Uma visão menos europeia da nova zona do euro
Financial Times, tradução e publicação do Valor
A França deveria facilitar para as empresas a tarefa de demitir funcionários. Os impostos cobrados pela Alemanha dos trabalhadores de baixa e média renda são altos demais. A Bélgica deveria tornar mais fácil para os varejistas aumentarem seu horário de funcionamento. As empresas italianas precisam ter maior acesso ao capital de risco.
A zona do euro recomendada pela Comissão Europeia (CE), o braço executivo da União Europeia, em uma série de relatórios específicos por país e publicada ontem, teria uma aparência muito diferente da zona do euro de apenas alguns anos atrás.
Os sistemas de aposentadoria e pensão teriam a idade mínima para aposentadoria elevada. Setores há muito protegidos seriam desregulamentados. Os aumentos salariais garantidos, extensa e penosamente negociados pelos sindicatos, seriam renegociados.
Em outras palavras, o modelo ou modelos para a economia da zona do euro teriam uma aparência muito menos europeia.
"O que estamos fazendo hoje é parte de nossa reação à crise, que teve caráter mundial, mas cujos severos efeitos foram, sobretudo, locais", disse José Manuel Barroso, presidente da CE. "Estou muito confiante de que esse exercício de fato imponha uma importante mudança na maneira pela qual nós, da União Europeia, fazemos política econômica."
A CE, sediada em Bruxelas, tentou nos últimos dez anos levar os países-membros da UE a liberalizar sua economia, reduzir os gastos e reformular a política tributária - um processo que assumiu maior premência depois da crise financeira -, mas com um efeito apenas limitado.
Os críticos dos esforços da CE argumentaram que esses preceitos de Bruxelas não apenas são sistematicamente ignorados mas também são parte de uma investida dos partidos políticos de centro-direita com objetivo de empregar o braço executivo, teoricamente tecnocrata, para aprovar políticas que coincidem com a sua visão de mundo.
É pouco provável que a queda de braço política arrefeça, principalmente tendo em vista que Barroso - ex-premiê de centro-direita de Portugal - e a maioria dos dirigentes nacionais dos maiores países da zona do euro provêm da parcela conservadora do espectro político.
Todas as atenções, no entanto, agora estarão voltadas para saber se Bruxelas, pela primeira vez, será capaz de influenciar diretamente a tomada de decisões econômicas nas capitais nacionais.
Os 27 informes divulgados ontem fazem parte do que foi chamado prosaicamente de "Semestre Europeu", um novo processo de seis meses no qual os governos nacionais precisam apresentar seus orçamentos e programas de reformas nacionais à CE de Barroso, para avaliação.
O processo pouco fará para aliviar a crise de dívidas da região do euro, mas, em teoria, evitará a próxima, presumindo que os governos nacionais sejam cuidadosos.
Se as leis sendo negociadas no Parlamento Europeu forem aprovadas, Barroso também terá um novo poder para fazer com que as recomendações sejam cumpridas - uma série de multas e penalidades, que Bruxelas poderá impor aos países que não cumpram as decisões da CE.
Para Jean-Claude Trichet, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), que está deixando o cargo, o novo Semestre Europeu é o início do que poderia ser uma política fiscal centralizada, que muitos economistas acreditam ser essencial para acompanhar uma moeda única.
Na semana passada, Trichet sugeriu que a UE criasse um Ministério das Finanças único. E deixou claro que o novo processo de fiscalização do orçamento e a lei que o acompanha dando a Bruxelas autoridade para aplicar multas, poderia ser o veículo para alcançar isso.
"Esse é o meio para permitir que todos os países colham os benefícios integrais da moeda única", disse Trichet. "E proíbe países de promover políticas que prejudiquem eles e a região do euro como um todo."
Conseguir esse objetivo agora está nas mãos dos próprios 27 países da UE. Embora Barroso possa recomendar mudanças, cabe ao Conselho Europeu endossar as conclusões em seu encontro marcado para daqui a duas semanas.
Os líderes nacionais poderiam optar por diluir as recomendações. E os Parlamentos nacionais poderiam ignorar as recomendações. Mas, na opinião de vários altos diplomatas em Bruxelas, a UE, pela primeira vez, tem chances sérias de impor sua vontade econômica a todos os países-membros.
Um comentário:
Um dado interessante da Economist para complementar seu post.
Há 10 anos, metade dos 27 países da União Europeia (incluindo Reino Unido e Alemanha) eram governados por partidos de esquerda.
Hoje são apenas 5 (Espanha, Grécia, Áustria, Eslovênia e Chipre). E tudo indica que os socialistas do PSOE também cairão na Espanha no ano que vem.
Link: http://www.economist.com/blogs/dailychart/2011/06/europes-left
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