Rodrigo Constantino, O GLOBO
A inflação acumulada nos últimos 12 meses, medida pelo IPCA, passou de 6,5%. Rompeu, portanto, o topo da meta do Banco Central (BC). Ao que tudo indica, ela deverá subir ainda mais nos próximos meses. Diante deste quadro preocupante, o governo abusa da retórica, mas faz pouco para domar o dragão.
O BC, que não possui independência legal no Brasil, aposta em uma inflação migrando para o centro da meta em 2012. Seu presidente, Alexandre Tombini, chegou a afirmar que a medida do governo, de impor à BR Distribuidora uma redução de preço dos combustíveis, ajuda a combater a inflação. O ministro Guido Mantega pediu que empresários não repassassem aumentos dos custos. Será que voltamos aos tempos do congelamento de preços, que ataca o sintoma e não as causas da inflação? Qual será o próximo passo? Resgatar os famosos fiscais do Sarney?
O governo tem jogado a culpa da inflação em fatores exógenos, como a alta das commodities. É verdade que seu preço subiu bem nos últimos meses, o que também colaborou para o crescimento da economia brasileira, abundante em recursos naturais. Mas não é correto limitar o problema a este fator. Os preços ligados ao setor de serviços subiram ainda mais que a média geral, chegando perto de 9% nos últimos 12 meses. O que está causando esta acelerada alta dos preços então?
Como sabia Milton Friedman, a inflação é sempre um fenômeno monetário. Os demagogos já culparam até a ganância dos empresários, ou choques de oferta fora do controle dos governos, mas o fato é que nada disso produz aumento generalizado dos preços. Quando isto ocorre, é porque há aumento da base monetária e do crédito na economia. E ambos são controlados pelo governo. A inflação é uma deliberada política de governo.
Esta é a “herança maldita” que o governo Lula deixou para sua sucessora, que pouco tem feito para contornar o problema. Os gastos públicos explodiram nos últimos anos de mandato do presidente Lula, e o “corte” de R$ 50 bilhões anunciado pela presidente Dilma representa, na verdade, um aumento de gasto em relação a 2010, pois corta em cima de um orçamento inflado. O governo deveria efetivamente reduzir, de forma significativa, seus gastos explosivos.
Além disso, a expansão de crédito segue em ritmo irresponsável. O BNDES, que utilizou o argumento de medida anticíclica para aumentar absurdamente seus desembolsos durante a crise, não pisou no freio agora que a economia já está claramente aquecida, quiçá superaquecida. A demanda segue firme, a economia se encontra em pleno emprego e pode-se falar até mesmo em apagão de mão-de-obra em certos setores.
Para piorar a situação, o governo não apresentou uma única reforma estrutural, como a previdenciária, trabalhista ou tributária, que permitisse um choque de produtividade ao país. Os investimentos em infraestrutura e educação continuam pífios e de péssima qualidade. O modelo de expansão calcado em crédito e consumo está perto do esgotamento, e os gargalos levam justamente ao aumento da inflação. A economia brasileira parece um carro popular a 150 km/h em uma estrada esburacada, trepidando e com parafusos começando a se soltar. E há no governo quem pense que a solução é acelerar mais!
O BC fica de mãos atadas neste contexto. Suas medidas macroprudenciais são uma aposta incerta, e contar com a queda do preço das commodities é arriscar demais. Até porque uma correção das commodities poderia ser benéfica para a inflação, mas uma queda drástica poderia deteriorar nosso cenário econômico. Afinal, ele depende muito da melhora dos termos de troca, i.e., da alta do preço dos produtos que exportamos em relação ao que importamos. O governo deveria tomar cuidado com aquilo que deseja.
Para quem possui apenas um martelo, tudo se parece com um prego. Uma vez que o governo não faz sua parte, o único instrumento que o BC tem para atuar contra a inflação é a taxa de juros, além do compulsório dos bancos. Não existe mágica, ao contrário do que pensam os industriais da Fiesp. Manter a taxa de juros artificialmente baixa é permitir a volta do dragão inflacionário, o pior imposto para os mais pobres. Em um país com trauma de inflação e economia indexada, aceitar “um pouco mais” de inflação é brincar com fogo ao lado de um barril de pólvora. Nada recomendável.
A credibilidade de um banco central é crucial para ancorar as expectativas inflacionárias. Enquanto o governo ficar somente no discurso, os agentes de mercado terão motivos para receio. A pergunta é legítima: será que a inflação está saindo do controle?
Um comentário:
A questão da dívida na minha opinião é diretamente ligada a inflação e não seria apenas monetária.
Abraço
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