Editorial do Estadão
O governo tem o direito de retaliar empresas privadas, quando não concorda com decisões de seus dirigentes, segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Ele expôs sua convicção de forma inequívoca, ao falar no Senado sobre a mudança de comando na Vale, decidida formalmente no mês passado. O governo, disse o ministro, poderia ter retaliado a Vale, quando seu principal executivo, Roger Agnelli, se recusou a atender a pedidos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não fez isso porque não quis, o que, segundo ele, mostra que não houve interferência do governo na substituição de Agnelli.
Mas a interferência foi evidente e ocorreu não só quando o presidente Lula pressionou a diretoria da Vale, mas também quando o ministro da Fazenda chamou o presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Lázaro Brandão, para discutir a sucessão de Agnelli. O banco integra o bloco de controle da Vale e a mudança na direção da empresa dependeria de sua concordância. Depois dos encontros do ministro com o banqueiro, uma fonte do Bradesco disse ter havido uma pressão massacrante. Essa informação foi divulgada na ocasião. A imprensa noticiou também a primeira reunião de Mantega com o banqueiro.
A indiscrição do ministro, segundo fonte do governo, desagradou à presidente Dilma Rousseff. Por que deveria desagradar, se aquele tipo de contato fosse absolutamente normal e não configurasse uma indisfarçável pressão política?
O ministro negou um fato evidente, ao desmentir a interferência na decisão sobre o afastamento de Agnelli. Mas foi absolutamente sincero ao expor sua opinião sobre os direitos do governo de interferir na gestão de uma empresa privada. Mantega recordou os motivos - bem conhecidos há muito tempo - da insatisfação de Lula em relação ao presidente da Vale. No pior momento da crise, no fim de 2008, a empresa anunciou a demissão de 1.200 funcionários - um número pequeno, seja em comparação com seu quadro de empregados, seja em confronto com as dispensas ocorridas em outras companhias, no Brasil e no exterior. O presidente Lula pressionou publicamente não só a diretoria da Vale, mas também a da Embraer, por causa dos cortes de pessoal na primeira fase da recessão. Não teve sucesso, mas tentou intervir e exorbitou de seu papel ao criticar executivos por tomarem uma decisão legal e perfeitamente normal naquela circunstância.
"Não vejo situação mais democrática do que essa", disse Mantega, referindo-se à ação do presidente. É uma concepção muito particular de democracia, já que o presidente agiu de forma nitidamente autoritária, tentando interferir na direção de duas grandes empresas privadas. O ministro parece haver esquecido, além disso, as bem conhecidas tentativas de derrubar o presidente da Vale, também noticiadas prontamente pela imprensa.
O presidente Lula censurou a Vale também por exportar minério à China em vez de aço, um produto com maior valor agregado. Mas o investimento industrial necessário para isso estava fora dos planos imediatos da empresa. Também isso foi tratado como afronta. A Vale, segundo o ministro, deveria atender ao "interesse nacional". Em outras palavras, o governo tentou, sim, interferir na orientação da empresa. Nem é preciso, aqui, sublinhar a espantosa ingenuidade econômica revelada pelo presidente da República e por seu ministro, ao cobrarem da Vale, no meio da crise internacional, um investimento num setor com grande capacidade ociosa.
O ministro Mantega talvez tenha sido mais transparente do que pretendia, ao mencionar a retaliação não executada pelo governo. Se o governo poderia ter retaliado, essa retaliação deveria corresponder a um direito - pelo menos na sua concepção. Essa ideia pode causar estranheza a quem não conheça a "ideologia petista". Mas é perfeitamente compatível com os padrões seguidos pela administração petista. Afinal, a retaliação não é mais que a contrapartida - com sinal trocado - dos favores distribuídos por esse mesmo governo, por meio dos bancos federais, a empresas selecionadas segundo o arbítrio de quem maneja o dinheiro. Não é isso igualmente democrático, segundo o critério de Mantega?
2 comentários:
Pelo menos esse é sincero.
O conceito de democracia do ministro não é peculiar: é cínico. Como responsável pelo Tesouro, ele poderia preocupar-se com os perdões de dívidas externas de vários países perpetradas pelo governo. Se a preocupação for com a eficiência de grandes empresas, ele poderia intervir e não permitir que a refinaria da Petrobras na Bolívia fosse cedida governo daquele país. Poderia, também, preocupar-se e agir no caso da revisão do Acordo de Itaipu, onde a energia paga ao Paraguai terá seus preços majorados. E logicamente, o consumidor brasileiro de energia, estará pagando a mais por energia cedida ao Paraguai. Ou reverter a escalada de gastos públicos durante todo o governo de 2003 a 2010. Pelo contrário, com a crise de 2008, os gastos foram batizados de "anticíclicos", dando uma ideia de antevisão dos efeitos da crise, aspecto que efetivamente não pode ser creditada como verdadeira.
Dawran Numida
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