sábado, fevereiro 10, 2007

Liberais e Conservadores



Rodrigo Constantino

“The liberal today must more positively oppose some of the basic conceptions which most conservatives share with the socialists.” (Hayek)

Não são poucos os que confundem liberais e conservadores, colocando tudo no mesmo saco. Tamanha é a confusão, que Hayek, em seu clássico The Constitution of Liberty, acabou escrevendo um capítulo extra apenas para explicar porque não era um conservador, levantando as principais diferenças entre estes e os liberais – lembrando sempre que não se trata dos liberais americanos, mas sim dos clássicos.

Isso não o impediu de reconhecer o conservadorismo como legítimo e provavelmente necessário em oposição às mudanças drásticas. Tampouco impede que seja reconhecido o valor das tradições, ainda que estas sejam passadas de geração em geração sem argumento. As tradições são importantes para sustentar as leis e a liberdade, mas nem por isso devem ficar blindadas contra questionamentos. Liberais acreditam na liberdade de pensamento contra aqueles que pretendem impor crenças pela força. Creio que H. B. Acton resumiu bem a coisa quando disse que o tradicionalista quer poder seguir seus caminhos transmitidos, enquanto o liberal quer poder seguir novos caminhos também, sem coerção dos demais.

O liberal deveria perguntar, acima de tudo, para onde devemos nos mover, e não quão rápida deve ser a mudança. Hayek propõe um triângulo como diagrama para separar conservadores, liberais e socialistas, em vez de uma linha reta, que gera mais confusão. Em cada canto estaria um grupo diferente, o que parece mais correto do que colocar liberais no meio entre conservadores e socialistas.

A admiração dos conservadores pelo crescimento livre geralmente aplica-se somente ao passado. Falta-lhes normalmente a coragem para aceitar as mesmas mudanças não programadas pelas quais novas ferramentas para conquistas humanas irão emergir. Uma das características mais comuns na atitude conservadora é o medo da mudança, uma descrença no novo, enquanto a posição liberal é baseada na coragem e confiança, aceitando que as mudanças sigam seus cursos mesmo que não possamos prever aonde isso irá levar. Os conservadores estão inclinados a usar a força do governo para evitar mudanças, pois não possuem confiança nas forças espontâneas de ajuste que fazem o liberal aceitar as mudanças com menos apreensão, mesmo que não saiba ainda como as necessárias adaptações irão surgir. Como um exemplo que vem à cabeça, pode-se citar as pesquisas científicas com células-tronco.

O conservador sente-se seguro somente quando existe alguma forma de sabedoria superior que observa e supervisa a mudança, apenas quando ele sabe que alguma autoridade está a cargo de manter as mudanças “ordenadas”. Em geral, pode-se provavelmente dizer que o conservador não é contra a coerção em si ou o poder arbitrário, contanto que ele seja usado para aquilo que o conservador considera um propósito adequado. Ele acredita que se o governo estiver em mãos de homens decentes, então não é preciso ser muito reduzido por regras rígidas. Assim como o socialista, ele está menos preocupado com o problema de como se deve limitar o poder do governo do que com quem ocupa o poder. E ainda como o socialista, ele sente-se no direito de impor seus próprios valores aos demais pela força. Já para o liberal, a importância que ele pessoalmente deposita em objetivos específicos não é uma suficiente justificativa para forçar os outros a atender tais metas.

Seria por esta razão que o liberal não considera ideais morais ou religiosos como objetos adequados para a coerção, enquanto tanto os conservadores como os socialistas não reconhecem tais limites. Crenças morais que dizem respeito apenas à conduta individual que não interfere diretamente na esfera protegida das outras pessoas não justificam coerção. Pode-se pensar em alguns exemplos como a prostituição entre adultos responsáveis ou mesmo algo mais extremo, como a venda de um rim, que podem ser atitudes moralmente condenáveis para muitos, mas que impactam apenas as vidas dos envolvidos. O liberal, diferente do conservador e do socialista, não é autoritário. Isso pode explicar porque parece tão mais fácil para um socialista arrependido achar uma nova casa espiritual no conservadorismo que no liberalismo.

Diferente do liberalismo, cuja crença fundamental reside no poder de longo prazo das idéias, o conservadorismo está atrelado a um estoque de idéias herdadas num determinado momento. E como o conservador não acredita realmente no poder do argumento, seu último recurso é geralmente alegar uma sabedoria superior, baseada em alguma qualidade superior auto-arrogada. Hayek considera a característica mais condenável da atitude do conservador a propensão a rejeitar conhecimento bastante embasado porque ele não gosta de algumas das conseqüências que podem se seguir dali. Ora, se ficasse provado que nossas crenças morais realmente são dependentes de premissas que se mostram incorretas, seria moral defendê-las recusando-se a reconhecer os fatos?

O viés nacionalista é outro elo que freqüentemente liga conservadores ao coletivismo. Pensar em termos de “nossa” indústria ou “nosso” recurso natural é um pequeno passo de distância para começar a demandar que tais ativos nacionais sejam direcionados para o “interesse nacional”. Protecionismo, reservas de mercado, subsídios agrícolas, são algumas das medidas que podem colocar conservadores lado a lado com socialistas, ambos contra os liberais.

Por fim, Hayek escreveu algo que resume bem a diferença básica entre liberais e conservadores: “O liberal difere do conservador em sua disposição para encarar sua ignorância e admitir o quão pouco sabemos, sem alegar autoridade de fontes sobrenaturais de conhecimento onde sua razão falha”.

8 comentários:

Anônimo disse...

Olha você se metendo de novo em polêmica com essa última citação do Hayek. Fontes sobrenaturais, quando criticadas, dão margem a infindáveis discussões estéreis e histéricas.

Permita-me uma pergunta: nesse triângulo, onde você situaria o atual governo?

Anônimo disse...

Rodrigo, vc está misturando as bolas. Um conservador não defende utilizar o governo para impor os seus valores. O exemplo da célula tronco não tem nada a ver com isso. Um conservador pode ser contra as pesquisas com célula tronco pelo mesmo motivo que é contra o aborto, ou seja, ele reconhece como um sujeito de direito, como um ser humano, o embrião ou feto humano. O conservador estaria "usando o governo para impor seus valores" tanto quanto um liberal que defende que o governo deva impedir que uma pessoa assassine outra.

Por exemplo, um importante think tank conservador é a Heritage Foundation:

"Founded in 1973, The Heritage Foundation is a research and educational institute - a think tank - whose mission is to formulate and promote conservative public policies based on the principles of free enterprise, limited government, individual freedom, traditional American values, and a strong national defense."

Se o governo é limitado e a liberdade individual é garantida, a única forma de defender os valores americanos é sem o intermédio do governo (pela igreja, comunidade, grupos universitários etc). Não vejo contradição alguma. Em termos de política pública, acho que a única divergência entre liberais e conservadores é nos casos relativos a embriões e fetos humanos, seja com relação a pesquisas ou aborto. Em outras palavras, não se discute liberdade individual, mas o que define o indivíduo.

Anônimo disse...

Hayek como papel higiênico

Anônimo disse...

Caro Rodrigo

Queria lhe convidar a participar dessa comunidade: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=27768213

Ela nasceu em virtude da polêmica do seu texto sobre "O Túmulo do Fanatismo".

Sei que participa de in[umeros debates, inclusive me pergunto como vc consegue administrar seus tempo, mas espero nessa comunidade criar um ambiente semelhante a comunidade CapitalismoXSocialismo que me parece bastante promissora, mas que não é o lugar adequado para o debate que você iniciou entre Liberias e Conservadores.

Viand Milliner disse...

é isso aí, Constantino! Dá-lhe neste pulha deste Nietzsche que, ainda que não cresce em Deus, também não crê no indivíduo! Eu sugiro que algum blog, o seu, o do Olavo de Carvalho ou o do Rei Naldo Azevedo encha de porrada este coitado deste coletivista traduzido de filósofo. Nietzsche disse que não acreditaria em um Deus que não soubesse dançar (isto está no "...Zaratu...", então acho que uma religião na qual Deus dançasse, como um culto religioso ao espírito de Fred Astaire, por exemplo ou ao provável culto de Michael Jackon quando este morrer (espero que não sacrifiquem criancinhas nos seus rituais) poderiam ter Nietzsche nas suas hostes de adoradores.

Anônimo disse...

uh huu. faz tempo que não lia os artigos do Rodrigo. E vejo que a discussão está pegando fogo. Legal!!!!!!

esse era meu desejo intimo já que existe uma confusão muito grande entre o que é ser conservador e o que é ser liberal ou libertário. E essa não é só uma confusão pelo qual pecam os esquerdistas.
Eu mesmo, as vezes, me confundo. Ótimo artigo

Anônimo disse...

Estou muito grata.
Você realmente me ajudou no trabalho de história.
Muito bom seu artigo.
=*

Anônimo disse...

Olá!

Poderia complementar dizendo-nos como os liberais norte-americanos pensam? Obrigado.