sábado, maio 21, 2011

O caseiro do Piauí e a camareira da Guiné

Augusto Nunes, Veja

Nascido no Piauí, Francenildo Costa era caseiro em Brasília. Em 2006, depois de confirmar que Antonio Palocci frequentava regularmente a mansão que fingia nem conhecer, teve o sigilo bancário estuprado a mando do ministro da Fazenda.

Nascida na Guiné, Nafissatou Diallo mudou-se para Nova York em 1998 e é camareira do Sofitel há três anos. Domingo passado, enquanto arrumava o apartamento em que se hospedava Dominique Strauss-Kahn, foi estuprada pelo diretor do FMI e candidato à presidência da França.

Consumado o crime em Brasília, a direção da Caixa Econômica Federal absolveu liminarmente o culpado e acusou a vítima de ter-se beneficiado de um estranho depósito no valor de R$ 30 mil. Francenildo explicou que o dinheiro fora enviado pelo pai. Por duvidar da palavra do caseiro, a Polícia Federal resolveu interrogá-lo até admitir, horas mais tarde, que o que disse desde sempre era verdade.

Consumado o crime em Nova York, a direção do hotel chamou a polícia, que ouviu o relato de Nafissatou. Confiantes na palavra da camareira, os agentes da lei descobriram o paradeiro do hóspede suspeito e conseguiram prendê-lo dois minutos antes da decolagem do avião que o levaria para Paris ─ e para a impunidade perpétua.

Até depor na CPI dos Bingos, Francenildo, hoje com 28 anos, não sabia quem era o homem que vira várias vezes chegando de carro à “República de Ribeirão Preto”. Informado de que se tratava do ministro da Fazenda, esperou sem medo a hora de confirmar na Justiça o que dissera no Congresso. Nunca foi chamado para detalhar o que testemunhou. Na sessão do Supremo Tribunal Federal que julgou o caso, ele se ofereceu para falar. Os juízes se dispensaram de ouvi-lo. Decidiram que Palocci não mentiu e engavetaram a história.

Depois da captura de Strauss, a camareira foi levada à polícia para fazer o reconhecimento formal do agressor. Só então descobriu que o estuprador é uma celebridade internacional. A irmã que a acompanhava assustou-se. Nafissatou, muçulmana de 32 anos, disse que acreditava na Justiça americana. Embora jurasse que tudo não passara de sexo consensual, o acusado foi recolhido a uma cela.

Nesta quinta-feira, Francenildo completou cinco anos sem emprego fixo. Palocci completou cinco dias de silêncio: perdeu a voz no domingo, quando o país soube do milagre da multiplicação do patrimônio. Pela terceira vez em oito anos, está de volta ao noticiário político-policial.

Enquanto se recupera do trauma, a camareira foi confortada por um comunicado da direção do hotel: “Estamos completamente satisfeitos com seu trabalho e seu comportamento”, diz um trecho. Nesta sexta-feira, depois de cinco noites num catre, Strauss pagou a fiança de 1 milhão de dólares para responder ao processo em prisão domiciliar. Até o julgamento, terá de usar uma tornozeleira eletrônica.

Livre de complicações judiciais, Palocci elegeu-se deputado, caiu nas graças de Dilma Rousseff e há quatro meses, na chefia da Casa Civil, faz e desfaz como primeiro-ministro. Atropelado pela descoberta de que andou ganhando pilhas de dinheiro como traficante de influência, tenta manter o emprego. Talvez consiga: desde 2003, não existe pecado do lado de baixo do equador. O Brasil dos delinquentes cinco estrelas é um convite à reincidência.

Enlaçado pelo braço da Justiça, Strauss renunciou à direção do FMI, sepultou o projeto presidencial e é forte candidato a uma longa temporada na gaiola. Descobriu tardiamente que, nos Estados Unidos, todos são iguais perante a lei. Não há diferenças entre o hóspede do apartamento de 3 mil dólares por dia e a imigrante africana incumbida de arrumá-lo.

Altos Companheiros do PT, esse viveiro de gigolôs da miséria, recitam de meia em meia hora que o Grande Satã ianque é o retrato do triunfo dos poderosos sobre os oprimidos. Lugar de pobre que sonha com o paraíso é o Brasil que Lula inventou. Colocados lado a lado, o caseiro do Piauí e a camareira da Guiné gritam o contrário.

Se tentasse fazer lá o que faz aqui, Palocci teria estacionado no primeiro item do prontuário. Se escolhesse o País do Carnaval para fazer o que fez nos Estados Unidos, Strauss só se arriscaria a ser convidado para comandar o Banco Central. O azar de Francenildo foi não ter tentado a vida em Nova York. A sorte de Nassifatou foi ter escapado de um Brasil que absolve o criminoso reincidente e castiga quem comete o pecado da honestidade.

Comentário: Perfeita a análise de Augusto Nunes, mostrando a discrepância entre o império da lei nos Estados Unidos e a impunidade que rola solta na República das Bananas brasileira. A melhor síntese para capturar esta diferença foi feita por Roberto Da Matta certa vez. Nos EUA, se alguém é visto tentando furar fila, logo escuta um "quem você pensa que é?". No Brasil, se o mesmo acontece e alguém reclama com o malandro, escutará dele um "você sabe com quem está falando?". É isso, gente. Mas os petralhas insistem que é lá nos States que o pobre é explorado, enquanto aqui é a terra da "justiça social".

4 comentários:

Diego lima disse...

Gostei da publicação, concordo com a maioria das suas opiniões. Entretanto, A terra do "tio sam" só serve como exemplo no poder judiciário. A desigualdade nos últimos tempos aumento consideravelmente, sem falar na saúde. Ainda prefiro os países escandinavos que, mesmo com a famosa sufocação do Estado, continuam tendo melhor qualidade de vida, etc. do que os EUA.

Bulmastiff disse...

Perfeito o texto do Augusto Nunes é um texto simple e realista, deveria ser lido no intervalo da novela da globo em cadeia nacional. Ele mostra como somos atrasados.

Agora discordando completamente do Diego Lima. NOs EUA não é só o poder Judiciário que presta. Lá se encontra todos os prémios nobel de economia e ciência e tecnologia, lá também se encontra as 14 das 20 melhores UNIVERSIDADEs do mundo. Os paises escandinavos nunca produziram nada ao mundo, nos EUA é a onde o mundo acontece.


Se a Desigualdade cresceu lá é porque a quantidade de imigrante dos paises não segue o modelo dos Americanos é alta.

Pedro Albuquerque disse...

Não há dúvidas de que os EUA não podem ser comparados ao Brasil. Mas a justiça americana está longe de ser perfeita, e o tratamento de suspeitos célebres nos EUA ultimamente lembra um circo macabro. A falta de proteção do suspeito representa um excesso de poder do estado que já levou a muitas injustiças graves nos EUA, o caso mais recente sendo o de Duke lacrosse. E duvido que a lei fosse aplicada com o mesmo rigor à maior parte dos grandes políticos americanos (exemplo, os Kennedys).

Temos certamente que admirar as muitas coisas boas dos EUA, mas temos também que reconhecer e evitar as suas coisas ruins -- até porque não vão em boa direção já faz mais de uma década, independentemente de partido.

Anônimo disse...

Se os impostos pelo menos retornassem de alguma forma, seria bom. Mas só ajudam a concentrar renda nas mãos dos griminosos que infestam o governo, que aliás é o governo mais corrupto do mundo.

Cada brasileiro paga 5,6 mil reais de imposto por ano. Cada brasileiro, independente de idade, sexo, profissão... E cada brasileiro está devendo 10 mil reais de dívida pública. A dívida externa é de 2,75 mil, também por cabeça.

Ou seja, o que o governo recolhe de impostos, ele ROUBA.