta em A República, atesta isso, defendendo a divisão entre castas. Popper diz: “Em combinação com a idéia historicista de um destino inexorável encontramos freqüentemente um elemento de misticismo”. Popper demonstra aberta hostilidade para com o historicismo, convicto de que ele é “fútil, senão pior do que isso”. Com base na tradição tribal coletivista, as instituições não deixam campo à responsabilidade pessoal. Essa sociedade mágica, tribal ou coletivista seria a sociedade fechada, enquanto uma sociedade aberta ou democrática seria aquela “em que os indivíduos são confrontados com decisões pessoais”. Platão, ao ir contra tudo isso segundo a leitura de Popper, foi tachado por este de “partidário do totalitarismo”. *

Para Popper, a transição da sociedade fechada para a aberta “pode ser descrita como uma das mais profundas revoluções por que passou a humanidade”. O comércio seria um dos maiores perigos para a sociedade fechada, forçando sua abertura. Por isso vemos tanta hostilidade ainda hoje, por parte dos coletivistas, em relação ao comércio global. A queda da sociedade fechada gera tensões, criadas pelo esforço que a vida em uma sociedade aberta continuamente exige, através da necessidade de ser racional, de cuidar de nós mesmos e de aceitar responsabilidades. A comunidade tribal é o refúgio dos receosos, o lugar de segurança contra os “inimigos hostis”, o desconhecido. Seria o análogo a uma família para uma criança, que sabe qual papel deve desempenhar, já que lhe é imposto.

Na Guerra do Peloponeso, entre Esparta e Atenas, Popper encontra o berço dessa transição, com os espartanos representando a vida tribal e os atenienses esboçando uma abertura ao indivíduo livre e racional. Entre os princípios da política espartana estavam a proteção contra as influências estrangeiras que pudessem pôr em perigo a rigidez dos tabus tribais, a independência do comércio externo, o anti-universalismo de não se misturar com os inferiores e a dominação dos vizinhos. Em Atenas, ao contrário, vários pensadores já defendiam os pilares básicos da sociedade aberta, com uma nova fé na razão, na liberdade e na fraternidade dos homens. Para Popper, esta é a única possível fé da sociedade aberta. Seus principais inimigos são justamente os misantropos e os detratores da razão humana. Aqueles que sonham com uma unidade, beleza e perfeição, com um coletivismo utópico, demonstram um sintoma do espírito de grupo do tribalismo. “Nunca podemos retornar à alegada inocência e beleza da sociedade fechada”, afirma Popper. O sonho de um céu não pode ser realizado na terra.

Quando começamos a confiar em nossa razão, a usar nossos poderes de crítica, “não poderemos retornar a um estado de submissão implícita à magia tribal”. O paraíso está perdido para aqueles que experimentaram da Árvore do Conhecimento. Uma tentativa de regressar à Idade de Ouro leva à Inquisição, à Polícia Secreta e a um banditismo romantizado. Popper diz: “Não há mais volta possível a um estado harmonioso da natureza; se voltarmos, então deveremos refazer o caminho integral – devemos retornar às bestas”. Para permanecermos humanos, só existe o caminho da sociedade aberta. Popper conclui: “Devemos marchar para o desconhecido, o incerto e o inseguro, utilizando a razão de que pudermos dispor para planejar tanto a segurança como a liberdade”.

* Platão, em A República, traça o que seria o Estado ideal, ainda que não exeqüível na prática. Há um claro viés coletivista, colocando os indivíduos como nada mais que instrumentos para a felicidade da “República”. Caberia aos sábios determinar as regras, aniquilando as escolhas individuais. Normalmente, o coletivista parte do pressuposto que ele estará sempre do lado legislador, criando as regras e decidindo o rumo da felicidade alheia. Temos passagens bastante autoritárias no livro: “Deixaremos ao cuidado dos magistrados regular o número dos casamentos, de forma que o número dos cidadãos seja sempre, mais ou menos, o mesmo, suprindo os claros abertos pelas guerras, enfermidades e vários acidentes, a fim de que a república nunca se torne nem demasiado grande nem demasiado pequena”. Ou ainda: “Os filhos bem nascidos serão levados ao berço comum e confiados a amas de leite que terão habitações à parte em um bairro da cidade. Quanto às crianças enfermiças e às que sofrerem qualquer deformidade, serão levadas, como convém, a paradeiro desconhecido e secreto”. O ataque contra a liberdade individual não acaba por aí: “As mulheres gerarão filhos desde os vinte até os quarenta anos; os homens logo depois de passado o primeiro fogo de juventude, até os cinqüenta e cinco”. Platão foi muito além, defendendo o fim das propriedades dos guerreiros, e deixando todas as decisões importantes para os poucos sábios. Essa outra passagem deixa claro que a República estaria muito acima, em grau de importância, dos indivíduos: “Assim, em nossa República, quando ocorrer algo de bom ou de mau a um cidadão, todos dirão a um tempo meus negócios vão bem ou meus negócios vão mal”. Tamanho coletivismo iria influenciar a Utopia de Thomas More, assim como Cidade do Sol, de Tommaso Campanella. Tais idéias, quando tentadas na prática, resultaram no infeliz experimento soviético.