quinta-feira, agosto 28, 2008

O Crucifixo e a Nudez



Rodrigo Constantino

“Mesmo o homem supersticioso tem direitos inalienáveis. Ele tem o direito de defender suas imbecilidades tanto quanto quiser. Mas certamente não tem direito de exigir que elas sejam tratadas como sagradas.” (H. L. Mencken)

As fotos da atriz Carol Castro na revista "Playboy" geraram bastante polêmica. Pelo que ficou evidente, carolas também costumam verificar as fotos da revista de nudez. A Igreja Católica resolveu reclamar, condenando o ato como um "desrespeito com a fé de um povo". Com o mesmo tipo de "argumento", os muçulmanos fanáticos demonstraram toda a sua revolta com o dinamarquês que fez uma charge de Maomé com uma bomba no turbante. Esse autoritarismo religioso é um perigo! Se os crentes desejam tratar suas crenças como sagradas, que o façam. Mas não tentem impor que todos os outros tenham que tratar as mesmas crenças como sagradas também. Coisas como "heresia" e "blasfêmia" estão bem ultrapassadas, felizmente.

Até aceito que os crentes se sintam ofendidos, apesar de não entender muito bem porque uma mulher bonita com os seios à mostra seria algo ofensivo. Mas eles não têm o direito de usar essa ofensa subjetiva para atacar a liberdade alheia. Eu, como ateu, posso sentir-me ofendido com alguma propaganda religiosa qualquer, especialmente algumas que adoram demonizar os "pagãos". Mas nem por isso me sinto no direito de usar a força, ou seja, o governo, para impedir a pregação religiosa dessa gente, ainda que digam que eu irei arder para sempre no inferno se não aderir aos seus dogmas. Eles são livres para pregar, e eu para ignorá-los. Assim como a Carol Castro é livre para posar nua com um crucifixo, eu sou livre para ver as fotos, e os carolas são livres para rezarem desesperados por nossas almas, enquanto se culpam por todos os desejos naturais reprimidos pela fé. Alguns podem até agredir seus próprios corpos, usando o cilício ou ajoelhando no milho, caso a imagem “terrível” da atriz nua com um crucifixo tenha, por ventura, despertado emoções “macabras” e “pecaminosas”. Eles são livres para tanto. Mas deixem os “pecadores” em paz!

Na verdade, esses crentes, se realmente estão preocupados com a associação do símbolo de sua fé com algo negativo, deveriam mesmo focar suas energias para condenar o uso político da religião, com tantos oportunistas usando a fé para ganhar votos e poder. Deveriam ainda repudiar de forma mais enfática tanto terror causado no passado em nome de sua religião. Lá estava a Inquisição matando e torturando, e usando justamente a cruz como símbolo. Isso sim deveria incomodar um crente católico. Ou então os papas corruptos da Renascença, os poderosos que roubavam e pilhavam em nome da cruz. Quantas “bruxas” morreram em nome deste símbolo, que por sinal vem de crucificare, que quer dizer justamente “torturar” em latim? Fico pensando o que esses carolas fariam se tivessem mais poder em mãos, como a Igreja Católica já teve no passado. Felizmente, para a Carol Castro e para todos aqueles que não se importam com suas fotos, os tempos são outros, e a Idade Média está distante de nós. Os saudosistas precisam se acostumar com isso e aprender a viver nesse mundo laico.

Os crentes podem ficar ofendidos, mas a liberdade deve ser preservada. Considero um absurdo e perigoso sinal de autoritarismo retrógrado a Justiça obrigar a editora a retirar as revistas das bancas. Basta que os crentes não comprem a revista, se conseguirem resistir à tentação do Capeta. E quanto aos demais, nós pecadores, basta deixar que assumamos nossos próprios riscos de queimar eternamente no inferno. Como disse Martin Terman, "as pessoas que me dizem que eu vou para o inferno e que elas vão para o céu de certa forma me deixam feliz por não estarmos indo para o mesmo lugar”.

Pelos Motivos Errados



Rodrigo Constantino

Ao julgar pela imprensa brasileira, as eleições americanas contam com um único nome. Só se escuta falar aqui de Barak Obama, de uma forma tão intensa que até parece ser um candidato para algum cargo importante no governo nacional mesmo. Desconfio que poucos saibam sequer o nome de seu oponente, já que ele parece inexistente para a grande mídia local. Entendo que boa parte da empolgação com Obama se deve ao fator racial, pois finalmente há uma chance real de um negro chegar à presidência da nação mais poderosa do mundo. Entretanto, a questão que deveria ser levantada de fato é outra: Obama é um bom candidato, independente da cor de sua pele?

Aqueles que colocam a questão racial acima desta outra estão apenas dando atestado de racistas. Ora, defender um candidato apenas usando como critério a cor da pele é uma postura absolutamente racista, o espelho dos racistas que não aceitam votar em alguém pelo mesmo motivo. O ideal será quando uma característica como essa nem mesmo fizer parte dos debates, justamente porque é totalmente irrelevante para se decidir sobre a capacidade de um bom governante. Tenho dificuldade para entender a emoção de certas pessoas com coisas como “o primeiro negro presidente”, a “primeira mulher presidente” ou “o primeiro pobre presidente”. Estão focando nas características erradas. Um negro, uma mulher ou um pobre podem ser péssimos presidentes. Claro, podem ser bons presidentes também, mas eis justamente o ponto crucial: se serão bons ou ruins, isso não tem ligação alguma com características como cor, sexo ou renda.

Gostaria de perguntar para tantos brasileiros que abraçaram sem reflexão alguma a candidatura de Obama, o que eles realmente sabem do programa político do candidato. Será que compreendem que Obama é protecionista, o que é péssimo para os interesses de muitas empresas brasileiras? No fundo, a culpa pela falta de conhecimento acerca das idéias de Obama nem é tanto do público, pois o próprio candidato pouco fala de concreto sobre o que defende. No pior estilo “Lula” de ser, Obama fica apenas repetindo ad nauseam a palavra “mudança”, tentando explorar o esgotamento do atual governo perante os eleitores. Mas Obama ignora que mudança não necessariamente ocorre apenas para melhor. Crises são mudanças! O importante é explicar, com maiores detalhes: mudança para onde? O pouco que sabemos não é nada animador. Além da questão protecionista, Obama parece populista em outros aspectos, defendendo aumento de impostos para os mais ricos, como se isso não fosse prejudicial justamente para os mais pobres.

Enfim, o pouco que se sabe das políticas defendidas por Obama não permite uma defesa calorosa de sua candidatura. Não que McCain seja muito melhor, pois não é. Aliás, o culto à presidência já demonstra um vício de origem, pois enquanto tanta gente acreditar que as soluções para os males virão do meio político, através de um messias salvador, iremos apenas concentrar mais poder, o que é nefasto para a liberdade individual e, conseqüentemente, para o progresso. A sorte dos americanos é que o país ainda conta com um arcabouço institucional mais sólido, que não permite um estrago tão relevante como em outros países, incluindo o Brasil. A cultura americana, mais individualista e meritocrática, também funciona como uma proteção contra aventureiros populistas. Algum estrago sempre é possível, como vimos no caso de George W. Bush. Mas os Estados Unidos ainda não correm o risco de virar uma Venezuela por conta da eleição de um oportunista como Hugo Chávez. Na verdade, seria muito pouco provável que alguém como Chávez chegasse à presidência americana.

Barak Obama pode ser muito fraco, como de fato é, mas nada tão terrível quanto os caudilhos populistas da América Latina. Não obstante, sua candidatura tem conquistado muitos adeptos pelos motivos errados. Votar em alguém por causa da cor da pele é totalmente absurdo. Pouco importa se o presidente americano será um negro ou um branco, um homem ou uma mulher. Sei que, após tanto tempo de discriminação por causa da cor da pele, o sentimento de vingança pode acabar falando mais alto. Mas não é com racismo que se combate o racismo. Não é colocando qualquer negro na presidência que o racismo estará definitivamente enterrado. Pelo contrário: o fato de um negro ser eleito basicamente por ser negro, acaba sendo prova de que o racismo não acabou.

Todos aqueles que abominam o racismo, como é o meu caso, devem celebrar as reais chances de alguém negro ser eleito nos Estados Unidos, pois isso demonstra que a cor da pele não é mais um impeditivo ao cargo. Mas vamos esperar que o negro certo seja eleito. Não é o caso de Barak Obama. Ele parece uma escolha bem fraca, e isso não tem absolutamente ligação alguma com a cor de sua pele.

terça-feira, agosto 26, 2008

Viena e Chicago: A Luta Pelo Livre Mercado



Rodrigo Constantino

Os defensores do livre mercado estão basicamente divididos em dois grupos: os seguidores da Escola de Chicago e os seguidores da Escola Austríaca. Na verdade, há mais similaridades do que diferenças entre elas, pois ambas acreditam fielmente no livre mercado e em mentes livres. Mas o fato é que divergências importantes acabam mantendo as duas escolas muitas vezes afastadas, ainda que seus seguidores compartilhem de muitos ideais através da Mont Pelerin Society, criada por importantes ícones de cada escola. O economista Mark Skousen, admirador das duas vertentes liberais, escreveu um excelente livro chamado Vienna & Chicago: Friends or Foes?. Nele, o autor tenta abordar as principais diferenças entre os dois grupos, sugerindo que a distância entre elas está se estreitando.

Antes de tudo, é preciso resumir os principais pontos em comum das duas escolas. Skousen acredita que suas diferenças não são tão graves, e encara ambas como herdeiras intelectuais da economia laissez-faire de Adam Smith. Seriam primas filosóficas, em vez de inimigas. Ambas colocam a propriedade privada em um patamar crucial para as bases de trocas, justiça e progresso na sociedade. Ambas defendem o capitalismo liberal e acreditam na doutrina da “mão invisível” de Adam Smith, de que as ações individuais motivadas pelos próprios interesses maximizam o bem-estar da sociedade. Ambas são extremamente críticas ao marxismo e suas crenças sobre exploração, alienação e demais noções anticapitalistas. Ambas defendem o livre comércio, a imigração liberal e a globalização. Ambas condenam o controle de preços e salários, incluindo a legislação de salário mínimo. Ambas pregam, de forma geral, um governo bem limitado, cumprindo funções básicas. Ambas são defensoras da privatização e da desregulamentação. Ambas se opõem ao corporativismo do welfare state e atacam os privilégios concedidos pelo governo, pedindo igualdade perante a lei. Ambas rejeitam o planejamento central socialista e o totalitarismo. Ambas refutam o keynesianismo intervencionista que defende um governo grande para estabilizar a economia. Ambas são geralmente contra a taxação progressiva, o déficit nos gastos públicos e demais políticas do welfare state. Ambas preferem soluções de mercado para a poluição e demais problemas ambientais. Em resumo, as afinidades entre as escolas liberais são enormes.

Mas como elas seriam uma só se tudo fosse igual, existem importantes distinções. A primeira, e mais relevante, diz respeito à metodologia. Os “austríacos”, seguindo Mises, adotam uma postura dedutiva, subjetiva e apriorística para a análise econômica. Além disso, trabalham com um approach de processo dinâmico de mercado. Os “Chicago boys”, seguindo os trabalhos de Milton Friedman, preferem uma análise histórica, quantitativa e de equilíbrio para estudar os acontecimentos econômicos. Eles partem para estudos empíricos que poderiam comprovar teorias, enquanto os “austríacos” acham que dados passados podem apenas ilustrar uma teoria, que deve ter sustentação exclusivamente lógica. Para os “austríacos”, o estudo econômico deve ser construído em cima de axiomas auto-evidentes. Outra diferença importante está na questão monetária. Os adeptos da Escola Austríaca costumam preferir o padrão ouro, ou alguma outra moeda adotada naturalmente pelo próprio mercado. A Escola de Chicago, por sua vez, rejeita o padrão ouro, e parte para uma receita monetarista, onde a oferta de moeda cresceria automaticamente a uma taxa neutra. Por fim, os “austríacos” costumam negar a validade dos agregados econômicos como ferramentas pedagógicas úteis. A macroeconomia é vista com bastante desconfiança por seus seguidores. Estas seriam, de forma resumida, as divergências mais relevantes entre as duas escolas.

A Escola Austríaca tem argumentado de forma persistente que um elevado nível de poupança voluntária dos indivíduos é a chave para o rápido crescimento econômico. Tanto o keynesianismo, que prega o consumo elevado como locomotiva do crescimento, como os ativistas monetários, que enfatizam a oferta de moeda como ingrediente chave para o crescimento, são atacados pelos “austríacos”. Para ser mais eficiente, toda a poupança deve ser voluntária, calcada nas livres escolhas individuais para determinar suas próprias preferências temporais. Na essência, a teoria do ciclo econômico da Escola Austríaca enfatiza como a inflação monetária feita por bancos centrais artificialmente distorce a estrutura da economia, causando uma bolha insustentável que deve necessariamente acabar estourando. O capital acaba alocado de forma ineficiente por conta da intervenção do governo, e o “dinheiro fácil” não apenas eleva os preços, mas também cria vencedores e perdedores. Os poupadores, aqueles que são responsáveis pela oferta de capital para investimentos produtivos, são justamente os grandes perdedores. A instabilidade econômica evidente em crises financeiras seria culpa das políticas monetárias do governo, segundo os “austríacos”, e não do livre mercado.

Não obstante o sólido arcabouço teórico, a Escola Austríaca não foi capaz de reverter o crescimento do keynesianismo durante a depressão de 1929. Segundo Skousen, o método de Chicago, com vasta base de dados, análises quantitativas e uso de matemática sofisticada para testar diversas teorias econômicas, foi mais útil para derrubar o dogmatismo dos discípulos de Keynes. Milton Friedman acabou trabalhando dentro do próprio sistema keynesiano, usando seus mesmos métodos para refutar sua “nova economia”. Friedman mostrou, usando ampla base de dados históricos, que as famílias ajustavam seus gastos somente de acordo com mudanças na renda permanente ou alterações de longo prazo, prestando pouca atenção aos padrões transitórios. Isso derrubava o mito do “multiplicador” keynesiano, cujo modelo se baseava num efeito alavancado no crescimento econômico para um aumento nos gastos do governo. Em uma época onde as ciências exatas eram transportadas para as ciências sociais, o método de Chicago surtiu um efeito maior na prática, ainda que a sofisticada lógica dos “austríacos” tenha derrubado as falácias dos keynesianos.

Apesar da força prática da metodologia empírica de Chicago, Skousen reconhece como extremamente válido o alerta de Mises e Hayek para os perigos do “cientificismo”. Existe um “lado negro” no uso de dados empíricos, quando os dados são utilizados de forma errada, são interpretados de maneira inadequada ou simplesmente estão errados. Interpretar a história não é fácil, pois se trata de um fenômeno complexo, com infinitas variáveis exercendo influência. Skousen conclui que ambos os métodos devem ser aplicados, tanto o empírico como a lógica dedutiva. De fato, Rothbard usa inúmeros dados para embasar seu estudo sobre a Grande Depressão. Por que não manter uma mente aberta em relação aos dois métodos? Skousen reconhece a importância do ponto de Mises sobre a dificuldade de prever o futuro, já que os economistas, de fato, carregam inúmeros erros de previsões passadas nas costas. A econometria, que olha para trás, não deve ser vista como fonte altamente confiável para antecipar o que ainda está por vir. A história pode até rimar, mas não se repete. Apesar disso, Skousen considera que Chicago está em vantagem em relação à metodologia. Em contrapartida, Skousen prefere a teoria de ciclo econômico da Escola Austríaca, assim como seu foco no processo dinâmico do mercado, em vez de modelos de equilíbrio.

De forma simplista, a Escola Austríaca é mais “pura” por defender seus ideais sem concessões ao pragmatismo, enquanto a Escola de Chicago suja as mãos no mundo real das políticas públicas, influenciando mais as decisões imediatas. Particularmente, acredito que há uma crucial função para ambas as posturas. Entendo que é fundamental alguém pregar o ideal, o ponto de chegada que devemos almejar. Mas entendo que também há um papel extremamente importante para quem joga com metas mais práticas e de curto prazo. A Escola Austríaca, nesse contexto, mostra onde deveríamos mirar, enquanto a Escola de Chicago apresenta opções concretas para o trajeto. Para sair de A até C, talvez seja preciso passar por B. A Escola de Chicago foca bastante nas “second-best solutions”, nas alternativas viáveis. Se eu tivesse que resumir em uma expressão, a Escola de Chicago pensa que o ótimo é inimigo do bom, e luta pelo bom possível. Mas assumindo o papel de advogado dos “austríacos”, até por ter um viés mais nessa direção, eu lembraria que o inverso também pode ser verdade, ou seja, o bom muitas vezes é inimigo do ótimo. O que quero dizer com isso é que em muitos casos podemos deixar para trás o ótimo, justamente porque objetivamos e ficamos satisfeitos apenas com o bom. Quem coloca como meta a medalha de bronze, que com certeza é melhor que nada, pode estar abandonando as chances de conseguir a medalha de ouro.

O livro de Skousen é dedicado aos membros da Mont Pelerin Society, exatamente porque são amigos tanto da Escola de Chicago como da Escola Austríaca. Afinal, ambas defendem a liberdade individual, o capitalismo de livre mercado, e lutam contra inimigos comuns, intervencionistas e defensores do planejamento central, que desconfiam da ordem espontânea e, por conseguinte, condenam o livre mercado. Os inimigos, infelizmente, ainda têm conquistado muito espaço no campo das idéias, mesmo depois de evidentes fracassos de suas crenças. Por esta razão, e também por entender que as semelhanças são mais importantes que as divergências, eu procuro olhar as duas escolas como complementares, e não como inimigas. Milton Friedman, George Stigler, Gary Becker, Mises, Hayek, Rothbard e Kirzner, entre outros, podem ter opiniões conflitantes sobre determinados temas. Mas de forma geral, estão bem mais próximos uns dos outros do que qualquer um deles em relação aos defensores do intervencionismo estatal, seja o keynesiano, seja o marxista. Viena e Chicago, ambos representam ícones da luta pela liberdade. O mundo será definitivamente um lugar bem mais livre quando o debate de idéias for dominado por estas duas escolas. Aí sim, o foco poderá ser bem maior nos aspectos que afastam Viena de Chicago. Até este dia – que ainda não parece estar próximo – o ideal é focar nos fatores de convergência entre elas, para garantir munição pesada contra os inimigos da liberdade.

segunda-feira, agosto 25, 2008

Viva a América!



Rodrigo Constantino

Acabei de chegar de uma viagem de dez dias pelos Estados Unidos, primeiro em Indianápolis, participando de uma mesa redonda no Liberty Fund, e depois em Nova York, visitando diversos hedge funds. Respirar ares mais livres nos Estados Unidos é sempre saudável, ainda mais para um liberal que vive num país semi-socialista como o Brasil. Não que o modelo americano seja o ideal liberal, pois não é. E nem que seja um país perfeito, o que está longe de ser. Mas perto do Brasil – e de vários outros países também, os Estados Unidos representam ainda um ícone do capitalismo liberal, com uma economia dinâmica e razoavelmente blindada contra o excesso de intervenção estatal. A seguir pretendo fazer um breve relato de minha viagem.

O Liberty Fund é um “think tank” fundado por Mr. Goodrich, um rico empresário que acreditava muito no poder das idéias e no livre debate. Ele deixou uma boa quantia para a instituição que criou, e a boa gestão dos recursos permite um orçamento anual perto dos US$ 40 milhões, tudo voltado para o estímulo de debates ao redor do mundo. Eu já havia participado de quatro colóquios patrocinados pelo Liberty Fund em parceria com o Instituto Liberdade e Instituto Liberal. Todos foram experiências muito úteis, que contribuíram bastante para minhas próprias idéias. Desta vez, fui convidado para uma mesa redonda com pensadores e professores de faculdades americanas, a fim de contribuir com o próprio Liberty Fund sobre o tema “Money and Banking”. Os debates foram bem interessantes, e totalmente distantes do que se poderia imaginar para qualquer realidade brasileira.

A idéia de Hayek de privatizar as moedas, por exemplo, foi um dos assuntos debatidos, sem gerar a impressão de que estávamos em Marte. As vantagens e os riscos eram abordados de forma transparente, com foco nos argumentos. Alguém consegue pensar na possibilidade de um debate entre professores brasileiros, patrocinado por um “think tank” local, debatendo a retirada do governo na questão monetária, ou defendendo o fim do Banco Central? Tudo no Liberty Fund parece muito à frente do que vemos em relação ao debate de idéias no Brasil. Como eu costumo dizer, há muita divergência entre liberais em certas áreas, e não foi diferente no Liberty Fund. Mas, fazendo uma analogia, é como se ali fossem discutidas as nuanças do formato arredondado do planeta Terra, e não se ela é arredondada ou quadrada. Infelizmente, no Brasil o debate predominante ainda é muito ultrapassado, e o pior é que tem vencido o lado que acredita na forma quadrangular, no caso, a crença esquerdista que abomina o livre mercado e idolatra o intervencionismo. Falar em privatização ainda gera muita revolta por aqui. Imagina propor uma completa independência do Banco Central ou até mesmo a sua extinção?! É provável que chamem os homens de branco para levar os participantes para um hospício. Em terra de loucos, ser são é mesmo um risco grande.

Depois de Indiana, segui para Nova York, e visitei inúmeros fundos de investimento. Quando saímos do Brasil e pisamos na civilização, lembramos melhor que vivemos na barbárie. Somos como sapos escaldados, acostumados com a elevada temperatura porque esta foi subindo gradualmente, passando a fazer parte do nosso cotidiano. Achamos normal não poder mais sair nas ruas de noite, andando com calma para os lugares, carregando objetos de valor sem grandes preocupações. O que deveria ser algo básico é simplesmente inimaginável para os brasileiros. Em Nova York, uma multidão caminha pelas ruas até elevadas horas, com câmeras modernas penduradas no pescoço e relógios de marca no pulso. Carros conversíveis circulam sem problemas, e até Ferrari fica estacionada sem alarde nas ruas. Vi dezenas de Porsches pelas ruas, até porque um Porsche custa quatro vezes menos que no Brasil, para um público consumidor bem mais rico. É caro – e perigoso – ser brasileiro!

Nova York é um lugar onde as coisas acontecem, onde as coisas funcionam. A economia americana está em crise, em boa parte por culpa do próprio governo, seja pelo excesso de regulação ou pela abundante liquidez estimulada pelo Fed. O pessimismo ainda faz parte das previsões de muitos gestores de fundos, extremamente preocupados com o futuro do país, que com certeza cometeu excessos que devem ser digeridos, de preferência sem a intervenção estatal. Mas é difícil pensar em algum substituto real para os Estados Unidos como epicentro financeiro do mundo. Somente lá encontramos a combinação de sólido império da lei com extrema flexibilidade para adaptação, na escala que vemos, com 300 milhões de habitantes. Quem será o novo centro da economia global? A China? A Europa? O Brasil?

Quando vemos a realidade fora dos Estados Unidos, entendemos porque eles sempre saem fortalecidos das crises, e conseguem manter a liderança. A Europa está repleta de problemas, tem um modelo de welfare state caro demais, uma economia mais rígida e aspectos geopolíticos delicados. Os números econômicos mais recentes já mostram que a crise chegou forte na região, que mergulha numa recessão perigosa. A China pode estar crescendo há décadas, por ter aberto mais sua economia, mas vem de uma base muito baixa, ainda tem muita miséria e se trata de uma ditadura, não devemos esquecer. O Brasil... Bem, o Brasil é isso aqui que conhecemos de perto, e seria piada achar que esse país tem condições de ser um novo Estados Unidos em pouco tempo, enquanto a mentalidade anti-capitalista perdurar. A idolatria ao governo é indiretamente proporcional às chances de progresso acelerado e sustentável. Quem cria riqueza é o setor privado, num ambiente de segurança institucional e ampla liberdade. Tudo que mais falta no Brasil, onde até nova estatal para explorar petróleo deve ser criada.

Quando lembramos isso, compreendemos melhor porque os Estados Unidos são o que são. Somente lá um banco com problemas pode demitir, de uma vez só, dez mil funcionários, lutando para sobreviver. Lá, aquisições ocorrem com extrema velocidade, assim como levantamento de capital, reforma na gestão das empresas etc. O fundo Paulson, que ficou famoso pelos bilhões que ganhou apostando na crise de subprime, já pretende lançar fundo novo para aproveitar a recuperação do setor à frente, mesmo que ainda tenha uma visão pessimista no curto prazo. A flexibilidade da economia americana e a cultura do povo permitem ajustes mais drásticos, que garantem o sucesso no longo prazo.

Outras crises já foram usadas para prever o fim do “império”, sempre para o país dar a volta por cima e provar que os pessimistas estavam errados. No fundo, muitos torcem pelo fracasso americano, apenas por inveja ou patologia ideológica. Mas os Estados Unidos seguem sendo a nação mais próspera do planeta. Na década de 1980, quase todos acharam que o modelo japonês iria enterrar de vez o americano. O Japão, pouco depois, entrou na pior crise dos últimos tempos, e os Estados Unidos viveram tempos incríveis de prosperidade. Quem quer apostar todas as fichas na substituição dos Estados Unidos pela China como locomotiva mundial? As exportações americanas, pela primeira vez em anos, já estão crescendo a taxas maiores que as chinesas. Isso mostra como os americanos são rápidos em se adaptar à nova realidade. Quem entende a essência do darwinismo, reconhece a relevância disso. Velocidade de ajuste é fundamental. E isso os americanos sabem fazer como ninguém.

Nada garante que o pior já passou para a economia americana. Antes de melhorar, é evidente que as coisas ainda podem piorar. A crise é séria. Mas o que parece difícil de engolir é um cenário de catástrofe nos Estados Unidos e de tranqüilidade no resto do mundo. A famosa tese do “descolamento” simplesmente não me convence. A globalização veio para ficar, e com um mundo mais plano, não parece factível imaginar a principal economia desabando enquanto o restante navega em águas calmas. Em termos relativos, se fosse preciso apostar agora tendo em mente um prazo mais longo, eu creio que não iria se arrepender quem colocasse as fichas na economia americana.

Agora estou de volta à selva brasileira, onde dirigimos sempre paranóicos em cada sinal de trânsito, olhamos atentos para cada lado nas ruas e passamos por crateras que fazem o “asfalto” parecer mais um queijo suíço. Estou de volta ao país onde o governo se mete em tudo, em cada mínimo detalhe de nossas vidas. Ao menos estou de volta com o seguinte adesivo colado no carro: “Não Roube. O Governo Detesta Competição”. É verdade que está escrito em inglês, pois no Brasil eu jamais vi à venda algo parecido, ainda que o conteúdo seja perfeito para nossa realidade. É lamentável constatar a oportunidade perdida nesse país, ver o que poderíamos ser não fosse tanta interferência do governo nas áreas fora de suas funções básicas, que acabam negligenciadas. Enquanto o povo brasileiro não resolve acordar, só me resta concluir: Viva a América!

sexta-feira, agosto 15, 2008

Caveat Emptor! - O DIA

Rodrigo Constantino: Caveat emptor!

Economista, escritor e membro do Instituto Millenium

Rio - Deve o governo aumentar ainda mais seu controle no setor de saúde? Muitas pessoas acham que sim, pois desconfiam da capacidade de organização de um mercado livre. "Caveat emptor" é um termo que significa "a responsabilidade é do comprador". Isso significa que o consumidor – no caso, o paciente — tem a capacidade de escolher o que é melhor para si.

Se existem médicos incompetentes formados por universidade caça-níquel, cada pessoa é capaz de decidir se quer ou não que um profissional destes cuide da sua saúde. Basta saber quais são as más universidades e onde cada médico obteve seu diploma. Não é preciso que o governo crie mais uma forma de controle, como se as pessoas fossem incapazes de escolher entre o bom e o ruim.

Alguns poderão ser vítimas de oportunistas de plantão, é verdade. Mas o governo não pode protegê-los de forma eficiente, sem prejudicar aliberdade dos demais. A experiência mostra que as “falhas” que possam existir no mercado nem sempre são curadas pelo controle do governo. Ao contrário: falhas de governo costumam ampliar os problemas anteriores.

E isso não é diferente na medicina. Nos Estados Unidos foi assim, com o aumento de poder do Food and Drug Administration (FDA). A existência de um controle que busque separar o joio do trigo acaba retirando a responsabilidade e atenção de cada um em relação ao que consome.

Além disso, mesmo com controle estatal, muitos á são vítimas de “curandeiros” oportunistas. Para evitar isso, a livre concorrência ainda é o melhor caminho, delegando a responsabilidade ao consumidor. Que cada um fique atento ao que consome, ainda mais quando se trata de saúde. Caveat emptor!

Link para site de O DIA

quarta-feira, agosto 13, 2008

Quanto Vale um Indivíduo Chinês?



Rodrigo Constantino

De que adianta uma abertura dos Jogos Olímpicos impressionante, se por trás dela consta o total desprezo pelo valor individual? Não obstante a impressão causada na abertura chinesa, de que homens mais parecem formigas organizadas de forma rigorosa como no Exército, eis que agora vem à tona a descoberta de que a pequena cantora estava apenas dublando outra. Lin Miaoke chegou a ser considerada uma estrela após “seu” desempenho cantando o hino chinês durante a abertura da Olimpíada de Pequim. Mas o Comitê Organizador dos Jogos teve que admitir que ela apenas dublou outra menina, Yang Peiyi, pois o Politburo chinês achou que sua voz não era boa o bastante, e que a verdadeira cantora não era bela o suficiente. Os dentinhos tortos de Yang fizeram com que os manda-chuvas da ditadura chinesa a ocultassem do público, usando outra menina em seu lugar, fingindo que cantava de verdade. E o trauma dessa pequena garota talentosa, como fica? No ímpeto de causar uma boa imagem ao mundo, vale tudo para os membros do Partido Comunista Chinês.

Einstein dizia que o nacionalismo é a “doença infantil da humanidade”. O filósofo Schopenhauer chegou a afirmar que “a individualidade sobrepuja em muito a nacionalidade e, num determinado homem, aquela merece mil vezes mais consideração do que esta”. Infelizmente, nada disso é levado em conta por parte dos coletivistas. A mentalidade tribal predomina, e o indivíduo é visto apenas como um meio sacrificável para os “interesses do grupo”. Quem determina tais interesses é algo que poucos questionam. Os autoritários encaram seres humanos como peças num tabuleiro de xadrez, que podem ser movidas ao bel prazer dos poderosos. Não podem! Ao menos não sem graves conseqüências. Adam Smith já havia compreendido isso no século XVIII, e por isso defendia um sistema de “liberdade natural”, com foco na preservação dos indivíduos. A China coletivista é o oposto desse sistema. O indivíduo chinês, mesmo que seja uma pequena garotinha talentosa, não vale muito. Deve se submeter aos “interesses coletivos” da nação. E como nação é um constructo mental, e não um ente concreto, todos devem aceitar as imposições de cima, decididas pelos governantes, que resolvem quais são os tais interesses nacionais.

Por ser totalmente contra esse coletivismo retrógrado e autoritário, que despreza totalmente o valor individual, prefiro torcer pelas medalhas e conquistas de um indivíduo feito Michael Phelps, que merece mesmo ganhar mais medalhas de ouro do que muitos países juntos.

terça-feira, agosto 12, 2008

A Escrava Wal-Mart



Rodrigo Constantino

“São os consumidores e não os empresários que determinam o que deve ser produzido.” (Mises)

No livre mercado, são os consumidores quem mandam, determinando o que deve ser produzido pelas empresas que competem em busca de lucro. A maior garantia de bom atendimento, variedade de produtos, preços baixos e qualidade está justamente na livre concorrência, ausente de barreiras artificialmente criadas pelo governo. Tudo isso é bastante evidente e lógico, mas, infelizmente, as décadas de lavagem cerebral marxista impedem uma compreensão maior destes fatos. Suas vítimas passaram a encarar os empresários como inimigos exploradores, o lucro como pecado, e o governo como uma espécie de “deus protetor”, que irá cuidar dos consumidores impedindo a “exploração capitalista”. As empresas grandes passam a ser as maiores vilãs nessa mentalidade distorcida.

Mesmo os americanos não estão livres dessa inversão, e a Wal-Mart, pelo seu gigantismo, costuma ser o alvo preferido dessa turma. Por isso é tão pertinente citar alguns trechos da entrevista concedida ao The Wall Street Journal pelo equatoriano Eduardo Castro-Wright, que assumiu a presidência executiva da divisão americana da Wal-Mart Stores há três anos. Uma parte da entrevista foi traduzida e publicada no jornal Valor, mostrando como as mudanças feitas pelo presidente têm colaborado para um crescimento maior da empresa. Logo no começo, Castro-Wright diz: “Fornecer uma boa experiência de compra começa com oferecer opções de produtos que os consumidores merecem, a manutenção de um espaço asseado e ter associados (funcionários) simpáticos, para que os clientes queiram voltar”. Ou seja, logo de cara vemos que o principal foco da empresa está voltado para o cliente, com a meta de propiciar uma compra agradável e com os produtos realmente demandados.

A Wal-Mart já era conhecida pela sua política de preços baixos, e o presidente reforça este objetivo: “Primeiro, tivemos de reforçar nossa liderança em preços baixos. Precisávamos perguntar a nós mesmos qual era a nossa filosofia e ela era mais do que apenas garantir um preço baixo, mas sim ajudar as pessoas a economizar e assim melhorar suas vidas”. Novamente, fica claro que a empresa é uma parceira de seus clientes, com interesses alinhados. Se os consumidores podem economizar, ficam satisfeitos, e retornam para comprar novamente na loja. Cliente feliz é cliente bom. A Wal-Mart entende isso: “O plano então contou com tudo, de melhorias na sinalização visual das lojas, para que as pessoas pudessem encontrar as coisas mais facilmente, a investimento em tecnologia para agilizar os caixas”. A Wal-Mart é conhecida pelos seus pesados investimentos em tecnologia. Se as filas nos caixas são mais rápidas, a loja vende mais, e os clientes ficam mais satisfeitos. Novamente, os interesses estão alinhados.

Apesar de seu tamanho, com faturamento de US$ 240 bilhões apenas nos Estados Unidos, a Wal-Mart não passa de uma escrava dos consumidores, tendo que buscar sempre atender da melhor forma possível a demanda. Castro-Wright explica: “Aprendemos que fornecer escolhas ao cliente não tem a ver com mais produtos, mas produtos selecionados cuidadosamente e nos quais os clientes estão interessados”. Isso faz todo o sentido, naturalmente. Afinal, hoje a empresa é um gigante, justamente por focar tanto nos clientes. Mas nada impede que amanhã outra empresa consiga superar a Wal-Mart no atendimento aos consumidores. O capitalismo, como Schumpeter já tinha notado, é um processo dinâmico, com uma “destruição criativa” que garante o progresso rumo aos produtos mais desejados pelos consumidores e aos métodos mais eficientes para produção destes.

O tamanho não é garantia de vida eterna para empresa alguma. Existem várias provas disso, como o caso da IBM, por exemplo, que perdeu bastante terreno para empresas novas como a Microsoft e Intel, e foi forçada a se reinventar para sobreviver. Na verdade, poucas empresas existem há mais de um século, justamente por causa desse processo dinâmico do capitalismo. O sucesso depende da escolha dos consumidores. São esses que possuem o poder de decidir quem ganha e quem perde, num plebiscito ininterrupto chamado “mercado”. As empresas precisam lucrar para sobreviver, e o lucro depende dos consumidores. No livre mercado, as empresas não passam de “escravas” dos consumidores. Estes não precisam do governo para protegê-los. Precisam apenas da livre concorrência, possível justamente quando o governo não se mete para garantir privilégios e criar barreiras artificiais. A imagem perante os clientes é um dos mais valiosos ativos de uma empresa, que depende da confiança para prosperar. Alguém realmente acredita que a Wal-Mart não vende alimentos podres por causa da vigilância do governo, e não por causa dos próprios interesses e foco no lucro?

O que o governo deve fazer para proteger o consumidor é justamente deixá-lo em paz para escolher livremente de quem comprar aquilo que é desejado. Se o “Zé da Quitanda” não tem condições de competir com a Wal-Mart para oferecer produtos melhores e preços menores, o governo não deve protegê-lo da “competição predatória”, pois isso seria feito apenas à custa dos consumidores. No capitalismo liberal, vence quem consegue melhor atender a demanda, e essa é a maior proteção que os consumidores podem ter. O caso da Wal-Mart ilustra isso de forma perfeita: a empresa possui um valor de mercado acima de US$ 200 bilhões, mas é apenas uma escrava de seus consumidores.

quinta-feira, agosto 07, 2008

O Dragão Olímpico



Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal

Hoje começam os jogos olímpicos de 2008. A competição esportiva é extremamente saudável, além de desafiar os limites humanos, incentivando os atletas a romper barreiras. Mas o esporte tem outro lado mais perigoso. Ele pode ser usado para desviar a atenção das massas dos assuntos políticos, o antigo “pão e circo” que tinha no Coliseu seu ícone romano. O povo, distraído com os jogos, ignora os temas políticos. E como o historiador Arnold Toynbee já tinha alertado, “o maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que serão governados pelos que se interessam”. O nacionalismo, que sempre demanda inimigos externos, acaba adicionando mais lenha na fogueira, transformando a disputa esportiva numa guerra tribal, interessante apenas para os governantes de cada país.

As Olimpíadas desse ano contam com um problema adicional: sua localização. A China foi escolhida para realizar os jogos. Um erro diplomático, em minha opinião. A revista britânica The Economist chegou a tratar desse problema em matéria de capa, argumentando que as Olimpíadas vão atrasar as conquistas por maior liberdade no país, que infelizmente ainda vive sob uma ditadura. Os avanços chineses têm ocorrido a despeito dos jogos, não por causa deles. O Partido Comunista Chinês, ao abandonar sua ideologia no campo econômico, precisa legitimar seu controle político de alguma forma, para sobreviver. O “orgulho nacionalista” tem sido um importante aliado da ditadura nesse sentido.

Além disso, como explica Ellen Bork, da Freedom House, em artigo no The Wall Street Jornal, a justificativa da segurança nos jogos olímpicos tem sido utilizada pelo governo chinês para avançar mais sobre as liberdades individuais. Quando tudo acabar e os turistas forem embora, o governo não terá incentivo algum para relaxar o controle. Ao contrário, a sua capacidade de repressão estará fortalecida por causa dos jogos. Regimes comunistas sempre tentaram enganar os estrangeiros com propagandas mentirosas. A impressão que as Olimpíadas podem deixar em muitos turistas poderá ser totalmente falsa em relação ao regime opressor que ainda existe na China. Se isto acontecer, não importa qual país consiga maior quantidade de medalhas de ouro: o grande perdedor terá sido o próprio povo chinês.

sexta-feira, agosto 01, 2008

Filhotes de Nostradamus



Rodrigo Constantino

“Você não pode ver o futuro através de um espelho retrovisor.” (Peter Lynch)

O mercado financeiro felizmente tem atraído muita gente nova, principalmente os mais jovens. Isso é muito positivo para o desenvolvimento do mercado de capitais no país, ajudando a derrubar o mito de que bolsa de valores é como um cassino. Nada mais falso. É justamente através deste veículo que empresas podem obter financiamento para crescer ou mesmo nascer, como vimos no incrível caso da OGX, do empresário Eike Batista, que levantou bilhões antes mesmo de iniciar as operações. Até os especuladores mais focados no curto prazo exercem importante função, ao explorarem as oportunidades de arbitragem, contribuindo para reduzir as ineficiências eventuais do mercado. Eles garantem maior liquidez e servem para a busca de hedge por parte de várias empresas. Logo, o crescimento do número de investidores, incluindo pessoas físicas, é algo que deve ser comemorado. O perigo é o oportunismo de alguns filhotes de Nostradamus.

Como muitos jovens chegam sedentos ao mercado, ainda com o sonho de rápido enriquecimento, oportunistas de plantão exploram essa demanda, oferecendo soluções “mágicas”. Passam a idéia de que descobriram os segredos da alquimia, e conquistam leigos despreparados. Essas vítimas nem param para pensar que se esses traders realmente tivessem descoberto o caminho do sucesso, estariam mega-milionários, em vez de precisar vender programas, cursos, livros ou palestras sobre o tema, cobrando migalhas dos seus clientes. Falta um pingo de ceticismo nesses jovens, ofuscados com o sonho de ganhar milhões em pouco tempo, sem muito esforço. Eles escutam uma ou outra história de sucesso, ignoram a quantidade infinitamente maior de fracassos, e partem para o “jogo” de forma absurdamente superficial. Normalmente usam instrumentos técnicos, como análise gráfica, embalados com complexa matemática, como se o futuro fosse previsível com base no passado. Os nomes bonitos, como a teoria dos fractais, e os modelos econométricos complicados, encantam os jovens. Eles tentam transportar os conhecimentos da ciência natural para a ciência humana, como se o comportamento dos indivíduos fosse previsível da mesma forma que a lei da gravidade.

Como disse Max Gunther, autor de Os Axiomas de Zurique, o “caos não é perigoso até ele começar a parecer ordenado”. O mesmo autor lembra que o comportamento humano não pode ser previsto de forma acurada. O risco se encontra à nossa frente, não no passado. Aquilo que não sabemos pode ser fatal. O passado raramente revela quando algo radical ocorrerá no futuro. Vários especuladores profissionais, com décadas de experiência nos mercados, descobriram na prática essas verdades constatadas por alguns pensadores também, entre eles o prêmio Nobel Hayek. As estatísticas, por mais complexas que sejam, tratam de eventos passados. Elas não podem descrever precisamente eventos não ocorridos ainda. Levar os planos rígidos de longo prazo muito a sério, como se o futuro estivesse sob controle, pode ser uma das formas mais prováveis de encontrar o fracasso. A necessidade de crença em um futuro conhecido e amplamente previsível deve ser tratada num divã, mas é extremamente arriscada no mercado financeiro.

Raros são os investidores que conseguem superar a performance média do mercado de forma sustentável. Milhares de fundos e especuladores, com vários profissionais experientes e dedicados, tentam diariamente gerar um retorno acima da média. Poucos conseguem. O cemitério está repleto de evidências silenciosas sobre a dificuldade de superar os índices de benchmark. O survival bias, a mania da mente humana em focar apenas nos casos de sucesso, cria a impressão de que é mais fácil vencer do que é na realidade. O mercado exige muita humildade. Quem adota uma postura arrogante, de que pode sistematicamente antecipar os eventos e obter um retorno extraordinário por longo período, costuma receber uma dura lição do mercado. Claro que alguns vão conseguir. Mas a maioria vai nadar, nadar, e depois morrer na praia. Ficar milionário especulando de casa não é nada fácil, tampouco provável. Possível até é, sem dúvida. Assim como é possível ganhar na mega-sena. Mas contar com isso para pagar as contas é uma aventura que beira à irresponsabilidade.

Um investidor-filósofo que tem muito a ensinar para essa turma jovem, que acredita no poder de previsão dos modelos vendidos pela internet, é Nassim Taleb, autor de Fooled by Randomness e The Black Swan. Eu recomendo fortemente ambas as leituras. Taleb lembra que não importa a freqüência com que algo funciona, se o fracasso, quando chega, tem um custo insuportável. Ele lembra ainda que não faz sentido algum procurar padrões estatísticos que estão disponíveis para qualquer um com uma conta em corretora, pois uma vez detectado, o padrão logo perde a relevância. Séries aleatórias, para piorar, sempre apresentam algum padrão detectável. Os especuladores podem achar que estão com a resposta para o futuro nas mãos, através da descoberta de algum padrão que vem funcionando bem, apenas para descobrir depois que o “padrão” deixou de funcionar. O mundo é bem mais complexo do que alguns gostariam. Modelos matemáticos que olham pelos ombros não podem adivinhar o que seres humanos irão fazer no futuro.

Espero ter deixado claro que o mercado financeiro exerce um papel fundamental para o desenvolvimento econômico de uma sociedade, mas que não deve ser encarado como uma roleta, tampouco como um meio fácil de ficar rico rapidamente. Ele pode entregar recompensas maravilhosas para muitos investidores e especuladores, mas pode também apresentar uma fatura elevada para muitos, especialmente os arrogantes que juram ter o poder de prever o futuro com precisão. Eles não têm. Ninguém tem! Muito menos alguém que precisa vender livros e modelos por valores irrisórios. Por que alguém que tem em mãos um modelo capaz de torná-lo multimilionário iria vendê-lo pela bagatela de cinco mil reais? Um pouco mais de ceticismo faria muito bem a esses jovens, vítimas fáceis dos filhotes modernos de Nostradamus, que não passam de embusteiros. Além disso, fica o apelo por mais humildade também, já que competir no mercado financeiro é tarefa árdua, com milhões de pessoas extremamente inteligentes e esforçadas tentando vencer no mundo todo. Como dizia meu antigo chefe, um respeitado especulador brasileiro, “pato novo não mergulha fundo”.