Rodrigo Constantino, Valor Econômico (Palavra do Gestor)
Os investidores voltaram sua atenção para a Itália, causando nova rodada de estresse nos mercados. A situação na Europa ainda é insustentável, e qualquer dado negativo desperta novamente o mau humor dos investidores. Uma renegociação da dívida grega é apenas questão de tempo, e cada novo dia ganho pelos políticos representa um passo a mais na direção do inevitável.
O mal que assola a região apresenta variações sobre o mesmo tema. Governos irresponsáveis tiveram que resgatar um setor financeiro em frangalhos após uma bolha de crédito, o que tornou as finanças públicas ainda mais assombrosas. Carga tributária elevada, burocracia asfixiante, baixa competitividade, inúmeros privilégios criados pelo Estado social, e ainda explode uma crise financeira no colo de governos populistas. A combinação é terrível demais.
Primeiro a Grécia, depois Irlanda e Portugal. Mas muitos ainda com a esperança de que o estrago seria restrito a estas economias menores. A Espanha já vem tirando o sono dos investidores há meses, mas poucos falavam da Itália (e ninguém fala ainda da França). Acontece que a Itália possui, depois da Grécia, o maior endividamento público em relação ao PIB na região. São 120% de dívida sobre o PIB. Como metade desta dívida está no próprio mercado local, e o déficit fiscal foi de “apenas” 5% do PIB em 2010, os investidores preferiram focar em países com situação mais grave.
Agora não mais. “Ninguém pode usar uma máscara por muito tempo: o fingimento retorna rápido à sua própria natureza”, alertava Sêneca. A Itália entrou no radar dos investidores, e, ao se esmiuçar seus números, o arrepio é automático. Além do gigantesco tamanho de sua dívida, os vencimentos próximos criam a necessidade de rolagem num mercado cada vez mais debilitado.
O Banco Central Europeu parece perto do seu limite para absorver os títulos podres que o mercado rejeita. Já faz tempo que o óbito do ortodoxo Bundesbank foi decretado. Só que o tamanho da dívida italiana cria um risco sistêmico. Uma coisa é Grécia, ou mesmo Portugal; outra, bem diferente, é a Itália com seus quase dois trilhões de euros em títulos!
Para piorar, os bancos estrangeiros possuem quase um trilhão de euros em títulos italianos. É a maior exposição da região, seguida pela Espanha. E os dois maiores bancos italianos possuem ativos de 1,6 trilhões de euros, para um patrimônio de apenas 125 bilhões de euros. Se a aversão ao risco continuar, haverá necessidade de aumento de capital em breve.
O BCE não pode ser o eterno depósito de lixo dos bancos europeus. Os pagadores de impostos em algum momento se revoltarão de forma mais dura. Se, por um lado, os alemães não querem mais bancar a farra dos países irresponsáveis, por outro lado os cidadãos destes países não querem aceitar ajustes dolorosos. A magnitude da necessidade do ajuste fiscal chegou a um patamar tão elevado que choques sociais parecem inevitáveis. E os políticos optaram por empurrar o problema com a barriga, o que apenas amplia a necessidade de ajustes futuros.
Com este cenário tão sombrio, um ativo parece fora de preço: o euro. Duas possíveis explicações vêm à mente: primeiro, a compra pela China, em busca de diversificação ou manipulação monetária para manter sua competitividade vis-à-vis seus concorrentes europeus; segundo, o fato de que o denominador é o dólar, outra moeda enfraquecida por problemas similares. Os dados mais fracos da economia americana e o discurso sempre “dovish” do presidente do Fed não ajudam.
O diferencial de juros também favorece a Europa. O problema é quando a preocupação deixa de ser com o retorno sobre o capital e passa a ser com o retorno do capital. Neste caso, o pequeno diferencial de juros perde importância relativa. E quando o quadro geral é de “risk-off”, a corrida ainda é para o dólar, além do ouro, claro.
No último artigo neste espaço, questionei se era finalmente o momento de adicionar risco na bolsa brasileira, concluindo que sim, a despeito dos problemas econômicos e políticos do país. O mais importante para o investidor do Ibovespa é acertar o futuro da China. Se esta evitar o “hard landing”, então a compra perto dos 60 mil pontos parece atraente. E o último dado do crescimento chinês reforça a visão otimista.
Mas creio ser crucial buscar proteção contra catástrofes neste ambiente. Sendo a Europa o grande calcanhar de Aquiles no momento, acredito que a venda do euro neste patamar pode ser um bom “hedge”. O risco, no curtíssimo prazo, é o Congresso americano não aprovar o aumento do “debt ceiling”.
2 comentários:
Quero fazer apenas um pequeno comentário sobre a avaliação de Rodrigo, no pertinente ao pagamento das dívidas contraídas pelos diversos países europeus junto ao sistema financeiro internacional, representado por diversos bancos não só europeus, mas de todo o mundo.
A situação financeira de diversos países realmente é dramática. Antes limitada aos chamados ironicamente pigs (Portugal, Itália, Grécia e Espanha), agora já está a ameaçar a Itália e a própria Alemanha, levantando nuvens cinzentas sobre o futuro da Eurozona e preocupando o mundo todo pelas consequências que podem advir de uma "debâcle" geral.
Não sou especialista sobre o assunto, pois sei apenas (e mal sei)aquilo que nos é repassado pela imprensa, principalmente através de analistas do mercado, como Rodrigo neste blogue.
Até agora, parece-me que o grande problema são os empréstimos tomados em grandes volumes pelos bancos estatais para financiar o "boom" do crescimento europeu nas últimas décadas, principalmente com altíssimos investimentos nas áreas de infraestrutura de transporte e aquisição de moradias nesses países, desavergonhadamente chamados de porcos, querendo lembrar a sujeira que em regra acompanham esses pobres animais, base da alimentação protéica dos europeus.
Interessante é que ninguém diz nada sobre a situação dos países do leste europeu, recém-ingressados na União Européia, para onde foram destinados imensos recurso financeiros para obras de infraestrutura, modernização e moradia, como a República Checa, a Hungria, a Eslováquia, a Eslovênica, a Polônia, as três Repúblicas Bálticas, todas ainda fora da zona do Euro, mas certamente recebendo vultuosos empréstimos em euro, ou quiçá, pela preocupação americana em afastá-los da zona de influência da ex-União Soviética (Rússia) estão bancando em dólares a farra?
A situação desses países, com certeza, é muito pior do que a dos PIGS, com incertezas econômicas de todas espécie trazidas pela Crise Econômica que lá também tem sido avassaladora, tanto que não foram admitidos ainda na zona do euro, certamente em face dos problemas de equilíbrio orçamentário que ainda os inabilitam para se integrarem plenamente na UE.
Concluindo:
Também me é muito estranho que bancos, que desenvolvem uma atividade de maior ou menor risco, não tenham avaliado adequadamente a situação dos tomadores de empréstimo investindo montanhas de euros nesses países. Seguramente houve um erro crasso de avaliação da situação econômica, e, apenas pensando, nos gordos resultados financeiros, não adotaram as cautelas necessárias a que estavam obrigados, para garantia daqueles inocentes úteis que colocaram suas economias nas mãos desses bancos, meros intermediários da farra,mas principais responsáveis pela correta aplicação desses recursos junto a devedores confiáveis. Mas como o dinheiro não é deles, e confiados na garantia dada pelos bancos centrais dos países devedores, meteram a cara na "pocilga", enporcalhando-se todos.
Também não entendo porque é que a população dos países têm de pagar pela farra de empréstimos irresponsáveis, voltada mais para atender as necessidades de turistas alemães, franceses, ingleses e outros nórdicos que se dirigem ao sul para fazer um turismo módico, usando as estruturas construídas com esses recursos fartos, achando que a festa seria eterna, esquecendo-se da ressaca que sempre acompanha esses eventos. E QUE RESSACA!
Quem tem de pagar os empréstimos devem ser os tomadores e se estes estão insolventes, azar dos bancos e, por extensão, daqueles que confiaram na excelência de suas avaliações financeiras.
O custo desses empréstimos são altíssimos e encolhimento da economia européia impossibilita totalmente o respectivo resgate. Ou os bancos reduzem os custos financeiro e reprogramam o pagamento da dívidas em condições razoáveis para os devedores, ou arquem com o prejuízo.
Afinal não deve ser assim, Rodrigo. Porque os Estados têm de se envolver nisso? O mercado mesmo se desinfecciona.
E essa garantia dos bancos centrais termina sendo uma balela, pois se a população do país se revolta e não aceita o arrocho fiscal para geração dos recursos necessários ao pagamento dessas dívidas pelos governos que as garantiram ou assumiram, a questão será resolvida politicamente no âmbito de cada país, a não ser se a OTAN invadir cada um e impor a cota de sacrifício para que o livre-mercado dos bancos internacionais possa continuar a livremente ganhar seu bom dinheirinho à custa de tanta gente otária.
Deixem os bancos executarem as dívidas e retomarem os bens que foram financiados e os revendam e leiloem para aqueles que mais dereme e arquem com o prejuízo e se insolventes peçam a falência.
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