Rodrigo Constantino
“A nossa tragédia
é que não temos um mínimo de autoestima”. Assim resumia de forma seca o
escritor Nelson Rodrigues, aquilo que chamou de “complexo vira-lata” do povo
brasileiro. Por que os brasileiros gostam tanto de depreciar sua própria
história e cultura? Há motivos concretos para esta postura derrotista?
O livro de Aurélio Schommer representa um
trabalho minucioso de pesquisa e reflexão para tentar responder estas questões.
Nele, mitos são derrubados, sem, entretanto, cair no erro contrário de
enaltecer uma realidade distorcida. A história da formação cultural brasileira
é contada com riqueza de detalhes e casos específicos, que servem para ilustrar
a mensagem do autor.
Interesses de grupos organizados e questões
ideológicos representam grandes entraves a uma análise mais isenta de nosso
passado. A visão idílica de “bom selvagem” que transforma os índios em
mentecaptos indolentes, o racialismo que segrega a população de forma
arbitrária, fechando os olhos para nossa mestiçagem, e a visão um tanto
distorcida do valor dos portugueses que aqui chegaram em 1500, prejudicam um
olhar imparcial sobre os fatos.
As características do brasileiro típico podem
ser encaradas como negativas ou positivas, dependendo do ponto de vista. O
brasileiro é amigável ou pacato? Ele é flexível ou acomodado? Tolerante ou
preguiçoso? Muitos pensadores importantes depositaram no clima relevância
enorme para definir os fatores culturais de um povo. Estaria o Brasil fadado
então a este destino tropical de sombra e água fresca?
A Austrália, para ficar em um só exemplo, foi
colônia de prisioneiros, e hoje é um país de primeiro mundo. Cultura evolui. Esta
é uma das principais mensagens do livro. Hábitos e costumes mudam. O Brasil tem
um passado com coisas boas e coisas ruins. Seus principais traços culturais
apresentam um lado positivo e um lado negativo.
A interculturalidade, por exemplo, fruto do
grande "melting pot" pacífico que é nosso país, pode ser um grande
trunfo em um mundo com choque de etnias e religiões. A flexibilidade e o jogo
de cintura podem ser formas adaptativas interessantes se não descambarem para a
malandragem e o jeitinho.
O mais importante de tudo talvez seja
justamente abandonar esta tradição autodepreciativa e passar a assumir a
responsabilidade pelo nosso presente e futuro. Que país teremos 20 anos à
frente? Que país nossos filhos e netos herdarão? Essa resposta depende apenas
daquilo que vamos fazer, de nossas atitudes, e não de um apego excessivo às
origens, em boa parte míticas, que servem como desculpa para nossa negligência
diante de nosso destino.
Este livro funciona como um despertador para
esta dura realidade. Não podemos nos escusar de nossos fracassos com base na
eterna depreciação do povo brasileiro. Isso não é o mesmo que fechar os olhos
para os problemas reais e abraçar um ufanismo boboca. Ao contrário: é preciso
enxergar com clareza aonde residem os problemas, sem, entretanto, fechar os
olhos para os acertos e qualidades.
Há muito que poderia ser mudado com boa
educação e melhores oportunidades. O Brasil não está condenado, seja pelo
clima, seja por suas raízes culturais, a ser o eterno país do futuro. A tarefa
não será fácil. Por isso mesmo está na hora de arregaçar as mangas e começar um
processo acelerado e sustentável de mudanças rumo ao progresso. Isso começa
justamente por deixar de lado este discurso autodepreciativo, esse velho
“complexo vira-lata” espalhado pelo povo brasileiro.
"Nenhum povo é incorrigível”, afirma o
autor. Cultura não é algo fixo e imutável. Sem falar que temos sim aspectos
culturais positivos, como fica claro no decorrer da leitura. Se o livro de
Aurélio servir para resgatar esta herança positiva, derrubando certos mitos
resistentes, e ainda jogar luz sobre os verdadeiros problemas que impedem um
avanço cultural em nosso país, então ele terá cumprido sua função com maestria.
4 comentários:
legal a intenção do autor e sua, mas o problema do brasileiro é justamente a ignorância. livro não vai adiantar muito.brasileiro não lê nada.
Rodrigo,
É uma tese interessante, embora tardia para muitos. A idéia de que não há país ou povo incorrigível é sedutora, embora tenho contra-exemplos ao caso da Austrália: o Egito aguarda um renascimento há mais ou menos três milênios e, a bem da verdade, a Itália ainda não se recuperou da queda do Império Romano.
Pode-se até argumentar que a Itália de hoje não teria muito do que se queixar mas o Egito....patina na lama inapelavelmente e nem há remotos indícios de que possa sair dessa situação.
Parece mesmo uma boa dica de leitura; mas aproveito para me manter no clima do blog e provocar: você falou em educação, por exemplo... como o estado mínimo garantiria o acesso da nossa gente pobre à educação? Ou você admite que é preciso que o estado esteja presente aí?
Aurelio jogava Hattrick ,Fla_Bahia!!
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