Rodrigo Constantino
“A exigência de diploma de curso superior para a prática de jornalismo não está autorizada pela ordem constitucional, pois constitui uma restrição a efetivo exercício da liberdade jornalística.” (Presidente do STF, ministro Gilmar Mendes)
Com quase unanimidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram que o diploma de jornalismo não é obrigatório para exercer a profissão. A maioria dos ministros entendeu que parte do decreto-lei de 1969 era inconstitucional. O ministro Gilmar Mendes chegou a fazer uma analogia com a culinária: “Um excelente chefe de cozinha certamente poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima o Estado a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área”. A obrigatoriedade de diploma nada mais é do que uma reserva de mercado garantida por lei. Derrubá-la, portanto, representa uma conquista da liberdade.
Bob Woodward conseguiu derrubar o presidente Richard Nixon com sua reportagem investigativa sobre o escândalo de “Watergate”. Woodward não tinha diploma de jornalismo. Ele estudou história e literatura inglesa, e enquanto considerava a opção de cursar direito, acabou conseguindo um emprego como repórter no The Washington Post. Mas pela lei brasileira válida até a decisão do STF, Woodward não poderia exercer a profissão de jornalista. Ele não seria considerado apto para a tarefa, por falta de um diploma específico. O mundo perderia um importante jornalista, por um motivo bobo. Existem vários outros casos assim.
Na verdade, muitas pessoas defendem este tipo de regulação estatal, como a obrigatoriedade de diplomas, por desconfiar da capacidade de auto-regulação dos mercados. Há pouca confiança na liberdade por parte desses indivíduos. Ora, quem deve decidir se alguém serve ou não para a função de jornalista, em última instância, são os consumidores. Não é preciso obrigar o uso do filtro universitário. Se a faculdade de jornalismo realmente agregar valor, ela será naturalmente demandada. Inclusive haverá concorrência entre elas, e por isso que um diploma numa boa faculdade não tem o mesmo valor que outro numa faculdade de “botequim”. Mas quem deve julgar isso são os próprios consumidores. Até mesmo os donos de veículos de imprensa dependem, no final do dia, da aprovação desses consumidores. Por isso eles são levados a se preocupar com a qualidade do serviço. E por isso os melhores jornalistas serão mais demandados, com ou sem diploma. É assim que deve ser: liberdade de escolha.
Isso não é válido somente para o jornalismo. Na verdade, qualquer profissão deveria funcionar assim. Essa idéia pode parecer muito radical à primeira vista, mas algumas reflexões mostram que não é o caso. E podemos usar uma das mais importantes profissões, que mexe com a vida das pessoas, para explicar: a medicina. Será que para exercer a função de médico deve ser obrigatório um diploma de medicina? Parece evidente que sim, mas não é tão simples como parece. Se entendermos que cada indivíduo deve ser livre para fazer o que quiser, contanto que não agrida a liberdade alheia, então devemos aceitar que ele é livre até para se prejudicar. E se ele deve ser livre para tanto, ele deve ser livre para escolher os meios que ele deseja atingir tal fim. Logo, se ele quiser fumar, beber, viver no ócio, ele deve ser livre para tanto. E se ele quiser arriscar uma “cura” para uma doença qualquer, através de médiuns, chás “milagrosos” ou até mesmo o Dr. Fritz, ele deve ser livre para isso. Ele não está prejudicando ninguém mais além dele próprio.
Como disse certa vez o ex-presidente americano Ronald Reagan, "os governos existem para nos proteger uns contra os outros; o governo vai além de seus limites quando decide proteger-nos de nós mesmos". Aceitando-se esta premissa razoável, então devemos aceitar também que cada um é livre para se tratar com o “médico” que quiser. O que não deve ser permitido, no entanto, é a fraude, ou seja, alguém alegar ter um diploma que não tem. Mas isso seria crime de qualquer jeito, pois é uma troca calcada na mentira. Mas, se o paciente souber que o “curandeiro” não possui diploma algum, e ainda assim desejar se submeter aos seus tratamentos, assinando um termo de responsabilidade por isso, ninguém deve ter o direito de impedi-lo. Ou tratamos os adultos como seres livres e responsáveis, que devem assumir as rédeas de suas vidas, ou vamos encarar os cidadãos como súditos incapazes que necessitam da tutela estatal para tudo. Esse é o caminho da servidão. Ser livre quer dizer ser livre para cometer graves erros ou correr riscos mortais até.
Logo, vimos que até mesmo no delicado caso da medicina não há necessidade legal de diploma, contanto que os casos de fraude sejam severamente punidos. O leitor pode se perguntar se buscaria um tratamento para uma grave doença com qualquer embusteiro que oferecesse uma cura milagrosa. Acredito que não. E por que então assumir que todos os outros são mentecaptos incapazes de exercer o mesmo tipo de julgamento? Não é uma postura arrogante? Devemos confiar mais na liberdade. Se partirmos da premissa que todos são idiotas facilmente manipuláveis, então não podemos ao mesmo tempo defender o sufrágio universal. A democracia seria incompatível com esta visão dos homens. Afinal, seriam esses mesmos incapazes que estariam escolhendo seus “protetores”. Como conciliar as duas coisas? Como defender a tutela paternalista do governo e a liberdade de escolha desses tutores ao mesmo tempo? Não faz sentido.
Em suma, a decisão do STF representa um passo em direção à liberdade. Mas ainda falta muito. Ainda temos reservas de mercado em várias outras profissões. Ainda temos alistamento militar obrigatório, que trata cidadãos como escravos do governo. Ainda temos voto obrigatório, um disparate numa democracia. E por aí vai. Mas hoje vamos celebrar essa conquista da liberdade.
12 comentários:
Uma pessoa pode enganar a todo mundo, menos a si mesmo, então vamos ser francos:
Quem é a favor de reserva de mercado para quem tem diploma, está apenas gritando que é inseguro e está com medo de perder o seu emprego para uma pessoa sem diploma e mais competente. A verdade é apenas essa, mas claro que podemos apresentar milhões de outros argumentos para isso.
A seguir o rumo de fato da liberdade, cairão os contrangimentos em relação a todos os diplomas. OAB e sindicatos não mais existirão no formato atual. O fato de tal proposição ter nascido no seio da sociedade e ter chegado ao STF ainda é uma afronta cultural ao princípio da liberdade. O fato de um homem com idade muito avançada e dentro de hostes conservadoras e supostamente culturalmente retrógradas ter lançado uma opinião a favor da liberdade individual é um flanco aberto em relação ao futuro, e otimista. Basta explorar o mote e transformá-lo em princípio. Salvar o país depende de encarar a melhor cultura com uma mente adulta.
Exceto os cordeiros do grande pastor, o Estado, que devem acreditar realmente que essas leis sejam benéficas. Por acharem que o indivíduo é incapaz de fazer escolhas "corretas" (seja lá o que eles considerem correto).
Esta decisão foi bastante positiva. É um passo a mais para o Brasil se afastar da cultura das guildas e do culto ao diploma. Algumas carreiras abertas, como a de programador, já tinham sindicatos bem ávidos em conseguir regulamentação, seguindo o caminho de outras carreiras protegidas.
Esta decisão mostra que estas tentativas não serão mais aceitas. E quem sabe, um dia podemos ver o fim da reserva do diploma em outras áreas.
Não se iludam, o "diploma obrigatório" para jornalistas só caiu devido à inevitabilidade do fim dos jornais como conhecemos hoje... quando qualquer pessoa pode expor sua opinião em um blog, não há como uma lei jurássica como esta se manter de pé. OAB, Creas e etc continuarão existindo por muuuito tempo neste país piada.
É um passo à frente, mas a caminho é longo...
Enfim, a corte-mor livrou-nos da idade das trevas, nada como erro e acerto para fornecer o ÚNICO norte do homem que se pretende livre...
As pessoas podem e são manipuladas o tempo todo.
A mente humana funciona assim e é condicionada a acreditar em deuses e salvadores desde o berço.
São poucas aquelas que conseguem enxergar além do óbvio.
E já que falamos em diplomas, na Alemanha, até um padeiro, para gerir uma padaria, necessita ser diplomado. Não é um curso superior, mas pelo menos eles conseguem produzir pães de excelente qualidade, até mesmo sem os enchimentos químicos aos quais estamos todos acostumados aqui.
Diploma não garante nenhuma qualidade, aqui no Brasil, que tem um dos piores e mais atrasados sistemas de ensino.
Aqui, o prevalece é a burrice e a massificação.
Viva a idiocracia!
É realmente uma conquista. Gostei de ter citado o alistamento militar e o voto obrigatório. Quero ver agora o nosso Supremo dizer que o cidadão é livre para escolher se quer votar ou não. Aí sim eu estaria convencida de que o governo CONFIA no povo.
Seria interessante ver até onde o cidadão brasileiro consegue lidar com a tal da liberdade.
Bosco Carvalho, o nosso provincianismo é também uma questão a ser superada para sermos realmente uma nação livre. Por que o senhor acha a Alemanha um caso exitoso com essa história de diploma até para padeiro? E por que o que é bom para a Alemanha é exemplo para nós?
Vamos liberar o diploma para as profissões, quem sabe assim eu seja operado por um pseudo médico sem diploma.
Anderson,todo mundo faz essa confusao.. Ninguém ta defendendo que o cidadao seja operado por um pseudomedico. A defesa é de o individuo seja operado por quem ELE desejar. Se vc for operado por alguem que lhe disse ser medico sem o ser. isso nao é caso de regulamenteçao, e sim de FRAUDE! Saiba diferenciar.
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