domingo, março 01, 2009

O Contexto em 1964



Rodrigo Constantino

“É sumamente melancólico – porém não irrealista – admitir-se que no albor dos anos 60 este grande país não tinha senão duas miseráveis opções: ‘anos de chumbo’ ou ‘rios de sangue’...” (Roberto Campos)

Muitos brasileiros pensam que os membros do PT e da esquerda radical sempre participaram de uma luta pela democracia no Brasil. Na verdade, eles queriam uma “democracia popular”, eufemismo para ditadura da nomenklatura, como foi o caso de todos os países onde os comunistas tiveram sucesso. Eles lutavam pelo modelo existente até hoje em Cuba, que de democrático não tem absolutamente nada. Vale a pena voltar um pouco no tempo, para resgatar os fatos deturpados por esses que posam atualmente de defensores da democracia e recebem milhões de anistia do governo.

A chamada “crise da legalidade” foi deflagrada com a renúncia de Jânio Quadros, quando os ministros da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica não aceitaram a posse do vice-presidente João Goulart, herdeiro político do ditador populista Getúlio Vargas e acusado de ligações com os comunistas. O país estava em sério risco de viver uma guerra civil. Diante da estação da Central do Brasil, mais de cem mil manifestantes gritavam por mudanças, com faixas como “Reconhecimento da China Popular”, “PCB – Teus Direitos São Sagrados”, “Abaixo com as Companhias Estrangeiras”, “Trabalhadores Querem Armas para Defender o Seu Governo” e “Jango – Defenderemos as Reformas a Bala”. A classe média teve uma reação em cadeia contra essa radicalização estimulada pelo próprio governo.

Leonel Brizola, cunhado de Jango, defendeu a substituição do Congresso por uma Constituinte repleta de trabalhadores camponeses, sargentos e oficiais nacionalistas. Goulart assinou um decreto, em 1964, desapropriando todas as terras num raio de dez quilômetros dos eixos das rodovias e ferrovias federais para sua reforma agrária, assim como encampou as refinarias de petróleo privadas, em outro decreto. Foi anunciado o tabelamento dos aluguéis. O governo estava em crise, apelando para a intimidação, enquanto a economia afundava. A inflação fora de 50% em 1962 para 75% no ano seguinte. Os primeiros meses de 1964 projetavam uma taxa anual de 140%, a maior do século. A economia registrava uma contração na renda per capita pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial. As greves duplicaram entre 1962 e 1963. O governo irresponsável acumulara um déficit equivalente a mais de um terço do total das despesas. Jango nomeou o almirante Paulo Mário da Cunha Rodrigues, próximo ao Partido Comunista.

O Congresso mostrava-se disposto a bloquear os projetos de reforma. Luiz Carlos Prestes, ligado ao Partido Comunista, chegou a defender a dissolução do Congresso. Um golpe, de um dos lados, parecia iminente e inevitável. Tancredo chegou a prever que os passos de Jango levariam a uma luta armada. O governador pernambucano esquerdista, Miguel Arraes, declarou estar certo de um golpe, “de lá ou de cá”. Brizola repetia que “se não dermos o golpe, eles o darão contra nós”. Jango, na China, discursava sobre o socialismo no Brasil. A famosa Revolta dos Marinheiros foi como uma gota no copo d’água lotado. Ocorreu uma quebra de hierarquia militar. O cabo Anselmo liderou a revolta, que resultou na demissão do ministro da Marinha, almirante Sílvio Mota, por tentar reprimi-lo.

O contexto internacional da década de 60 era marcado pela Guerra Fria, e Cuba, no continente americano, tinha sido o primeiro caso de sucesso dos comunistas. O eixo da luta entre capitalistas e comunistas tinha se deslocado para a América Central, e os ditadores da União Soviética estavam investindo pesado no continente, enviando bilhões de dólares e agentes da KGB para diversos países. Em 1962 ocorreu a crise dos mísseis nucleares, que os russos instalaram clandestinamente no território cubano. Quase foi deflagrada uma guerra nuclear pela tentativa de avanço imperialista dos soviéticos comunistas.

O perigo do comunismo era real para todos os países, incluindo o Brasil. Diversas nações caíram nas garras comunistas nesse período, entrando em ditaduras duradouras e caóticas, enquanto outras acabaram partindo para uma ditadura de direita, tentando travar os avanços comunistas. E era esse regime, responsável pela morte de cerca de cem milhões de pessoas no mundo todo, que as “vítimas” da ditadura queriam implantar no Brasil à força. Grandes defensores da democracia!

Eis o contexto do “golpe” de 1964 pelos militares, que, na verdade, foi mais um contragolpe. O general Humberto de Alencar Castello Branco era chefe do Estado-Maior do Exército, e fora um respeitado chefe da seção de operações da Força Expedicionária Brasileira. Assumiu o comando da nação, fazendo um governo decente. Preparou as bases que permitiram o “milagre econômico” posterior. Não vem ao caso analisar os anos da ditadura em si, que foram péssimos para o país, com a exceção desses primeiros comandados por Castello Branco, que pretendia inclusive anunciar eleições democráticas rapidamente.

A ditadura acabou sendo um exemplo do positivismo de Comte, com bastante interferência do Estado. Geisel, não por acaso o ditador mais admirado pela esquerda, criou dezenas de estatais. A ditadura não teve nada de liberal em economia, e a colocam à direita no espectro político apenas por ter combatido a esquerda radical dos comunistas. Mas nenhuma similaridade pode ser encontrada entre os militares e uma Margareth Thatcher, por exemplo, que representa a direita e que possibilitou enormes avanços para a Inglaterra, que estava caminhando rapidamente rumo ao fracasso com medidas socialistas. Como o próprio Roberto Campos reconheceu, “o erro dos militares foi não terem feito a abertura econômica antes da política; o erro dos civis foi, depois da abertura política, praticarem uma fechadura econômica”. O Brasil simplesmente não experimentou as graças do liberalismo.

Após a reação dos militares, com forte apoio popular na época, que culminou no “golpe” de 64, os comunistas intensificaram alguns ataques. Como os primeiros anos não foram na “linha dura”, os radicais de esquerda perpetraram ações que incluíram assassinatos e seqüestros, como o do embaixador americano, o que acabou provocando o agravamento brutal da repressão, que chegou a partir do Ato Institucional nº 5. Antes da assinatura do AI-5, já estavam no currículo desses terroristas o assassinato de pessoas como o Major do Exército da então Alemanha Ocidental, Edward Von Westernhagen, no primeiro dia de julho de 1968, e do Capitão do Exército norte-americano Charles Rodney Chandler, em São Paulo, no dia 12 de outubro de 1968.

Um dos grupos que defendia essa guinada violenta era o Agrupamento Revolucionário de São Paulo, inspirada em Carlos Marighela, que havia redigido o “Manual do Guerrilheiro Urbano”. Em 21 de junho de 1968, na chamada “Sexta-feira Sangrenta”, ocorreu um confronto ininterrupto que resultaria em centenas de feridos, 23 pessoas baleadas e quatro mortos, incluindo um soldado da PM atingido por um tijolo. Tentaram arrombar também as portas da agência do Citibank, símbolo do “imperialismo ianque”, e jogaram vários coquetéis Molotov na sede do jornal O Estado de São Paulo. O AI-5 foi assinado apenas em 13 de dezembro de 1968, como resposta aos crimes bárbaros cometidos pelos comunistas. O povo inocente pagou o preço.

Não obstante esse contexto envolvendo os acontecimentos da década de 1960, a esquerda que lutava pelo modelo comunista ainda tenta monopolizar a moral, se colocando como vítima indefesa de autoritários opressores. Qualquer ditadura merece ser criticada. Mas criticar nossa ditadura não é o mesmo que inocentar os comunistas, que brigavam por outra ditadura muito pior. Roberto Campos concluiu: “Comparados ao carniceiro profissional do Caribe, os militares brasileiros parecem escoteiros destreinados apartando um conflito de subúrbio...” O mais revoltante mesmo, é ver esses defensores de Fidel Castro condenando a nossa ditadura e ganhando rios de dinheiro, extraídos na marra do povo, somente por terem sofrido num combate onde representavam o pior lado do ponto de vista moral: o lado comunista.

14 comentários:

Marcelo Werlang de Assis disse...

Se não fossem os militares, que depuseram Jango, o filhote político do horrendo Getúlio Vargas, provavelmente ainda hoje estaríamos sendo "maravilhados" pelo Bem Comum. Jango, que, assim como Fidel, se posava de bom moço, simplesmente queria cubanizar o Brasil, tornando o povo brasileiro mero escravo de um governo opressor (aliás, quando é que um governo não é opressor? Afinal, como Mises nos ensina, ele "é essencialmente a negação da liberdade"). Os militares realizaram muitos atos semelhantes àqueles que os esquerdistas pretendiam, como as estatizações e o crescimento da intervenção estatal na vida das pessoas. Mas seu regime ditatorial, de fato, foi moleza perto daquele que se instauraria com Jango, a mais perfeita cria varguista já forjada, e com Brizola, o qual facilitou o aumento do poder do tráfico no RJ ao fechar as favelas à ação da polícia. Ainda bem que esse aí está morto. Sou gaúcho e tenho muita vergonha desse trio (Vargas, Jango e Brizola). Só trouxeram problemas ao País.
Bem Comum = Escravidão plena e completa. Eis o verdadeiro sentido da expressão. O Bem Comum, de acordo com as maravilhosas palavras de Mises, "holds the individual in tight rein from the womb to the
tomb".
Abraços!
M.W.A.

Unknown disse...

A Ditadura foi uma desgraça mas, dado o contexto, foi um tiro de raspão perto do suicídio que Brasil faria se deixasse comunistas no poder. Haviam reformas nos planos do governo mas a situação era insustentável, as forças políticas eram intratáveis e a corrupção era generalizada.

Pela primeira vez, concordo num texto teu.

Thiago - Economia Brasileira

Unknown disse...

Caro Constantino, contrapor os fatos históricos com uma outra história, imaginada e hipotética, não é uma metologia válida para análise dos eventos passados. Esse é um erro comum na análise da ditadura no Brasil: contrapor a ditadura que tivemos com uma suposta ditadura comunista inevitável, única alternativa no cenário criado.

Não podemos comparar aquilo que foi com aquilo que não foi. Não conhecemos o não foi. Comprar essa idéia é cair na propaganda que o golpe fazia, e que, como você explica com clareza, instaurou um Estado centralista, autoritário, burocrático, atrasado e tudo mais. Mas não esqueça que os piores estatistas de hoje fazem a mesma comparação entre os fatos concretos e aquilo que não foi: "não fosse o grande líder Lula, o país continuaria crescendo a 0,5% ao ano".

Outras considerações:

1) a esquerda só se radicalizou realmente depois do golpe, e em razão dele. Não que não tivessem delírios estalinistas antes. Tinham. Mas eram imagens infantis ou bandeiras para praticarem alguma forma do bom e velho peleguismo. Esse alarmismo funcionou bem na época, mas não era bem assim. Onde estavam bem organizados os comunistas elegeram deputados, como Jorge Amado por exemplo. O comunista Jorge Amado no congresso é testamento do caráter dos comunistas antes do golpe: eram mansos, integrados no "jogo burguês da democracia", apoiavam governos e vibravam com baboseiras do tipo "o petróleo é nosso".

Não esqueça que a "ameaça comunista" também foi instrumental para que Getúlio Vargas chegasse ao poder.

O radicalismo comunista era muito limitado e mal organizado antes do golpe. Existia, mas uma parte fazia o jogo dos governos da hora, outra parte o jogo das eleitoreiro, outra parte era até getulista, etc. 1964 endureceu a esquerda.

2) Essa ditadura que supostamente afastou o comunismo tornou, por outro lado, quase inevitável a chegada do PT ao poder. Dê uma olhada no mundo. É claramente visível na América Latina: o estatismo populista, oportunista como é, ocupou os espaços nas democracias jovens.

O endurecimento da esquerda em 1964 criou o exército de Dilmas que vai tocar o país a partir de agora.

Creio que a causa liberal no Brasil vai continuar indo muito mal se nossos liberais defenderem a tese do "contragolpe" e da ditadura que nos salvou do comunismo. Lembre Rothbard: a aliança entre conservadores e liberais no século XX foi desastrosa para o liberalismo radical.

E finalmente, acredito que perdemos uma chance com a passagem de Roberto Campos com Castello Branco, é verdade, mas as forças estatizantes e retrógradas dentro eram fortes demais, o que mostra claramente o caráter do regime. Se for para escolher passados hipotéticos, escolho imaginar o cenário de um jogo democrático frágil, mas onde JK volta ao poder, e mesmo com todo o desenvolvimentismo, ele seria melhor do que aquilo que tivemos.

Não afirmo aqui que o golpe aconteceu no vácuo. Existia o contexto da Guerra Fria. Mas proponho a discussão, ao invés das suposições históricas.

Acid Nietzsche disse...

Hume, o filósofo empirista, ensinava que não há certeza alguma para afirmar que o sol se levantará amanhã. De fato, não temos como afirmar, sem sombra de dúvida, que algo que aconteceu antes, venha a se repetir. Alguma variável que ainda desconhecemos pode surgir e o resultado, que sempre se repetiu, pode mudar.
Contudo, diante dessa impossibilidade de se conhecer absolutamente o futuro, nossa espécie prefere confiar na experiência vinda daquilo que já se observou. Por exemplo, se já vimos pessoas morrerem por veneno de alguma serpente, com certeza evitaremos ser enoculados por tal peçonha.
De igual modo, era de conhecimento nos anos 60 a situação em que ficavam os povos submetidos aos regimes comunistas: perda de liberdades e direitos naturais e positivos, escravidão e genocídio.
Com a ameaça de uma infecção comunista já dentro de nossas artérias, o mais sensato por parte dos nossos anticorpos, as forças armadas, não seria “esperar para ver” se o vírus era inócuo, mas se valer da experiência e erradicá-lo o quanto antes.
Não se tratou de um golpe, mas de um contragolpe.
Quanto às seqüelas do governo de exceção, comparo com o mal necessário de uma radioquimioterapia como opção de cura a um câncer fatal.

Rubens disse...

Comparar um fenômeno da ciências naturais com o estudo da ação humana mostra que você não sabe do que estamos falando.

A ação humana não é regida por certezas que a ciência positivista e empirista possa apreender, até mesmo porque não existem leis do desenvolvimento histórico. Nesse caso, só o rigor lógico pode gerir nossos julgamentos sobre como agir.

Rodrigo Constantino, como leitor de Mises que é, está a par dos avanços da praxeologia, e meu comentário sugere que ele também se mantenha cético em relação à metologia tradicional de causa e efeito quando tratamos do homem.

Não tenho nenhum problema com o revisionismo histórico, ao contrário, acho prática saudável de uma sociedade livre, mas no contexto de um blog que discute teoria austríaca sua argumentação sobre o "nascer do sol", "confiar na experiência vinda daquilo que já se observou" ou "pessoas morrerem por veneno de alguma serpente" está fora de lugar.

Qualquer leitura da história e das estatísticas pode resultar nas conclusões que cada um quiser, como mostrou Mises. Daí o extremo cuidado necessário com todas as disciplinas que envolvem a ação humana. O empirismo é uma péssima escolha metodológica não apenas na economia, mas também neste caso onde a análise objetiva é obscurecida. Um enorme esforço de anti-história apenas para que se possa discordar dos pobres petistas em mais um caso, provocando-os com a afirmação de que "a ditadura foi necessária".

Um libertário que defende uma ditadura estatista como um mal necessário é o pior libertário possível — pois está falido ao mesmo nos tempo em sua metodologia, seu caráter, sua auto-avaliação e nesse caso, também na mera análise racional dos fatos históricos.

Essa posição é tão desastrosa para quem defende as liberdades que o Brasil teria mesmo que criá-la, ou correríamos o risco de avançar rumo à uma verdadeira teoria da liberdade econômica e individual aqui nos trópicos.

Acid Nietzsche disse...

Resposta a Rubens
O autor do blog, Rodrigo Constantino, apresenta-se na home page como alguém com “idéias de um pensador independente e libertário”. Pensamento independente significa que não há um pré-requisito no blog para que pensemos somente nos moldes de Mises ou de quem quer que seja. O blog pode discutir em alguns casos a teoria da escola austríaca, mas com certeza esse não é o único objeto de reflexão, nem o é do texto em questão. Querer refutar-me com a acusação “você não sabe do que estamos falando” é pressupor que participo do blog tendo que seguir suas escolhas de formadores de opinião, no caso Mises. Não é de Mises que trata o texto de Constantino, por que então teria de abordá-lo para “saber do que estamos falando”, como você disse. Sem dúvida o economista ucraniano faz parte do rol dos homens notáveis, mas sua obra não basta para explicar tudo. Os marxistas usam a obra de Marx como filtro para todos os assuntos: política, economia, história, sociologia, etc.. É a tal versão marxista dos fatos. Sabemos no que dá.
Pinçar extratos do meu texto ("nascer do sol", "confiar na experiência vinda daquilo que já se observou" ou "pessoas morrerem por veneno de alguma serpente") e a seguir finalizar com “está fora de lugar” nada demonstra a não ser que você tirou algo do contexto e deixou fora do contexto. Posso fazer o mesmo com pedaços do seu texto, e tornar tudo muito cômico, mas a que isso leva?
Pretender “puxar” o autor do blog para uma conversa particular (”Rodrigo Constantino, como leitor de Mises que é, está a par dos avanços da praxeologia, e meu comentário sugere que ele também se mantenha cético em relação à metologia tradicional de causa e efeito quando tratamos do homem.”) não faz sentido se você pretende refutar meus argumentos, como tentou. Melhor seria ignorar-me, então. Quando você diz “não sabe do que estamos falando” e “Rodrigo e eu sabemos” faz parecer que alguém que discorda de você merece ser tratado como um intruso e néscio neste blog. Isso não só não é argumento, como expõe deselegância intelectual. Existe um blog de um astrólogo que se diz filósofo, cujos seguidores, à semelhança de seu mestre, respondem com palavrões e ofensas a qualquer um que ouse discordar do que lá se afirma. Não foi o caso, aqui, mas a falta de argumentação chegou bem próxima.
Você diz: “O empirismo é uma péssima escolha metodológica não apenas na economia, mas também neste caso onde a análise objetiva é obscurecida. Um enorme esforço de anti-história apenas para que se possa discordar dos pobres petistas em mais um caso, provocando-os com a afirmação de que "a ditadura foi necessária". Uma leitura com atenção de sua parte bastaria para compreender que em nenhum momento usei o empirismo de Hume como metodologia ou análise, pelo contrário, disse que apesar do filósofo dizer que não podemos ter certeza de que algo que já aconteceu aconteça novamente, os homens tomam como certo a ocorrência daquilo que sempre se repetiu. Há milênios o sol nasce todas as manhãs, por que duvidar que hoje seja diferente? Todos que trabalhamos e levantamos cedo colocamos o despertador para tocar. Por que fazemos isso se não temos certeza de que amanhecerá? Se conhecemos o mal letal que um réptil venenoso já causou em outras pessoas, seria sensato o evitarmos ou deixarmos que nos morda? De igual modo, conhecendo a intenção clara dos comunistas, os quais estavam sendo orquestrados por Moscou, a partir de Havana, seria sensato que as forças armadas deixassem que eles tomassem o poder e implantassem seu regime, somente para depois tomarem uma atitude? Os mentores dos nossos comunistas tupiniquins cometeram os crimes de escravidão e genocídio sobre suas próprias populações. O que o faz achar que aqui seria diferente? Você pensa que poderia convencer àqueles comunistas pregando-lhes Mises? Eu afirmo que não, pelo fato de o comunismo rejeitar doutrinariamente as liberdades individuais e a democracia. Diante do contexto da guerra fria, só lamento não ter ninguém como você em 64 que desse talvez uma nobre contribuição ao Brasil dissuadindo os comunistas e amainando os ânimos das forças armadas, e hoje eu não seria acusado por você de “pior libertário possível”.
Seja como for, hoje gozamos de uma democracia e nada impede que você vá além das palavras e coloque em ação uma verdadeira teoria da liberdade econômica e individual aqui nos trópicos, como citou. Esteja certo que o apoiarei.

Rubens disse...

Não respondi com tantas ofensas como você faz parecer, me comparando até com seguidores do astrólogo — meu comentário não era nada que qualquer adulto não possa encarar, sejamos francos. Mas deixemos as provocações à parte, minhas e suas, que perdemos menos tempo e energia assim. Você diz que o Brasil teria passado inevitavelmente por uma ditadura comunista não fosse o golpe militar. Você não considera: 1) que essa hipótese é confortável demais para quem estava interessado em dar um golpe de estado, ou já se deu conta de como a histeria da ameaça comunista foi usada tantas vezes para justificar um outro ataque às liberdades? Não lhe parece um pouco ingênua a pergunta sobre se "seria sensato que as forças armadas deixassem que eles tomassem o poder", como se quem toma o poder não tivesse interesse no poder para seus próprios fins?

2) Considerações metológicas de lado, você compara o repetido nascer do Sol com os supostos repetidos golpes militares comunistas, inevitáveis, algo quase óbvio. Estivesse você certo, pelo menos um punhado de países latino americanos teriam se tornado repúblicas marxistas. Mas não, apenas Cuba, pequeno país de história muito específica, cuja revolução até só transformou em comunista por influência soviética direta: Havana nunca foi nada na ordem do dia, só um sonho para a esquerda e uma beleza pra quem precisa de uma base de mísseis. E os outros países comunistas? Dezenas de "revoluções proletárias" promovidas por terroristas internos? Não, isso só o que os próprios comunistas gostam de acreditar em seus sonhos febris de "revolução autêntica". No leste europeu, o comunismo foi instaurado pelo expansionismo militar soviético, resultado da Segunda Guerra; para além da Europa, o regime soviético só agiu em fracas nações próximas onde também praticava o imperialismo por força bruta. China, Vietnã? Da mesma forma, nações cujos regimes estavam de joelhos após a Segunda Guerra.

Quero entender onde é que uma sanguinária revolução comunista no Brasil era inevitável — como expliquei num comentário anterior, é importante observar até mesmo condição do Partido Comunista daqui para entender em que pé estávamos. Não seria nem mesmo preciso "dissuadir e amainar" a maior parte dos nossos comunistas, como você sugere que eu faria, pois eram todos pelegos, getulistas ou seguiam outras figuras carismáticas nacionalistas, já dei de exemplo que no meio disso havia até uma figura como Jorge Amado. Só depois do golpe, aí sim, se radicalizaram, e o resultado foi triste: criou essa esquerda que governa o Brasil hoje.

Antonio Álvaro disse...

Perfeita a análise do Rubens.

Acid Nietzsche disse...

A questão que lhe parece ingênua pode igualmente ter uma conclusão ingênua, mas verdadeira: as forças armadas brasileiras agindo apenas depois do golpe comunista teriam que lidar com uma condição muito mais cruenta, senão vejamos como o monstro estava crescendo.

Como podemos nos lembrar, se a idade permite, ou então saber, por pesquisas posteriores, a América Latina só não se tornou uma constelação de republiquetas marxistas devido à reação militar em cada um dos países assediados, pois nos lugares onde os comunistas se assentaram, não no governo, mas no poder, repetiram o binômio escravidão e genocídio. A causa da reação militar, no caso brasileiro, deu-se num pano de fundo que tem início em 1959, com o golpe de estado em Cuba, sua vassalagem à Moscou, e principalmente ao banho de sangue que se seguiu na ilha, tanto internamente, como com a posterior exportação de sua “revolução”, por meio de formação de guerrilheiros e terroristas, treinados por instrutores da URSS. Se podemos dar crédito aos jornais da época, o primeiro alvo cobiçado foi a Venezuela, por causa do petróleo. O segundo o Brasil, tido como estratégico por conta de sua industrialização e principalmente por ser o detentor do maior obstáculo para o plano soviético na AL: nossas forças armadas.

Nesse mesmo período o setor de Desinformatziya da KGB passa a focalizar o nosso continente latino, atacando-o com sua produção mentirosa, como a preparar o que viria a seguir.
Dois anos depois, com a renúncia do presidente, seu vice, o “Jango” declara aos chineses, em uma visita àquele país suas intenções de implantar o socialismo no Brasil, assim que voltasse. Enquanto isso, aqui, Leonel Brizola, cunhado do vice, então governo do RS, força uma guerra civil e chega, com sua “Cadeia da Legalidade”, a recrutar àqueles que se dispusessem a pegar em armas pela causa. A seguir, Brizola volta à carga ameaçando o uso de força para o fechamento do Congresso, caso as reformas de base não passassem. Prestes apregoava serenamente que os comunistas tomariam o poder a qualquer momento.
Um plano detalhado de tomada de poder e implantação de um regime aos moldes maoístas foi esboçado pelo grupo ao qual pertencia o santo Betinho, aquele garoto propaganda do tal “Fome Zero”.

Em 63, em meio a invasões de terras com aval de governos socialistas, agitações estudantis com pregação de golpe, grupos subversivos abastecem-se com armamento checo, e os chamados “aparelhos” vão se armando.
Para 64 estava reservada uma sucessão de eventos, contando inclusive com subversivos pertencentes às próprias forças armadas. A idéia era o fechamento do congresso, por meio do apoio popular, seguido por um golpe.

Em passeatas civis o povo apoiou o Congresso e exigiu um termo à situação caótica. Exemplos da situação em que se encontravam os povos de países quedados pelo comunismo não faltavam.
Diante de tudo isso as forças armadas podiam optar por agir ou não. Conhecemos a decisão.

Hoje, em 2009, nos é facílimo maldizer os integrantes da junta militar do governo de exceção. Podemos usar esse ou aquele pensador humanista ou pacifista, nos apropriarmos de seus métodos de análise histórica e sentenciarmos as forças armadas a uma das câmaras infernais descritas por Dante.
Mas o contragolpe teve motivo. Concordo com você com a condição do PC daqueles dias, nas não é dele que se trata e nem do patético arremedo de comunista como Jorge Amado. Amado, Niemeyr, Buarque, e tantos outros foram e são “comunistas” que não abrem mão das benesses capitalistas. Falo daquela gente que matou, seqüestrou, torturou, roubou e explodiu. Daquela mesma gente que já estava lá, e que criaria mais de cem “aparelhos”.
Gente essa que em seus manifestos nunca citou “democracia”, mas leninismo, stalinismo, trotskismo, maoísmo, e que principalmente, defendia os meios cruéis de seus mentores: Mao, Fidel, Pol Pot e outros. Com esse tipo de gente à espreita, fortalecendo-se a cada dia, não fazer nada não era opção.

Se a História não bastar, despeço-me e deixo-o no conforto de suas leituras.

Maristela Simonin disse...

Muito boa sua análise, Rodrigo. Eu estava entrando na faculdade de direito em 1968 e posso testemunhar que a Ditadura, como toda ditadura, agiu de forma cruel com seus opositores, mas a realidade do mundo naquela época era essa mesmo: dois blocos - o Ocidente liderado pelos EUA, e os comunistas russos do outro lado, adeptos do totalitarismo político e do estatismo econômico. As ditaduras na AL espelhavam o medo que os EUA e cidadãos latino-americanos tinham das ditaduras comunistas que a URSS queria impor aqui através do seu preposto Fidel Castro. Realmente, as ditaduras na AL eram estatistas tb na economia, à semelhança dos modelos socialistas; e os movimentos radicais de esquerda, que lutavam pra trocar uma ditadura por outra, eram financiados (há muitas provas disso) pela URSS, via Fidel. Qdo. em 1989 caiu o mundo de Berlim, Fidel apavorou-se. Estava isolado. Então, quando em 1990 a URSS se diluiu, ele não teve dúvida: convocou Lula, desfez formalmente a Tricontinental e fundaram juntos o famigerado FORO DE SÃO PAULO, cuja solidariedade entre os membros (onde se incluem as Farcs, hoje representadas no Foro pelo partido comunista colombiano)já conseguiu eleger mais de dez chefes de Estado na AL. Entre eles, o Brasil.
A propósito, Rodrigo, por que vc não escreve um artigo bem atual sobre o FORO DE SÃO PAULO? Seria de grande interesse para os democratas brasileiros.
Maristela.
(reenviado com correções)

Núbia Tavares disse...

Já que estamos falando de suposição, na época da ditadura seria possível escrever um artigo criticando a política economica estatista? Creio que não. Ou seja, se tivéssemos liberais como hoje na época, teríamos sofrido a mesma repressão que a esquerda sofreu e que também sofreríamos se a esquerda tivesse implantado uma ditadura comunista. Ou seja, tanto o golpe de lá quanto o de cá eram golpes e não tinham nenhuma diferença entre si.

Júlio Cezar disse...

A História baseada em fatos é indiscutível. A memória baseada na história é fonte de conhecimento e informação para construções no presente.
Nenhum teórico prescinde da história (pesquisa) seja técnica ou humana. Não podemos estimar nada com certeza pois o futuro ainda não ocorreu. O que podemos é planejar o futuro que desejamos, a partir do conhecimento que possuímos no presente, que se solidificou nas experiências, consequências e fatos que tivemos e observamos no passado.
As decisões são tomadas por poucos mas sustentadas por muitos. A força só é legítima quando há igualdade de poder. Não podemos aceitar uma ditadura das minorias baseada no poder. O povo brasileiro, mesmo sem educação (no sentido mais amplo da palavra) tem uma característica pacífica e cordata no seu gene. Não se enquadra em nenhum dos aspectos políticos/partidários em voga hoje.
A revolução de 31 de março de 1964 foi um produto do momento histórico vivido no país. Seus desdobramentos foram vários e deles podemos elencar coisas boas e ruins. Espanta é ver todas as coisas ruins da revolução serem propaladas aos sete ventos sem nenhuma contrapartida. As coisas boas não aparecem na mesma intensidade. O temor pelo enfraquecimento da luta é notável. A luta só se justifica pelo bem comum e não pelo das minorias com o poder. A revolução Cubana, em pele de cordeiro, defendia o bem comum e venceu. No poder, despiu-se da pele de cordeiro e como lobo eliminou a liberdade e a opinião da maioria. Hoje, prevalece a minoria.
A revolução de 31 de março de 1964 iniciou-se buscando a manutenção da liberdade do povo. O General Castelo Branco, o último Estadista brasileiro, não conseguiu concretizar o objetivo libertário da revolução, subjugado que foi pelas forças de extrema direita e pela corrupção que à época tinham se escondido da ação revolucionária. Hoje prevalece a corrupção tal qual antes de 64, pois, na época, a ameaça de um regime ditatorial comunista, era maior e recebeu toda a carga antagônica da revolução. A corrupção escapou e floresceu como erva daninha, que hoje ameaça ao Povo do Brasil, suas instituições e a LIBERDADE.

Unknown disse...

O numero de estatais saltou de 4 (Petrobras, Chesf, Vale, BNDES...) para 500 no pós 64.

Muito estatizante o periodo. Os milicos tinham uma ideologia bastante antiliberal em diversos pontos, esguiana.

Muito da estatização deste periodo decorreu da conversão de dividas fiscais ou crediticias em participaçoes acionárias do BNDES. Foi "socialização de prejuizos" ou politicas de custos difusos e beneficios concentrados, num outro jargão.

O mais grave da intervenção militar não foi nem tanto no campo economico, mas no campo politico: eles encorajaram a formação do PT como um meio de desidratar os comunistas em ascensão dentre o chamado "novo sindicalismo" do ABC Paulista. Isso é fartamente sabido e documentado por autores como E. Gaspari, Neumanne Pinto, A. Garnero...

Golbery tinha imensa admiração pelo paraibinha obstinado Lula, e a admiração era reciproca. Eles queriam evitar a todo custo a fusão do MDB com aquilo que viria a ser a CUT. Aquela foi a derradeira cartada.

Foram efeitos colaterais. Isto é muito comum tanto na politica quanto a economica porquanto a cognição dos agentes é limitada e sua visualização das alternativas e das decorrencias delas é restrito. O que os milicos fizeram não foi assim planejado de modo assim tão estratégico e sofisticado, exceto a agenda esguiana de reformas. O restante foi e se deu por força de circunstancias fortuitas e imprevisiveis.

Anônimo disse...

Lula não é o ignorante que muitos pensam, senão vejamos: Lula passou em 1968 pelo IADESIL (Instituto Americano de Desenvolvimento do Sindicalismo Livre), escola de doutrinação mantida desde 1963 em São Paulo pelos norte-americanos da ALF-CIO (American Federation of Labor Congresso Industrial Organization), que surgiu em 1955 e é a maior Central Sindical dos EEUU. Tanto a IADESIL como a ALF-CIO ministram cursos contra-revolucionarios de liderança sindical. Lula aproximou-se dos militares por intermédio do empresário Paulo Villares (Indústrias Villares). Posteriormente, em 1972/73, fez um Curso de Sindicalismo na Johns Hopkins University, em Baltimore, nos EEUU. Isso foi registrado no livro “Jogo Duro”, de Mario Garnero, e nunca foi desmentido, por Lula e o PT. Lula, uma liderança criada pelo general Golbery. http://www.tribunadaimprensa.com.br/?p=41907